quinta-feira, 14 de agosto de 2025

NOTÍCIA: A DITADURA DOS 'LIKES" - LOLA MORÓN - COM GABARITO

 Notícia: A ditadura dos ‘likes’

        Necessidade de estímulos positivos vicia. E muita gente se vê obrigada a repetir esse comportamento

Lola Morón – 22 abr. 2018 – 00:00 CEST

        Estamos todos expostos à crítica social, especialmente se propagamos voluntariamente nossas intimidades. Bem o sabem os instagramers, blogueiros e youtubers, que muitas vezes oferecem a imagem da felicidade plena e da verdade absoluta em suas redes sociais. Vindos do universo virtual, essas celebridades ditam gostos e opiniões, são os chamados influencers. A possibilidade de ser conhecido nunca foi tão acessível como agora, e os usuários anônimos que cada dia dedicam mais tempo a ser observados, admirados e valorizados já se contam aos milhões. As pessoas gostam de gostar. E a capacidade de difusão da internet oferece a muito mais gente a possibilidade de gostar. Mas, ao mesmo tempo, nos submete à ditadura da observação constante, o que nos impele a evitar cometer erros que possam ser notados e divulgados. O que antes se limitava a um instante e a um grupo reduzido de pessoas, agora tem uma audiência potencial permanente e ilimitada. De onde surge essa necessidade de agradar?

Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj-33brelIMH6Myet1raWrOwswy2jus64_EOZAn2gmeMVeZ3P5BzTvNKRNH2mJk1xhNgVUiBZzt7EIW7A46Ef9AVal-oOU6mhVGKOCEhaoZZSCsEzQ3sZ1uaNtqC83EfHQCi2y5MQNWYm9A-65X-Hs8ua92gqtMasSSFmV-vZ-6mnfmyrtCJEm5OtDs2bw/s320/2019-09-02-fim-dos-likes-no-instagram-e-seu-impacto-no-engajamento.jpg

        Parte de nossa identidade – especialmente na puberdade e na adolescência – é configurada pela relação com nossos pares. Configuramos nossa personalidade de acordo com a forma como nos sentimos conosco e com as opiniões que recebemos do mundo exterior. O que os outros pensam ao nosso respeito é um dos fatores determinantes na construção do nosso caráter. As novas tecnologias nos oferecem a possibilidade de desenhar um novo eu, o digital, que podemos idealizar e controlar: escolhemos o que mostrar, que imagem dar. Mas a criação e a manutenção dessa aparência têm um preço: executar a melhor interpretação da nossa vida perde valor se não houver um público que a observe, se não for divulgada. Precisamos de seguidores. O verdadeiro valor do “curtir” é confirmar que nossas ações são observadas e avaliadas positivamente. Isso nos faz sentir o prazer da vitória, do objetivo alcançado. Quando mostramos uma faceta de nós mesmos e recebemos um feedback que a valida, os circuitos cerebrais do reforço são ativados, o que nos faz querer mais. E isso acaba funcionando como uma droga.

        Corremos o risco de viver em uma pose constante. Não é permitido se zangar ou ter um dia ruim

        Cada nova curtida reforça um comportamento que nos leva a repeti-la; precisamos de mais e mais e mais, como acontece com qualquer vício. O impacto das imagens de felicidade e perfeição é efetivo. O público quer ver aquilo que não tem, estendendo o valor do instante para sua vida: se uma pessoa sai sorrindo em todas as fotos, isso significa que ela é feliz. Para que nossa imagem digital corresponda ao que desejamos ser, só se tem de fazer isso: mostrar felicidade, embora esta se assente sobre a desgraça de viver por e para a captura desse momento. Hoje somos vítimas da tirania da popularidade e do otimismo, uma derivada direta do culto ao cinismo. A importância de uma foto é medida por seus likes, de uma ideia por seus retuítes e de uma pessoa por seu número de seguidores. O alcance de uma opinião pessoal, de uma crítica, já não se limita ao ambiente em que se manifesta, nem esse escrito se relega a uma estante à qual, talvez, vamos no dirigir anos mais tarde e ler com rubor aquilo que um dia consideramos. Agora, o público é contado na casa dos milhões. E já nada é transitório.

        Quando recebemos um feedback, os circuitos cerebrais do reforço são ativados, o que nos faz querer mais. É uma droga

        Por tudo isso, corremos o risco de viver em uma pose constante. Não é permitido se zangar, ter um dia ruim ou estar de mau humor. A indiferença não tem lugar em um mundo que dá tanto valor ao posicionamento e, se possível, ao posicionamento explícito, próximo do radicalismo. Entre os desafios mais urgentes que isso acarreta, destaca-se a necessidade de assumir a incontrolável esfera de influência a que nossos menores estão submetidos, seres humanos que ainda estão coletando dados para formar sua própria opinião. Nunca foi tão fácil para uma criança ou adolescente ter acesso a argumentos extremistas esgrimidos por falsos profetas vociferantes.

        O que acontece quando os valores que se compram e se vendem para conseguir ser alguém influente são simplificados até a frivolização do ser humano? Onde está o sujeito pensante e autônomo, a pessoa com capacidade de reflexão, decisão e criação de um sistema ideológico independente e adaptado a um contexto social mais ou menos normativo? Os jovens hoje percebem as ideias de ídolos de canção, dos videogames, do esporte, da moda ou da beleza sem diferenciar se esses indivíduos sabem do que estão falando quando emitem opiniões sobre assuntos sobre os quais, em muitas ocasiões, não têm argumentos. Nessa era, podemos ir dormir como sujeitos anônimos e acordar na manhã seguinte sendo trending topic; só é necessário que uma pessoa com um número suficiente de seguidores nos relacione com algum fato escandaloso e num tom extravagante ou agressivo o suficiente para desencadear o efeito retuíte. Para o bem ou para o mal, na sociedade de hoje somos todos público, mas também somos todos audíveis. Não há descanso.

