sexta-feira, 17 de outubro de 2025

CONTO: NA CASA DOS PRONOMES - EMÍLIA NO PAÍS DA GRAMÁTICA - MONTEIRO LOBATO- COM GABARITO

 Conto: Na Casa dos Pronomes – Emília no país da gramática

           Monteiro Lobato

        — Chega de Adjetivos — gritou a menina. — Eu não sei por quê, tenho grande simpatia pelos PRONOMES, e queria visitá-los já.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEihPiIZlWPSV6SmxjqcsJSXEaxE8ZPn8xSBAUsg-EjeKLxIc3RbuPhWvV0O8uvTrA_FdzVAhK-713G7VP5Pyi2xiwSHOipvUOW1ZY3TJnq_VS6H338qi2y8k9m2MRVNimO6nGbgqW7HhG_doiPek-_hS0-gntGPBmAJW4gXMwTgL9c46lX6k3txs3FDXIY/s320/PRONOMES.jpg


        — Muito fácil — respondeu o rinoceronte. — Eles moram naquelas casinhas aqui defronte. A primeira, e menor, é a dos Pronomes PESSOAIS.

        — Ela é tão pequena... — admirou-se Emília.

        — Eles são só um punhadinho, e vivem lá como em república de estudantes.

        E todos se dirigiram para a casa dos Pronomes Pessoais enquanto Quindim ia explicando que os Pronomes são palavras que também não possuem pernas e só se movimentam amarradas aos VERBOS.

        Emília bateu na porta — toque, toque, toque.           

        Veio abrir o Pronome Eu.

        — Entrem, não façam cerimônia.                              

        Narizinho fez as apresentações.                                     

        — Tenho muito gosto em conhecê-los — disse amavelmente o Pronome Eu. — Aqui na nossa cidade o assunto do dia é justamente a presença dos meninos e deste famoso gramático africano. Vão entrando. Nada de cerimônias.

        E em seguida:

        — Pois é isso, meus caros. Nesta república vivemos a nossa vidinha, que é bem importante. Sem nós os homens não conseguiriam entender-se na terra.

        — Todas as outras palavras dizem o mesmo — lembrou Emília.

        — E nenhuma está exagerando — advertiu o Pronome Eu. — Todas somos por igual importantes, porque somos por igual indispensáveis à expressão do pensamento dos homens.

        — E os seus companheiros, os outros Pronomes Pessoais? —  perguntou Emília.

        — Estão lá dentro, jantando.

        À mesa do refeitório achavam-se os Pronomes Tu, Ele, Nós, Vós, Eles, Ela e Elas. Esses figurões eram servidos pelos Pronomes OBLÍQUOS, que tinham o pescoço torto e lembravam corcundinhas. Os meninos viram lá o Me, o Mim, o Migo, o Nos, o Nosco, o Te, o Ti, o Tigo, o Vos, o Vosco, o O, o A, o Lhe, o Se, o Si e o Sigo — dezesseis Pronomes Oblíquos.

        — Sim senhor! Que luxo de criadagem! — admirou-se Emília. — Cada Pronome tem a seu serviço vários criadinhos oblíquos...

        — E ainda há outros serviçais, os Pronomes de TRATAMENTO — disse Eu. — Lá no quintal estão tomando sol os Pronomes Fulano, Sicrano, Você, Vossa Senhoria, Vossa Excelência, Vossa Majestade e outros.

        — E para que servem os Senhores Pronomes Pessoais? —  perguntou a menina.

        — Nós — respondeu Eu — servimos para substituir os Nomes das pessoas. Quando a Senhorita Narizinho diz Tu, referindo-se aqui a esta senhora boneca, está substituindo o Nome Emília pelo Pronome Tu.

        Os meninos notaram um fato muito interessante — a rivalidade entre o Tu e o Você. O Pronome Você havia entrado do quintal e sentara-se à mesa com toda a brutalidade, empurrando o pobre Pronome Tu do lugarzinho onde ele se achava. Via-se que era um Pronome muito mais moço que Tu, e bastante cheio de si. Tinha ares de dono da casa.

        — Que há entre aqueles dois? — perguntou Narizinho. — Parece que são inimigos...

        — Sim — explicou o Pronome Eu. — O meu velho irmão Tu anda muito aborrecido porque o tal Você apareceu e anda a atropelá-lo para lhe tomar o lugar.

        — Apareceu como? Donde veio?

        — Veio vindo... No começo havia o tratamento Vossa Mercê, dado aos reis unicamente. Depois passou a ser dado aos fidalgos e foi mudando de forma. Ficou uns tempos Vossemecê e depois passou a Vosmecê e finalmente como está hoje — Você, entrando a ser aplicado em vez do Tu, no tratamento familiar ou caseiro. No andar em que vai, creio que acabará expulsando o Tu para o bairro das palavras arcaicas, porque já no Brasil muito pouca gente emprega o Tu. Na língua inglesa aconteceu uma coisa assim. O Tu lá se chamava Thou e foi vencido pelo You, que é uma espécie de Você empregada para todo mundo, seja grande ou pequeno, pobre ou rico, rei ou vagabundo.

        — Estou vendo — disse a menina, que não tirava os olhos de Você. — Ele é moço e petulante, ao passo que o pobre Tu parece estar sofrendo de reumatismo. Veja que cara triste o coitado tem...

        — Pois o tal Tu — disse Emília — o que deve fazer é ir arrumando a trouxa e pondo-se ao fresco. Nós lá no sítio conversamos o dia inteiro e nunca temos ocasião de empregar um só Tu, salvo na palavra Tatu. Para nós o Tu já está velho coroca.

        E mudando de assunto:

        — Diga-me uma coisa, Senhor Eu. Está contente com a sua vidinha?

        — Muito — respondeu Eu. — Como os homens são criaturas sumamente egoístas, eu tenho vida regalada, porque represento todos os homens e todas as mulheres que existem, sendo pois tratado dum modo especial. Creio que não há palavra mais usada no mundo inteiro do que Eu. Quando uma criatura humana diz Eu, baba-se de gosto porque está falando de si própria.

        — E fora os Pronomes Pessoais não há outros?

        — Há sim — disse Eu —, moram aqui na casa ao lado. Uns pobres coitados...

        Os meninos despediram-se do Pronome Eu para irem visitar os "coitados" da outra casa, muito admirados da petulância e orgulho daquele pronominho tão curto.

        — Parece que tem o presidente da República na barriga — comentou a boneca.

        E parecia mesmo...

