sexta-feira, 10 de outubro de 2025

CONTO: GENTE IMPORTANTE E GENTE POBRE - EMÍLIA NO PAÍS DA GRAMÁTICA - MONTEIRO LOBATO - COM GABARITO

 Conto: Gente importante e gente pobre – Emília no país da gramática       

           Monteiro Lobato

        A cidade de Portugália dava a ideia duma fruta incõe — ou de duas cidades emendadas, uma mais nova e outra mais velha. A separação entre ambas consistia num braço de mar.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgqybFWXgda8r_Zas2q4yeQWOEKb9ftG0QOLAWEf6fin2n3LVxkKSFTFo5VOKx1tThrCIOhLDWKLxJwV3gpxtw4A_B6fx_DqXYsTEDIZSe5XZ4AjAxbvTzT394OlMk_FaDdc6a3b99d_KB_rEkKMz4116N0aJvfIHp07vBi9n6G5VGQS_e2FwXq8lMQU9s/s320/substantivo1.png


          A parte de lá — explicou o rinoceronte — é o bairro antigo, onde só existiam palavras portuguesas. Com o andar do tempo essas palavras foram atravessando o mar e deram origem ao bairro de cá, onde se misturaram com as palavras indígenas locais. Desse modo formou-se o grande bairro de Brasilina.

          Compreendo — disse Pedrinho. — Para cá é a parte do Brasil e para lá é a parte de Portugal. Foi a parte de lá, ou a cidade velha, que deu origem à parte de cá, ou a cidade nova.

          Isso mesmo. A cidade nova saiu da cidade velha. No começo isto por aqui não passava dum bairro humilde e malvisto na cidade velha; mas com o tempo foi crescendo e ainda há de acabar uma cidade maior que a outra.

          Vamos percorrer a cidade nova, que é a que mais nos interessa — propôs Narizinho.

        Montaram de novo no rinoceronte, que se pôs a trote pelo morro abaixo. Chegados ao sopé, saltaram em terra, porque não seria gentil penetrarem na cidade da língua montados em tão notável gramático.

        Oh, ali era outra coisa! Ruas varridas, sem mato e com "grilos" nas esquinas. Grande número de palavras moviam-se com muita ordem, andando de cá para lá e de lá para cá, exatinho como gente numa cidade comum.

          Que bairro será esse? — perguntou Narizinho.

        — Um muito importante — o bairro dos NOMES, ou SUBSTANTIVOS.

          Que emproados! — observou Emília. — Até parecem as Vogais da terra do alfabeto.

          E são de fato as Vogais das palavras. Sem eles seria impossível haver linguagem, porque os Substantivos é que dão nome a todos os seres vivos e a todas as coisas. Por isso se chamam Substantivos, como quem diz que indicam a substância de tudo. Mas reparem que há uns orgulhosos e outros mais humildes.

          Sim, estou notando — declarou a menina. — Uns não tiram a mão do bolso e só falam de chapéu na cabeça. Outros parecem modestos. Quem são esses prosas, de mão no bolso?

          São os Nomes PRÓPRIOS, que servem para designar as pessoas, os países, as cidades, as montanhas, os rios, os continentes, etc. — Ali vai um — Paulo, que serve para designar certo homem.

          Mas há muitos Paulos — observou Emília.

          Pois esse Nome designa cada um deles, exigindo depois de si um Sobrenome para marcar a diferença entre um Paulo e outro. Paulo Silva, Paulo Moreira, etc. Silva e Moreira são sobrenomes que diferenciam um Paulo de outro. Já aquela palavra que vem um pouco mais atrás goza de mais importância que o Nome Paulo. É a palavra Himalaia, que não tem outra coisa a fazer na vida senão designar certa montanha da índia, a mais alta do mundo. Por ter pouco serviço está gorda assim. Só é chamada de longe em longe, quando alguém quer referir-se à tal montanha. Paulo é um Nome mais magro porque os homens exigem dele bastante serviço.

          Nesse caso o Nome José deve ser fininho como um palito — disse Emília. — E o Nome Maria também.

          Falai no mau, aprontai o pau! — gritou Narizinho. — Lá vem o nome José, suando em bicas, magro que nem um espeto, surrado que nem taramela de porta de cozinha...

          Venha cá, Senhor Nome José! — chamou Emília.

        O Nome José aproximou-se, arquejante, a limpar o suor da testa.

          Cansadinho, hein?

          Nem fale, menina! — disse ele. — A todo momento nascem crianças que os pais querem que eu batize, de modo que vivo numa perpétua correria de igreja em igreja, a grudar-me em criancinhas que ficam josezando até à morte. Eu e Maria somos dois Nomes que não sabem o que quer dizer sossego...

        Nem bem havia dito isso e — trrrlin!... soou a campainha de um radio telefone; a telefonista atendeu e depois berrou para a rua:

          O Nome José está sendo chamado para batizar um menino em Curitiba, capital do Paraná. Depressa!

        E o pobre Nome José lá se foi ventando para Curitiba, a fim de josezar mais aquele Zezinho.

          Não vale a pena ser muito querida nesta cidade — observou Emília. — Eu, se fosse palavra, queria ser a mais antipática de todas, para que ninguém me incomodasse, como incomodam a este pobre José.

          Disso estou eu livre! — murmurou uma palavra gorda, que estava sentada à soleira duma porta. Era o Nome Urraca.

          Sim — continuou ela. — Como os homens me acham feia, não me incomodam com chamados quando têm filhas a batizar. Antigamente não era assim. Muitas meninas batizei em Portugal, e até princesas. Mas hoje, nada. Deixaram-me em paz duma vez. Desconfio que não existe no Brasil inteiro uma só menina com meu nome.

