sexta-feira, 10 de outubro de 2025

CONTO: GENTE DE FORA - EMÍLIA NO PAÍS DA GRAMÁTICA - MONTEIRO LOBATO - COM GABARITO

 Conto: Gente de fora – Emília no país da gramática

           Monteiro Lobato

        — Pois é isso, meninada! — disse logo depois a velha. — Vocês já sabem como se formam as palavras da língua. Grande número veio diretamente do latim. Foi o começo, a primeira plantação. Depois começaram a reproduzir-se lá entre elas, ou a derivar-se umas das outras. Depois houve muita entrada de palavras exóticas, isto é, procedentes de países estrangeiros. Depois houve invenção de neologismos — e desses vários modos a língua foi crescendo.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjWkGP9ucQZKhOEnqldrM8c2lRzS8LIP0LZsdYhSECgbLNHmzRnMxywfHXPOQPo9WTn39hrxNBAuXTkXx18ZjpW6dxzNaXdisflNDhoqQN0PItVeNcpd9hqFq0cxxXARmwRLCfXY2RPGaAOWGyC4jD2ntgSdc0_HaQsh2GlFHpyXiQAWoj0ard0gg5a7H0/s1600/PAISES.jpg


        Aqui na cidade nova as palavras vindas da cidade velha misturaram-se com inúmeras de origem local, ou palavras índias, que já existiam nas terras do Brasil quando os portugueses as descobriram. A maior parte dos nomes de cidades, rios e montanhas do Brasil são de origem índia, como Tremembé, Itu, Niterói, Itatiaia, Goiás, Piauí, Pirambóia, etc.

        Ita é uma palavra da língua tupi que quer dizer Pedra, e tem servido de Prefixo para a formação de muitos Nomes. Temos em São Paulo a cidadezinha de Itápolis, formada de Ita, que é indígena, e Polis (cidade), que é grega.

        Pira (peixe) é outra palavra tupi muito usada. Piracicaba, Piraquara, Guapira.

        — Eu gosto muito das palavras tupis e lamento que o Brasil não tenha um nome tirado dessa língua — disse Pedrinho.

        — Em compensação muitos Estados do Brasil possuem nomes indígenas, como Pará (rio grande), Pernambuco (quebra-mar), Paraná (rio enorme), Paraíba (rio ruivo), Maranhão (mar grande) e outros.

        O tupi conseguiu encaixar na língua portuguesa grande número de palavras de uso diário, como Taba, Moranga, Jaguar, Araçá, Jabuticabal, Capim, Carioca, Marimbondo, Pipoca, Pereba, Cuia, Jararaca, Urutu, Tipiti, Embira, etc. —  E também muitos Nomes Próprios — advertiu Narizinho. — Conheço meninas chamadas Araci, Iracema, Lindóia, Inaiá, Jandira...

        — E eu conheço um menino chamado Ubirajara Guaporé de Itapuã Guaratinguaçu, filho dum turco que mora perto do sítio do Tio Barnabé -— lembrou Pedrinho.

        — Pois é isso — continuou a velha. — Todas as línguas vão dando palavras para a língua desta cidade. O grego deu muitas. O hebraico deu várias, como Messias, Rabino, Satanás, Maná, Aleluia.

        O árabe deu, entre outras, Alfândega, Alambique, Alface, Alfaiate, Alqueire, Álcool, Algarismo, Arroba, Armazém, Fatia, Macio, Matraca, Xarope, Cifra, Zero, Assassino.

        A língua francesa deu boa quantidade, como Paletó, Boné, Jornal, Bandido, Tambor, Vendaval, Comboio, Conhaque, Champanha.

        A língua espanhola deu menos do que devia dar. Citarei Fandango, Frente, Muchacho, Castanhola, Trecho, Savana.

        A língua italiana deu muito mais. Ágio, Bancarrota, Bússola, Gôndola, Cantata, Cascata, Charlatão, Macarrão, Tenor, Piano, Violino, Carnaval, Gazeta, Soneto, Ópera, Fiasco e Polenta são palavras italianas.

        O inglês está dando muitas agora. Das antigas posso citar Cheque, Clube, Tilburi, Trole, Esporte, Rosbife, Sanduíche; e entre as modernas há várias trazidas pelo cinema e pelo futebol.

        — Eu sei uma! — gritou Pedrinho levantando o dedo.

        — Diga.

        — Okey, que também se escreve com duas letras, OK. Quer dizer que está tudo muito bem.

        — Eu sei outra! — disse a menina. — Conheço a palavra It, que quer dizer um "quezinho" especial.

        — Isso mesmo — confirmou a velha. — Esse novo sentido do velho pronome inglês It foi inventado por uma escritora que o botou como título dum seu romance. Pessoa que tem It significa pessoa que exerce atração sobre as outras. Emília, por exemplo, é um pocinho de It...

        A boneca fungou de gosto e Dona Etimologia prosseguiu:

        — Também vieram muitas palavras da África, trazidas pelos negros escravizados, como Banze, Cacimba, Canjica, Inhame, Macaco, Mandinga, Moleque, Papagaio, Tanga, Zebra, Vatapá, Batuque, Mocotó, Gambá.

        Da Rússia vieram Caleça, Cossaco, Soviete, Bolchevismo, etc.

        Da Hungria vieram Coche, Cocheiro, Sutche, Hussardo.

        Da China vieram Chá, Chávena, Mandarim, Leque.

        Da Pérsia vieram Bazar, Caravana, Balcão, Diva, Turbante, Tabuleiro, Tafetá.

        Da Turquia vieram Tulipa, Odalisca, Paxá, Bergamota, Quiosque.

        A velha parou na Turquia, para tomar mais um gole de chá.

        E assim se foi formando, e se vai formando, a língua. Uma língua não pára nunca. Evolui sempre, isto é, muda sempre. Há certos gramáticos que querem fazer a língua parar num certo ponto, e acham que é erro dizermos de modo diferente do que diziam os clássicos.     

        — Que vem a ser clássicos? — perguntou a menina.

        — Os entendidos chamaram clássicos aos escritores antigos, como o Padre Antônio Vieira, Frei Luís de Sousa, o Padre Manuel Bernardes e outros. Para os Carrancas, quem não escreve como eles está errado.