        Na outra casa os meninos encontraram os Pronomes POSSESSIVOS — Meu, Teu, Seu, Nosso, Vosso e Seus com as respectivas esposas e com os plurais. Emília, que achava as palavras Meu e Minha as mais gostosas de quantas existem, agarrou o casalzinho e deu um beijo no nariz de cada uma, dizendo:

        — Meus amores!

        Depois encontraram os Pronomes DEMONSTRATIVOS — Este, Esse, Aquele, Mesmo, Próprio, Tal, etc, com as suas respectivas esposas e parentes. As esposas eram Esta, Essa, Aquela, Mesma, Própria, etc, e os parentes eram Essoutro, Estoutro, Aqueloutro, etc.

        — Muito bem — disse Narizinho. — Vamos adiante. Vejo alguns senhores muito conhecidos.

        De fato, mais adiante os meninos encontraram os Pronomes INDEFINIDOS, muito familiares a todos do bandinho. Eram eles: Algum, Nenhum, Outro, Todo, Tanto, Pouco, Muito, Menos, Qualquer, Certo, Vários, etc, com as suas respectivas formas femininas e os competentes plurais.

        — São umas palavrinhas muito boas, que a gente emprega a toda a hora — comentou Emília, sem entretanto beijar o nariz de nenhuma.

        Havia ainda os Pronomes RELATIVOS, quê servem para indicar uma coisa que está para trás. Eram eles: Que, Quem, O Qual, Cujo, Onde, etc, com as suas respectivas esposas e plurais. Quindim exemplificou:

        — O Visconde, cuja cartolinha sumiu, está danado. Nesta frase, o Pronome Cuja refere-se a uma coisa que ficou para trás.

        De fato, o Visconde havia perdido a sua cartolinha na aventura com as Palavras Obscenas. Deixara-a para trás.

        — Continue, Quindim — pediu Emília, e o rinoceronte continuou.

        — Temos, por fim, os Pronomes INTERROGATIVOS, que servem para fazer perguntas. Todos usam um Ponto de Interrogação no fim, para que a gente veja que são perguntativos.

        E os meninos viram lá os Interrogativos: Quê? Qual? Quanto? Quem?

        Emília gostou de conhecer aqueles Pronomes. Ela era a boneca que mais trabalho dava aos Senhores Pronomes Interrogativos.

OBRA INFANTO-JUVENIL DE MONTEIRO LOBATO. Edição do Círculo do Livro. Emília no País da Gramática. As figuras de sintaxe. https://www.fortaleza.ce.gov.br.

Entendendo o conto:

01 – Como os Pronomes, assim como os Adjetivos, conseguem se movimentar no bairro, já que "não possuem pernas"?

      Eles só se movimentam amarrados aos VERBOS.

02 – Qual é a função essencial dos Pronomes Pessoais, de acordo com o Pronome 'Eu'?

      Eles servem para substituir os Nomes das pessoas. (Ex: Substituir o Nome Emília pelo Pronome Tu).

03 – Que Pronomes eram chamados de OBLÍQUOS, qual era a sua aparência física e que papel social eles desempenhavam na república?

      Eram os pronomes como Me, Mim, Migo, Te, Ti, Tigo, etc. Eles tinham o pescoço torto e pareciam corcundinhas. Desempenhavam o papel de serviçais (criadagem) dos Pronomes Pessoais.

04 – Cite três exemplos de Pronomes de Tratamento que estavam "tomando sol" no quintal da casa.

      Fulano, Sicrano, Você, Vossa Senhoria, Vossa Excelência, Vossa Majestade (Três exemplos são: Você, Vossa Senhoria, Vossa Majestade).

05 – Qual era a origem histórica (evolução) do Pronome 'Você', e qual Pronome ele estava ameaçando expulsar?

      'Você' veio do tratamento Vossa Mercê, que evoluiu para Vossemecê, depois Vosmecê e, por fim, Você. Ele estava ameaçando expulsar o Pronome Tu.

06 – Qual é a razão pela qual o Pronome 'Eu' afirma ter uma "vida regalada" e ser a palavra mais usada no mundo?

      Porque ele representa todos os homens e todas as mulheres que existem, e como os humanos são egoístas, eles "babam-se de gosto" ao falar de si próprios, usando o Eu constantemente.

07 – Quais eram os cinco grupos de Pronomes encontrados na casa vizinha à dos Pronomes Pessoais?

      Pronomes POSSESSIVOS, Pronomes DEMONSTRATIVOS, Pronomes INDEFINIDOS, Pronomes RELATIVOS e Pronomes INTERROGATIVOS.

08 – Qual a função dos Pronomes Possessivos e qual foi a reação de Emília ao ver os Pronomes 'Meu' e 'Minha'?

      Eles indicam posse. Emília os achava os "mais gostosos" de quantos existem, então agarrou o casalzinho e deu um beijo no nariz de cada um.

09 – Qual é a função dos Pronomes Relativos, e qual o exemplo usado por Quindim para se referir ao Visconde?

      Servem para indicar ou se referir a uma coisa que está para trás (um termo já mencionado). O exemplo dado foi: "O Visconde, cuja cartolinha sumiu, está danado."

10 – Como as pessoas conseguem identificar que os Pronomes Interrogativos são "perguntativos"?

      Todos os Pronomes Interrogativos usam um Ponto de Interrogação (?) no fim.

 

 

CONTO: O SUSTO DA VELHA - EMÍLIA NO PAÍS DA GRAMÁTICA - MONTEIRO LOBATO - COM GABARITO

 Conto: O susto da velha – Emília no país da gramática

            Monteiro Lobato

        Dona Etimologia ficou uns instantes a olhar para a boneca, balançando a cabeça. Depois continuou:

        — Pois é isso. Substantivos, Adjetivos, Preposições, Conjunções e Interjeições podem ser formados sem a ajuda dos Sufixos, e sim com o emprego duma mesma palavra, mas dando a ela um sentido diferente. O Substantivo Narizinho, por exemplo, que é um simples Diminutivo, pode tornar-se Nome Próprio, como aconteceu aqui com esta menina. Chama-se Narizinho e, portanto, quem diz este nome está dizendo um Nome Próprio. Na frase: O narizinho de Narizinho é arrebitado, o primeiro narizinho é Substantivo Comum, e o segundo é Nome Próprio.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhPAvtQtFfDltEYYNSMmgA4Rvac0pA3a5ZlgQn2iDewwgNyN86d8uYuteCAGznpdR8LSTLnxh09Z_SEJqLx_ujS3q8BbLjMhGBM8nN4A-2-TTKVIjWnLGUvjofT8IPoECaZqdQIRoAEnu3HdLf_ZmWYZqHIMupEpnE7IE3h5XCPzgmGdYiW97Nx_0NLDGk/s320/BEM.jpg


        O mesmo se dá com a avó dela, Dona Benta de Oliveira. Oliveira era uma árvore que dava azeitonas; com o tempo o uso mudou esse Substantivo Comum em Nome Próprio, muito empregado para Sobrenomes — e ficaram no mundo duas espécies de Oliveiras — a que dá azeitonas e a que dá Sobrenomes a muita gente.