          Por isso está gorda assim, sua vagabunda! — observou Emília.

          Que culpa tenho de ser feia, ou dos homens me acharem feia? Cada qual como Deus o fez.

          Nesse caso, se é inútil, se não tem o que fazer, se está sem emprego, a senhora não passa dum Arcaísmo cujo lugar não é aqui e sim nos subúrbios. Está tomando o espaço de outras.

          Não seja tão sabida, bonequinha! Eu há muito que moro nos subúrbios, e se vim passear hoje aqui foi apenas para matar saudades. Esta casa não é minha.

          De quem é então?

          Duma diaba que veio de Galópolis e anda mais chamada que uma telefonista — uma tal Odete. Volta e meia sai daqui correndo, a batizar meninas. Mas minha vingança é que está ficando magra que nem bacalhau de porta de venda, de tanto corre-corre.

          Está aí dentro, essa palavra?

          Aqui dentro, nada! Não pára em casa um minuto. Inda agora recebeu chamado para batizar uma menina em Itaoca. Tomara que seja uma negrinha preta que nem carvão...

        Enquanto Emília conversava com aquele Nome sem serviço, Pedrinho ia atentando na soberbia dos Nomes indicativos de países e continentes. O Nome Europa era o mais empavesado de todos: louro, e dum orgulho infinito. Passou rente ao Nome América e torceu o nariz. Também o Nome Alemanha era emproadíssimo, embora andasse com uma cruz de ponto falso no nariz.

          Estes Nomes Próprios — explicou Quindim — têm a seu serviço essa infinidade de Nomes COMUNS que formigam pelas ruas. Os Nomes Comuns formam a plebe, o povo, o operariado, e têm a obrigação de designar cada coisa que existe, por mais insignificante que seja. Qual será a coisa mais insignificante do mundo?

        — Cuspo de micróbio — gritou Emília.

        — Realmente, bonequinha, cuspo de micróbio deve ser a coisa mais insignificante do mundo. Pois mesmo assim há necessidade de dois Nomes Comuns para a designar. Imaginem agora a humildade desses dois Nomes quando passam perto do Nome Próprio Deus, por exemplo, ou Ouro, que são dos mais graduados!

          Com certeza deitam-se no chão e viram tapete para que Deus e Ouro lhes pisem em cima — observou Emília.

        Entre a multidão de Nomes que enxameavam naquela rua, os meninos notaram outras diferenças. Uns pertenciam à classe dos Nomes CONCRETOS e outros à classe dos Nomes ABSTRATOS. Havia ainda os Nomes SIMPLES e os Nomes COMPOSTOS. Quindim foi explicando a diferença.

        — Os Nomes Concretos são os que marcam coisas ou criaturas que existem mesmo de verdade, como Homem, Nastácia, Tatu, Cebola. E os Nomes Abstratos são os que marcam coisas que a gente quer que existam, ou imagina que existem, como Bondade, Lealdade, Justiça, Amor.

        — E também Dinheiro — sugeriu Emília.

        — Dinheiro é Concreto, porque dinheiro existe — contestou Quindim.

        — Para mim e para Tia Nastácia é abstratíssimo. Ouço falar em Dinheiro, como ouço falar em Justiça, Lealdade, Amor; mas ver, pegar, cheirar e botar no bolso dinheiro, isso nunca.

        — E aquele tostão novo que dei a você no dia do circo?  — lembrou o menino.

        — Tostão não é dinheiro; é cuspo de dinheiro — retorquiu Emília.

        Depois daquela asneirinha, o rinoceronte continuou:

        — Há os Nomes Simples, como a maior parte dos que circulam por aqui, e há os Nomes Compostos, como aqueles que ali vão. Estes Nomes Compostos formam-se de dois Nomes Simples, encangados que nem bois.

        Ia passando o Nome Guarda-Chuva, de braço dado com o Nome Couve-Flor.

        — Parecem bananas incões — observou Emília.

        — E há ainda os Nomes COLETIVOS — continuou Quindim. — São os que indicam uma coleção, ou uma porção de coisas — como aquele, acolá! Emília chamou-o.

        — Venha cá, Senhor Coletivo! Explique-se. Diga quem é.

        — Sou o Nome Cafezal e indico uma porção de pés de café. Deseja mais alguma coisa, senhorita?

        — Quero saber se não está com a broca.

        — Broca só dá nos arbustos que eu batizo quando são muitos.

        — E quando são poucos?

        — Só os batizo quando são muitos. Se se trata apenas de dois, três ou uma dúzia, não dou confiança. Ficam sendo dois, três ou uma dúzia de pés de café, mas nunca um Cafezal. Está satisfeita?

        — Estaria — respondeu Emília, despedindo-o espevitadamente — se em vez de tantos pés de café você me desse uma xícara de café com bolinhos...

OBRA INFANTO-JUVENIL DE MONTEIRO LOBATO. Edição do Círculo do Livro. Emília no País da Gramática. As figuras de sintaxe. https://www.fortaleza.ce.gov.br.

Entendendo o conto:

01 – Como a cidade de Portugália é descrita por Quindim, e qual elemento natural faz a separação entre suas duas partes?

      Ela é descrita como se fosse uma "fruta incõe" ou "duas cidades emendadas". O elemento que separa as duas partes é um braço de mar.

02 – Quais são os nomes dos dois bairros/cidades que compõem Portugália (a parte velha e a parte nova), e de onde veio a origem da cidade nova?

      A parte de lá é o bairro antigo (Portugal) e a parte de cá é o grande bairro de Brasilina (Brasil). A cidade nova (Brasilina) saiu da cidade velha (o bairro antigo).