        Mas isso é curteza de vistas. Esses homens foram bons escritores no seu tempo. Se aparecessem agora seriam os primeiros a mudar ou a adotar a língua de hoje, para serem entendidos. A língua variou muito e sobretudo aqui na cidade nova. Inúmeras palavras que na cidade velha querem dizer uma coisa aqui dizem outra. Borracho, por exemplo, quer dizer bêbado; lá quer dizer filhote de pombo — vejam que diferença! Arrear, aqui é selar um animal; lá, é enfeitar, adornar.

        — Então lá há moças bem arreadas? — perguntou Emília.

        — Sim — respondeu à velha. — Uma dama bem arreada não espanta a ninguém lá do outro lado. Aqui, Moço significa jovem; lá, significa serviçal, criado.

        Também no modo de pronunciar as palavras existem muitas variações. Aqui, todos dizem Peito; lá, todos dizem Paito, embora escrevam a palavra da mesma maneira. Aqui se diz Tenho e lá se diz Tanho. Aqui se diz Verão; lá se diz V'rao.

        — Também eles dizem por lá Vatata, Vacalhau, Baca, Vesouro — lembrou Pedrinho.

        — Sim, o povo de lá troca muito o V pelo B e vice-versa.

        — Nesse caso, aqui nesta cidade se fala mais direito do que na cidade velha — concluiu Narizinho.

        — Por quê? Ambas têm o direito de falar como quiserem, e portanto ambas estão certas. O que sucede é que uma língua, sempre que muda de terra, começa a variar muito mais depressa do que se não tivesse mudado. Os costumes são outros, a natureza é outra — as necessidades de expressão tornam-se outras. Tudo junto força a língua que emigra a adaptar-se à sua nova pátria.

        A língua desta cidade está ficando um dialeto da língua velha. Com o correr dos séculos é bem capaz de ficar tão diferente da língua velha como esta ficou diferente do latim. Vocês vão ver.

        — Nós vamos ver? — exclamou Narizinho, dando uma risada. — Então pensa que somos como a senhora, que vive toda a vida e mais séculos e séculos?

        — Vocês também viverão séculos e séculos por meio de seus futuros filhinhos e netos e bisnetos — replicou a velha.

        — Menos eu! — gritou Emília. — Já me casei e me arrependi bastante. Felizmente, não tive filhos — e como não pretendo casar-me de novo, não deixarei "descendência" neste mundo...

        — E se aparecer um grande pirata, como aquele Capitão Gancho da história de Peter Pan? — cochichou Narizinho no ouvido dela.

        — Isso é outro caso... — respondeu Emília, cujo sonho sempre fora ser esposa dum grande pirata — para "mandar num navio"...

        — Por falar em pirata... Onde andará o Visconde? — indagou Pedrinho. — Depois que tirou Quindim da sala não o vi mais.

        — O Visconde está armando alguma — disse a boneca, que andava desconfiada de qualquer coisa. — Vamos procurá-lo, já, já, antes que lhe aconteça alguma.

        E como tinham de procurar o Visconde, despediram-se de Dona Etimologia, que prometeu aparecer no sítio de Dona Benta.

        Logo que se viram na rua, Pedrinho perguntou à primeira palavra que ia passando se não vira um Visconde assim, assim.

        — Um de palhinha de milho no pescoço? Vi, pois não. Passou por aqui inda agora, com um Ditongo debaixo do capote. Ia esperneando, o coitadinho.

        — Eu não disse? — berrou Emília. — Eu não disse que o Visconde andava tramando alguma? Mas que quererá ele com um Ditongo, Santo Deus?...

        Puseram-se em marcha, com o rinoceronte atrás. Logo adiante viram um ajuntamento na frente de certa casa.

        — Será alto-falante com resultado de futebol?

        Não era isso. Era uma curiosidade de museu que ali estava em exibição pública. Um grande letreiro dizia: A palavra mais comprida da língua. Entrada franca.     

        Os meninos precipitaram-se para ver o fenômeno e de fato viram, num cercado de arame, espichada no chão que nem jiboia, a palavra Anticonstitucionalissimamente.

        — Irra! — berrou a boneca. — Uma, duas, três, quatro. . . Vinte e nove letras tem este formidável Advérbio!...

        — Treze sílabas! Cáspite!... — acrescentou Pedrinho.

        Um guarda ali presente deu informações a respeito daquela sucuri verbal. Era uma pobre palavra que não tinha outra ocupação na língua senão exibir-se como curiosidade. Vivia do seu tamanho, como certos gigantes de circo. Uma coitada que nem andar podia, de tanta letra a pesar-lhe nas costas. Mais que o alfabeto inteiro...

        — Inda agora esteve aqui conversando com ela um grande fidalgo de fora, que a escreveu direitinho no seu caderno de notas.

        — Como era esse fidalgo? Não reparou se usava umas palhinhas no pescoço?

        — Isso mesmo.

        — Sem cartolinha na cabeça?

        — Sem nada na cabeça.

        — Um ar de... de sabugo de milho?

        — Isso mesmo.

        — Um tanto embolorado?

        — Isso mesmo. Verdinho de bolor.

        — Pois é o grande Visconde de Sabugosa, que andamos catando como se cata agulha em palheiro. E para onde se dirigiu ele?

        — Depois que acabou de tomar as suas notas, disse-me: "Passe bem!" e sumiu-se. Percebi que levava um Ditongo debaixo do capote. Ia esperneando, o pobrezinho...

        Emília ficou seriamente apreensiva com a história daquele Ditongo esperneante.

OBRA INFANTO-JUVENIL DE MONTEIRO LOBATO. Edição do Círculo do Livro. Emília no País da Gramática. As figuras de sintaxe. https://www.fortaleza.ce.gov.br.

Entendendo o conto:

01 – Como Dona Etimologia descreve o processo histórico de formação e crescimento da língua que se fala na "cidade nova" (o Brasil)?

      Dona Etimologia explica que o processo começou com a "primeira plantação", ou seja, palavras vindas diretamente do Latim. Em seguida, houve a reprodução e derivação das palavras entre si, a entrada de inúmeras palavras "exóticas" (estrangeiras) de países como Grécia, Arábia, França e Inglaterra, a mistura com palavras indígenas (locais), e a invenção de neologismos.