        — É mesmo! — gritou o menino. — Agora estou vendo que a maior parte dos Nomes Próprios que conheço são Nomes Comuns "apropriados", que, em vez de designarem coisas, passaram a designar pessoas, como Leitão, Inocente, Rosa, Margarida, Esperança, Monteiro, Lobato, Quindim...

        — Do mesmo modo, muitos Adjetivos viram Substantivos, sem nenhuma mudança de forma — continuou a velha. — Brilhante, por exemplo, é um Adjetivo Qualificativo da coisa que brilha, mas se se refere ao diamante lapidado, vira Substantivo.

        O mesmo se dá com certos Pronomes, como o Pronome Tudo, que vira Substantivo na frase: O tudo é vencer. Também há pessoas de Verbo que viram Substantivos. Venda, que é a primeira e a terceira Pessoa do Presente do Modo Subjuntivo do Verbo Vender, vira o Substantivo Venda, com significação de ato de vender ou casa onde se vendem coisas.

        — Na venda do João Nagib, lá perto do sítio, quase que só há pinga, fósforo, bacalhau e sal... Que venda à-toa! — recordou Emília. — Nem bala de apito tem. Dona Benta não gosta que os meninos passem por lá.

        — Pare com isso, Emília, que você até envergonha a espécie — advertiu Narizinho. — Continue, Dona Etimologia, faça o favor.

        E a velha continuou:

        — E também Advérbios e outras Palavras Inflexivas viram Substantivos. Quando uma pessoa diz: A metade do queijo, o Advérbio Metade está virando em Substantivo.

        E também Substantivos viram Adjetivos, como nesta frase: Nova Iorque é uma cidade monstro. O Substantivo Monstro está nesta frase fazendo o papel de Adjetivo para indicar enormidade.

        E também Substantivos viram Interjeições, como nesta frase. . . Socorro! Uma fera africana acaba de invadir minha casa!...

        — Que cara feia ela está fazendo! — murmurou Narizinho, que não havia notado o súbito aparecimento do rinoceronte no fundo da sala.

        — Socorro! — continuou a velha a berrar, no maior pavor da sua vida. — Acudam-me!...

        Só então os meninos perceberam que ela não estava dando nenhum exemplo, e sim urrando de pavor. Puseram-se a rir — e isso ainda mais aumentou o pânico da velha, que supôs ser riso nervoso, desses que atacam certas pessoas quando o perigo é do tamanho duma torre.

        — Não se assuste, Dona Eulália! — gritou Emília. — Este paquiderme é mansíssimo, e até se chama Quindim, nome dum doce muito delicado. Medo de Quindim? Que bobagem! É a melhor criatura do mundo. Uma perfeita moça. Quer ver?

        — E Emília correu para o rinoceronte, sobre o qual trepou pela escadinha de corda que ele trazia pendente no costado — invenção de Pedrinho para facilitar a "montagem" do paquiderme, como ele dizia. A boneca deu jeito e logo se plantou, muito a cômodo, sobre o terrível chifre de Quindim.

        Está vendo, Dona Brites? Poderá haver monstro mais carneiro? Venha também. Não se vexe. Lá no sítio, Dona Benta e Tia Nastácia, quando não há gente grande perto para espiar, não saem do lombo de Quindim. Venha. Deixe-se de fedorências...

        Mas não houve meio. Dona Etimologia era a maior das medrosas, e para acalmá-la foi preciso que o Visconde afastasse dali o excelente paquiderme.

        A pobre velha queixou-se de sufocação no peito e teve de tomar um bule inteiro de chá calmante.

        — Ufa! Que susto! Enfim... Mas como ia dizendo. . . Que é que eu ia dizendo?... Sim, que as palavras derivam umas das outras de dois modos. Mas ele não chifra ninguém lá no tal sítio?

        — Nem mosquito — respondeu Emília. — Juro pela alma do Visconde.

        A velha assoprou três vezes.

        — Mas como ia dizendo, a Derivação das palavras faz-se por meio de Sufixos e Prefixos. Já falei nos Prefixos?

        — Um pouquinho só — disse Pedrinho.              

        — Pois os tais Prefixos são palavrinhas da mesma família que os Sufixos, mas que se colocam na frente. Isso de servir de cauda é especialidade dos Sufixos. Existem numerosos Prefixos, mas como estou muito nervosa, vou citar apenas alguns, como Sub, Intro, Ver, Sus, Com, os quais servem para formar palavras como Subdividir, Intrometer, Percorrer, Sustento, Compadre, etc. Uf! Que bicho horrendo! Aquele chifre pontudo no meio da testa...

        — Continue, dona! — berrou Emília. — Esqueça duma vez o fanico. Já está enjoando.

        A velha assoprou de novo, suspirou e disse:

        — Há ainda a formação de palavras por JUSTAPOSIÇÃO, quando duas palavras se ligam para exprimir uma terceira coisa. Guarda e Chuva, por exemplo, têm o sentido que vocês sabem; mas quando se justapõem, dão a palavra Guarda-chuva, que é coisa diferente, Bem-te-vi, Beija-flor, Corrimão, Pica-pau, Girassol e tantas outras, são formadas deste modo.

        — Saca-rolhas, Aguardente e Lambe-pratos, também — começou Emília, mas Narizinho impôs-lhe silêncio e a velha prosseguiu.

        — Há ainda a formação de palavras por AGLUTINAÇÃO, na qual uma das palavras perde um pedacinho para melhor fundir-se com outras, como essa Aguardente que Emília acaba de citar. Se houvesse apenas Justaposição, ficaria Aguaardente; mas a Aglutinação faz que desapareça um dos AA.

        E há, finalmente, a formação de palavras por HIBRIDISMO, em que entram vocábulos de línguas diferentes, como em Monóculo. Mono é palavra grega que quer dizer Um, ou Único; e Óculo é palavra latina.

        — Lá no sítio de Dona Benta — lembrou Emília — Mono quer dizer macacão. O Tio Barnabé, que mora perto da ponte, Dona Benta diz que é um verdadeiro mono.

        — Sei disso — declarou a velha, rindo-se —, mas em grego Mono significa único.

        — Único macacão?