03 – Qual é o nome do bairro importante que os meninos visitam, e qual é a função essencial das palavras que vivem lá, de acordo com Quindim?

      É o bairro dos NOMES, ou SUBSTANTIVOS. A função essencial é que eles dão nome a todos os seres vivos e a todas as coisas (por isso indicam a "substância de tudo").

04 – Como Quindim diferencia os Nomes Próprios dos Nomes Comuns em termos de comportamento e função social?

      Os Nomes Próprios são orgulhosos e emproados (andando de chapéu e mão no bolso) e servem para designar indivíduos específicos (pessoas, países). Os Nomes Comuns formam a plebe, o povo, o operariado e têm a obrigação de designar cada coisa que existe, por mais insignificante que seja.

05 – Por que os Nomes Próprios como José e Maria são descritos como "magro que nem um espeto" e vivem em "perpétua correria"?

      Isso acontece porque eles são nomes muito usados (queridos) e vivem numa correria "de igreja em igreja" para batizar inúmeras crianças que nascem, exigindo muito serviço deles.

06 – Qual era a história da palavra Urraca, e por que ela se considera mais feliz do que Nomes como José?

      Urraca era um Nome Próprio que foi muito usado em Portugal (batizando até princesas), mas hoje os homens a acham feia e não a usam mais. Ela está gorda por estar sem serviço, e se considera feliz por estar livre do corre-corre e dos chamados.

07 – O que são Nomes Concretos e Nomes Abstratos, segundo a definição de Quindim?

      Nomes Concretos são os que marcam coisas ou criaturas que existem mesmo de verdade (Ex: Homem, Tatu). Nomes Abstratos são os que marcam coisas que a gente quer que existam, ou imagina que existem (Ex: Bondade, Justiça, Amor).

08 – Por que Emília discorda de Quindim e insiste que a palavra Dinheiro é um Nome Abstrato?

      Emília diz que, para ela e Tia Nastácia, Dinheiro é Abstrato porque, assim como Justiça e Lealdade, ela apenas ouve falar sobre ele, mas nunca consegue "ver, pegar, cheirar e botar no bolso".

09 – O que são os Nomes Compostos, e quais exemplos foram citados no texto?

      São Nomes que se formam de dois Nomes Simples, "encangados que nem bois". Os exemplos citados são Guarda-Chuva e Couve-Flor.

10 – O que são os Nomes Coletivos, e qual exemplo foi chamado para se explicar aos meninos?

      São os Nomes que indicam uma coleção, ou uma porção de coisas. O exemplo chamado por Emília foi a palavra Cafezal, que indica uma porção de pés de café.

 

 

POEMA: O SEGUNDO, QUE ME VIGIA - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - COM GABARITO

 Poema: O Segundo, Que Me Vigia

           Carlos Drummond de Andrade

Implacável ponteiro dos segundos.
Não, não quero este decassílabo.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjfW3-SovoDS_NlOPbjbx_oPdAxIDY4CJm05d_kD-UDciLptV1oiw9_nCt2N0s1O8VLcEKhSa6eGhsKqvJ4OkuvUw5-R37kFsmy7_u8yUCWzbe6D4S16ASi4KzsO2jzLGJ-QUt0pnuDWMpSrOmvvNSFwe2zOmP73eP9Sno_Qmo-MxUL3Yrtx22UhzmUpL4/s320/RELOGIO.jpg


O que eu queria dizer era:
O segundo, não o tempo, é implacável.
Tolera-se o minuto. A hora suporta-se.
Admite-se o dia, o mês, o ano, a vida,
a possível eternidade.
Mas o segundo é implacável.
Sempre vigiando e correndo e vigiando.
De mim não se condói, não para, não perdoa.
Avisa talvez que a morte foi adiada
ou apressada
por quantos segundos?

Carlos Drummond de Andrade. Farewell. Rio de Janeiro, Record, 1996.

Fonte: Gramática da Língua Portuguesa Uso e Abuso. Suzana d’Avila – Volume Único. Editora do Brasil S/A. Ensino de 1º grau. 1997. p. 24.

Entendendo o poema:

01 – Qual é a correção ou a distinção que o eu lírico faz logo no início do poema, e por que ele a considera importante?

      O eu lírico corrige a ideia inicial do "Implacável ponteiro dos segundos," rejeitando o verso por ser um decassílabo (métrica poética) e, principalmente, por ser impreciso. A correção é: "O segundo, não o tempo, é implacável." Essa distinção é crucial porque ele quer isolar a menor e mais rápida unidade de tempo, o segundo, como o agente da implacabilidade. O tempo em suas unidades maiores (minuto, hora, dia) é tolerável; o segundo, por sua constância e rapidez, é o que realmente oprime e vigia.

02 – Por que o eu lírico afirma que as unidades de tempo maiores ("minuto," "hora," "dia," "vida") são mais toleráveis que o segundo?

      O eu lírico sugere que as unidades maiores dão uma ilusão de controle, extensão ou pausa. O minuto, a hora e a vida podem ser "tolerados," "suportados" ou "admitidos" porque oferecem um horizonte mais vasto. Já o segundo, por ser a unidade de medida mais imediata e constante, representa a pressão incessante e ininterrupta do presente que escapa a todo instante, tornando-se o verdadeiro símbolo da implacabilidade.

03 – Quais ações o eu lírico atribui ao segundo que reforçam seu caráter de "vigilante" impiedoso?

      O segundo é personificado com ações de vigilância e falta de piedade. Ele está "Sempre vigiando e correndo e vigiando," e dele se diz que "não se condói, não para, não perdoa." Essas ações atribuem ao segundo uma qualidade de observador constante e juiz severo que não tem empatia pela condição humana e não concede trégua ao sujeito poético.