02 – Qual é a importância da língua Tupi para a formação do vocabulário brasileiro, segundo o texto? Cite dois tipos de nomes e dois exemplos de palavras do cotidiano de origem Tupi.

      O Tupi tem grande importância por ser a língua local, cujas palavras se misturaram com o português. Ele forneceu:

      Nomes geográficos: A maior parte dos nomes de cidades, rios e montanhas do Brasil (ex: Piauí, Itatiaia, Niterói).

      Palavras de uso diário: Grande número de palavras que se encaixaram na língua portuguesa (ex: Pipoca, Carioca, Moranga, Capim, Jararaca).

03 – Explique o que Dona Etimologia quer dizer ao afirmar que "uma língua não pára nunca" e como ela rebate a opinião dos gramáticos chamados "Carrancas".

      Ao dizer que "uma língua não pára nunca", Dona Etimologia expressa o conceito de que a língua está em constante evolução e mudança. Ela rebate os gramáticos "Carrancas" (aqueles que querem que a língua pare no modo como os clássicos escreviam) argumentando que isso é "curteza de vistas". Ela defende que, se os próprios escritores antigos vivessem hoje, eles seriam os primeiros a adotar a língua atual para serem entendidos, pois a língua precisa se adaptar e variar.

04 – Cite e explique, com base no texto, a diferença de significado de duas palavras quando comparamos a "cidade velha" (Portugal) com a "cidade nova" (Brasil).

      O texto oferece vários exemplos de variação semântica:

      Borracho: Na cidade velha significa 'filhote de pombo'; na cidade nova, significa 'bêbado'.

      Arrear: Na cidade velha significa 'enfeitar, adornar' (daí a surpresa de Emília sobre 'moças bem arreadas'); na cidade nova, significa 'selar um animal'.

      Moço: Na cidade velha significa 'serviçal, criado'; na cidade nova, significa 'jovem'.

05 – Quais são as evidências de variação na pronúncia que a velha menciona entre a "cidade velha" e a "cidade nova"?

      As variações na pronúncia incluem:

      Ditongos e vogais: Na cidade nova, dizem 'Peito' e 'Tenho'; na cidade velha, dizem 'Paito' e 'Tanho'.

      Redução de sílabas: Na cidade nova, dizem 'Verão'; na cidade velha, dizem 'V'rao'.

      Troca de consoantes: O povo da cidade velha troca muito o 'V' pelo 'B' e vice-versa (ex: 'Vatata' por Batata, 'Baca' por Vaca).

06 – Qual foi o principal fator que contribuiu para o ingresso de uma grande quantidade de palavras de origem africana no português brasileiro? Cite dois exemplos de palavras dessa origem.

      O principal fator foi a vinda dos negros escravizados para o Brasil, que trouxeram suas línguas de origem para a colônia. Dois exemplos citados no texto são: Canjica, Moleque, Mocotó, Vatapá, Batuque ou Gambá (quaisquer dois).

07 – Qual é a nova conotação da palavra inglesa "It", de acordo com a explicação de Dona Etimologia, e a quem essa nova conotação foi atribuída?

      A palavra inglesa "It", que originalmente era um pronome, ganhou um novo sentido especial. Pessoa que tem "It" significa pessoa que exerce atração sobre as outras. Essa nova conotação foi inventada por uma escritora (o texto não cita qual) que usou a palavra como título de um romance.

08 – Explique por que a língua na "cidade nova" (Brasil) está se tornando um dialeto da "língua velha" (Portugal) e qual o destino que Dona Etimologia prevê para essa variação.

      A língua se torna um dialeto porque, ao emigrar, ela começa a variar muito mais depressa devido às novas necessidades de expressão, aos costumes e à natureza diferentes da nova pátria. A velha prevê que, com o correr dos séculos, a língua brasileira pode se tornar tão diferente da língua velha quanto o português atual se tornou diferente do Latim, sugerindo uma possível autonomia linguística no futuro.

09 – O que é o fenômeno visto pelos meninos no ajuntamento na rua e qual é a palavra mais comprida da língua exposta ali? Qual classe gramatical a boneca Emília atribui a essa palavra?

      O fenômeno visto pelos meninos é a exibição pública da 'palavra mais comprida da língua'. A palavra exposta é Anticonstitucionalissimamente. Emília a classifica como um Advérbio.

10 – Qual é a 'tramóia' ou o ato misterioso que o Visconde de Sabugosa é acusado de cometer, e de que modo os meninos descobrem a natureza desse ato?

      O Visconde é acusado de ter levado um Ditongo debaixo do capote, em um ato de 'tramóia' que Emília suspeita. Os meninos descobrem a natureza do ato ao perguntar às palavras na rua e a um guarda, que confirmam ter visto o Visconde com um Ditongo 'esperneando' debaixo do casaco.

 

 

CONTO: EXAME E PONTUAÇÃO - EMÍLIA NO PAÍS DA GRAMÁTICA - MONTEIRO LOBATO - COM GABARITO

 Conto: Exame e Pontuação – Emília no país da gramática

             Monteiro Lobato

        Depois de brincarem por algum tempo naquele jardim de Períodos, e de discutirem novamente a campeação do Visconde, os meninos resolveram ir ao bairro das Sílabas sherlockar o rapto do Ditongo — como dizia a Emília.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj1FCzyqQknIMPNjscotoSAbcO70ihrHIIvlYBudJyI9bkfoqFm57sw-HJsIAY_hNX1NSfV2UK1pFLCcuGJdA_oc3YrpOFVfII32SUCWmXXRRDe6diP50_vMIs8LxcndxcY02YN4Ll5-iyqgY6XAZDiKcI4MEBtl1fycIpEm3v79x4TtQeRhyN10ugaQmY/s1600/EMILIA.jpg


        — Não ainda — propôs Dona Sintaxe. — Quero correr um exame nos meus alunos. Venham todos cá — e o senhor também, Seu Rinoceronte.

        Os meninos e o paquiderme perfilaram-se diante da grande dama.

        — Muito bem – disse ela. — Vou agora ver se essas, cabecinhas guardaram o que ensinei, e para isso temos que analisar uma frase.