        — Cale-se, Emília, por favor! — pediu a menina.       

        A velha continuou:

        — Se vocês quiserem visitar as palavras gregas usadas para a formação de vocábulos novos, espiem aquele cercado de arame. Lá estão todas.

        Os meninos correram ao ponto indicado, que era o curral onde a velha conservava as suas palavras gregas.

        — Xi!... Quantas!... — exclamou Narizinho. — E todas com papeleta no pescoço, para mostrar o que querem dizer em português.

        Estavam lá, entre muitas, as seguintes greguinhas: Geo (terra), que serve para formar Geografia, Geologia, Geometria, Geodésia, etc. E Micro (pequeno), que serve para formar Micróbio, Microscópio, etc. E Tri (três), que serve para formar Trigonometria, Trilogia, etc. E Zoo (animal), que serve para formar Zoologia, Zootecnia, etc. E Pan (tudo), que serve para formar Panteísmo, Panorama, etc. E Bio (vida), que serve para formar Biologia, Biografia, etc. E Rino (nariz), que serve para formar Rinoceronte.

        — Ora vejam só! — berrou Emília. — Quindim chama-se rinoceronte por causa do nariz. Rino é nariz. E Ceronte? Que será Ceronte? Veja se acha essa palavra aí do seu lado, Narizinho.

        Custou um pouco, mas acharam. Ceronte queria dizer chifre.

        — Pronto! — gritou Emília, radiante. — Rinoceronte significa nariz no chifre.

        — Ou chifre no nariz? — objetou Narizinho. — A tradução na ordem direta não dá certo, porque na realidade Quindim não tem nenhum nariz no chifre.

        Emília mostrava-se cheiíssima de si com as muitas coisas novas que ia aprendendo, e passou por lá mais de uma hora decorando palavras gregas para com elas formar outras diferentes. Súbito, gritou:

        — Já sei o seu nome em grego, Narizinho.

        — Como é?

        — Microrrino! Micro quer dizer pequeno, e Rino quer dizer nariz. Nariz pequeno é narizinho...

        — Mas por que chamam híbridas a estas palavras feitas só do grego? — indagou o menino. — Híbrido, que eu sei, é o burro e a mula, filhos de jumento e égua. Será que estas palavras são as mulas da língua? Vou perguntar à velha.

        Perguntou, e Dona Etimologia explicou que Híbrido queria dizer Mestiço de duas raças diferentes.

        — Então aquelas palavras do cercado não são Híbridas, e sim de puro sangue.

        — Perfeitamente — concordou a velha. — Um verdadeiro vocábulo Híbrido é o Monóculo, que já citei; como também Centímetro e Mineralogia, porque nos três casos metade da palavra é grega e outra metade é latina. Estas, sim, são as verdadeiras mulas da língua.

        Emília juntou uma porção de palavras gregas e latinas para fazer lá no sítio uma criação de palavras Híbridas. Entre elas levou Demo, que significa Povo; Odonto, que significa Dente; Tele, que significa Longe; Topo, que significa Lugar; Fono, que significa Voz — todas gregas.

        — Levo estas só — disse ela. — Palavras latinas temos lá muitas, naquele dicionário grandão de Dona Benta. Com estas já podemos fazer uma criação de Híbridos de primeira ordem.

        Pedrinho não quis ficar atrás e levou mais as seguintes, também gregas: Gastro, que significa Ventre; ídolo, que significa Imagem; Miso, que significa Ódio; Di, que significa Dois; Tetra, que significa Quatro — e mais umas quantas.

        — Quero ver quem cria Híbridos mais bonitos, se você ou eu — disse ele.

OBRA INFANTO-JUVENIL DE MONTEIRO LOBATO. Edição do Círculo do Livro. Emília no País da Gramática. As figuras de sintaxe. https://www.fortaleza.ce.gov.br.

Entendendo o conto:

01 – De acordo com a explicação de Dona Etimologia, como o Substantivo Comum 'Oliveira' (árvore) se converteu em Nome Próprio/Sobrenome (Dona Benta de Oliveira)?

A. Pela adição de um sufixo que o transforma em nome de família.

B. Através da formação de palavras por Justaposição com o termo 'Dona'.

C. Por um processo de Hibridismo, misturando latim e grego.

D. Pelo uso que mudou seu sentido, empregando-o como sobrenome sem alterar sua forma.

02 – No exemplo 'O tudo é vencer', qual classe gramatical o Pronome 'Tudo' assume, conforme a explicação gramatical?

A. Advérbio.

B. Verbo.

C. Substantivo.

D. Adjetivo.

03 – A palavra 'Venda', que significa 'casa onde se vendem coisas', é citada como um Substantivo que se origina de qual outra classe gramatical, de acordo com Dona Etimologia?

A. Um Adjetivo Qualificativo.

B. Um Advérbio Inflexivo.

C. Uma conjugação (pessoa) do Verbo Vender.

D. Um Substantivo Comum no diminutivo.

04 – Qual fenômeno ocorre com a palavra 'monstro' na frase 'Nova Iorque é uma cidade monstro', quando ela é usada para indicar 'enormidade'?

A. Adjetivação (Substantivo → Adjetivo).

B. Substantivação (Substantivo Comum → Nome Próprio).

C. Aglutinação de palavras.

D. Derivação (Substantivo → Interjeição).

05 – A palavra 'Guarda-chuva', formada pela união de 'Guarda' e 'Chuva' sem que nenhuma delas perca um pedacinho, é um exemplo de qual processo de formação de palavras?

A. Derivação por Prefixos.

B. Justaposição.

C. Aglutinação.

D. Hibridismo.

06 – O que difere o processo de Aglutinação do processo de Justaposição, usando o exemplo de 'Aguardente'?

A. Na Aglutinação, as palavras devem ser de línguas diferentes, e na Justaposição não.

B. A Justaposição exige um Prefixo na primeira palavra, e a Aglutinação não.

C. A Aglutinação forma palavras que exigem hífen, e a Justaposição não.

D. Na Aglutinação, uma das palavras perde um pedacinho para melhor se fundir com a outra.

07 – Qual é a definição de um vocábulo 'Híbrido', de acordo com a explicação de Dona Etimologia ao menino Pedrinho?

A. Uma palavra formada apenas por radicais de origem grega.

B. Qualquer palavra composta formada por Justaposição ou Aglutinação.

C. Um vocábulo mestiço, formado pela junção de palavras de duas raças, ou seja, línguas diferentes.

D. Um neologismo criado por Pedrinho e Emília no Sítio.

08 – Baseado na etimologia das palavras gregas aprendidas, o que significa a palavra 'Rinoceronte', segundo Emília?

