domingo, 18 de fevereiro de 2018

ARTIGO DE OPINIÃO: DRAMA INÚTIL - MAGNO DE AGUIAR - COM GABARITO

ARTIGO DE OPINIÃO: DRAMA INÚTIL
                                         Magno de Aguiar

     Para centenas de milhares de jovens está em curso mais um festival nacional da tortura. Trata-se dos vestibulares para ingresso no ensino superior, um conjunto de provas, resultados, matrículas, reclassificações e remanejamentos que, atualmente, levam os jovens e seus familiares a uma situação de intenso estresse.
        É nesta época que a imprensa tradicionalmente se ocupa do vestibular, e, muitas vezes, o aponta como grande causador dos males da educação de nível médio.
        O vestibular já tem 86 anos de história no Brasil e pode, ser considerado um processo esgotado. Mas não pode ser responsabilizado pela má formação dos alunos que chegam à universidade, resultante, entre outros fatores, da massificação do ensino superior, da insuficiência de professores no ensino médio, e da sua má remuneração e do despreparo de muitos deles, bem como da falta generalizada de recursos no ensino público.
        Qualquer pessoa mais atenta sabe que o vestibular, hoje, é mais prova de fôlego, e até mesmo uma seleção elitizante, do que um exame intelectual confiável. Os educadores especializados nessa área já perceberam isso há bastante tempo, e têm introduzido algumas alterações ao longo dos anos, porém com resultados pouco animadores.
        Na verdade, o vestibular é um fato episódico, destinado a medir em dois ou três dias o que o aluno aprendeu ao longo de 11 anos. Na sua forma atual, ele não passa de um mecanismo de seleção e de um diagnóstico do sistema que o precede.
        Está mais do que na hora, portanto, de se adotar mecanismos de seleção mais eficientes e menos estressantes. A nova Lei de Diretrizes e Bases permite que as universidades escolham seu processo seletivo. Está na hora de as universidades colocarem a criatividade para funcionar, buscando alternativas de acesso confiáveis, e que conjuguem capacidade intelectual de indivíduos componentes de minorias com oportunidade de desenvolvimento pessoal e profissional.
        Não é possível desconsiderar grupos minoritários com problemas específicos de natureza socioeconômico e cultural que aspiram à formação em escalas de 3º Grau. Os novos critérios devem assegurar a igualdade de condições para todos os candidatos. Na definição desses novos métodos, não se pode deixar de lado a escola de ensino médio, com a qual a universidade precisa articular-se e trocar experiências.
        É preciso, pois, considerar a existência de testes que meçam aprendizagem ao lado dos que detectam a capacidade de aprender (sinalizadores e preditivos).
        As universidades estão devendo isso à sociedade, para que, de agora em diante, o acesso ao ensino superior passe a ser encarado como um episódio normalíssimo na vida do estudante, e não como um “tudo ou nada”.

             Magno de Aguiar Maranhão é membro do Conselho Estadual de
                 Educação (RJ), reitor do Centro Universitário Augusto Motta (RJ),
                      É pró-reitor acadêmico da Universidade Veiga de Almeida (RJ).

Entendendo o texto:
01 – Quanto ao título, explique a escolha do adjetivo nele ocorrente.
       Por não apresentar consequências positivas, já que é um drama.

02 – Qual a tese defendida pelo autor?
       A instituição Vestibular e o que decorre dele é estressante.

03 – No primeiro parágrafo, de que recurso lança mão o autor para fazer o desdobramento da tese?
       Citações.

04 – Segundo o autor, qual a crítica, feita pela imprensa, sobre a realização de vestibular?
       O Vestibular é gerador de males educacionais do país.

05 – Há, no segundo parágrafo, uma construção frasal que contraria regra gramatical. Transcreva a passagem na qual tal ocorrência se dá.
       O emprego da próclise do pronome “o”: “... e, muitas vezes, o aponta...”.

