sexta-feira, 17 de outubro de 2025

CONTO: EMÍLIA NO PAÍS DA GRAMÁTICA - UMA IDEIA DA SENHORA EMÍLIA - MONTEIRO LOBATO - COM GABARITO

 Conto: EMÍLIA NO PAÍS DA GRAMÁTICA – Uma ideia da Senhora Emília

            Monteiro Lobato

        Dona Benta, com aquela paciência de santa, estava ensinando gramática a Pedrinho. No começo Pedrinho rezingou.

          Maçada, vovó. Basta que eu tenha de lidar com essa caceteação lá na escola. As férias que venho passar aqui são só para brinquedo. Não, não e não. . .

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          Mas, meu filho, se você apenas recordar com sua avó o que anda aprendendo na escola, isso valerá muito para você mesmo, quando as aulas se reabrirem. Um bocadinho só, vamos! Meia hora por dia. Sobram ainda vinte e três horas e meia para os famosos brinquedos.

        Pedrinho fez bico, mas afinal cedeu; e todos os dias vinha sentar-se diante de Dona Benta, de pernas cruzadas como um oriental, para ouvir explicações de gramática.

          Ah, assim, sim! — dizia ele. — Se meu professor ensinasse como a senhora, a tal gramática até virava brincadeira.

        Mas o homem obriga a gente a decorar uma porção de definições que ninguém entende. Ditongos, fonemas, gerúndios. . .

        Emília habituou-se a vir assistir às lições, e ali ficava a piscar, distraída, como quem anda com uma grande ideia na cabeça.

        É que realmente andava com uma grande ideia na cabeça.

          Pedrinho — disse ela um dia depois de terminada a lição —, por que, em vez de estarmos aqui a ouvir falar de gramática, não havemos de ir passear no País da Gramática?

        O menino ficou tonto com a proposta.

          Que lembrança, Emília! Esse país não existe, nem nunca existiu. Gramática é um livro.

        — Existe, sim. O rinoceronte, que é um sabidão, contou-me que existe. Podemos ir todos, montados nele. Topa?

        Perguntar a Pedrinho se queria meter-se em nova aventura era o mesmo que perguntar a macaco se quer banana. Pedrinho aprovou a ideia com palmas e pinotes de alegria, e saiu correndo para convidar Narizinho e o Visconde de Sabugosa. Narizinho também bateu palmas — e se não deu pinotes foi porque estava na cozinha, de peneira ao colo, ajudando Tia Nastácia a escolher feijão.

          E onde fica esse país? — perguntou ela.

          Isso é lá com o rinoceronte — respondeu o menino. — Pelo que diz a Emília, esse paquiderme é um grandessíssimo gramático.

          Com aquele cascão todo?

          É exatamente o cascão gramatical — asneirou Emília, que vinha entrando com o Visconde.

        Os meninos fizeram todas as combinações necessárias, e no dia marcado partiram muito cedo, a cavalo no rinoceronte, o qual trotava um trote mais duro que a sua casca. Trotou, trotou e, depois de muito trotar, deu com eles numa região onde o ar chiava de modo estranho.

          Que zumbido será esse? — indagou a menina.

        — Parece que andam voando por aqui milhões de vespas invisíveis.

          É que já entramos em terras do País da Gramática — explicou o rinoceronte.

        — Estes zumbidos são os SONS ORAIS, que voam soltos no espaço.

          Não comece a falar difícil que nós ficamos na mesma — observou Emília. — Sons Orais, que pedantismo é esse?

          Som Oral quer dizer som produzido pela boca, A, E, I, O, U são Sons Orais, como dizem os senhores gramáticos,

          Pois diga logo que são letras! — gritou Emília.

          Mas não são letras! — protestou o rinoceronte. — Quando você diz A ou O, você está produzindo um som, não está escrevendo uma letra. Letras são sinaizinhos que os homens usam para representar esses sons. Primeiro há os Sons Orais; depois é que aparecem as letras, para marcar esses Sons Orais. Entendeu?

        O ar continuava num zunzum cada vez maior. Os meninos pararam, muito atentos, a ouvir.

          Estou percebendo muitos sons que conheço — disse Pedrinho, com a mão em concha ao ouvido.

          Todos os sons que andam zumbindo por aqui são velhos conhecidos seus, Pedrinho.

