ARTIGO DE OPINIÃO: NOSSA LÍNGUA PORTUGUESA?
Academia Brasileira de Letras recria
a Torre de Babel no novo vocabulário.
A Academia
Brasileira de Letras, além dos tradicionais chás com pasteizinhos de carne de
todas as quintas-feiras, usou seu tempo nos últimos meses para elaborar o novo
Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. Um trabalho malfeito, pouco
rigoroso, repleto de vícios. Pretendia-se atualizar o vernáculo e o que se fez
foi encher o português de expressões exóticas. Aos mais de 340.000 vocábulos da
edição anterior, de 1981, foram acrescidos outros 6.000, entre eles palavras de
origem alienígena, como network, pessach, inro, tzedaká, colt,off-line e
output. O pecado capital dessas inserções é que elas foram feitas sem nenhum
critério sério. “Nossa equipe analisava cada caso, procurando ficar com os
termos mais usados em dicionários, livros e meios de comunicação”, explica
Antônio José Chediak, coordenador da comissão de dez pessoas que elaborou o
léxico. “Quando havia dúvida se a palavra era realmente frequente,
conversávamos até chegar a um consenso.”, diz. Ou seja, não se realizou nenhuma
pesquisa para quantificar a ocorrência dos novos verbetes nas fontes estudadas.
O resultado é
um arbítrio só. Deverá ser ignorado pelos dicionaristas sérios, que sabem que a
língua, como o conjunto de vocábulos e expressões usados por um povo, exige
representatividade. Ninguém pode opor-se ao aportuguesamento de palavras
estrangeiras e à sua inclusão no léxico quando o uso desses vocábulos se
generaliza. Foi assim sempre. O português tomou emprestado do árabe as palavras
alcachofra, alface, alforria. Do Francês vieram abajur e garçom. Do quimbundo,
língua dos escravos vindos de Angola, os vocábulos moleque e quibebe. Do
inglês, mais recentemente, uma série de vocábulos vinculados à área de
computação, como e-mail, internet, mouse, joystick, modem ou deletar.
São palavras
que se impuseram aos usos e costumes nacionais. Mas, no caso do trabalho da
comissão criada pela Academia, grande parte de todos os estrangeirismos
recém-incorporados à língua veio do hebraico, língua familiar e religiosa de
aproximadamente 110.000 pessoas no Brasil. Seria compreensível que palavras
hebraicas passassem a fazer parte de uma lista como a feita pela Academia se
tivessem sido colhidas por meio de um critério razoavelmente rigoroso. Não foi
isso que aconteceu. “Recebemos a colaboração de um rabino e não tivemos tempo
de consultar especialistas de línguas como o japonês e o italiano.”, diz
Chediak. Assim, palavras nipônicas de uso corrente no Brasil, como sushi e
sashimi, devido à popularidade dos restaurantes japoneses espalhados pelo país,
não foram incluídas na lista. Em vez destas, o rol da Academia incorporou vocábulos
como inro, que quer dizer, pasmem, porta-remédio em japonês. Entre as palavras
hebraicas introduzidas contam-se verbetes como chanuká (uma festa judaica),
chalá (um tipo de pão), chazan (o cantor da sinagoga), gefiltefish (bolinho de
peixe), tzedaká (uma boa ação) e shofar (chifre de cabra usado como berrante em
cerimônias judaicas).
Outro membro
da comissão, o ex-ministro da educação Eduardo Portella, justifica os
esquecimentos e as inclusões de vocábulos pouco usados com um argumento que tem
mais afinidade com as relações internacionais do país do que com as questões
vernáculas. “O hebraico vem fazendo um esforço muito grande para se consolidar,
enquanto o inglês já nem precisa mais fazer esforço algum”, diz Portella. Se em
vez de fazer o novo Vocabulário a Academia Brasileira de Letras tivesse
brincado de falar a língua do pê, seria igualmente inútil, mas, pelo menos, mais
divertido.
VEJA,
Abril, São Paulo, p. 113, 16 set. 1998. Idioma.
1 – Esse texto foi retirado de uma revista de informações
gerais que circula semanalmente em todo o país. Em geral, essa revista informa
sobre os mais diferentes assuntos e também possui espaços reservados para
opiniões de articulistas que assinam os textos que escrevem. O texto que você
leu é predominantemente informativo ou opinativo? Converse como o professor a
esse respeito.
Apesar de o texto não estar assinado e trazer uma
informação no tópico frasal do primeiro parágrafo, é predominantemente
opinativo. O autor trata, em todo o texto, de desenvolver argumentos para
provar que o novo vocabulário divulgado pela Academia é inútil. O título e o
subtítulo também endossam essa ideia.
2 – Qual é o perfil provável do interlocutor desse texto?
Como o artigo foi publicado em sua revista de
informação geral, de periodicidade semanal, conclui-se que o texto foi escrito
para uma pessoa de certo nível cultural, que procura informações atualizadas.
3 – Releia a primeira frase do primeiro parágrafo. Observe
que a informação é sarcástica.
a) No que consiste o sarcasmo?
Em dizer, nas entrelinhas,
que a Academia não produz nada além de “chás com pasteizinhos de carne” às
quintas-feiras.
b) Com que intenção foi utilizada?
Desmerecer o trabalho da
Academia Brasileira de Letras.
4 – Observe que os organizadores do novo vocabulário também
foram ouvidos. De que forma o articulista usou essas declarações para endossar
sua opinião?
“Nossa equipe analisava cada caso, procurando ficar com os
termos mais usados em dicionários, livros e meios de comunicação. Quando havia
dúvida se a palavra era realmente frequente, conversávamos até chegar a um
consenso.”
O articulista usa essa declaração para provar que o
critério de seleção de palavras não foi sério e uma pesquisa quantitativa não
foi realizada.
“Recebemos a colaboração de um rabino e não tivemos tempo de
consultar especialistas de línguas como o japonês e o italiano.”
O articulista tenta provar a falta de um critério
rigoroso para a incorporação de palavras estrangeiras.
“O hebraico vem fazendo um esforço muito grande para se
consolidar, enquanto o inglês já nem precisa mais fazer esforço algum.”
A declaração pode constituir um argumento para a
incorporação de tantas palavras hebraicas, o articulista rebate dizendo que o
argumento é inválido, pois nada tem a ver com questões vernáculas.
5 – Releia:
“O resultado é um arbítrio só. Deverá ser ignorado pelos
dicionaristas sérios, que sabem que a língua, como o conjunto de vocábulos e
expressões usadas por um povo, exige representatividade.”
a) O que é arbítrio? Por que essa
palavra foi usada para caracterizar o novo vocabulário?
Decisão que depende
unicamente da vontade. Foi usada para mostrar que o novo vocabulário não é
resultado de uma pesquisa, mas uma lista de palavras “escolhidas” por dez
pessoas.
b) Qual o significado de
representatividade nesse trecho?
Significa que as palavras,
para serem incorporadas, devem estar sendo realmente usadas, e não depender
unicamente da vontade de alguns.
6 – Releia a última frase do texto:
“Se em vez de fazer o novo Vocabulário a Academia Brasileira
de Letras tivesse brincado de falar a língua do pê, seria igualmente inútil,
mas, pelo menos, mais divertido.”
a) Qual é a função dessa última frase do
texto?
Reforçar a ideia de
inutilidade do trabalho da Academia Brasileira de Letras.