TEXTO: DECLARAÇÃO DE AMOR
Frei Betto
Visto a camisa do Ano Internacional do Voluntariado,
promovido pela ONU, e faço do meu tempo livre laço e abraço que nos une aos
desfavorecidos. Espelho-me em meu próximo. Faço de sua dor o meu ardor, de seu
sofrer o meu dever, de seu desamparo o ponto em que paro, ouço e destrilho-me
do comodismo para ir ao seu encontro.
Abro as
janelas do espírito e espano a poeira da dessolidariedade. Arranco os olhos da
TV, o traseiro do sofá, a indolência da ociosidade e recolho a língua de
inconfidentes mesquinharias. Vou até lá, onde a carência é expectativa de mão
amiga: a creche da periferia, o hospital de indigentes, o asilo de memórias
esquecidas, as instituições do terceiro setor comprometidas com o pão de cada
dia da verdadeira democracia: a cidadania.
Não faço o trabalho do poder público, nem o isento
da obrigação de resgatar, o quanto antes, a dívida social. Não me disponho a
ser mão de obra gratuita de entidades que sonegam o direito ao trabalho com o
recibo adulterado da boa vontade alheia.
Ser voluntário é somar esforços, entrar pela porta
da compaixão e repartir o que nenhum mercado oferece ou provê: carinho, apoio,
talento, cumplicidade, de modo a dar a vez a quem foi emudecido pela opressão,
e voz a quem foi excluído pela injustiça.
O voluntariado resgata a minha autoestima, redesenha
minha face humana, desdobra as fibras endurecidas de minha abissal preguiça,
insere-me na dinâmica social, faz-me próximo dessas multidões premiadas
injustamente pela loteria biológica por nascerem empobrecidas. Eu poderia ser
um deles. Meu bem-estar, mais que privilégio, é (b)ônus.
Sou voluntário porque sou solidário, presente no
universo das aflições, na esfera alucinada dos dependentes químicos, na
saudável reinvenção do esporte junto àqueles que estão próximos a ser
derrotados pelo jogo do crime.
Mobilizo coletas de alimentos para quem sabe que “a
fome é ontem”, como exclamou Gabriela Mistral, e trabalho em favor da conquista
de direitos, para quem padece desmandos estruturais e políticos.
Apoio empresas cientes de sua responsabilidade
social. Busco torná-las elos da vasta corrente ética que já não faz da obsessão
do lucro sua única razão de ser, pois centram o ser humano em seus empreendimentos
ecológicos, liberam funcionários para atividades voluntárias, sem reduzir-lhes
salários ou cobrar-lhes reposição de horas. São empresas prestadoras do único
serviço que não tem preço: o gesto samaritano.
Não faço “caridade”, nem dou esmolas. Longe de mim
o assistencialismo que aplaca os descasos políticos como quem aplica pomadas.
Voluntário, sou multidão. Solidário, sou mutirão.
Somando com todos aqueles que têm fome e sede de justiça.
Inebriado pela utopia bíblica do paraíso, recuso-me
a acatar qualquer uma das fraturas que negam à família humana o direito à
fraternura. Dou as mãos a quem acredita que a felicidade é o artigo único da
Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Frei Betto. O Estado de S. Paulo, 15/10/1997.
ENTENDENDO O TEXTO:
01 – O texto tem como título Declaração de amor. Sabendo que declarar
significa dar a conhecer, manifestar, anunciar, comunicar, responda.
a) O que o autor dá a conhecer ou anuncia nesse texto?
Como ser voluntário.
02 – O autor assume de modo consistente a sua posição de comprometimento
com os menos favorecidos. Assinale a alternativa que confirme a posição do
autor.
a)
( x ) “Visto a camisa do Ano Internacional do Voluntariado, promovido
pela ONU, e faço do meu tempo livre laço e abraço que nos une aos desfavorecidos.”
b) ( ) “Arranco os olhos da TV, o traseiro do sofá, a indolência
da ociosidade e recolho a língua de inconfidentes mesquinharias.”
c) ( ) “Apoio empresas cientes de sua responsabilidade social”.
03 – A posição do autor vai se revelando pela explicitação do que significa
“vestir a camisa”. Releia os dois primeiros parágrafos e explique o que
significa essa ideia, segundo o autor.
Segundo o autor, "vestir a camisa
" é comprometimento com o voluntariado, e não fazer o trabalho do poder
público ou ser mão de obra gratuita de entidades que sonegam o direito ao trabalho
com o recibo adulterado da boa vontade alheia.
04 – O autor apresenta aos leitores sua escala de valores pessoais, ao
expressar os motivos que o fazem engajar-se no movimento voluntário.
a) Quais são esses motivos?
Unir aos desfavorecidos, somar esforços,
dar carinho, apoio, cumplicidade, de modo a dar a vez a quem foi emudecido pela
opressão, e voz a quem foi excluído pela injustiça.
b) Além do que o voluntariado pode proporcionar aos menos favorecidos,
na sua opinião, que outros ganhos pessoais poderiam ser acrescentados?
Resposta pessoal.
05 – De acordo com o autor, ser voluntário é ser solidário e participar
ativamente com ações concretas.
a) Entre as diversas ações que realiza, o autor cita o apoio a
determinadas empresas. Em que essas empresas se destacam?
Empresas ciente se sua responsabilidade
social, prestadoras de um único serviço que não tem preço: o gesto samaritano.
b) Na sua opinião, qual estratégia desperta mais o interesse das pessoas
pelo voluntariado: abordar as consequências da falta de ação solidária ou citar
exemplos de ações bem-sucedidas?
Resposta pessoal.