06 – Embora sem especificar a posição da imprensa sobre o Vestibular, o autor contrapõe-se no terceiro parágrafo, apontando causas para a má formação dos alunos que chegam à Universidade. Cite-as.
       O Vestibular é um processo esgotado, mas não é responsável pela formação do aluno.

07 – Resuma as ideias do quarto parágrafo.
       O Vestibular é extenuante e elitizante e já se procederam a modificações que não são animadoras.

08 – Dando sequência ao seu posicionamento crítico-pessoal, o autor volta a classificar o Vestibular no quinto parágrafo. Elabore um único período. Resuma as ideias nele contidas.
       A forma atual do Vestibular não vai além de um mecanismo de seleção e de um diagnóstico imperfeito.

09 – O sexto parágrafo caracteriza-se por ser antecipador de uma conclusão. Que conclusão é essa a que chega o autor?
        Está na hora de se adotar mecanismo de seleção mais eficiente.

10 – Quanto à sua estrutura, o que representa o sétimo parágrafo em relação ao anterior?
        Mantém com o anterior uma relação de desenvolvimento, comprovação de ideias, ampliação.

11 – Na sua linha argumentativa, o autor apresenta um elemento resultante do atual perfil do Vestibular, associando-o a uma injustiça que o formato do concurso provoca. Que injustiça é essa?
        A de desconsiderar grupos minoritários socioeconomicamente alinhados.

12 – Por que o oitavo parágrafo é um desdobramento do anterior quanto ao conteúdo que expõe?
        Porque desenvolve a ideia que remete do grupo minoritário.

13 – Que tipo de sugestão o autor apresenta no nono parágrafo?
        Sugere que haja uma articulação entre a universidade e a escola de ensino médio.

14 – Em um outro posicionamento conclusivo, no décimo parágrafo o autor aponta uma necessidade no sentido de dar melhor compleição ao Vestibular. Cite-a.
        A posição é que se deva aplicar testes que meçam aprendizagem e a capacidade individual.

15 – Em termos estruturais, o que representa o último parágrafo.
        Representa uma conclusão.

16 – O autor afirma que o vestibular é “um festival nacional de tortura”. Transcreva do texto passagens que, fazendo parte da linha argumentativa, venham a comprovar a tese mencionada.
        “... um conjunto de provas, resultados (...) a uma situação de intenso estresse”.

17 – Você está vivenciando o momento a que se referiu o texto. Você concorda com a posição do autor? Justifique a sua resposta, acrescentando, se for o caso, alguns outros argumentos não utilizados pelo autor.
        Resposta pessoal.

18 – Faça o que se pede em relação aos elementos mencionados do texto “Drama Inútil”.
            a) Substitua por palavras ou expressões de mesmo valor significativo:
     --- do primeiro parágrafo:
1 – “Festival Nacional da Tortura”.
Sessão nacional de estresse.

2 – “Trata-se” / “Para ingresso”.
Diz respeito ao / Para acesso.

--- do terceiro parágrafo:
1 – “Mesmo” / “Esgotado” / “Mas” / “Resultante” / “Bem como”.
Inclusive/Acabado/Porém/Consequente/Assim como.

19 – Dê uma nova redação ao sexto parágrafo.
       Resposta pessoal.



sábado, 17 de fevereiro de 2018

CRÔNICA: SER FILHO É PADECER NO PURGATÓRIO - CARLOS EDUARDO NOVAES- COM GABARITO

CRÔNICA: SER FILHO É PADECER NO PURGATÓRIO
                      Carlos Eduardo Novaes