A. Chifre com vida (Ceronte + Bio).

B. Nariz no chifre (Rino + Ceronte).

C. Animal grande com quatro chifres (Di + Ceronte).

D. Um paquiderme de chifre pontudo (Ceronte + Pontudo).

09 – Com quais radicais gregos Emília forma o nome 'Microrrino' para Narizinho, e qual é o significado desse novo vocábulo?

A. Tele (longe) e Rino (nariz), significando 'nariz de longe'.

B. Mono (único) e Rino (nariz), significando 'nariz único'.

C. Micro (pequeno) e Rino (nariz), significando 'nariz pequeno' ou 'narizinho'.

D. Micro (pequeno) e Bio (vida), significando 'vida pequena'.

10 – Qual foi a causa do 'susto da velha' Dona Etimologia, que a levou a berrar e a precisar de chá calmante?

A. A dificuldade em explicar a diferença entre prefixos e sufixos.

B. A interrupção constante e as piadas de Emília sobre o macacão de Tio Barnabé.

C. A revelação de que Quindim, o rinoceronte, estava escondido no fundo da sala.

D. O susto nervoso causado pelo Visconde de Sabugosa ao falar sobre prefixos e sufixos.

 

 

 

POEMA: O PLENO E O VAZIO - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - COM GABARITO

 Poema: O Pleno E o Vazio

            Carlos Drummond de Andrade

Oh se me lembro e quanto.
E se não me lembrasse?
Outra seria minh’alma,
bem diversa minha face.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjJ6wQ8fPmANMEdcXQL6RTpLXF5B0yzMLk-RhuTrXqT40WmU_fMqQiF07cght5Et4CrkzYYV84NHZ2sWZgNTvI76-lOxXWtF00rtSSLwccIWD6SdXiugN6ebWgKH1gm_hErE4sumjiEYB8nIxjjk_1wmyoQaAwfX0JtqQHRAHDzOLg3rqKnX1oNS326WIY/s1600/ALMA.jpg



Oh como esqueço e quanto.
E se não esquecesse?
Seria homem-espanto,
ambulando sem cabeça.

Oh como esqueço e lembro,
como lembro e esqueço
em correntezas iguais
e simultâneos enlaces.
Mas como posso, no fim,
recompor os meus disfarces?

Que caixa esquisita guarda
em mim sua névoa e cinza,
seu patrimônio de chamas,
enquanto a vida confere
seu limite, e cada hora
é uma hora devida
no balanço da memória
que chora e que ri, partida?

Corpo. Rio de Janeiro, Record, 1984.

Fonte: Português – 1º grau – Descobrindo a gramática 8. Gilio Giacomozzi; Gildete Valério; Cláudia Reda Fenga. São Paulo. FTD, 1992. p. 194.

Entendendo o poema:

01 – Qual é a principal dicotomia (oposição) explorada nos dois primeiros quartetos do poema, e como ela afeta a identidade do eu lírico?

      A dicotomia principal é entre Lembrança (Pleno) e Esquecimento (Vazio).

      Lembrar ("Oh se me lembro e quanto") implica que a memória molda a identidade ("Outra seria minh’alma, / bem diversa minha face").

      Esquecer ("Oh como esqueço e quanto") é visto como um mecanismo de sobrevivência. A falta total de esquecimento ("E se não esquecesse?") o tornaria um "homem-espanto, / ambulando sem cabeça," sugerindo que a memória total e incessante seria destrutiva, impedindo a vida.

02 – Na terceira estrofe, o eu lírico descreve o ato de lembrar e esquecer como "em correntezas iguais / e simultâneos enlaces." O que essa imagem sugere sobre o processo da memória?

      Essa imagem sugere que lembrar e esquecer não são processos opostos e excludentes, mas sim forças coexistentes e igualmente poderosas que agem ao mesmo tempo. A memória não é um reservatório estático, mas um fluxo dinâmico ("correntezas") onde o pleno e o vazio estão continuamente se misturando e se interligando ("simultâneos enlaces").

03 – Por que o eu lírico questiona: "Mas como posso, no fim, / recompor os meus disfarces?" após refletir sobre a memória e o esquecimento?

      O questionamento revela uma crise de identidade. O "disfarce" representa a persona social ou a identidade coerente que o indivíduo apresenta ao mundo. Ao constatar que a memória e o esquecimento atuam em "correntezas iguais," ele percebe que seu ser é constantemente alterado e instável. Assim, ele duvida de sua capacidade de manter uma identidade fixa e crível (o disfarce) diante da complexidade e da inconstância de sua vida interior.

04 – O que a "caixa esquisita" mencionada na última estrofe simboliza e o que ela contém?

      A "caixa esquisita" simboliza o interior do ser humano, a mente ou a psique, especificamente o local onde a memória e a consciência residem. O que ela guarda é a totalidade das experiências:

      "névoa e cinza": o esquecimento, a dor e o que foi perdido.

      "patrimônio de chamas": as lembranças intensas, a paixão e a vitalidade do que foi vivido. É o repositório paradoxal que contém a destruição e a riqueza emocional da vida.

05 – Como a última estrofe relaciona a memória ("balanço da memória") com o conceito de tempo ("cada hora / é uma hora devida")?

      A última estrofe estabelece uma relação direta entre a memória e o tempo vivido como uma dívida existencial. O "balanço da memória" é a contabilidade que a vida faz, comparando o que foi vivido com o que resta. A frase "cada hora / é uma hora devida" sugere que o tempo não é apenas passado, mas uma responsabilidade ou um compromisso com o ser. A memória, ao fazer esse balanço e estar "partida" (entre o riso e o choro), é o instrumento que nos força a enfrentar o preço emocional do tempo.

 

 

CRÔNICA: A BORBOLETA AMARELA - RUBEM BRAGA - COM GABARITO

 Crônica: A borboleta amarela

             Rubem Braga

        Era uma borboleta. Passou roçando em meus cabelos, e no primeiro instante pensei que fosse uma bruxa ou qualquer outro desses insetos que fazem vida urbana; mas, como olhasse, vi que era uma borboleta amarela.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgqjzr5iWOERo2K2W03a62cYK7t6-zpt0sneCJDmHLumkz3ua98fDp7SQzohwD9wFwjN6qWMtZJ5SRv5Fu2eUUwFZRlO6EiIgkntgRO4uL1gFasWjiVkmumVH55nmsCkvpVyqBptdc3cduaTswriR4Jke62THclDhIKSpJCwZVbS5pSM4fM1BJ_Qp4amzA/s320/BORBOLETA.jpg


        Era na esquina de Graça Aranha com Araújo Porto Alegre; ela borboleteava junto ao mármore negro do Grande Ponto; depois desceu, passando em face das vitrinas de conservas e uísques; eu vinha na mesma direção; logo estávamos defronte da ABI. Entrou um instante no hall, entre duas colunas; seria uma jornalista? – pensei com certo tédio.