        E voltando-se para um grupo de frases passeadeiras:

        — Aproxime-se um Período para ser analisado! Depressa!...

        Apresentou-se incontinenti aquele assanhadíssimo Período que dizia assim: Tia Nastácia faz bolinhos que todos acham muito gostosos.

        — Vamos ver, Emília, quantas Orações há neste Período?

        — Duas! — respondeu imediatamente a boneca. — A primeira é a Principal e a segunda é a Subordinada.                 

        — Muito bem. E qual o Sujeito da primeira, Pedrinho?

        — Tia Nastâcia.

        — Muito bem. E qual o Sujeito da segunda, senhor paquiderme?

        — Todos — rosnou o rinoceronte com um bamboleio de corpo.

        — Muito bem. E qual o Predicado da primeira, Narizinho?

        — Faz bolinhos — disse a menina com água na boca, porque estava chegando a hora do jantar.                              

        — Muito bem. E qual o Predicado da segunda, Quindim?

        — Acham muito gostosos — respondeu o rinoceronte, lambendo os beiços.

        — Muito bem. E qual o Complemento Verbal da primeira, Emília?

        — Bolinhos! — berrou a boneca. — Bolinhos é o Objeto Direto do Verbo Faz — quem não sabe disso?

        — Muito bem. E qual o Complemento Verbal da segunda, Pedrinho?

        — Que.                                                                        

        — Esse Que a que se refere?

        — Refere-se a Bolinhos.

        — Bravos! — exclamou Dona Sintaxe. — Vejo que não perdi o meu tempo. Podem ir brincar.

        Foi uma gritaria, e todos saíram aos pinotes. Emília espreguiçou-se e Quindim deu uma chifrada no ar, de brincadeira.

        — E agora? — disse Narizinho. — Ela nos mandou brincar; mas brincar de quê, nesta cidade de palavras? Uma ideia!... Vamos ver a Pontuação! Onde fica a Pontuação, Quindim?

        — Aqui perto, num bazar. Eu sei o caminho — respondeu o paquiderme.

        No tal bazar encontraram os SINAIS DE PONTUAÇÃO, arrumados em caixinhas de madeira, com rótulos na tampa. Emília abriu uma e viu só VÍRGULAS dentro.

        — Olhem que galanteza! — exclamou. — Vírgulas, Vírgulas e mais Vírgulas! Parecem bacilos do cólera-morbo, que Dona Benta diz serem virgulazinhas vivas.

        Emília despejou um monte de Vírgulas na palma da mão e mostrou-as ao rinoceronte.

        — Essas Vírgulas servem para separar as Orações, as Palavras e os Números — explicou ele. — Servem sempre para indicar uma pausa na frase. A função delas é separar de leve.

        Emília soprou o punhadinho de Vírgulas nas ventas de Quindim e abriu a outra caixa. Era a do PONTO E VÍRGULA.

        — E estes, Quindim, estes casaizinhos de Vírgula e Ponto?

        — Esses também servem para separar. Mas separar com um pouco mais de energia do que a Vírgula sozinha.

        Emília despejou no bolso de Pedrinho todo o conteúdo da caixa.

        — E estes aqui? — perguntou em seguida, abrindo a caixinha dos DOIS PONTOS.

        — Esses também servem para separar, porém com maior energia do que o Ponto e Vírgula.

        Metade daqueles Dois Pontos foram para o bolso do menino. Emília abriu uma nova caixa.

        — Oh, estes eu sei para que servem! — exclamou ela, vendo que eram PONTOS FINAIS. — Estes separam duma vez — cortam. Assim que aparece um deles na frase, a gente já sabe que a frase acabou. Finou-se...

        Em seguida abriu a caixa dos PONTOS DE INTERROGAÇÃO.

        — Ganchinhos! — exclamou. — Conheço-os muito bem. Servem para fazer perguntas. São mexeriqueiros e curiosíssimos. Querem saber tudo quanto há. Vou levá-los de presente para Tia Nastácia.

        Depois chegou a vez dos PONTOS DE EXCLAMAÇÃO.

        — Viva! — gritou Emília. — Estão cá os companheiros das Senhoras Interjeições. Vivem de olho arregalado, a espantar-se e a espantar os outros. Oh! Ah!!! Ih!!!

        A caixinha imediata era a das RETICÊNCIAS.     

        — Servem para indicar que a frase foi interrompida em certo ponto — explicou Quindim.

        — Não gosto de Reticências — declarou Emília. — Não gosto de interrupções. Quero todas as coisas inteirinhas — pão, pão, queijo, queijo — ali na batata! — e, despejando no assoalho todas aquelas Reticências, sapateou em cima.

        Depois abriu outra caixa e exclamou com cara alegre:

        — Oh, estes são engraçadinhos! Parecem meias-luas. . . Quindim   explicou   que   se   tratava   dos   PARÊNTESES, que servem para encaixar numa frase alguma palavra, ou mesmo outra frase explicativa, que a gente lê variando o tom da voz.

        — E aqui, estes pauzinhos? — perguntou Emília, abrindo a última caixa.

        — São os TRAVESSÕES, que servem no começo das frases de diálogo para mostrar que é uma pessoa que vai falar. Também servem dentro duma frase para pôr em maior destaque uma Palavra ou uma Oração.

        — Que graça! — exclamou Emília. — Chamarem Travessão a umas travessinhas de mosquito deste tamanhinho! Os gramáticos não possuem o "senso da medida".

        Quindim olhou-a com o rabo dos olhos. Estava ficando sabida demais...

OBRA INFANTO-JUVENIL DE MONTEIRO LOBATO. Edição do Círculo do Livro. Emília no País da Gramática. As figuras de sintaxe. https://www.fortaleza.ce.gov.br.

Entendendo o conto:

01 – Qual é a frase que Dona Sintaxe seleciona para o exame dos alunos, e como Emília a classifica imediatamente em relação à sua estrutura?

      A frase selecionada é: "Tia Nastácia faz bolinhos que todos acham muito gostosos." Emília a classifica imediatamente como um Período Composto de duas Orações, sendo a primeira a Principal e a segunda a Subordinada.