        – Pssiu, psssiu!
   – Eu? – virou-se Juvenal, apontando o próprio peito.
        – É. O senhor mesmo. – confirmou o comerciante à porta da loja. Venha cá por favor.
        Juvenal aproximou-se. O comerciante inclinou-se sobre ele e, como que lhe segredasse algo, perguntou:
        – O senhor tem mãe?
        – Tenho.
        – Gosta dela?
        – Gosto.
        – Então é com o senhor mesmo que eu quero falar. Vamos entrar. Tenho aqui um presente especial para sua mãe.
        – Tem mesmo? Mas por que o senhor não entrega a ela pessoalmente?
        – Porque ela é sua mãe, não é minha. O senhor é que deve entregar o presente.
        – Está bem. Então o senhor me dá que eu dou pra ela.
        – Dar, não. – corrigiu o comerciante. – Infelizmente, não estamos em condições. As vendas só subiram 75%. Vou ter que lhe vender o presente.
        – Mas eu não estava pensando em comprar um presente agora para minha mãe. O aniversário dela é em novembro.
        – Não é pelo aniversário. É pelo dia das mães.
        – Dias das mães? – repetiu Juvenal, sempre desligado. – Mães de quem?
        – Mães de todos. É depois de amanhã, domingo.
        – É mesmo? E quem disse isso?
        – Bem…
        – Está na Bíblia?
        – Não. Ele foi criado por nós, comerciantes, para permitir que vocês manifestem seu amor e carinho por suas mães.
        – Puxa, vocês são tão legais. Eu não sabia que os comerciantes gostavam tanto da mãe da gente.
        – Pois acredite. E olhe, vou lhe contar um segredo: nós gostamos mais da mãe de vocês do que da nossa.
        – É mesmo? E por que assim?
        – Porque a nossa não deixa lucro. Pelo contrário. Todo ano, no dia das mães, sou obrigado a desfalcar a loja para presenteá-la.

NOVAES, Carlos Eduardo. Juvenal Ouriço repórter. 
Rio de Janeiro, Editora Nórdica, 1977.


Entendendo o texto:
Lido o texto, responda às questões a seguir, assinalando a única opção correta: –
01 – O comerciante perguntou se Juvenal gostava de sua mãe porque queria:
a. (   ) deixá-lo emocionado.           b. (   ) expor seus sentimentos
c. (X) vender-lhe um presente.       d. (   ) saber se ele era um bom filho.

02 – Com esse texto, o autor pretendeu demonstrar que:
a. (   ) merece purgatório quem esquecer o Dias das Mães.
b. (X) o comércio se importa apenas com o lucro das vendas.
c. (   ) o amor filial se torna mais evidente no Dias das Mães.
d. (   ) um único dia no ano é pouco para homenagear as mães.

03 – Em que dia da semana o comerciante conversou com Juvenal?
a. (   ) segunda-feira                b. (   ) domingo             
c. (X) sexta-feira                      d. (   ) quarta-feira.

04 – Em: “… sou obrigado a desfalcar a loja…”, a palavra em    destaque pode ser substituída por:
a. (X) diminuir      b. (   ) desperdiçar      c. (   ) furtar.

05 – Por que Juvenal pareceu surpreso quando o comerciante se referiu ao Dias das Mães?
      Porque Juvenal era desligado.

06 – Pelo que se lê no texto, Juvenal costumava presentear sua mãe? Justifique sua resposta.
      O texto deixa supor que ele só presenteava no dia do seu aniversário.

07 – O comerciante afirma que gosta mais das mães dos outros que da sua. Por quê?
      Porque, segundo o comerciante, as mães dos outros dão lucro para a loja e a dele dá prejuízo.

08 – No trecho abaixo, as palavras em negrito podem ter sido empregadas de maneira imprópria. Corrija o emprego, trocando-as para o lugar certo:
        Quando tentei confirmar meu amor pela Ingrácia, ela não me segredou que falasse e até demonstrou no meu ouvido que aquele momento era impróprio. Eu ainda tentei permitir, dizendo que todo momento era próprio, mas ela manifestou o que dissera e corrigiu certo desagrado pela minha insistência.
        Quando tentei manifestar meu amor pela Ingrácia, ela não me permitiu que falasse e até segredou no meu ouvido que aquele momento era impróprio. Eu ainda tentei corrigir dizendo que todo momento era próprio, mas ela confirmou o que dissera e demonstrou certo desagrado pela minha insistência.