        O mundo nos observa e nos divulga. A verdade não importa necessariamente. Muitas vezes, a retificação de uma calúnia obterá um número de retuítes comparativamente desprezível. Os adultos, como os mais jovens, também acumulam curtidas e tendem a estabelecer regras sobre as coisas cujo conteúdo mais “curtimos”. Contabilizamos seguidores e ficamos chateados quando os perdemos. Os palestrantes não são mais valorizados, e segundo quais fóruns, por seus conhecimentos ou publicações acadêmicas, mas pelo número de seguidores que possuem no Twitter. E isso pode depender mais da simpatia do seu cachorro e do partido que você for capaz de tirar disso do que ter um conhecimento sólido sobre o conteúdo do painel para o qual você foi convidado. Não importa mais quais conclusões foram tiradas do debate. A magia termina quando o número de pessoas que participaram do evento é contabilizado. Como gerenciar e controlar esse vício? Aqui, chamo as autoridades a legislar. E os filósofos a filosofar. Não se pode dar um telefone celular a uma criança e depois tirá-lo. Devemos reconsiderar, nos adiantar aos acontecimentos.

MORÓN, Lola. A ditadura dos ‘likes’. El País, 22 abr. 2018. Disponível em: https://brasil.elpais.com. Acesso em: 21 jan. 2021.

Entendendo a notícia:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:

-- Assentar-se: nesse contexto, apoiar-se (de maneira figurada) sobre algo.

-- Esgrimido: manipulado como se fosse uma arma (no sentido figurado), em uma discussão, polêmica, etc.

-- Frivolização: ação de tornar (algo ou alguém) frívolo, isto é, de pouca ou nenhuma importância, superficial.

-- Impelir: impulsionar, estimular a fazer algo.

-- Relegar: deixar em segundo plano; abandonar.

-- Retificação: correção.

-- Rubor: vergonha.

-- Trending topic: assunto que está entre os mais mencionados em tuítes em determinado momento.

-- Vociferante: que fala com raiva, gritando, reclamando, acusando, etc.

02 – A hipótese que você criou sobre a temática do texto ao ter lido apenas o título se confirma? Comente.

      Sim. Pois o texto fala sobre o vício em querer ser mais famoso (com mais curtidas, seguidores).

03 – Analogias são relações de semelhança entre coisas ou ações diferentes. No decorrer da matéria, são construídas analogias já presentes no título e no subtítulo: o like pode representar uma ditadura e pode ser visto como algo que vicia. Com suas palavras, explique essas analogias.

      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: O like estimula a pessoa a querer mais, viciando-a na fama e nos estímulos positivos presentes no mundo das redes sociais.

04 – De acordo com o texto, por que as pessoas, em geral, sentem a necessidade de agradar aos outros e, no caso do mundo virtual, de receber curtidas?

      Porque quando recebemos um feedback e curtidas, os circuitos cerebrais do reforço são ativados, o que nos faz querer agradar os outros.

05 – No 4° parágrafo, lemos “[...] corremos o risco de viver em uma pose constante [...]”.

A – O que você entendeu nesse trecho?

      A partir do trecho, percebe-se que as pessoas estão presas à um determinado padrão nas redes sociais.

B – Você concorda com o posicionamento da autora nesse trecho? Por quê?

      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Sim. Porque ela nos explica algo que realmente acontece e pode se tornar um risco.

06 – Ainda no 4° parágrafo, a autora expressa uma preocupação em relação a crianças e adolescentes.

A – Que preocupação é essa?

      De que as crianças e adolescentes se tornem dependentes e fiquem viciados nos celulares. Além deles poderem ser influenciados pela internet.

B – Na sua opinião, o que se pode fazer para evitar o problema apontado pela autora nesse parágrafo?

      Monitorar o uso de celulares entre as crianças e adolescentes.

07 – “[...] Os jovens hoje percebem as ideias de ídolos de canção, dos videogames, do esporte, da moda ou da beleza sem diferenciar se esses indivíduos sabem do que estão falando quando emitem opiniões sobre assuntos sobre os quais, em muitas ocasiões, não têm argumentos. [...]”. (5° parágrafo). De acordo com o artigo, como é possível existir esse cenário, esse risco, hoje? Responda considerando tanto os influenciadores digitais e a mídia quanto os seguidores e internautas.

      Se os influenciadores apresentarem um determinado número de seguidores, qualquer um acreditaria neles.

08 – Como aparece a opção “curtir” nas redes sociais?

      Aparece como um ícone de joia ou de coração.

09 – Você daria um like a esse texto? Por quê?

      Sim. Porque o texto fala sobre um assunto bem importante, além de estar de certa maneira correto.

10 – Releia a seguinte passagem do texto e, em seguida, faça o que se pede.

        “[...] Nunca foi tão fácil para uma criança ou adolescente ter acesso a argumentos extremistas esgrimidos por falsos profetas vociferantes.

        O que acontece quando os valores que se compram e se vendem para conseguir ser alguém influente são simplificados até a frivolização do ser humano? Onde está o sujeito pensante e autônomo, a pessoa com capacidade de reflexão, decisão e criação de um sistema ideológico independente e adaptado a um contexto social mais ou menos normativo? [...]”. Explique as regências nominais nas palavras destacadas no trecho. Elas estão de acordo com a norma-padrão? Se não, indique como adequá-las.

      Sim. Elas estão de acordo. Acesso a algo; capacidade de; adaptado a algo.