02 – Durante a análise da primeira Oração ("Tia Nastácia faz bolinhos"), qual termo Emília identifica como o Complemento Verbal e qual o nome gramatical que ela atribui a esse termo?

      Emília identifica "Bolinhos" como o Complemento Verbal (ou Objeto do Verbo) e o classifica como Objeto Direto do Verbo "Faz".

03 – Qual é o Sujeito da Oração Principal e o Sujeito da Oração Subordinada na frase analisada, conforme identificados pelos alunos de Dona Sintaxe?

      O Sujeito da primeira Oração ("Tia Nastácia faz bolinhos") é Tia Nastácia (identificado por Pedrinho).

      O Sujeito da segunda Oração ("que todos acham muito gostosos") é Todos (identificado por Quindim).

04 – Ao chegarem ao bazar da Pontuação, o que Quindim explica sobre a função das Vírgulas e por que elas se diferenciam dos outros sinais de pausa?

      Quindim explica que as Vírgulas servem para "separar as Orações, as Palavras e os Números" e, principalmente, para indicar uma pausa na frase. A função principal delas é "separar de leve".

05 – Qual é a hierarquia de separação apresentada, do sinal mais fraco ao mais forte, entre a Vírgula, o Ponto e Vírgula e os Dois Pontos?

      A hierarquia é crescente na energia de separação:

      Vírgulas: Separam de leve.

      Ponto e Vírgula: Separam com um pouco mais de energia do que a Vírgula.

      Dois Pontos: Separam com maior energia do que o Ponto e Vírgula. O Ponto Final é o que separa duma vez, ou seja, corta a frase.

06 – Com o que Emília compara os Pontos de Interrogação e por que ela não gosta das Reticências?

      Emília compara os Pontos de Interrogação a "Ganchinhos" que são "mexeriqueiros e curiosíssimos" por servirem para fazer perguntas.

      Ela não gosta das Reticências porque "não gosta de interrupções" e quer "todas as coisas inteirinhas".

07 – O que são os Parênteses e os Travessões, e quais são as suas respectivas funções, de acordo com as explicações de Quindim?

      Parênteses: Servem para "encaixar numa frase alguma palavra, ou mesmo outra frase explicativa," que a gente lê variando o tom da voz.

      Travessões: Servem em duas ocasiões: no começo das frases de diálogo (para mostrar que é uma pessoa que vai falar) e dentro duma frase para pôr em maior destaque uma Palavra ou uma Oração.

 

POEMA: POEMA DAS REFORMAS - CLÁUDIO MURILO - COM GABARITO

 Poema: Poema das reformas

             Cláudio Murilo

É preciso reformar a casa,

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi15cCy6mRqgYRp3LF9kJimgPjLVqRfR96w8rBdw_7jxewuRWwp_skGbi3zmyqlsNEqCNncmKOQXw_xZ-mzA1H4A1XMWimJnrepa4rUVZhrzk-zyueGsotR6kxOjU0GouwPDNjMvBFQTuazWT2yl9UhVO-ojfMGe8plzP5yz2YQNzUk6aoUa1W0kyyvbBA/s320/conceito-de-desenho-animado-de-renovacao-com-homem-e-mulher-aplicando-papeis-de-parede-ilustracao-vetorial_1284-77317.jpg

Abrir as janelas,

Que o vento penetre

Em todos os cantos.




É preciso destruir as cercas,

Que as crianças entrem,

Pisem nos canteiros,

Construam a sua alegria.

 

É preciso reformar a rua,

Que todos andem por ela.

As lojas, os bares, os cinemas

Nos mantenham assim

Unidos e em paz.

 

É preciso reformar a cidade.

É preciso, antes e sempre,

Reformar o homem.

 

É preciso despi-lo,

É preciso mostrar

Que todos somos irmãos.

É preciso um novo dilúvio.

É preciso reescrever os livros

É preciso reencontrar a terra

É preciso que uma torrente

Invada todos nós

E lave nossa alma.

Affonso Romano de Sant’Anna et alii. Poesia viva I. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1968.

Fonte: Português – 1º grau – Descobrindo a gramática 8. Gilio Giacomozzi; Gildete Valério; Cláudia Reda Fenga. São Paulo. FTD, 1992. p. 167.

Entendendo o poema:

01 – Qual é a ideia central ou o tema principal que o poeta Cláudio Murilo busca transmitir ao longo do poema?

      O tema central é a necessidade urgente de uma transformação profunda e abrangente, que vai da reforma do espaço físico (casa, rua, cidade) até, e principalmente, a reforma interior e social do ser humano. O poeta defende a destruição de barreiras (físicas e sociais) e a purificação da alma para que se estabeleça a fraternidade e a paz.

02 – O que simbolizam as ações de "abrir as janelas" e "destruir as cercas" na primeira estrofe?

      "Abrir as janelas" simboliza a necessidade de transparência, renovação e de deixar novas ideias ou influências entrarem (o "vento") para arejar e purificar o ambiente.

      "Destruir as cercas" representa a quebra de barreiras, divisões e preconceitos que separam as pessoas. O desejo de que as crianças "entrem" e "pisem nos canteiros" sugere a valorização da liberdade, da alegria espontânea e do convívio sem restrições sociais.

03 – Por que o poeta afirma que "É preciso, antes e sempre, / Reformar o homem"?

      O poeta entende que as reformas estruturais (casa, rua, cidade) são insuficientes se a essência do problema, que está no próprio ser humano, não for tratada. A reforma do homem é prioridade porque é a mudança de mentalidade, de valores e a aceitação da fraternidade ("todos somos irmãos") que sustentarão qualquer transformação social duradoura. Sem a reforma interior, as reformas externas não terão impacto real.

04 – Que tipo de transformação radical o poeta propõe ao mencionar "É preciso um novo dilúvio" e "É preciso que uma torrente / Invada todos nós / E lave nossa alma"?

      Ao invocar a ideia de um "novo dilúvio" e de uma "torrente", o poeta sugere a necessidade de uma purificação total e cataclísmica, uma intervenção drástica para limpar as falhas e vícios da humanidade. O dilúvio aqui não é literal, mas uma metáfora para uma lavagem espiritual e moral em escala universal, que "lave nossa alma" e prepare o ser humano para um recomeço baseado na solidariedade e na verdade.