           

CONTO: A ESCOLA DA VILA - VIRIATO CORRÊA - COM GABARITO

CONTO: A ESCOLA DA VILA
                 Viriato Corrêa

Fonte da imagem - https://www.blogger.com/blog/post/edit/7220443075447643666/8962504675627433419#

    Para quem já tivesse visto o mundo, a Vila do Coroatá devia ser feia, atrasada e pobre. Mas, para mim, que tinha vindo da pequenice do povoado, foi um verdadeiro deslumbramento.
        As quatro ou cinco ruas, com a maioria de casas de telha; os três ou quatro sobradinhos; as casas comerciais sempre cheias de mercadorias e de gente; as missas aos domingos; a banda de música de dez figuras; as procissões, de raro em raro, eram novidades que me deixaram maravilhado.
        A igreja acanhadinha e velha, onde os morcegos voejavam, tinha aos meus olhos um esplendor estonteante.
        A Casa da Câmara, acaçapada e pesadona, com o vasto salão onde, às vezes, se realizavam festas, parecia-me um palácio.
        O que mais me encantou foi a escola.
        Quando chegamos à vila, já haviam acabado as férias. Durante os quinze dias em que fiquei em casa curando-se das febres, eu via, da janela, as crianças passarem em grandes bandos, à hora em que terminavam as aulas. A vontade de ficar bom para misturar-me com aquela meninada alegre apressou a minha cura.
        A escola funcionava num velho casarão de vastas salas, que devia ter mais de meio século.
        Quando lá entrei, no primeiro dia, levado pela mão de meu pai, senti no peito o coração bater jubilosamente.
        Dona Janoca, a diretora, recebeu-me com o carinho com que se recebe um filho. Os meninos e as meninas, que me viram chegar, olharam-se risonhamente, como se já houvessem brincado comigo.
        Eu que vinha do duro rigor da escola do povoado, de alunos tristes e de professor carrancudo, tive um imenso consolo na alma.
        A escola da Vila era diferente da escolinha da povoação como o dia o é da noite.
        Dona Janoca tinha vindo da capital, onde aprendera a ensinar crianças.
        Era uma senhora de trinta e cinco anos, cheia de corpo, simpática, dessas simpatias que nos invadem o coração sem pedir licença.
        Havia nas suas maneiras suaves um quê de tanta ternura que nós, às vezes, a julgávamos nossa mãe.
        A sua voz era doce, dessas vozes que nunca se alteram e que mais doces se tornam quando fazem alguma censura.
        Mostrava, sem querer, um grande entusiasmo pela profissão de educadora: ensinava meninos porque isso constituía o prazer de sua vida.
        Se um aluno adoecia, ela, apesar dos afazeres, encontrava tempo pra lhe levar uma fruta, um biscoito, um remédio
        Vivia arranjando livros, papel e lápis nas casas comerciais para os meninos paupérrimos. Se um pai se recusava a mandar o filho à escola corria a convencê-lo de que o pequeno nada seria na vida se não tivesse instrução.
        Quando chegou da capital para dirigir o grupo escolar da vila, o prédio em que as aulas funcionavam estava em ruinas e o mobiliário, de tão velho e maltratado, já não servia para nada.
        Era preciso dar àquilo um jeito de coisa decente. Mas não havia vintém.
        Ela trazia, como auxiliares, as suas irmãs Rosinha e Neném, ambas moças.
        E as três deixavam o povo surpreendido: saíram de casa em casa a pedir auxílio para as obras, fizeram rifas, organizaram festas, leilões, bazares de sorte, tudo enfim que pudesse render dinheiro.
        E a vila, cochilona e desacostumada a novidades, viu, com pasmo, dona Janoca e as irmãs, de brocha e pincel nas mãos, caiando e pintando paredes.
        E a velha casa, de mais de meio século, ressuscitou maravilhosamente, como os palácios surgem nos contos de fada.
        Os salões, amplos e claros, abriam-se de um lado e de outro do vasto corredor, com filas de carteiras escolares, vasos de plantas, aqui e ali, e jarras de flores sobre as mesas.
        As paredes, por si sós, faziam as delícias da pequenada. De alto a baixo uma infinidade de quadros, bandeiras, mapas, fotografias, figuras recortadas de revistas, retratos de grandes homens, coleções de insetos, vistas de cidades, cantos e cantinhos do Brasil e do mundo.
        E tudo aquilo me encantava de tal maneira que eu, às vezes, deixava de brincar todo o tempo do recreio para ficar revendo paisagem por paisagem, mapa por mapa, figurinha por figurinha.