     

 

NOTÍCIA: NÚMERO DE IDOSOS CRESCE 18% EM 5 ANOS E ULTRAPASSA 30 MILHÕES EM 2017 - FRAGMENTO - EDITORIA ESTATÍSTICAS SOCIAIS - COM GABARITO

 Notícia: Número de idosos cresce 18% em 5 anos e ultrapassa 30 milhões em 2017 – Fragmento

Editoria: Estatísticas Sociais | Rodrigo Paradella | Arte: Marcelo Barroso – 26/04/2018 10h00 | Atualizado em 01/10/2018 15h52

        A população brasileira manteve a tendência de envelhecimento dos últimos anos e ganhou 4,8 milhões de idosos desde 2012, superando a marca dos 30,2 milhões em 2017, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – Características dos Moradores e Domicílios, divulgada hoje pelo IBGE.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjenRn52NhvLBl4my6ExrsaRXzybAS-nyQYdIdVD-sCQzpGtGWcYaY4o65WWsmKH-_NIiIKrTOopL0ICgH85UThFp9lkIHvcyShJ-DYbatIIPMVuAkIyoPzIvDZp_HTElkOc3gjAye5EHK4KD9yKLaP2xvDQQVJFK-yhMHP4KcgeMMirjxt0oS0L9CA_LU/s320/piramide-etaria8642.jpg


        Em 2012, a população com 60 anos ou mais era de 25,4 milhões. Os 4,8 milhões de novos idosos em cinco anos correspondem a um crescimento de 18% desse grupo etário, que tem se tornado cada vez mais representativo no Brasil. As mulheres são maioria expressiva nesse grupo, com 16,9 milhões (56% dos idosos), enquanto os homens idosos são 13,3 milhões (44% do grupo).

        “Não só no Brasil, mas no mundo todo vem se observando essa tendência de envelhecimento da população nos últimos anos. Ela decorre tanto do aumento da expectativa de vida pela melhoria nas condições de saúde quanto pela questão da taxa de fecundidade, pois o número médio de filhos por mulher vem caindo. Esse é um fenômeno mundial, não só no Brasil. Aqui demorou até mais que no resto do mundo para acontecer”, explica a gerente da PNAD Contínua, Maria Lúcia Vieira.

        Entre 2012 e 2017, a quantidade de idosos cresceu em todas as unidades da federação, sendo os estados com maior proporção de idosos o Rio de Janeiro e o Rio Grande do Sul, ambas com 18,6% de suas populações dentro do grupo de 60 anos ou mais. O Amapá, por sua vez, é o estado com menor percentual de idosos, com apenas 7,2% da população.

        [...]

PARADELLA, Rodrigo. Número de idosos cresce 18% em 5 nos e ultrapassa 30 milhões em 2017. Agência IBGE Notícias, 26 abr. 2018. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br. Acesso em: 20 jan. 2021.

Entendendo a notícia:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:

-- Expectativa de vida: estimativa de quantos anos se espera que uma pessoa possa viver. Qualidade de vida, condições de saúde, segurança e educação são alguns dos fatores em que se baseia essa estimativa.

-- Grupo etário: grupo/conjunto de pessoas de uma mesma faixa de idade.

-- Taxa de fecundidade: estimativa do número médio de filhos que uma mulher tem ou teria durante a vida.

02 – No título da notícia, um mesmo dado é apresentado com base em duas referências numéricas distintas. O que cada uma delas expressa?

      18%, porcentagem em relação à população e 30 milhões, dado em quantidade de idosos.

03 – Qual foi o aumento real da população de idosos no Brasil entre 2012 e 2017?

      4,8 milhões de idosos.

04 – O texto, ao tratar do aumento do numero de idosos na sociedade brasileira, apresenta informações mais detalhadas sobre esse dado. Que especificações são essas?

      Número de mulheres idosas (16,9 milhões) é maior que o de homens idosos (13,3 milhões), Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul são os estados com mais idosos.

05 – Releia, no terceiro parágrafo, o comentário de Maria Lúcia Vieira, gerente da PNAD Contínua.

A – Segundo a especialista, que fatores promovem o aumento da idade da população?

      Aumento da expectativa de vida e diminuição da taxa de fecundidade.

B – Que transformações sociais podem explicar os fatores identificados pela gerente da pesquisa? Comente. Se necessário, faça uma pesquisa na web ou na biblioteca da escola para complementar a resposta.

      Melhorias nas condições de saúde e o número médio de filhos por mulher estar caindo.

06 – Observe os verbos destacados no trecho reproduzido a seguir.

        “Em 2012, a população com 60 anos ou mais era de 25,4 milhões. Os 4,8 milhões de novos idosos em cinco anos correspondem a um crescimento de 18% desse grupo etário, que tem se tornado cada vez mais representativo no Brasil. [...].

        “Não só no Brasil, mas no mundo todo vem se observando essa tendência de envelhecimento da população nos últimos anos. Ela decorre tanto do aumento da expectativa de vida pela melhoria nas condições de saúde quanto pela questão da taxa de fecundidade, pois o número médio de filhos por mulher vem caindo. [...]”.

A – Qual é o significado desses verbos no contexto?

      Correspondem: estar em correlação, em equivalência.

      Decorre: derivar, originar-se.

B – Por que eles aparecem, respectivamente, na 3ª pessoa do plural e na 3ª do singular?

      Corresponder, refere-se ao sujeito (“os 4,8 milhões de novos idosos) em que deve concordar.

      Decorrer, está concordando com seu sujeito (ela – essa tendência).

C – Para esses verbos, no texto, aparecem complementos necessários para o entendimento do leitor. Quais são eles? Que características eles apresentam?

      Correspondem: “a um crescimento de 18% desse grupo etário”.

      Decorre: “tanto do aumento da expectativa de vida pela melhoria nas condições de saúde quanto pela questão da taxa de fecundidade.

D – Há, no segundo fragmento, um problema sintático na redação, no emprego d uma preposição relacionada ao complemento de um verbo. Qual é esse problema? Como ele poderia ser corrigido?