04 – Qual é a principal relação que o segundo estabelece com a morte na estrofe final?

      O segundo é relacionado à morte como um anunciador ou agente de medida da finitude. A pergunta retórica (o segundo "Avisa talvez que a morte foi adiada / ou apressada / por quantos segundos?") sugere que o segundo é a unidade pela qual se mede o quanto a vida foi prolongada ou encurtada. Ele representa o limite temporal inegociável da existência, sendo a unidade mínima que determina o momento do fim.

05 – O que o poema, em sua brevidade e foco em uma única unidade de tempo, comunica sobre a experiência da passagem do tempo na modernidade ou na consciência individual?

      O poema comunica a ansiedade e a opressão geradas pela passagem do tempo em sua forma mais fragmentada e ininterrupta. Ao focar no segundo, Drummond reflete sobre a percepção aguda da finitude e a sensação de que a vida é constantemente drenada, grão por grão. A implacabilidade do segundo espelha a consciência angustiante de que a vida está sempre correndo, sob vigilância, sem nunca poder ser verdadeiramente detida ou controlada.

 

 

CONTO: NO ACAMPAMENTO DOS VERBOS - EMÍLIA NO PAÍS DA GRAMÁTICA - MONTEIRO LOBATO - COM GABARITO

 Conto: No acampamento dos Verbos – Emília no país da gramática

           Monteiro Lobato   

        — Agora iremos visitar o Campo de Marte onde vivem acampados os VERBOS, uma espécie muito curiosa de palavras. Depois dos Substantivos são os Verbos as palavras mais importantes da língua. Só com um Nome e um Verbo já podem os homens exprimir uma ideia. Eles formam a classe militar da cidade.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgcxjHIv1O8yoxN0e_kALsT4Ulp5wa2e7Bt2uW5gF5x0TIlwFEDPHrBhbqC63BuStZYv0X75ce6Sc7Wioiilc3WvqkpbSuUvGtvDHBKbfM6_kirlt_5g0qGkiIVsQzTxYVZ9QdkH4V_tPdhEemrDb6ph082gu_lFWvFA52SX-Qd68c3qhcnn0pUAlsv1lM/s320/CAMPO.jpg


        — Mas que é um Verbo, afinal de contas? — perguntou Pedrinho.

          Verbo é uma palavra que muda muito de forma e serve para indicar o que os Substantivos fazem. A maior parte dos Verbos assumem sessenta e oito formas diferentes.

        — Nesse caso são os camaleões da língua — observou Emília. — Dona Benta diz que o camaleão está sempre mudando de cor. Sessenta e oito formas diferentes! Isso até chega a ser desaforo. Os Nomes e Adjetivos só mudam seis vezes — para fazer o Gênero, o Número e o Grau.

        — Pois os senhores Verbos até cansam a gente de tanto mudar — disse o rinoceronte. — São palavras políticas, que se ajeitam a todas as situações da vida. Moram aqui em quatro grandes acampamentos, ou campos de CONJUGAÇÃO.

        Os quatro acampamentos ocupavam todo o Campo de Marte. Cada um trazia letreiro na entrada. Emília leu o letreiro mais próximo — Acampamento dos Verbos da PRIMEIRA CONJUGAÇÃO. Em letras menores vinha um aviso: "Só é permitida a entrada aos Verbos de Infinito terminado em Ar".

        — Que quer dizer Infinito? — indagou Narizinho.

        — É uma das sessenta e oito formas diferentes dos Verbos, e a que dá nome a toda a tribo.

        O acampamento imediato era o da SEGUNDA CONJUGAÇÃO, para os Verbos terminados em Er. O acampamento seguinte era o da TERCEIRA CONJUGAÇÃO, para os Verbos terminados em Ir. Os meninos viram um acampamento mais novo, anexo ao acampamento dos Verbos da Segunda Conjugação.

        — Vamos começar nossa visita por aquele — disse Emília —, só porque ele é mais novinho e menor do que os outros.

        Dirigiram-se todos para lá, mas o desapontamento foi grande. Encontraram apenas o Verbo Pôr e sua família.

        — Ora essa — disse Emília. — Explique, Quindim, o que faz aí essa coruja? Por que não está no acampamento grande junto com os outros?

        Quindim suspirou e começou:

        — Antigamente Pôr pertencia à Segunda Conjugação e chamava-se Poer. Mas o tempo, que tanto estraga e muda os Verbos, como tudo mais, fez que apodrecesse e caísse o E de Poer. Ficou Pôr, como está hoje. Os gramáticos então criaram uma nova conjugação para ele e seus parentes Compor, Depor, Propor, Dispor, Antepor, Supor e outros. Depois outros gramáticos acharam que não estava bem criarem uma conjugação inteira para um Verbo só, e trouxeram o pobre Pôr e sua família para este anexo da Segunda Conjugação e lhe deram o nome de Verbo ANÔMALO, que quer dizer Verbo Anormal da Segunda Conjugação.

        — Que complicação! Seria muito mais simples fabricarem um E novo de pau para substituir o que apodreceu — lembrou Emília.

        — Parece simples mas não é. Os gramáticos mexem e remexem com as palavras da língua e estudam o comportamento delas, xingam-nas de nomes rebarbativos, mas não podem alterá-las. Quem altera as palavras, e as faz e desfaz, e esquece umas e inventa novas, é o dono da língua — o Povo. Os gramáticos, apesar de toda a sua importância, não passam dos "grilos" da língua.