                           Viriato Corrêa. Cazuza. São Paulo: Nacional, 2004.

Acaçapada: escondida, encolhida.
Jubilosamente: alegremente.

Entendendo o texto:
01 – O menino Cazuza ficou encantado com a Vila do Coroatá. O que mais o deixou maravilhado na vila?
       A escola.

02 – O que Cazuza sentiu quando entrou na escola no seu primeiro dia de aula?
       Ele sentiu no peito o coração bater jubilosamente.

03 – Como Cazuza foi recebido por todos na escola?
        A diretora o recebeu com o carinho com que se recebe um filho. Os meninos e as meninas o olharam risonhamente, como se já houvessem brincado com ele.

04 – Quando, em um texto, indicam-se as características de determinados objetos – pessoas, coisas, lugares, animais, etc. – apresentando ao leitor de que modo eles são ou se encontram, temos uma descrição. No texto “A escola da Vila”, qual é a descrição que o menino faz da diretora?
        Resposta possível: Dona Janoca era uma senhora de trinta e cinco anos, cheia de corpo, simpática, de maneiras suaves, terna, de voz doce, entusiasmada pela profissão, preocupada com a saúde dos alunos e que lutava para que todas as crianças frequentassem a escola.

05 – Como estavam o prédio, as instalações e a conversação da escola quando Cazuza a conheceu?
        O prédio em que as aulas funcionavam estava em ruínas e o mobiliário, de tão velho e maltratado, já não servia para nada.

06 – O que Dona Janoca fez para conseguir melhorias para a escola? Quem a ajudou?
        Ela e suas irmãs, Rosinha e Neném, saíram de casa em casa a pedir auxílio para as obras, fizeram rifas, organizaram festas, leilões, bazares de sorte, tudo enfim que pudesse render dinheiro.

07 – Como ficou a escola depois da reforma?
        Os salões, amplos e claros, abriam-se de um lado e de outro do vasto corredor, com filas de carteiras escolares, vasos de plantas, aqui e ali, e jarras de flores sobre as mesas. As paredes ficaram repletas de uma infinidade de quadros, bandeiras, mapas, fotografias, figuras, etc.

08 – Ao que Cazuza comparou a escola depois de reformada?
        Comparou-a com os palácios dos contos de fadas.

09 – A visão que o menino tinha de escola foi sempre a mesma? Por quê?
        Não. Pois a escola do povoado era de suro rigor, de alunos tristes e de educador carrancudo. A nova escola deu a Cazuza um imenso consolo na alma e o deixou encantado.

10 – Para demonstrar que a escola da Vila era muito diferente da escola que frequentou no povoado, Cazuza faz uma comparação. Copie a frase que a expressa.
        “A escola da Vila era diferente da escolinha da povoação como o dia o é da noite”.