      O problema é com o complemento do verbo decorrer. A preposição “pela” deveria ser substituída pelo “de”.

 

domingo, 10 de agosto de 2025

POEMA: ELLA - MACHADO DE ASSIS - COM GABARITO

 Poema: ELLA

             Machado de Assis

Seus olhos que brilham tanto,
Que prendem tão doce encanto,
Que prendem um casto amor
Onde com rara beleza,
Se esmerou a natureza
Com meiguice e com primor.

Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh73J9kEfNaNsqZQLNiuyfQQ7882mqOtJ2RizS6qIda6vPMpPOPfX0L7hDS0YKTe3413zkRyq5GrmvsEfCE2ojYmCEaYFeuShu5yBT4SUAdq2DgwYdjckmC2hrNwFO2Q6VejxRZOirA-LKoaaLMyTJ3py2_6l2UT8EetpHD7d1ZhYBNHD51Nu0JchhboWg/s1600/images%20(2).jpg



Suas faces purpurinas
De rubras cores divinas
De mago brilho e condão;
Meigas faces que harmonia
Inspira em dose poesia
Ao meu terno coração!

Sua boca meiga e breve,
Onde um sorriso de leve
Com doçura se desliza,
Ornando purpúrea cor,
Celestes lábios de amor
Que com neve se harmoniza.

Com sua boca mimosa
Solta voz harmoniosa
Que inspira ardente paixão,
Dos lábios de Querubim
Eu quisera ouvir um – sim –
Para alívio do coração!

Vem, ó anjo de candura,
Fazer a dita, a ventura
De minh'alma, sem vigor;
Donzela, vem dar-lhe alento,
Faz-lhe gozar teu portento,
"Dá-lhe um suspiro de amor!"

Machado de Assis, em 1855 no Jornal Marmota Fluminense, quando tinha 16 anos de idade. Disponível em: http://memoria.bn.br/DOCREADER/DOCREADRE.ASPx?bib=706914&PagFis=436. Acesso em: 28 nov. 2014.

Fonte: Língua Portuguesa: Singular & Plural. Laura de Figueiredo; Marisa Balthasar e Shirley Goulart – 6º ano – Moderna. 2ª edição, São Paulo, 2015. p. 264.

Entendendo o poema:

01 – Quais elementos do rosto da mulher são destacados nos dois primeiros quartetos e o que eles transmitem?

      Nos dois primeiros quartetos, Machado de Assis destaca os olhos e as faces da mulher. Os olhos são descritos como brilhantes, cheios de doce encanto e um casto amor, mostrando a beleza esmerada pela natureza. As faces são purpurinas, de cores divinas e com um "mago brilho e condão", inspirando poesia e harmonia ao coração do eu lírico.

02 – Como o poeta descreve a boca de "Ella" e que contraste ele usa para isso?

      A boca de Ella é descrita como meiga e breve, onde um sorriso suave desliza com doçura. O poeta usa um contraste interessante ao dizer que os lábios "com neve se harmoniza", indicando uma pureza ou delicadeza que se contrapõe à "purpúrea cor".

03 – Que desejo o eu lírico expressa em relação à voz e aos lábios da mulher?

      O eu lírico expressa o desejo de ouvir um "sim" da boca da mulher. Ele descreve a voz dela como harmoniosa e inspiradora de ardente paixão, comparando seus lábios aos de um Querubim, buscando alívio para o seu coração.

04 – Com que termo o eu lírico se refere à mulher no último quarteto e o que ele pede a ela?

      No último quarteto, o eu lírico se refere à mulher como "anjo de candura". Ele pede a ela que venha trazer a dita e a ventura à sua alma sem vigor, que lhe dê alento e que o faça gozar de seu portento, finalizando com o pedido por "um suspiro de amor!".

05 – Qual o tema central do poema "Ella" e como ele é abordado?

      O tema central do poema é a exaltação da beleza feminina e o desejo de um amor idealizado. Machado de Assis aborda esse tema descrevendo detalhadamente as características físicas da mulher (olhos, faces, boca), atribuindo-lhes qualidades quase divinas e expressando o anseio do eu lírico por uma correspondência amorosa que traga felicidade e plenitude à sua vida.

 

 

CONTO: O SONHO DE HABIB, FILHO DE HABIB - CONTO SUFI - COM GABARITO

 Conto: O sonho de Habib, filho de Habib

            Conto sufi

        Durante todo o dia, Habib, o tapeceiro, sentava-se diante de seu tear com os aprendizes à sua volta e tecia um lindo tapete. Mas seu filho, Habib, filho de Habib, quase nunca estava presente. Ele não se interessava por tapetes. Ele gostava de ir ao caravançará, onde se reuniam todas as caravanas de camelos no seu caminho para Samarkanda, para Bokara ou para as praias da Enseada Dourada.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiwdKGzRGGzGu2e6yTXZw9vVC9ERHY3J9DcMO92QJiwTEH2C6Y4GMQFuuZkzFe03JaGoXVVeTtidsMdOSUqrCXWh-zxumBAsxnlNy8eS0OYTmopHccHSN7TsAkM-wT3HN5PPCmJRIhz_ApQevRVqcDjchSjFe_nrkqibLQ6mskIbJaSTYy3aRPnXp-YIU0/s1600/images%20(1).jpg

 


        Um dia, enquanto olhava um cavalariço penteando a cauda prateada de um dos cavalos pertencentes a um mercador de Tabriz, Habib, filho de Habib, pensou consigo mesmo:

        “Ah, se eu pudesse seguir as caravanas.”

        – Por que você está tão interessado no lindo corcel do meu senhor? – perguntou o cavalariço. – Você, um menino empoeirado, deve estar muito mais acostumado com burros!