05 – A reforma proposta no poema é apenas individual ou possui uma dimensão coletiva e social? Justifique com elementos do texto.

      A reforma é claramente coletiva e social, embora dependa da mudança individual. A dimensão social é vista na menção explícita à reforma da "rua" e da "cidade", no desejo de que "todos andem por ela" e que o comércio e a cultura ("lojas, bares, cinemas") os mantenham "Unidos e em paz". Além disso, o foco final é na reforma do homem para que ele aceite que "todos somos irmãos", um conceito fundamentalmente social e de convivência.

 

 

 





NOTÍCIA: OS SUBTERRÂNEOS DO MORRO DO CASTELO - CORREIO DA MANHÃ - COM GABARITO

 Notícia: OS SUBTERRÂNEOS DO MORRO DO CASTELO

            Correio da Manhã - quinta-feira, 25 de maio de 1905

        A atenção pública acha-se agora, mais que nunca, presa à descoberta das galerias do morro do Castelo; as explorações criteriosamente iniciadas e levadas a efeito pelo Dr. Pedro Dutra de Carvalho têm dado os melhores resultados e já se vai afirmando no espírito dos mais cépticos a crença de que no bojo da imensa mole de argila alguma coisa existe de precioso, senão os tão falados apóstolos de ouro, pelo menos armas do tempo, objetos de culto, móveis, instrumentos de suplício, todo um belchior secular, que poderá fornecer ótimos instrumentos para a reconstituição de uma época histórica.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgmFO6bm1GVPdn36OE2xUSN6e31ogvr7951BwBAv108X7OU-nvPOq9JG0CcFy6Bm-FkC_Kb9L7VNU-XOCO8RB_BBOMF42gnxAjlt9s2G3jjtN5148Mbbc3LyW0YTQPN95xlAfsGfKLlBjkOzmhCwE1VJ0PZzhftWMkFUjBGw0q_Dh2hT4PZTza8ySSjF5M/s1600/MORRO.jpg


        A terceira galeria descoberta, já conhecida por galeria dos capuchinhos, está explorada numa extensão de oitenta e tantos metros.

        Visitamo-la ontem, acompanhados do amável engenheiro que dirige os trabalhos.

        O ponto inicial é uma pequena sala de forma trapezoidal, de teto em abóbada de berço; esta sala comunica-se com uma outra galeria secundária, ao que parece, destinada à prisão.

        A passagem da sala para esta galeria faz-se por um pequeno orifício que mal dá passagem a um homem.

        A galeria principal estende-se em linha reta num percurso de sessenta metros; aí desvia-se para a direita, estando, porém, esta derivação obstruída.

        No ponto justo em que termina a parte reta da galeria, existe uma grande pedra que se supõe ser uma porta disfarçada; esta pedra ia ser hoje removida.

        Os trabalhos têm sido executados com alguma morosidade; a atmosfera subterrânea é abafada, quentíssima.

        Dificilmente pode um homem trabalhar, pela exiguidade do espaço. O terreno aí é pegajoso, denotando a presença de hidrato de alumínio.

        Têm sido encontrados diversos objetos curiosos nas escavações, entre os quais salienta-se um grande candelabro de ferro, que alumiava a pequena sala a que nos referimos acima.

        É também interessante uma grande botija azul, em que se vê gravado, como breveté, um sino.

        Além desses objetos encontraram-se ossos humanos, balas esféricas, um cano de garrucha, um grosso tubo de ferro, uma chave, etc., objetos estes que se acham expostos em nossa redação.

Correio da Manhã – quinta-feira, 25 de maio de 1905.

Fonte: Gramática da Língua Portuguesa Uso e Abuso. Suzana d’Avila – Volume Único. Editora do Brasil S/A. Ensino de 1º grau. 1997. p. 23.

Entendendo a notícia:

01 – Qual é o principal foco da atenção pública, segundo a notícia, e quem é o responsável pelas explorações iniciais?

      A atenção pública está focada na descoberta das galerias subterrâneas do Morro do Castelo, no Rio de Janeiro. O responsável por iniciar e conduzir as explorações de forma criteriosa é o Dr. Pedro Dutra de Carvalho.

02 – O que o público, mesmo o mais cético, começa a acreditar que pode existir no "bojo da imensa mole de argila" do Morro do Castelo?

      O público, incluindo os céticos, começa a crer que a massa de argila esconde algo de precioso. Embora os lendários "apóstolos de ouro" sejam a esperança mais famosa, eles esperam encontrar artefatos históricos como armas do tempo, objetos de culto, móveis, instrumentos de suplício, ou seja, um "belchior secular" (coleção de objetos antigos) que possa ajudar na reconstituição de uma época histórica.

03 – Qual é o nome pelo qual a terceira galeria descoberta já era conhecida e qual é a sua extensão?

      A terceira galeria descoberta é conhecida como a "galeria dos capuchinhos" e, no momento da reportagem, estava explorada em uma extensão de "oitenta e tantos metros".

04 – Quais eram as dificuldades enfrentadas na execução dos trabalhos de exploração, segundo o repórter?

      As principais dificuldades eram o espaço físico reduzido ("exiguidade do espaço"), o que dificultava o trabalho humano. Além disso, a atmosfera subterrânea era "abafada, quentíssima," e o terreno era "pegajoso," o que denotava a presença de hidrato de alumínio.

05 – Que descobertas foram feitas na pequena sala inicial e na galeria secundária ligada a ela?

      A pequena sala (de forma trapezoidal e teto em abóbada de berço) comunicava-se com uma galeria secundária que se supunha ser destinada à prisão. Na pequena sala, ou em suas proximidades, foi encontrado um "grande candelabro de ferro" que a alumiava.

06 – Qual artefato especial foi encontrado e é descrito com detalhes, incluindo a sua marca de fábrica?

      Um dos objetos de destaque é uma "grande botija azul" (um recipiente, provavelmente de cerâmica ou vidro) que continha uma gravação, como um breveté (marca registrada ou patente), de um sino.

07 – Além dos objetos de culto e iluminação, que outros tipos de artefatos foram encontrados, sugerindo atividades humanas e militares no local?