CRÔNICA: HISTÓRIA DE BEM-TE-VI - CECÍLIA MEIRELES - COM GABARITO

CRÔNICA: HISTÓRIA DE BEM-TE-VI 
                      CECÍLIA MEIRELES


        Com estas florestas de arranha-céus que vão crescendo, muita gente pensa que passarinho é coisa de jardim zoológico; e outros até acham que seja apenas antiguidade de museu. Certamente chegaremos lá; mas por enquanto ainda existem bairros afortunados onde haja uma casa, casa que tenha um quintal que tenha uma árvore.  Bom será que essa árvore seja a mangueira.
        Pois nesse vasto palácio verde podem morar muitos passarinhos.
        Os velhos cronistas desta terra encantaram-se com canindés e araras, tuins e sabiás, maracanãs e “querejuás todos azuis de cor finíssima…”. Nós esquecemos tudo: quando um poeta fala num pássaro, o leitor pensa que é literatura…
        Mas há um passarinho chamado bem-te-vi. Creio que ele está para acabar.
        E é pena, pois com esse nome que tem – e que é a sua própria voz – devia estar em todas as repartições e outros lugares, numa elegante gaiola, para no momento oportuno anunciar a sua presença. Seria um sobressalto providencial e sob forma tão inocente e agradável que ninguém se aborrecia.
        O que me leva a crer no desaparecimento do bem-te-vi são as mudanças que começo a observar na sua voz. O ano passado, aqui nas mangueiras dos meus simpáticos vizinhos, apareceu um bem-te-vi caprichoso, muito moderno, que se recusava a articular as três sílabas tradicionais do seu nome, limitando-se a gritar: “…te-vi! …te-vi!”, com a maior irreverência gramatical. Como dizem que as últimas gerações andam muito rebeldes e novidadeiras, achei natural que também os passarinhos estivessem contagiados pelo novo estilo humano.
        Logo a seguir, o mesmo passarinho, ou seu filho ou seu irmão – como posso saber, com a folhagem cerrada da mangueira? – animou-se a uma audácia maior.
        Não quis saber das duas sílabas, e começou a gritar daqui, dali, invisível e brincalhão: “…Vi! …Vi! …Vi!”, o que me pareceu divertido, nesta era do twist.
        O tempo passou, o bem-te-vi deve ter viajado, talvez seja cosmonauta, talvez tenha voado com o seu team de futebol – que se há de pensar de bem-te-vis assim progressistas, que rompem com o canto da família e mudam os lemas dos seus brasões? Talvez tenha sido atacado por esses crioulos fortes que agora saem do mato de repente e disparam sem razão nenhuma no primeiro indivíduo que encontram.
        Mas hoje ouvi um bem-te-vi cantar. E cantava asim; “Bem-bem-bem-bem… te-vi!” Pensei: ‘É uma nova escola poética que se eleva da mangueira! …” Depois, o passarinho mudou. E fez: “Bem-te-te-te … vi!” Tornei a refletir: “Deve estar estudando a sua cartilha… Estará soletrando…”. E o passarinho: “Bem-bem-bem … te-te-te … vi-vi-vi!”
        Os ornitólogos devem saber se isso é caso comum ou raro. Eu jamais tinha ouvido uma coisa assim! Mas as crianças, que sabem mais do que eu, e vão diretas aos assuntos, ouviram, pensaram e disseram: “Que engraçado! Um bem-te-vi gago!”
        (É: talvez não seja mesmo exotismo, mas apenas gagueira…!)

                                                           (Cecília Meireles)


Vocabulário:
Ornitólogo – aquele que estuda as aves
Querejuá – nome de pássaro de plumas de cores vivas e variadas, comum na região litorânea da Bahia e Rio de Janeiro. Também conhecido como cotinga, catingá, crejoá, quereiná e quiruá.
Twist – dança de origem americana, da década de 1960.
Team – palavra da língua inglesa traduzida em português como “time”, isto é, grupo esportivo.

Entendendo o texto:
Após a leitura do texto, responda às questões abaixo:
A – Marque a alternativa que substitui a expressão que está em destaque nas frases:
01 – Muita gente acha que passarinho seja apenas antiguidade de museu.
a.(   ) coisa que não existe mais             b.(   ) coisa inútil
c.(X) coisa muita antiga                          d.(   ) coisa já esquecida.