        Mas logo saiu. E subiu mais alto, acima das colunas, até o travertino encardido. Na Rua México eu tive de esperar que o sinal abrisse; ela tocou, fagueira, para o outro lado, indiferente aos carros que passavam roncando sob suas leves asas. Fiquei a olhá-la. Tão amarela e tão contente da vida, de onde vinha, aonde iria? Fora trazida pelo vento das ilhas – ou descera saçaricante e leve da floresta da Tijuca ou de algum morro – talvez o de São Bento? Onde estaria uma hora antes, qual sua idade? Nada sei de borboletas. Nascera, acaso, no jardim do Ministério da Educação? Não; o Burle Marx faz bons jardins, mas creio que ainda não os faz com borboletas – o que, aliás, é uma boa ideia. Quando eu o mandar fazer os jardins do meu palácio, direi: Burle, aqui sobre esses manacás, quero uma borboleta amare… Mas o sinal abriu e atravessei a rua correndo, pois já ia perdendo de vista a minha borboleta.

        A minha borboleta! Isso, que agora eu disse sem querer, era o que eu sentia naquele instante: a borboleta era minha – como se fosse meu cão ou minha amada de vestido amarelo que tivesse atravessando a rua na minha frente, e eu devesse segui-la. Reparei que nenhum transeunte olhava a borboleta; eles passavam, devagar ou depressa, vendo vagamente outras coisas – as casas, os veículos – ou se vendo; só eu vira a borboleta, e a seguia, com meu passo fiel. Naquele ângulo há um jardinzinho, atrás da Biblioteca Nacional. Ela passou entre os ramos de acácia e de uma árvore sem folhas, talvez um flamboyant; havia, naquela hora, um casal de namorados pobres em um banco, e dois ou três sujeitos espalhados pelos outros bancos, dos quais uns são de pedra, outros de madeira, sendo que estes são pintados de azul e branco. Notei isso pela primeira vez, aliás, naquele instante, eu sempre passo por ali; é que minha borboleta amarela me tornava sensível às cores.

        Ela borboleteou um instante sobre um casal de namorados; depois passou quase junto da cabeça de um mulato magro, sem gravata, que descansava num banco; e seguiu em direção à avenida. Amanhã eu conto mais.

Rubem Braga. Para gostar de ler. São Paulo, Ática, 1979.

Fonte: Gramática da Língua Portuguesa Uso e Abuso. Suzana d’Avila – Volume Único. Editora do Brasil S/A. Ensino de 1º grau. 1997. p. 149.

Entendendo a crônica:

01 – Qual é o contraste fundamental que o cronista estabelece no início do texto ao descrever a borboleta e o cenário?

      O contraste fundamental é entre a fragilidade, a beleza e a liberdade da natureza (a borboleta amarela, "fagueira," "contente da vida") e a aridez, o cinza e a pressa da vida urbana (a esquina de ruas movimentadas, o "mármore negro," os "carros que passavam roncando"). A borboleta é um elemento estranho e fascinante nesse ambiente de concreto.

02 – O cronista demonstra humor e ironia ao pensar no que a borboleta poderia ser ao entrar na ABI (Associação Brasileira de Imprensa). Qual é o teor dessa ironia?

      O cronista manifesta ironia ao pensar se a borboleta "seria uma jornalista?" e sentir "certo tédio" em seguida. Isso satiriza a rotina, a seriedade e a trivialidade da vida profissional e intelectual urbana, que é vista como tediosa e oposta à beleza espontânea e livre da borboleta.

03 – A borboleta provoca uma grande mudança na percepção do cronista. Qual é o principal efeito que ela causa no seu olhar, conforme ele mesmo relata no quarto parágrafo?

      A borboleta o torna "sensível às cores" e aos detalhes do ambiente que ele antes ignorava, apesar de passar por ali diariamente. Ele nota a cor dos bancos e a presença de "namorados pobres," indicando que a borboleta o tira da alienação e aguça sua sensibilidade para a poesia e a vida ao seu redor.

04 – No quarto parágrafo, o eu lírico afirma que a borboleta era "minha." O que esse sentimento de posse inesperado sugere sobre sua conexão com o inseto?

      O sentimento de posse sugere que a borboleta despertou uma forte conexão afetiva e um desejo de contemplação exclusiva. Ao compará-la a "meu cão ou minha amada de vestido amarelo," o cronista transfere para o inseto o afeto e a fidelidade que se tem por um ser querido, elevando a borboleta a um símbolo pessoal de beleza e inspiração.

05 – Qual é a reação dos outros transeuntes à borboleta e o que essa indiferença sublinha sobre o tema da crônica?

      Os transeuntes não olham para a borboleta, passando "vendo vagamente outras coisas" (casas, veículos). Essa indiferença sublinha o tema da alienação e da cegueira urbana. O cronista é o único capaz de quebrar sua rotina e notar, e valorizar, a beleza efêmera da natureza.

06 – O cronista passa algum tempo especulando sobre a origem da borboleta (morro de São Bento, Tijuca, jardim do Ministério da Educação). O que essa especulação reforça no texto?

      A especulação reforça o mistério, a efemeridade e a natureza imprevisível da beleza. Ao não saber de onde a borboleta veio, o cronista enfatiza que a inspiração e a poesia são dádivas que irrompem inesperadamente na rotina, vindo de um lugar desconhecido, puro e incontrolável (a natureza).

07 – De que forma a atitude do cronista de "correr" para não perder a borboleta ilustra uma característica fundamental do gênero crônica?

      O ato de correr para não perder de vista o objeto de sua atenção ilustra a característica da observação minuciosa do cotidiano e a valorização do efêmero. A crônica transforma um fato banal (uma borboleta na rua) em um momento de reflexão e poesia, mostrando a capacidade do cronista de capturar a beleza passageira do dia a dia antes que ela desapareça.