        – Um dia, quando for mercador – disse Habib, filho de Habib –, terei um cavalo como esse, também terei bolsas cheias de ouro e vou me casar com uma princesa.

        – Fora daqui, pequeno galo de briga! – gritou o cavalariço. – É melhor você sair de perto deste cavalo ou então vai levar um coice quando menos esperar.

        Então o menino foi embora, e chegou em casa bem na hora em que seu pai ia sair à sua procura com uma grande vara na mão.

        – Preguiçosa criatura! – gritou Habib. – Quando preciso de você para separar os fios de lã colorida você não está. Aonde você foi? Aposto que estava outra vez no caravançará. Volte ao trabalho ou vai levar uma surra.

        – Pai, se eu pudesse ir com as caravanas para algum lugar diferente poderia fazer fortuna, tenho certeza disto.

        – Sonhando acordado outra vez! – e Habib deu-lhe um tapa no pé do ouvido, levandoo, pela orelha, para dentro da loja.

        Nessa noite, Habib, filho de Habib, esgueirou-se para fora de casa sob a brilhante luz da lua, determinado a juntar-se à caravana que partiria ao amanhecer. Debaixo do braço levava um pequeno tapete, o mais velho da loja, do qual ninguém sentiria falta, ele tinha certeza, pois há muito tempo estava jogado num canto. Esperava que quando seu pai notasse a sua ausência ele já estivesse longe.

        No mercado, camelos com sinos em seus arreios estavam sendo carregados. Todos os mercadores arrumavam suas bolsas nas selas e suas cestas nas costas dos camelos.

        Habib, filho de Habib, aproximou-se de um velho homem de barba e disse:

        – Bondoso senhor, deixe-me acompanhá-lo, pois quero viajar e meu pai só quer que eu faça tapetes.

        – Vá embora – disse o mercador. – Não posso levá-lo comigo sem o consentimento de seu pai. Volte para falar com ele, e se ele permitir então pode ser que eu leve você comigo.

        Habib, filho de Habib, dirigiu-se a outro mercador:

        – Tomarei conta de seus camelos, deixe-me ir com você para lugares distantes.

        Mas o homem respondeu:

        – Você é muito pequeno e, de qualquer forma, já tenho dois meninos que cuidam dos meus camelos durante a viagem. Vá embora, volte para sua casa antes que notem a sua falta.

        Nesse momento os galos já começavam a cantar, e o dia estava nascendo. Os camelos se levantaram e logo iriam partir pelo portão da cidade em direção as terras estrangeiras.

        Quando o último camelo estava partindo o homem que o guiava disse a Habib, filho de Habib:

        – Quer seguir com a caravana, meu menino? Você parece estar sozinho e não ter ninguém para cuidar de você. Quer acompanhar-me no caminho de Samarkanda?

        Então o menino pulou de alegria e saiu correndo ao lado do último dos camelos. O homem, que era um mercador de lã, seguiu ao lado de seu camelo, que estava carregado demais, e ficou contente de ter o menino como companhia. Seu nome era Qadir e disse a Habib, filho de Habib, que lhe daria um dinar de prata por mês se ele o ajudasse a cuidar de seu camelo nos poços e fontes de água.

        Foram dias e noites de grande alegria para o menino enquanto ele viajava no final da enorme caravana de camelos, através de lugares montanhosos e desertos de areia, sob sol e chuva até que chegaram a Samarkanda.

        Habib, filho de Habib, ganhou seu primeiro dinar de prata e foi andar pelas ruas da cidade, procurando coisas para comprar. Comprou uma boina branca bordada com fios de seda e um colete verde de feltro revestido de algodão verde. Nessa noite não conseguiu dormir de tão feliz que estava. Sentou-se no tapete que havia trazido de casa e olhou para os brincos que havia comprado para sua mãe.

        – Gostaria de poder voar nesse tapete – disse baixinho, enquanto olhava à sua volta.

        Nem bem as palavras saíram de sua boca, ele já estava voando pelo ar sentado de pernas cruzadas sobre o tapete.

        – Um tapete mágico! – ele gritou. – Eu nunca soube disso durante todos estes anos.

        Então se dirigiu ao tapete e disse:

        – Leve-me ao palácio do rei deste país.

        Era uma noite de lua brilhante, tão clara como o dia, e ele viu que, lentamente, o tapete o levava para o terraço de um palácio de mármore, onde, à luz da lua, a princesa Flor Dourada brincava com bolinhas de gude. A princesa era da mesma idade que Habib e ficou tão contente de ter um companheiro para brincar que o chamou para perto dela. Ela o confundiu com o filho do aguadeiro do palácio. Deu-lhe uma bola de rubi e pegou uma de cristal, ordenando-lhe que tentasse vencê-la no jogo. Em alguns minutos várias bolinhas preciosas, um diamante, uma esmeralda e uma turquesa, estavam sendo espalhadas para todos os lados pelo rubi de Habib.

        A princesa Flor Dourada estava começando a arrumar uma outra linha de bolinhas quando se ouviu um grito. A ama da princesa vinha correndo na direção deles.

        – Princesa, princesa, volte para casa imediatamente! – ela gritou. – Que ousadia deste camponês empoeirado, vestido com um colete de feltro verde, vir brincar com a filha do rei!

        Nesse momento, Habib, filho de Habib, pulou no seu tapete mágico e ordenou que ele começasse a voar.

        – Leve-me de volta para minha própria casa! – disse. Imediatamente o tapete levantou voo, para surpresa da princesa e da velha ama.

        Houve um som de ventania, e tudo ficou escuro para Habib, filho de Habib. Ele começou a sentir-se tonto e seus olhos se fecharam. O tapete continuou a voar, e logo ele estava dormindo. Ele só acordou quando estava outra vez na casa de seu pai.