        — Nesse caso — insistiu Emília —, em vez de xingá-lo de Anômalo, podiam ter posto um letreirinho no pescoço do Verbo: "Ele é Poer; se está Pôr é porque o E apodreceu e caiu". Mas vamos sair do anexo e ver o acampamento da Segunda Conjugação.

        Lá estava coalhado de Verbos, a ponto dos meninos nem poderem andar. O momento era bom. O batalhão do Verbo Ter, que é dos mais importantes, ia desfilar. Uma cometa soou e o desfile teve começo.

        Esse batalhão compunha-se de sessenta e oito praças, ou PESSOAS, distribuídas em companhias, ou MODOS, e em pelotões, ou TEMPOS. Abria a marcha o MODO INDICATIVO, com trinta e seis soldados repartidos em seis Tempos. Na frente de todos vinha o TEMPO PRESENTE, composto de seis soldadinhos, cada qual com um Pronome no bolso. Os Verbos não sabem andar sós; vivem ligados a alguém ou alguma coisa, que é o SUJEITO; e quando o Sujeito não está presente, botam em lugar dele um Pronome.

        Os nomes dos seis soldadinhos do Tempo Presente eram Tenho, Tens, Tem, Temos, Tendes e Têm, e os Pronomes que traziam no bolso eram Eu, Tu, Ele, Nós, Vós e Eles. Seis soldadinhos vivos e enérgicos, que marchavam muito seguros de si.

        — Bravos! — gritou Emília. — Pelo jeito de marchar a gente vê que eles têm mesmo...

        Em seguida veio o Segundo Tempo, cujo nome era PRETÉRITO IMPERFEITO; tinha igual número de soldadinhos, ou Pessoas, embora menos jovens e com caras menos vivas.

        Chamavam-se  Tinha,   Tinhas,  Tinha,  Tínhamos,   Tinheis  e Tinham.

        — Esses não têm: tinham!... — observou Pedrinho. — Por isso estão meio jururus.

        Depois veio o Terceiro Tempo, chamado PRETÉRITO PERFEITO, composto igualmente de seis soldados de olhos no fundo, amarelos, magros, com expressão de medo na cara. Eram eles Tive, Tiveste, Teve, Tivemos, Tivestes e Tiveram.

        — Estou vendo! — comentou Emília. — Tiveram, já não têm mais nada, os bobos. Bem feito! Quem manda...

          Quem manda o quê, Emília? — indagou Narizinho.

        — Quem manda perderem o que tinham? Agora aguentem. Depois desfilou o Quarto Tempo, chamado PRETÉRITO MAIS-QUEPERFEITO. Eram também seis soldados — Tivera, Tiver as, Tivera, Tivéramos, Tiver eis e Tiveram.

        Depois passou o Quinto Tempo, chamado FUTURO DO PRESENTE, e foram recebidos com palmas por serem soldadinhos dos mais alegres e esperançosos — Terei, Terás, Terá, Teremos, Ter eis, Terão.

          Estes são espertos — disse Pedrinho. — Sabem contentar a todo mundo. Viva o Futuro!...

        Estava terminado o desfile do Modo Indicativo, que exprime o que é, ou a realidade do momento.

        Houve um pequeno descanso antes de começar o desfile do MODO IMPERATIVO, que era orgulhosíssimo. Compunha-se apenas de cinco soldados carrancudos, com ar mais autoritário que o do próprio Napoleão. Eram eles o Tem, Tenha, Tenhamos, Tende, Tenham.

        — Só fazem isso — explicou Quindim. — Mandam que o pessoal tenha.

        — Tenha que coisa? — indagou Emília.

        — Tudo quanto há. Quando o Imperativo diz para você, com voz de ditador: Tenha juízo, Emília!, ele não está pedindo nada — está mandando como quem pode, ouviu?

        — Fedorento!... — exclamou a boneca com um muxoxo de pouco-caso.

        Depois desfilou o MODO SUBJUNTIVO, com três Tempos, de seis Pessoas cada um. O Primeiro Tempo, de nome PRESENTE, trazia os soldados Tenha, Tenhas, Tenha, Tenhamos, Tenhais e Tenham.

        Em seguida desfilou o Segundo Tempo, de nome PRETÉRITO IMPERFEITO, com os seus seis soldados — Tivesse, Tivesse s, Tivesse, Tivéssemos, Tivésseis e Tivessem. E por fim desfilou o Terceiro Tempo, o FUTURO, com os seus seis soldados — Tiver, Tiveres, Tiver, Tivermos, Tiverdes e Tiverem. E pronto! Acabou-se o Modo Subjuntivo, que é o Modo que indica alguma coisa possível.

        — Qual o que vem agora? — perguntou o menino.

        — Vai desfilar agora o MODO INFINITIVO — respondeu Quindim. — Esse Modo só tem dois Tempos — o PRESENTE IMPESSOAL, com um soldado único — Ter; e o PRESENTE PESSOAL, com seis soldados — Ter, Teres, Ter, Termos, Terdes e Terem.

        — Hum!... — exclamou Emília quando viu passar, muito teso e cheio de si, o soldadinho Ter, do Presente Impessoal. — Este é o tal Infinito, pai de todos e o que dá nome ao Verbo. Um verdadeiro general. Merece parabéns pela disciplina da sua tropa.

        Fechava a marcha do Modo Infinito o GERÚNDIO, composto do soldado Tendo, seguido logo depois do PARTICÍPIO, composto também dum só soldado, um veterano muito velho, com o peito cheio de medalhas — Tido.

        — Parece o Garibaldi — asneirou a boneca. — Escangalhado, mas glorioso.