      Foram encontrados diversos artefatos que sugerem a ocupação e atividades variadas, como ossos humanos, balas esféricas, um cano de garrucha (arma de fogo), um grosso tubo de ferro, e uma chave.

 

 

CONTO: E O VISCONDE? - EMÍLIA NO PAÍS DA GRAMÁTICA - MONTEIRO LOBATO - COM GABARITO

 Conto: E o Visconde? –  Emília no país da gramática

           Monteiro Lobato

        Tornava-se preciso descobrir o Visconde. A sua misteriosa "sumição", como dizia a boneca, vinha preocupando a todos seriamente. As informações obtidas eram poucas e vagas. O vigia da Senhora Anticonstitucionalissimamente contara que o tinha visto por lá com um Ditongo debaixo do capote, a espernear. Uma das Frases que tomavam sol no Jardim das Orações também dissera que ele havia raptado um Ditongo. E foi só. Nada mais conseguiram colher.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhLRivM5IS7kRlhbqD86wm_T771P4f6lQNhNKNYk8flNic_7pWllYWbbmltzPd8gAX-ar9tUlxucstAkMeb6yCYwYFAPAcNAuAXQ6fy68HzYk3UQnO0VFWnSzLZ9LqbcqFcgHAy3mDCfCcipOp1Qxmm1XPcbUsrKpUgti8VGZvlWiCCWtKSUTC01iC-Qag/s320/encontros-vocalicos-fundo.png


        — Um Ditongo! — murmurava Emília com ruguinhas na testa. — Raptou um Ditongo!... Mas para quê, Santo Deus? Com que fim? Há em tudo isto um grande mistério...

        — Com certeza trata-se dalgum Ditongo arcaico, que ele furtou levado pela sua mania de antiguidades — sugeriu Pedrinho.

        — Não há Ditongos Arcaicos — disse Quindim.

        O remédio era um só — irem ao bairro das Sílabas, que é onde moram os Ditongos.

        — Pois vamos — decidiu Narizinho.

        Foram — e montados em Quindim por ser meio longinho. Ao alcançar o bairro o rinoceronte parou a fim de orientar-se.

        — É aqui mesmo — disse ele, vendo as ruas cheias de Sílabas, num ir e vir constante. — Mas onde será a Rua dos Ditongos?

        — Melhor indagar — lembrou a menina, e, chamando uma silabazinha muito curica que ia passando, disse: — A senhorita poderá informar-nos onde fica a Rua dos Ditongos?

        — Com todo gosto — respondeu a lambetinha na sua voz de formiga. — Fica nesta direção, três quadras à esquerda.

        Quindim trotou para lá.

        — É aqui: — disse ele, ao penetrar numa rua onde só existiam Sílabas formadas de duas Vogais. — Os Ditongos são estes.

        — Quê! — exclamou Narizinho, surpresa. — Ditongo, uma palavra tão gorda, quer dizer só isso — sílaba de duas vogais? Pensei que fosse coisa mais importante...

        — Pois, menina, os gramáticos não tiveram dó de gastar um quilo de grego para classificar estas minúsculas silabazinhas. Eles dividem-nas em DITONGOS, SEMIDITONGOS, TRITONGOS e MONOTONGOS.

        Todos se riram daquele grande luxo "nomenclástico", como talvez dissesse a boneca, se não continuasse absorta em profundas cogitações.

        — Emília está "deduzindo!" — murmurou a menina ao ouvido de Quindim. — Quando lhe dá o sherlockismo, ninguém conte com ela.

          Havia por ali duas espécies de Ditongos — os ORAIS, que só se pronunciam com a boca, e os NASAIS, em que o som sai também pelo nariz, AI, AU, EI, EU, IU, OU, OI, UE e ui eram os Orais, ÃE, AM, EM, ÕE eram os Nasais. Mas Quindim, que conhecia todos os Ditongos de cor e salteado, estranhou não ver entre eles o mais importante de todos — o Ão.

        "Querem ver que o Visconde raptou o Ão?", refletiu, lá consigo, o paquiderme.     

        Os meninos notaram uma certa agitação entre os Ditongos. Evidentemente havia sucedido qualquer coisa grave. Andavam de cá para lá, escabichando os cantinhos e informando-se uns com os outros, na atitude clássica de quem procura objeto perdido.

        Emília entrou em cena. Agarrou um dos Ditongos Nasais pelo til e pousou-o na palminha da mão. Era o Ditongo ÕE. — Diga-me, ditonguinho, que foi que houve por aqui? Noto uma certa agitação entre vocês, como em formigueiro de saúva em dia que sai içá.

        — De fato, estamos agitados — respondeu o ditonguinho. — Um dos meus manos, o Ão, que era justamente o mais importante da família, desapareceu misteriosamente. Temo-lo procurado por toda parte, mas sem resultado. Sumiu...

        — Quem sabe se alguém o raptou? — sugeriu a boneca.

        — Impossível! Que alguém haverá no mundo que queira um Ditongo Nasal? Nós só servimos para formar palavras; não temos outra função na vida, e nenhuma casa de ferro velho daria um vintém por todos nós juntos.

        — Espere — disse Emília, refletindo. — Diga-me uma coisa: Não andou por aqui um filósofo de fora, sem cartolinha na cabeça e com umas palhas de milho ao pescoço?

        — Andou, sim. Um sábio um tanto embolorado, não é?

        — Isso mesmo! Bolor verde...

        — Esteve cá, sim. Esteve de prosa conosco e depois desapareceu. Foi logo em seguida que demos pela falta do Ão. A senhora acha que...

        — Mais que acho! Sei que foi ele quem raptou o Ditongo. O que não consigo achar é a explicação de semelhante coisa. Esse sábio é o grande Visconde de Sabugosa, que mora no sítio de Dona Benta. O guarda da Senhora Anticonstitucionalissimamente me disse que o viu com um Ditongo debaixo do capote; e mais tarde uma Frase, lá no Jardim das Orações, também nos declarou positivamente que o Visconde havia raptado um Ditongo.

        — Ora veja!... — exclamou o ditonguinho arregalando os olhos. — Mas, para quê? Para que um tão ilustre sábio quererá um Ditongo? 

        É o que me preocupa — disse Emília, recaindo em cismas.