        Abriu os olhos e viu que estava na sua própria cama. Os galos cantavam e o dia amanhecia.

        – Acorde meu filho – disse o tapeceiro, sacudindo os ombros do filho. – Você gostaria de seguir a caravana e ver o mundo? Eu consegui que um mercador de Bagdá consentisse em levá-lo com ele na viagem.

        Habib, filho de Habib, olhou embevecido para seu pai. Então tudo tinha sido um sonho? Mas ele segurava na mão uma bolinha vermelha, de rubi. Entregou-a ao pai.

        – Veja, ganhei isto quando jogava com a princesa. Intrigado, o tapeceiro girava o rubi entre seus dedos.

        – Onde achou isto? Se vendermos este rubi ao joalheiro ficaremos ricos. Tem certeza de que não o roubou?

        – Eu o ganhei – insistiu o menino, e contou ao pai toda a história, do começo ao fim.

        – É magia – gritou Habib, e correu para contar tudo à mulher.

        Quando os dois foram falar com o menino, ele contou novamente a história, e eles acreditaram nele.

        – Onde está o tapete voador? – perguntou sua mãe. Mas o tapete não se encontrava em parte alguma. Então Habib, filho de Habib, pôs um pouco de comida num alforje e correu para o caravançará. Habib deu-lhe sua bênção e o mercador de Bagdá prometeu trazê-lo de volta depois de seis meses.

        Alguns anos mais tarde, quando cresceu o bastante, tornou-se mercador de tapetes e transportava a mercadoria de seu pai de país em país, e com isso conseguiu reunir grande riqueza. Então começou a se perguntar se existiria de fato uma princesa com o nome de Flor Dourada que ele conhecera no seu sonho e cujo rubi o colocou no caminho da fortuna. Durante as viagens perguntava a todos se a conheciam, até que chegou à terra de Sogdiana.

        – Qual é o nome da filha do rei? – perguntou a alguém na casa de chá em que se encontrava.

        – Princesa Flor Dourada – disseram.

        Então ele soube que sua busca terminara. Enviou valiosos presentes para o rei e pediu permissão para casar-se com sua filha.

        – Só se minha filha quiser – disse o rei.

        E arranjou para que Flor Dourada visse o jovem através de uma treliça secreta que havia na parede da câmara de audiências.

        Assim que a princesa pôs os olhos no jovem e belo mercador de tapetes se apaixonou por ele, e enviou uma mensagem a seu pai dizendo que se casaria com ele e com nenhum outro.

        – Que assim seja – disse o rei. – A felicidade de minha filha é mais importante do que qualquer título de nobreza. Que os ritos de casamento sejam realizados.

        Na festa de casamento, Habib, filho de Habib, colocou um rubi de raro valor incrustado em uma corrente de ouro em volta do pescoço de sua esposa.

        Eles viveram felizes para sempre, até que Allah mandou buscá-los finalmente.

Histórias da tradição sufi. Grupo Granada de Contadores de Histórias (seleção e tradução) e Nícia Grillo (coordenação). Dervish, Instituto Tarika, 1993.

Entendendo o conto:

01 – Qual era a ocupação do pai de Habib, e por que Habib, filho de Habib, não se interessava por ela?

      O pai de Habib era um tapeceiro, que tecia belos tapetes. Habib, filho de Habib, não se interessava por essa ocupação porque preferia ir ao caravançará, onde se reuniam as caravanas de camelos, sonhando em seguir viagem para lugares distantes como Samarkanda e Bokara.

02 – Que sonho Habib, filho de Habib, compartilha com o cavalariço, e como o cavalariço reage?

      Habib, filho de Habib, sonha em ser um mercador um dia, ter um cavalo tão bonito quanto o do senhor do cavalariço, bolsas cheias de ouro e casar-se com uma princesa. O cavalariço reage com desprezo, chamando-o de "pequeno galo de briga" e mandando-o embora, dizendo que ele estava mais acostumado com burros.

03 – O que Habib, filho de Habib, faz ao tentar fugir de casa, e o que ele leva consigo?

      Habib, filho de Habib, esgueira-se para fora de casa à noite, determinado a se juntar a uma caravana. Ele leva consigo um pequeno tapete, o mais velho da loja do pai, que ele achava que ninguém sentiria falta.

04 – Por que os primeiros mercadores recusam levar Habib com suas caravanas?

      Os primeiros mercadores recusam levá-lo porque não poderiam fazê-lo sem o consentimento de seu pai e, no caso de outro mercador, por ele ser muito pequeno e eles já terem cuidadores para os camelos.

05 – Quem é o mercador que finalmente aceita levar Habib, e qual é o combinado entre eles?

      O mercador que finalmente aceita levar Habib é Qadir, um mercador de lã, que o guiava o último camelo de uma caravana. Qadir aceita levá-lo como companhia e lhe promete um dinar de prata por mês em troca de ajuda para cuidar do camelo nos poços e fontes de água.

06 – Como Habib descobre que o tapete que trouxe de casa é mágico?

      Habib descobre que o tapete é mágico quando, em Samarkanda, após ganhar seu primeiro dinar e comprar roupas e presentes, ele se senta no tapete e diz baixinho: "Gostaria de poder voar nesse tapete". Imediatamente, ele começa a voar pelo ar sobre o tapete, percebendo sua natureza mágica.

07 – Onde o tapete mágico leva Habib, e quem ele encontra nesse local?

      O tapete mágico leva Habib ao terraço de um palácio de mármore, onde ele encontra a princesa Flor Dourada, que tinha a mesma idade que ele.

08 – Qual a interação de Habib com a princesa Flor Dourada e como a ama da princesa reage a isso?