POEMA: DIANTE DE UMA CRIANÇA - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - COM GABARITO

 Poema: Diante de uma criança

          Carlos Drummond de Andrade

Como fazer feliz meu filho?
Não há receitas para tal.
Todo o saber, todo o meu brilho
de vaidoso intelectual

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgsU9664caxkVv94aYKysYoYdcSW1NOhDylsu6Tc2DYfCmNhpot2zfimi7oOFGc1QjfN2VU0tpfPBmHpXal9C7nSDeVeiyAyGkQqzzTln01On1RPhYNvroMonTj4jwfG1VBp1lYnaO13Y0OUJ6BrOIR-y47fNx3TwluWhzD99IOBxtAQobUXWvAlKdO7H4/s320/CRIAN%C3%87A.jpg



vacila ante a interrogação
gravada em mim, impressa no ar.
Bola, bombons, patinação
talvez bastem para encantar?

Imprevistas, fartas mesadas,
louvores, prêmios, complacências,
milhões de coisas desejadas,
concedidas sem reticências?

Liberdade alheia a limites,
perdão de erros, sem julgamento,
e dizer-lhe que estamos quites,
conforme a lei do esquecimento?

Submeter-me à sua vontade
sem ponderar, sem discutir?
Dar-lhe tudo aquilo que há
de entontecer um grão-vizir?

E, se depois de tanto mimo
que o atraia, ele se sente
pobre, sem paz e sem arrimo,
alma vazia, amargamente?

Não é feliz. Mas que fazer
para consolo desta criança?
Como em seu íntimo acender
uma fagulha de confiança?

Eis que acode meu coração
e oferece, como uma flor,
a doçura desta lição:
dar a meu filho meu amor.

Pois o amor resgata a pobreza,
vence o tédio, ilumina o dia
e instaura em nossa natureza
a imperecível alegria.

Carlos Drummond de Andrade. Farewell. Rio de Janeiro, Record, 1996.

Fonte: Gramática da Língua Portuguesa Uso e Abuso. Suzana d’Avila – Volume Único. Editora do Brasil S/A. Ensino de 1º grau. 1997. p. 76.

Entendendo o poema:

01 – Qual é a "interrogação" central que confronta o eu lírico e como ele caracteriza a sua própria capacidade intelectual de responder a ela no início do poema?

      A interrogação central é: "Como fazer feliz meu filho?" O eu lírico, que se define como um "vaidoso intelectual" cheio de "saber" e "brilho," reconhece que todo esse conhecimento "vacila" diante da simplicidade e da profundidade da questão. Isso estabelece a falha da razão pura frente ao problema existencial e afetivo.

02 – Que técnica estrutural Drummond utiliza nas estrofes 2 a 5 para abordar as possíveis "receitas" de felicidade, e qual é o efeito dessa técnica?

      Drummond utiliza a técnica da enumeração e da interrogação retórica. Ele lista exaustivamente soluções materialistas e permissivas ("Bola, bombons," "mesadas," "liberdade alheia a limites") e as apresenta em forma de perguntas, como se estivesse testando e, implicitamente, refutando cada uma delas. O efeito é construir um argumento progressivo que demonstra o esgotamento das soluções superficiais.

03 – Cite três exemplos de soluções materiais ou permissivas que o eu lírico questiona no poema e qual é o risco final dessas atitudes.

      Bens materiais: "Bola, bombons, patinação" ou "milhões de coisas desejadas."

      Excesso de mesada: "Imprevistas, fartas mesadas."

      Permissividade: "Liberdade alheia a limites," "perdão de erros, sem julgamento."

      O risco final é que a criança se sinta "pobre, sem paz e sem arrimo, alma vazia, amargamente," ou seja, o vazio existencial provocado pela superabundância material e pela falta de limites.

04 – Na quinta estrofe, o eu lírico pergunta se deve dar ao filho "tudo aquilo que há / de entontecer um grão-vizir." Qual é o significado dessa metáfora?

      A metáfora do "grão-vizir" (alto dignitário de um império oriental, associado a poder e riqueza absolutos) é usada para expressar a ideia de opulência e poder excessivos. O eu lírico questiona se deve entregar ao filho um nível de privilégios e submissão que seria suficiente para "entontecer" (tornar tolo, desorientar) até mesmo uma figura habituada ao máximo de riqueza.

05 – Nas estrofes 8 e 9, de onde vem a resposta para o dilema do eu lírico, já que a razão falhou? Qual metáfora ele usa para descrever essa revelação?

      A resposta não vem da mente, mas sim do "coração," que "acode" (socorre) o eu lírico. O coração oferece a lição "como uma flor," uma metáfora que sugere que a verdade é simples, pura, espontânea e delicada, contrastando com a complexidade e a aridez das "receitas" intelectuais que foram previamente descartadas.

06 – Qual é a "doçura desta lição" oferecida pelo coração e qual a sua relação com a "fagulha de confiança" da criança?

      A lição central é a importância irrefutável do amor incondicional, resumida na frase: "dar a meu filho meu amor." O amor é apresentado como o único elemento capaz de acender a "fagulha de confiança" na criança, preenchendo o vazio existencial que nem os bens materiais nem a permissividade conseguiram suprir.

07 – De acordo com a estrofe final, quais são os quatro grandes poderes do amor na natureza humana?

      O amor é apresentado como a força suprema que: Resgata a pobreza (espiritual); Vence o tédio; Ilumina o dia; Instaura em nossa natureza a imperecível alegria.

 

POEMA: RITMO - CECÍLIA MEIRELES - COM GABARITO

 Poema: Ritmo

          Cecília Meireles

O ritmo em que gemo
doçuras e mágoas
é um dourado remo
por douradas águas.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj7o8TUBjndPY8HY1Rx4CUIcHI-ahSXFC0eyDYSpFC2-IJ-Wy430entaelch4E1Mc1oQBF5EN0NZwFEEX26AjvlTaxfYrvOPS3Mb7rkWtu2OJ4IKJJeM3wTO2sfXQlqttMJAryCAxDWFz6mwgDPgIip4UjIkDS3mLweP6KSofPHj5Lm26QKxjQV7US0rjY/s1600/RITMO.jpg



Tudo, quando passo,
olha-me e suspira.
– Será meu compasso
que tanto os admira?

Cecília Meireles. Vaga música. Obra Poética. Aguilar, 1972.

Fonte: Gramática da Língua Portuguesa Uso e Abuso. Suzana d’Avila – Volume Único. Editora do Brasil S/A. Ensino de 1º grau. 1997. p. 73.

Entendendo o poema:

01 – Na primeira estrofe, o "ritmo" em que o eu lírico "gemo doçuras e mágoas" é comparado a um "dourado remo por douradas águas." O que esta metáfora sugere sobre a natureza desse ritmo?

      A metáfora sugere que o ritmo com que o eu lírico expressa suas emoções (alegrias e tristezas) é controlado, harmonioso e artisticamente belo. O "remo" nas "águas" indica um movimento constante e medido (o ritmo), e o uso do adjetivo "dourado" confere a essa expressão uma qualidade nobre, preciosa e poética, transformando até o "gemido" em arte.