02 – O canto do bem-te-vi seria um sobressalto providencial em todas as repartições.
a.(   ) um grande susto                            
b.(   ) uma surpresa agradável
c.(   ) um aviso atrasado                         
d.(X) um acontecimento inesperado e agradável.

03 – Um bem-te-vi caprichoso se recusava articular seu nome completo.
a.(   ) dizer        b.(X) pronunciar      c.(   ) cantar         d.(   ) explicar.

04 – O passarinho limita-se a gritar: “…te-vi! …”
a.(   ) começa a                      b.(   ) contenta-se com             
c.(   ) excede-se em               d.(X) restringe-se a.

05 – O bem-te-vi gritava com a maior irreverência gramatical.
a.(X) desrespeito                   b.(   ) prudência       
c.(   ) correção                       d.(   ) despreocupação.

06 – O bem-te-vi devia estar em todas as repartições para no momento oportuno anunciar sua presença.
a.(   ) marcado                           b.(X) favorável     
c.(   ) impróprio                          d.(   ) previsto.
07 – Como dizem que as últimas gerações andam muito rebeldes e novidadeiras achei natural seu comportamento.
a.(X) revoltadas               b.(   ) precipitadas      
c.(   ) descuidadas            d.(   ) impacientes.

B – Assinale a alternativa adequada para completar as frases seguintes, de acordo com o texto:
01 – No texto, o fato é narrado sobretudo com:
a.(   ) ironia                        b.(   ) tristeza     
c.(X) bom humor               d.(   ) saudosismo.

02 – No primeiro parágrafo do texto, diz-se que a relação entre o homem e a natureza será:
a.(X) cada vez menos frequente            
b.(   ) sempre importante
c.(   ) um privilégio para poucos              
d.(   ) coisa esquecida e desnecessária.

03 - Em repartições públicas, canto do bem-te-vi seria uma agradável surpresa porque:
a.(   ) alegraria os funcionários no trabalho
b.(X) lembraria a natureza num local caracteristicamente urbano
c.(   ) distrairia funcionários e visitantes
d.(   ) despertaria a curiosidade das pessoas da cidade.

04 – O fato interessante que o texto mostra a respeito do passarinho é:
a.(   ) seu aparecimento no quintal dos vizinhos
b.(   ) sua viagem com um time de futebol
c.(X) a mudança observada no seu canto
d.(   ) a mudança nas cores de suas penas.

05 – O canto “…te-vi! …te-vi! …” seria uma irreverência gramatical porque:
a.(   ) o verbo deve concordar com o sujeito
b.(X) não se deve começar uma frase com pronome pessoal oblique
c.(   ) deve-se pronunciar corretamente as palavras
d.(   ) deve-se iniciar frases sempre com maiúsculas.

C – Assinale mais de uma alternativa de acordo com o texto:
06 - O texto sugere várias causas para o comportamento do bem-te-vi, entre elas:
a.(   ) o bem-te-vi estava cansado
b.(X) estava soletrando sua cartilha
c.(   ) estava brincando
d.(X) o passarinho era gago
e.(X) estava fazendo poesia nova
f.(   ) era um passarinho preguiçoso.

D – Para você pensar e tirar suas conclusões.
01 – O texto fala sobre a probabilidade de haver passarinhos nas repartições públicas. É possível isso acontecer atualmente?
(   ) sim    (X) não       Por quê?
      Resposta pessoal.  Por lei brasileira é proibido ter em domicílio doméstico ou ter enjaulado animais silvestres. Se a lei proíbe tê-los em casa, nas repartições públicas é ainda mais impossível de tê-los. Lembrando também que o habitat natural dos animais silvestres é a mata, onde devem ficar livres para ir e vir. Aliás, o direito de ir e vir dos brasileiros é também aplicado aos animais silvestres que vivem no Brasil.