      Habib brinca com a princesa Flor Dourada, jogando bolinhas de gude. Ele ganha várias bolinhas preciosas dela, incluindo um rubi. A ama da princesa reage com indignação, gritando com a princesa e criticando a ousadia do "camponês empoeirado" de brincar com a filha do rei.

09 – O que acontece com Habib após a intervenção da ama, e o que ele encontra ao acordar?

      Após a intervenção da ama, Habib, filho de Habib, pula no tapete mágico e ordena que o leve de volta para casa. Ele sente-se tonto, desmaia e acorda em sua própria cama, ao amanhecer. Embora tudo pareça um sonho, ele encontra uma bolinha vermelha, de rubi, na mão, que provava a experiência.

10 – Qual é o desfecho da história para Habib, filho de Habib, e a princesa Flor Dourada?

      Habib, filho de Habib, usa o rubi como prova de sua história, o que leva seu pai a permitir que ele viaje. Ele se torna um mercador de tapetes bem-sucedido, acumulando riqueza. Anos mais tarde, ele encontra a princesa Flor Dourada na terra de Sogdiana, casa-se com ela (presenteando-a com o rubi incrustado em ouro) e eles vivem felizes para sempre, concretizando o sonho de sua infância.

 

CONTO: O SÁBIO DA EFELOGIA - MALBA TAHAN - COM GABARITO

 Conto: O SÁBIO DA EFELOGIA

          Malba Tahan

        Aqui é relatada a singular história de um pseudo-sábio que assombrava os seus ouvintes derramando uma erudição espantosa. No fim o leitor descobre que o herói do conto é um tipo semelhante a muitos outros que encontramos a cada passo na vida: verdadeiros sábios da Efelogia.

        Durante a última excursão que fiz a Marrocos, encontrei um dos tipos mais curiosos que tenho visto em minha vida.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhQm47xOumrzNq42GlqLkdqlMAKSkktkXbdkQ-VE0xb8pRjw9UPq5oLNSBKWb281AKdFPRBsoVRHPU9Q8X_qnGC7SYVqDcSGeTtSW3SYtEqImuVCp-rhUrl7-WRBWARo56no3EespKw8AwYMEwyeHe-LcJDV_Hi63y0zKUVyrDEYAJW1dE-11rMOl5Ms3I/s320/ruas-de-fez.jpg


        Conheci-o casualmente, no velho hotel de Yazid El-Kedim, em Marrakech. Era um homem alto, magro, de barbas pretas e olhos escuros; vestia sempre pesadíssimo casaco de astracã, com esquisita gola de peles que lhe chegava até às orelhas. Falava pouco; quando conversava casualmente com os outros hóspedes, não fazia a menor referência à sua vida ou ao seu passado. Deixava, porém, de vez em quando, escapar observações eruditas, denotadoras de grande e extraordinário saber.

        Além do nome — Vladimir Kolievich — pouco mais se conhecia dele. Entre os viajantes que se achavam em “El-Kedim”, constava que o misterioso cavalheiro era um antigo e notável professor da Universidade de Riga, que vivia foragido por ter tomado parte numa revolução contra o governo da Letônia.

        Uma noite, como de costume estávamos reunidos na sala de jantar, quando uma jovem escritora russa, Sônia Baliakine, que se entretinha com a leitura de um romance, me perguntou:

        — Sabe o senhor onde fica o rio Falgu?

        — O quê? Rio Falgu?

        Ao cabo de alguns momentos de baldada pesquisa nos escaninhos da memória, fui obrigado a confessar a minha ignorância, lamentável nesse ponto. Nunca tinha ouvido falar em semelhante rio, apesar de ter feito um curso completo e distinto na Universidade de Moscou.

        Com surpresa de todos, o misterioso Vladimir Kolievich, que fumava em silêncio a um canto, veio esclarecer a dúvida da encantadora excursionista russa:

        — O Rio Falgu fica nas proximidades da cidade de Gaya, na Índia. Para os budistas, o Falgu é um rio sagrado, pois foi junto a ele que Buda, fundador da grande religião, recebeu a inspiração de Deus.

        E diante da admiração geral dos hóspedes, aquele cavalheiro, habitualmente taciturno e concentrado, continuou:

        — É muito curioso o rio Falgu. O seu leito apresenta-se coberto de areia; parece eternamente seco, árido, como um deserto. O viajante que dele se aproxima não vê água nem ouve o menor rumor do líquido. Cavando-se, porém, alguns palmos na areia, encontra-se um lençol de água pura e límpida.

        E, Com a simplicidade e clareza peculiares aos grandes sábios, passou a contar-nos coisas curiosas, não só da Índia, como de várias outras partes do mundo. Falou-nos minuciosamente das “filazenes”, espécie de cadeiras em que se assentam, quando viajam, os habitantes de Madagáscar.

        — Que grande talento! Que invejável cultura científica! — segredou, a meu lado, um missionário católico, sinceramente admirado.

        A formosa Sônia afirmou que encontrara referências ao rio Falgu exatamente no livro que estava lendo, uma obra de Otávio Feuillet.

        — Ah! Feuillet, o célebre romancista francês! — atalhou ainda o erudito cavalheiro do astracã. — Otávio Feuillet nasceu em 1821 e morreu em 1890. As suas obras, de um romantismo um pouco exagerado, são notáveis pela finura das observações e pela concisão e brilho do estilo.

        E, durante algum tempo, prendeu a atenção de todos, discorrendo sobre Otávio Feuillet, sobre a França e sobre os escritores franceses. Ao referir-se aos romances realistas, citou as obras de Gustavo Flaubert: “Salambô”, “Madame Bovary”, “Educação Sentimental”...

        — Não se limita a conhecer a Geografia — acrescentou, a meia-voz, o velho missionário. — Sabe também literatura a fundo!

        Realmente. A precisão com que o erudito Vladimir citava datas e nomes, e a segurança com que expunha os diversos assuntos, não deixavam dúvida alguma sobre a extensão de seu considerável saber.