        O mistério do sumiço do Visconde continuava a embaraçar os meninos. Teria sido preso como gatuno? Teria sido assassinado? Teria voltado para o sítio com o Ditongo no bolso? Mistério...

        — Se houvesse por aqui um jornal, poderíamos pôr um anúncio: "Perdeu-se um Visconde assim, assim; dá-se boa gratificação a quem o achar".

        — Mas não existe jornal, e é tolice ficarmos toda a vida a campeá-lo. Vamos esquecer o Visconde. Olhem que ainda temos de visitar a Senhora Ortografia.

        Foi resolvido esquecerem o Visconde e visitarem a Senhora Ortografia. Montaram de novo em Quindim e partiram. A meio caminho Emília bateu na testa.

        — Heureca! Achei! Achei!... Já descobri tudo! Já descobri a razão do "delito" do Visconde...

        Todos se voltaram para ela.

        — O Visconde — explicou Emília — sofre do coração, como vocês muito bem sabem, e por isso se assusta com as palavras que trazem o tal Ditongo Ão. O coitado assusta-se como se o Ão fosse um tiro, ou um latido de cachorro bravo...

        — É verdade! — confirmou Narizinho. — Lembro-me que uma vez ele levou um grandíssimo tombo, quando Tia Nastácia berrou da cozinha para o camarada do compadre Teodorico, que ia para a cidade: "Seo Chico, não esqueça de me trazer da venda um pão de sabão!" Aquele "pão de sabão" berrado foi o mesmo que dois tiros de espingarda de dois canos no coraçãozinho do Visconde, que estava distraído lendo a sua álgebra. O coitado caiu de costas. Lembro-me perfeitamente disso... ele até andou de coranchim machucado uma porção de dias.

        — Pois é — concluiu a boneca, radiante. — O Visconde raptou esse Ditongo para livrar a língua de todas as palavras que dão tiros, ou que latem como cachorro bravo...

        — E fez muito bem — disse Quindim. — O maior defeito que acho nesta língua portuguesa é esse latido de cachorro, que a gente não encontra em nenhuma outra língua viva. Até a mim, que sou bicho africano, o Ão me assustava no começo. Trazia-me a idéia de latido de cães de caça, seguidos de homens armados de carabinas...

        Como fosse ali o bairro ortográfico, Narizinho propôs que se procurasse a pessoa que tomava conta da zona.

        — Quem sabe se ela sabe onde está o Visconde? — sugeriu.

        — Pode ser, mas duvido muito — disse Emília. — O Visconde ou está na cadeia, como gatuno, ou está no cemitério, enterrando o coitadinho do Ditongo. Eu bem que compreendo a ideia dele. E se ele fizer isso, vai haver a maior das atrapalhações na língua. Sem o Ão como é que a gente se arruma para, comprar um Pão? Fica Pao... E Sabão fica Sabao... E Ladrão fica Ladrao... Atrapalha a língua completamente.

OBRA INFANTO-JUVENIL DE MONTEIRO LOBATO. Edição do Círculo do Livro. Emília no País da Gramática. As figuras de sintaxe. https://www.fortaleza.ce.gov.br.

Entendendo o conto:

01 – O que levou os meninos a irem ao bairro das Sílabas, e qual era o rumor a respeito do Visconde?

      A "sumição" (desaparecimento) misteriosa do Visconde preocupava a todos. As informações indicavam que ele havia sido visto com um Ditongo debaixo do capote, e por isso o remédio era ir ao bairro das Sílabas, onde os Ditongos moravam, para investigar o rapto.

02 – O que Narizinho pensou que significasse a palavra "Ditongo" e como Quindim desfez essa ideia?

      Narizinho pensou que "Ditongo" — por ser uma palavra tão "gorda" — significasse algo mais importante. Quindim explicou que Ditongo significa apenas "sílaba de duas Vogais" e que os gramáticos gastaram "um quilo de grego" para classificar essas minúsculas sílabas em Ditongos, Semiditongos, Tritongos e Monotongos.

03 – Quais eram as duas espécies de Ditongos que existiam na Rua dos Ditongos e qual era o Ditongo que Quindim notou que estava faltando?

      As duas espécies eram:

      Orais: Que só se pronunciam com a boca (exemplos: AI, AU, EI, EU, OU).

      Nasais: Em que o som sai também pelo nariz (exemplos: ÃE, AM, EM, ÕE). O Ditongo que Quindim estranhou não ver entre eles, e que era o mais importante da família, era o "Ão".

04 – Qual foi o indício que Emília usou para ligar o desaparecimento do Ditongo "Ão" ao Visconde de Sabugosa?

      Emília perguntou ao Ditongo ÕE se havia andado por ali "um filósofo de fora, sem cartolinha na cabeça e com umas palhas de milho ao pescoço" (o Visconde). O Ditongo confirmou que o "sábio embolorado" esteve de prosa com eles e desapareceu logo em seguida à falta do Ão. Emília juntou isso à informação anterior do vigia e da Frase de que o Visconde havia raptado um Ditongo.

05 – Qual foi a teoria (a "Heureca!" de Emília) que finalmente explicou o motivo do "delito" do Visconde?

      A teoria foi que o Visconde sofre do coração e se assusta com as palavras que trazem o Ditongo "Ão", pois o som o atinge "como se o Ão fosse um tiro, ou um latido de cachorro bravo". Ele raptou o Ditongo para livrar a língua desses sons que o assustavam.

06 – Como Narizinho confirma a teoria de Emília, lembrando-se de um episódio real com o Visconde?

      Narizinho lembrou-se de que o Visconde levou um grande tombo e machucou o "coranchim" quando Tia Nastácia berrou da cozinha a frase: "Seo Chico, não esqueça de me trazer da venda um pão de sabão!" O som berrado do "pão de sabão" assustou o Visconde como "dois tiros de espingarda".

07 – Se o Visconde tivesse sucesso em remover o Ditongo "Ão" da língua, quais seriam as consequências práticas na fala, de acordo com o que Emília prevê?

      Emília prevê que haveria a "maior das atrapalhações na língua". Palavras como Pão ficariam Pao, Sabão ficaria Sabao, e Ladrão ficaria Ladrao, atrapalhando a língua completamente.