        Estava finda a revista do Verbo Ter. O rinoceronte perguntou aos meninos se queriam assistir a outras.

        — Não — respondeu Narizinho. — Quem vê um Verbo, vê todos. Só quero saber que história é essa de Verbos REGULARES e IRREGULARES. Estou notando ali uma cerca que separa uns de outros.

        — Verbos Regulares são os bem-comportados — explicou Quindim —, os que seguem as regras muito direitinhos. Verbos Irregulares são os rebeldes, os que não se conformam com a disciplina. Este Senhor Ter, por exemplo, é Irregular, visto como não segue o PARADIGMA da Segunda Conjugação.

        — Que Paradigma é esse agora? — indagou Pedrinho.

        — Cada Conjugação possui o seu Regulamento, ou Paradigma, a fim de que todos os Verbos Regulares formem as suas PESSOAS sempre do mesmo modo.

        — Que Pessoas, Quindim?

        — Os soldadinhos são as Pessoas dos Verbos, creio que já expliquei. Tenho, Tens, Tem, Temos, Tendes e Têm, por exemplo, são as seis Pessoas do Tempo Presente do Modo Indicativo.

        — Com que então o tal Ter é irregular, hein? Não parecia.

        — E além de Irregular é AUXILIAR. Os Verbos Ter, Ser, Estar e Haver são chamados Verbos Auxiliares porque além de fazerem o seu serviço ainda ajudam outros Verbos. Quando alguém diz: Tenho brincado muito, está botando o Verbo Ter como auxiliar do Verbo Brincar.

          E que outras qualidades do Verbo há?

        — Muitas. Verbo é coisa que não acaba mais. Há Verbos DEFECTIVOS, uns coitados, com falta de Modos, Tempos ou Pessoas.

        Há os Verbos PRONOMINAIS, que não sabem viver sem um Pronome Oblíquo adiante ou atrás, como Queixar-se. Sem esse Se, ou outro Pronome, ele não se arruma na vida.

        Há os Verbos ATIVOS, que dizem o que o Sujeito faz; e há os Verbos PASSIVOS, que dizem o que fizeram para o Sujeito. A frase: Eu comi o doce está com um Verbo Ativo. A frase: O doce foi comido por mim está com um Verbo Passivo (Foi Comido).

        Se formos falar tudo, tudo, a respeito de Verbos, ficaremos aqui o dia inteiro. Gentinha que muda de forma como eles fazem, dá pano para mangas! E são exigentíssimos. Uns não sabem viver sem um COMPLEMENTO adiante, e por isso se chamam Verbos TRANSITIVOS. Outros dispensam o Complemento, e por isso se chamam INTRANSITIVOS. Queimar, por exemplo, é Transitivo, porque exige Complemento. Se alguém diz: O fogo queimou, a frase fica incompleta; e quem ouve pergunta logo o que é que o fogo queimou. Essa coisa que o fogo queimou, seja mato, lenha ou carvão, constitui o Objeto Direto de Queimou.

        — E os Intransitivos?

        — Esses não pedem Complemento, como eu já disse. O Verbo Morrer, por exemplo, é Intransitivo. Quando a gente diz: O gato morreu, a frase está perfeita e ninguém pergunta mais nada.

        — Eu pergunto! — gritou Emília. — Pergunto de que  morreu, e quem o matou e onde jogaram o cadáver.                     

        Quindim coçou a cabeça.     

OBRA INFANTO-JUVENIL DE MONTEIRO LOBATO. Edição do Círculo do Livro. Emília no País da Gramática. As figuras de sintaxe. https://www.fortaleza.ce.gov.br.

Entendendo o conto:

01 – Qual é a importância do Verbo, e qual o mínimo de palavras que, segundo Quindim, os homens precisam para exprimir uma ideia?

      Depois dos Substantivos, os Verbos são as palavras mais importantes da língua, formando a classe militar da cidade. O mínimo de palavras que os homens precisam para exprimir uma ideia é um Nome e um Verbo.

02 – Qual é a função do Verbo, e por que Emília os compara a camaleões?

      A função do Verbo é indicar o que os Substantivos fazem. Emília os compara a camaleões porque a maior parte dos Verbos assume sessenta e oito formas diferentes, enquanto Nomes e Adjetivos só mudam seis vezes.

03 – O que é o "Infinito" de um Verbo, e como ele é usado para separar os Verbos nos acampamentos de Conjugação?

      O Infinito é uma das sessenta e oito formas diferentes dos Verbos e a que dá nome a toda a tribo. As conjugações são separadas pela terminação do Infinito:

      Primeira Conjugação: termina em Ar.

      Segunda Conjugação: termina em Er.

      Terceira Conjugação: termina em Ir.

04 – Qual é a história do Verbo Pôr, e por que ele é classificado como "Verbo ANÔMALO" da Segunda Conjugação?

      Pôr pertencia originalmente à Segunda Conjugação e se chamava Poer. Com o tempo, o E apodreceu e caiu, sobrando apenas Pôr. Os gramáticos o trouxeram para um anexo da Segunda Conjugação e o chamaram de Anômalo porque ele não segue a forma normal da conjugação (terminada em Er).

05 – Quem é o verdadeiro "dono da língua" que faz e desfaz as palavras, e qual é o papel dos gramáticos, segundo o texto?

      O verdadeiro dono da língua é o Povo. Os gramáticos, apesar de toda a sua importância, não podem alterar as palavras; eles apenas as estudam, classificam e dão nomes ("grilos" da língua).

06 – Como o batalhão do Verbo Ter se distribui na parada (desfile)?

      O batalhão se distribui em:

      Pessoas (sessenta e oito praças ou soldados).

      Modos (companhias).