        Nesse momento, começava uma forte ventania. As janelas e portas batem com violência. Alguns excursionistas que se achavam na sala mostraram-se assustados.

        — Não tenham medo — acudiu, bondoso, o extraordinário Kolievich. — Não há motivo para temores ou receios. Faye, o grande astrônomo, que estudou a teoria dos ciclones...

        E depois de discorer longamente sobre a obra de Faye, e depois passou a falar, com grande loquacidade, dos ciclones, avalanches, erupções e todos os flagelos da natureza.

        Senti-me seriamente intrigado. Quem seria, afinal, aquele homem tão sábio, de rara e copiosa erudição, que se deixava ficar modesto, incógnito, como simples aventureiro, numa velha e monótona cidade marroquina?

        No dia seguinte, ao regressar de fatigante excursão aos jardins de El-Menara, encontrei-o casualmente, sozinho, no pátio da linda mesquita de Kasb. Não me contive e fui ter com ele.

        — O senhor maravilhou-nos ontem com o seu saber — confessei, respeitoso. — Não podíamos imaginar, com franqueza, que fosse um homem de tão grande cultura. Na sua academia, com certeza...

        — Qual, meu amigo! — obtemperou ele, amável, batendo-me no ombro. — Não me considere um sábio, um acadêmico ou um professor. Eu pouco sei – ou melhor – eu nada sei. Não reparou nas palavras de que tratei? Falgu, filazenes, Feuillet, França, Flaubert, Faye, flagelo. Começam todas pela letra “F”. Eu só sei falar sobre palavras que começam pela letra “F”.

        Fiquei ainda mais admirado. Qual seria a razão de tão curiosa extravagância no saber?

        — Eu lhe explico — acudiu com bom humor o estranho viajante. — Sou natural de Petrogrado e vivo do comércio do fumo. Estive, porém, por motivos políticos, durante dez anos nas prisões da Sibéria. O condenado que me havia precedido, na cela em que me puseram, deixou-me como herança os restos de uma velha enciclopédia francesa. Eu conhecia um pouco esse idioma – e, como não tivesse em que me ocupar – li e reli centenas de vezes as páginas que possuía. Eram todas da letra “F”. Ao final, fiquei sabendo muita coisa; tudo, porém sem sair da letra “F”: fá, fabagela, fabela, fabiana, fabordão.

        Achei curiosa aquela conclusão da original história do inteligente Kolievich, o negociante de fumo. Ele era precisamente o contrário do famoso e venerado rio Falgu, da Índia. Parecia possuir uma corrente enorme, profunda e tumultuosa de saber; entretanto, sua erudição, que nos causara tanto assombro, não ia além dos vários capítulos decorados da letra “F” de uma velha enciclopédia.

        Era, inquestionavelmente, o homem que mais conhecia a ciência que ele próprio denominara “efelogia”!

Malba Tahan, Seleções – Os melhores contos – Conquista, Rio, 1963.

Entendendo o conto:

01 – Quem é o narrador do conto e onde ele conhece o personagem principal?

      O narrador é o próprio autor, Malba Tahan, que encontra o personagem principal, Vladimir Kolievich, casualmente no velho hotel de Yazid El-Kedim, em Marrakech, Marrocos, durante uma excursão.

02 – Quais eram as características físicas e de vestimenta de Vladimir Kolievich, e o que se dizia sobre seu passado?

      Vladimir Kolievich era um homem alto, magro, de barbas pretas e olhos escuros, que vestia sempre um pesadíssimo casaco de astracã com gola de peles. Constava que ele era um antigo e notável professor da Universidade de Riga, foragido por ter participado de uma revolução na Letônia.

03 – Qual foi a primeira demonstração de grande saber de Vladimir Kolievich que surpreendeu os hóspedes?

      A primeira demonstração de saber que surpreendeu a todos foi quando ele esclareceu a dúvida de uma jovem escritora russa sobre a localização do rio Falgu. Ele não apenas soube onde ficava, mas também forneceu detalhes sobre sua importância para os budistas e suas características geológicas.

04 – Além de geografia, sobre quais outros assuntos, Vladimir Kolievich, demonstrou grande conhecimento?

      Além de geografia (como o rio Falgu e Madagáscar), Vladimir Kolievich demonstrou conhecimento aprofundado em literatura, discorrendo sobre Otávio Feuillet e citando obras de Gustavo Flaubert, e também em meteorologia/astronomia, falando sobre a obra de Faye e os fenômenos naturais como ciclones e erupções.

05 – Qual é a revelação surpreendente de Vladimir Kolievich sobre a origem de seu vasto conhecimento?

      A revelação surpreendente é que seu vasto conhecimento se limita a palavras que começam com a letra "F". Ele explica que, durante dez anos na prisão na Sibéria, leu e releu centenas de vezes as páginas de uma velha enciclopédia francesa que haviam sido deixadas por um prisioneiro anterior, e todas essas páginas eram da letra "F".

06 – O que o narrador entende por "efelogia" no final do conto?

      No final do conto, o narrador entende "efelogia" como a ciência ou arte de saber tudo sobre palavras que começam com a letra "F". É a área de conhecimento peculiar e limitada de Vladimir Kolievich, que ele próprio denominou.

07 – Como o conto "O Sábio da Efelogia" critica a aparência de erudição superficial?

      O conto critica a aparência de erudição superficial ao apresentar um personagem que, à primeira vista, parece ter um saber universal e profundo, mas que, na realidade, possui um conhecimento vasto, porém limitado e específico a uma única letra. Isso sugere que o que parece ser sabedoria ilimitada pode ser, na verdade, uma memorização focada e enganosa, destacando a diferença entre o conhecimento genuíno e a mera ostentação de informações.