02 – Qual é o tema central explorado na relação entre o título do poema ("Ritmo") e o conteúdo da primeira estrofe?

      O tema central é a forma ou o modo como a subjetividade e a emoção são transformadas em expressão. O poema sugere que o que define o eu lírico não é apenas o que ele sente ("doçuras e mágoas"), mas o ritmo, a cadência ou a harmonia com que essas emoções, por mais contraditórias que sejam, se manifestam no mundo.

03 – Identifique e analise o recurso estilístico utilizado nos versos da segunda estrofe: "Tudo, quando passo, / olha-me e suspira."

      O recurso é a Personificação (ou Prosopopeia). O mundo inanimado ou a totalidade das coisas ("Tudo") é dotado de características e emoções humanas, como a capacidade de "olhar" e "suspirar". Isso eleva o ritmo e o movimento do eu lírico a um nível de encanto ou fascínio universal, sugerindo que sua cadência poética emociona a própria natureza.

04 – Na segunda estrofe, o eu lírico utiliza o termo "compasso" na pergunta. Qual é a relação semântica entre "compasso" e "ritmo" no contexto do poema?

      No contexto do poema, "compasso" é sinônimo de "ritmo" ou "medida". A palavra reforça a ideia de que a admiração do mundo se deve à regularidade, harmonia e à cadência do movimento do eu lírico. O compasso é o princípio estruturante, quase musical, que organiza poeticamente a expressão das suas emoções.

05 – Qual é a reflexão principal que o eu lírico faz na segunda estrofe, após notar a reação do "Tudo" ao seu redor?

      A reflexão principal é um autoquestionamento sobre o valor e a fonte do seu encanto. O eu lírico reconhece o fascínio que exerce sobre o mundo ("olha-me e suspira") e indaga se a razão dessa admiração está na organização estética, na harmonia inerente ou na beleza rítmica de sua expressão ("Será meu compasso que tanto os admira?").

 

 

sexta-feira, 10 de outubro de 2025

POESIA: VELHA CASA - MARILDA PAULÍNIA - COM GABARITO

 Poesia: Velha casa

            Marilda Paulínia

A casa é velha,

      pesada,

           chata,

                 branca.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEja2PASUwxar6hyphenhyphenbN6RDMhCurzQNs75soCjazDtYL-PNbiVRjR_q6qIXIpA192ah05S2EWbz0bpzRgvx_JEic-BhOKKD9-odPEqKcj7T41WcJhPyRsRtvqQJi-SPxah2TI6SBtdlnNYsGTa27dLApqkKs2W_28PViRzkQqj67hspzrEBx_Kf_ZJguRdD1I/s320/CASA.jpg


Olha o rio,

       olha a ponte,

             olha as árvores

                   com os olhos apagados e vazios das janelas abertas.

Quando a noite abre

      um grande guarda-sol preto sobre a terra,

            começa a melopeia sonora dos sapos.

Outras vezes,

      no terreiro varrido do céu,

            correm vaga-lumes,

                 piscam-piscam,

                      e se apagam.

Outras vezes,

      chove luar.

Uma chuva

      mansa e luminosa,

           que enche de pó-de-arroz a face branca da velha casa

           e enverniza de prata as águas do rio

           e as folhas verdes das árvores.

E a velha casa

      cerra os olhos apagados das janelas

          e adormece.

Gilberto de Mendonça Teles (org.). A poesia em Goiás. Goiânia, UFG, s/d.

Fonte: Português – 1º grau – Descobrindo a gramática 8. Gilio Giacomozzi; Gildete Valério; Cláudia Reda Fenga. São Paulo. FTD, 1992. p. 195.

Entendendo a poesia:

01 – Como o eu lírico descreve a casa no início do poema e qual o efeito da disposição gráfica dos adjetivos?

      A casa é descrita com adjetivos que sugerem peso, monotonia e falta de vida: "velha, / pesada, / chata, / branca." A disposição gráfica em que os adjetivos são isolados, um abaixo do outro, enfatiza cada característica, tornando-as mais contundentes e definitivas. Isso reforça a impressão de que a casa é um lugar de carga, enfado e estagnação.

02 – Que figura de linguagem o poema utiliza ao descrever a casa olhando para a paisagem ("Olha o rio, / olha a ponte...")? O que isso sugere sobre a relação da casa com o mundo exterior?

      O poema utiliza a personificação ou prosopopeia, pois atribui à casa a ação humana de "olhar." No entanto, esse olhar é feito "com os olhos apagados e vazios das janelas abertas." Isso sugere uma relação passiva e melancólica com o mundo exterior. A casa está ali, presente, observando a vida que passa (o rio, a ponte), mas o seu olhar é desprovido de emoção ou vitalidade, refletindo um estado de solidão ou desinteresse.

03 – Quais são os três fenômenos noturnos descritos pelo eu lírico, e o que eles trazem para a atmosfera do poema?

      Os três fenômenos noturnos são:

      A abertura de um "grande guarda-sol preto" (a escuridão da noite).

      A "melopeia sonora dos sapos" (um som repetitivo e noturno).

      A corrida e o pisca-pisca dos vaga-lumes.

      A "chuva de luar" mansa e luminosa.

      Juntos, eles criam uma atmosfera de tranquilidade e mistério. A natureza assume o protagonismo, e os fenômenos, especialmente a "chuva de luar," adicionam um toque de magia e beleza sutil à monotonia da casa.

04 – O que a metáfora da "chuva de luar" que "enche de pó-de-arroz a face branca da velha casa" significa?

      A "chuva de luar" é uma imagem sinestésica e altamente poética, que associa a luminosidade do luar (visual) à ideia de uma chuva suave (tátil/auditiva). A metáfora do "pó-de-arroz" evoca a ideia de um leve adorno, maquiagem ou disfarce. Sugere que o luar não apenas ilumina, mas também embeleza e suaviza a aparência gasta da casa, conferindo-lhe um aspecto mais etéreo ou digno na noite.

05 – Por que a "velha casa / cerra os olhos / apagados das janelas / e adormece" no final do poema?

      O ato de "cerrar os olhos" (fechar as janelas) e adormecer representa o descanso e a conclusão de um ciclo. Depois de absorver as impressões passivas do dia e ser banhada pela beleza suave da noite (a chuva de luar), a casa (personificada) se recolhe. O adormecer simboliza a aceitação da sua condição silenciosa e isolada, encontrando paz em seu próprio vazio.