      Tempos (pelotões).

07 – Qual é a regra para o movimento dos Verbos no desfile, e qual o nome dado ao Pronome que eles levam consigo?

      Os Verbos não sabem andar sós; eles vivem ligados a alguém ou a alguma coisa, que é o SUJEITO. Quando o Sujeito não está presente, eles carregam consigo um Pronome no bolso.

08 – Explique a diferença entre os três Modos principais de um Verbo, segundo Quindim.

      MODO INDICATIVO: Exprime o que é, ou a realidade do momento (Ex: Tenho).

      MODO IMPERATIVO: Exprime ordem ou ditado (Ex: Tenha juízo!).

      MODO SUBJUNTIVO: Indica alguma coisa possível (Ex: Se eu tivesse...).

09 – O que são Verbos Regulares e Irregulares, e quais são os quatro Verbos Auxiliares mencionados?

      Verbos REGULARES: Os "bem-comportados", que seguem as regras (o Paradigma) muito direitinhos.

      Verbos IRREGULARES: Os rebeldes, que não se conformam com a disciplina (Ex: Ter).

      Os quatro Verbos AUXILIARES (que ajudam outros verbos) são: Ter, Ser, Estar e Haver.

10 – Qual é a diferença entre Verbos Transitivos e Intransitivos, e qual o questionamento de Emília sobre o Verbo Intransitivo Morrer?

      Verbos TRANSITIVOS: Exigem um COMPLEMENTO (Objeto Direto ou Indireto) para que a frase fique completa (Ex: Queimar — exige saber o que queimou).

      Verbos INTRANSITIVOS: Dispensam o Complemento, pois a frase está perfeita por si só (Ex: Morrer).

      Emília, sarcasticamente, pergunta sobre o Verbo Morrer: "Pergunto de que morreu, e quem o matou e onde jogaram o cadáver", mostrando que, para ela, mesmo os Intransitivos geram perguntas.

 

 

CONTO: A TRIBO DOS ADVÉRBIOS - EMÍLIA NO PAÍS DA GRAMÁTICA - MONTEIRO LOBATO - COM GABARITO

 Conto: A tribo dos Advérbios – Emília no país da gramática

            Monteiro Lobato

        — O caminho é por aqui, senhorita -— disse o Verbo Ser. — Os Senhores ADVÉRBIOS moram no bairro das PALAVRAS INFLEXIVAS, onde também moram as PREPOSIÇÕES, as CONJUNÇÕES e as INTERJEIÇÕES.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgacf8mrEVndwUUcOEe9AX6K190axHcjghfzzoiz9B9UzjJzt1nKSGqOEemekUaRIyUEPqkjiUKa4ETr8eCazHkmBsFWP1n5Tu6sA6iGoowYBZRQU2Kh2U4m5T1R_EzrOYeTJ8oINQmnjaMaYhrENzTuGAVYWMBhynzZZDTkdPswqEKXrdvhbaNWfTpG8A/s320/ADVERBIOS.png


        — Que quer dizer Palavra Inflexiva?

        — Quer dizer palavra de queixo duro, que não muda nunca de forma, como o fazemos nós, os Verbos. As Palavras Inflexivas são rígidas como se fossem feitas de ferro.

        — Mas que é Advérbio? — indagou Emília.

        — Advérbio é uma palavra que nos modifica a nós, Verbos; e que modifica os Adjetivos; e que, às vezes, também modifica os próprios Advérbios.

        — Que danadinhos, hein? — exclamou Emília. — Mas de que jeito modificam?

        — De muitos jeitos. Modificam de Lugar, tirando daqui e pondo ali. Modificam de Tempo, fazendo que seja agora ou depois. Modificam de Modo, ou fazendo que seja desse jeito ou daquele, ou que seja assim ou assado. Modificam de Intensidade, fazendo que seja mais ou menos. Modificam de Ordem, fazendo que seja em primeiro lugar ou não. Pelos rótulos das prateleiras você poderá ver de que jeito eles modificam a gente.

        — A gente verbática — frisou Emília —, porque eu   também sou gente e nada me modifica. Só Tia Nastácia, às vezes...

        — Quem é essa senhora?

        — Uma Advérbia preta como carvão, que mora no sítio de Dona Benta. Isto é, Advérbia só para mim, porque só a mim é que ela modifica. Para os outros é uma Substantiva que faz bolinhos muito gostosos.

        Na Casa dos Advérbios, Emília encontrou-os em caixinhas, com rótulos na tampa. Primeiro abriu a caixinha dos Advérbios de LUGAR, onde encontrou os seguintes: Aqui, Ali, Lá, Além, Longe, Atrás, Fora, Abaixo, Acima, e outros conhecidos seus.

        Na segunda caixinha viu os Advérbios de TEMPO — Hoje, Agora, Cedo, Amanhã, Ontem, Tarde, Nunca, Depois, Ainda, Entrementes.

        — Oh — exclamou Emília, agarrando o Entrementes pelo cangote. — Não sabia que era aqui que morava este freguês. Conheço um moço que tem tanta birra deste coitado que risca todos que encontra nas páginas dos livros. Mas não é tão feio assim, o pobre. Que acha, Serência?

        O Verbo Ser moveu os ombros, como quem não acha nem desacha coisa nenhuma, e Emília jogou o pobre Entrementes para debaixo da mesa.

        Na terceira caixinha estavam os Advérbios de MODO — Bem, Mal, Assim, Apenas, Rente, Ainda, Também e outros.

        Na quarta estavam os Advérbios de INTENSIDADE — Muito, Pouco, Bastante, Mais, Menos, Tão, Tanto, Quanto, Que, Quase, Metade, Todo e outros.

        Na quinta caixinha Emília viu os Advérbios de AFIRMAÇÃO— Sim, Deveras, Certamente.

        Na sexta viu os Advérbios de DÚVIDA — Talvez, Caso, Acaso, Porventura, Quiçá.

        Na sétima viu os Advérbios de NEGAÇÃO — Não, Nunca, Jamais, Nada.

        Na oitava viu os Advérbios INTERROGATIVOS — Onde? Aonde? Donde? Quanto? Quando? Como? Por quê?

        Emília notou que em quase todas as caixinhas havia Advérbios terminados em Mente, e depois viu que a um canto estava uma grande caixa cheia dessas palavrinhas.

        — Que mentirada é esta aqui — perguntou. — Que tanto Mente, Mente? ...

        — Isto é um caso curioso — explicou Ser. — Esta palavra Mente é um velho Substantivo, com o significado de maneira ou intenção que os homens começaram a empregar no fabrico de Advérbios. Hoje não é mais substantivo e sim rabo de Advérbio, ou Terminação Adverbial, como dizem os gramáticos. Grudando-se um rabinho destes a um Adjetivo, sai um Advérbio. Constante, por exemplo, é Adjetivo; põe o rabinho e vira o Advérbio Constantemente.

        — Que engraçado! — exclamou Emília, arregalando os olhos. — De maneira que, se cortarmos o rabinho de Constantemente, aparece o Adjetivo outra vez, não é?

        — Está claro.

        Para tirar a prova Emília agarrou o Constantemente e arrancoulhe a caudinha — e, de fato, o Adjetivo Constante saiu a pular de satisfação, indo numa corrida para a casa dos Adjetivos, enquanto a caudinha saltava para dentro do caixão de Mente.

        — Os Adjetivos — disse Ser — gostam às vezes de figurar de Advérbio, mesmo sem uso do rabinho. Você, por exemplo, pode dizer: Eu grito alto, em vez de dizer: Eu grito altamente. O Adjetivo Alto faz aí o papel de Advérbio.

        Emília viu ainda outra caixa de Advérbios de ares estrangeirados.

        — E estes gringos? — perguntou.

        — São Advérbios latinos que ainda têm uso no Brasil. Moram nessa caixa o Máxime, o Infra, o Supra, o Grátis, o Bis, o Primo, o Segundo e outros. E aqui, nesta última caixa, moram uns adverbiozinhos que não são Inflexivos como os demais, porque mudam de forma quando querem exagerar. Isto significa que eles têm Grau, como os Adjetivos. Este Perto, por exemplo, sabe virar-se em Pertinho e Pertíssimo.

        — Chega de Advérbios — berrou Emília. — Vamos ver as Senhoras Preposições.

OBRA INFANTO-JUVENIL DE MONTEIRO LOBATO. Edição do Círculo do Livro. Emília no País da Gramática. As figuras de sintaxe. https://www.fortaleza.ce.gov.br.

Entendendo o conto:

01 – Onde moram os Advérbios e quais outras classes de palavras residem na mesma área?

      O Verbo Ser informa que os Advérbios moram no bairro das PALAVRAS INFLEXIVAS, onde também residem as PREPOSIÇÕES, as CONJUNÇÕES e as INTERJEIÇÕES.

02 – Segundo o Verbo Ser, o que significa o termo "Palavra Inflexiva" e qual a sua característica principal?

      "Palavra Inflexiva" quer dizer palavra de queixo duro, ou seja, uma palavra que não muda nunca de forma, sendo "rígida como se fosse feita de ferro", ao contrário dos Verbos.

03 – Qual a definição de Advérbio dada pelo Verbo Ser a Emília?

      Advérbio é uma palavra que modifica os Verbos, os Adjetivos e, às vezes, também modifica os próprios Advérbios.

04 – Emília faz uma comparação com Tia Nastácia. Como ela a classifica gramaticalmente em relação a si mesma e aos outros?

      Para Emília, Tia Nastácia é uma "Advérbia preta como carvão" porque só a ela é que modifica. Para os outros, porém, Tia Nastácia é uma "Substantiva que faz bolinhos muito gostosos".

05 – Quais são, pelo menos, cinco tipos (caixinhas) de Advérbios que Emília encontra na Casa dos Advérbios, e um exemplo de cada?

      Emília encontra diversos tipos, como: LUGAR (ex: Aqui, Lá, Longe); TEMPO (ex: Hoje, Amanhã, Cedo); MODO (ex: Bem, Mal, Assim); INTENSIDADE (ex: Muito, Pouco, Mais); AFIRMAÇÃO (ex: Sim, Deveras, Certamente); DÚVIDA (ex: Talvez, Quiçá, Acaso); NEGAÇÃO (ex: Não, Nunca, Jamais) e INTERROGATIVOS (ex: Onde?, Quando?, Por quê?).

06 – Qual a origem do sufixo "-mente", a "Terminação Adverbial", e o que acontece quando Emília o arranca da palavra "Constantemente"?

      O sufixo "-mente" era originalmente um velho Substantivo com o significado de maneira ou intenção. Quando Emília arranca a terminação da palavra "Constantemente", o Adjetivo "Constante" volta a aparecer e corre para a casa dos Adjetivos.

07 – O que acontece com a palavra "Perto" que o diferencia dos demais Advérbios, fazendo-o ser comparado aos Adjetivos?

      O Advérbio "Perto" e outros dessa caixa não são Inflexivos como os demais, pois mudam de forma quando querem exagerar. Isso significa que eles têm Grau (Grau do Advérbio), podendo se transformar em Pertinho e Pertíssimo.