          Querem ver que é o tal alfabeto? — lembrou Narizinho. — E é mesmo!... Estou distinguindo todas as letras do alfabeto...

          Não, menina; você está apenas distinguindo todos os sons das letras do alfabeto — corrigiu o rinoceronte com uma pachorra igual à de Dona Benta. — Se você escrever cada um desses sons, então, sim; então surgem as letras do alfabeto.

          Que engraçado! — exclamou Pedrinho, sempre de mão em concha ao ouvido. — Estou também distinguindo todas as letras do alfabeto: o A, o C, o D, o X, o M...

        O rinoceronte deu um suspiro.

          Mas chega de sons invisíveis — gritou a menina. —-Toca para diante. Quero entrar logo no tal País da Gramática.

        — Nele já estamos — disse o paquiderme. — Esse país principia justamente ali onde o ar começa a zumbir. Os sons espalhados pelo ar, e que são representados por letras, fundem-se logo adiante em SÍLABAS, e essas Sílabas formam PALAVRAS — as tais palavras que constituem a população da cidade onde vamos. Reparem que entre as letras há cinco que governam todas as outras. São as Senhoras VOGAIS — cinco madamas emproadas e orgulhosíssimas, porque palavra nenhuma pode formar-se sem a presença delas. As demais letras ajudam; por si mesmas nada valem. Essas ajudantes são as CONSOANTES e, como a palavra está dizendo, só soam com uma Vogai adiante ou atrás. Pegue as dezoito Consoantes do alfabeto e procure formar com elas uma palavra. Experimente, Pedrinho.

        Pedrinho experimentou de todos os jeitos, sem nada conseguir.

          Misture agora as Consoantes com uma Vogai, com o A, por exemplo, e veja quantas palavras pode formar.

        Pedrinho misturou o A com as dezoito Consoantes e imediatamente viu que era possível formar um grande número de palavras.

        Nisto dobraram uma curva do caminho e avistaram ao longe o casario de uma cidade. Na mesma direção, mais para além, viam-se outras cidades do mesmo tipo.

          Que tantas cidades são aquelas, Quindim? — perguntou Emília.

        Todos olharam para a boneca, franzindo a testa. Quindim? Não havia ali ninguém com semelhante nome.

          Quindim — explicou Emília — é o nome que resolvi botar no rinoceronte.

          Mas que relação há entre o nome Quindim, tão mimoso, e um paquiderme cascudo destes? — perguntou o menino, ainda surpreso.

          A mesma que há entre a sua pessoa, Pedrinho, e a palavra Pedro — isto é, nenhuma. Nome é nome; não precisa ter relação com o "nomado". Eu sou Emília, como podia ser Teodora, Inácia, Hilda ou Cunegundes. Quindim!... Como sempre fui a botadeira de nomes lá do sítio, resolvo batizar o rinoceronte assim — e pronto! Vamos, Quindim, explique-nos que cidades são aquelas.

        O rinoceronte olhou, olhou e disse:

        — São as cidades do País da Gramática. A que está mais perto chama-se Portugália, e é onde moram as palavras da língua portuguesa. Aquela bem lá adiante é Anglópolis, a cidade das palavras inglesas.

          Que grande que é! — exclamou Narizinho.

          Anglópolis é a maior de todas — disse Quindim. — Moram lá mais de quinhentas mil palavras.

          E Portugália, que população de palavras tem?

          Menos de metade — aí umas duzentas e tantas mil, contando tudo.

          E aquela, à esquerda?

          Galópolis, a cidade das palavras francesas. A outra é Castelópolis, a cidade das palavras espanholas. A outra é Italópolis, onde todas as palavras são italianas.

          E aquela, bem, bem, bem lá no fundo, toda escangalhada, com jeito de cemitério?

         São os escombros duma cidade que já foi muito importante — a cidade das palavras latinas; mas o mundo foi mudando e as palavras latinas emigraram dessa cidade velha para outras cidades novas que foram surgindo. Hoje, a cidade das palavras latinas está completamente morta. Não passa dum montão de velharias. Perto dela ficam as ruínas de outra cidade célebre do tempo antigo — a cidade das velhas palavras gregas. Também não passa agora dum montão de cacos veneráveis.

        Puseram-se a caminho; à medida que se aproximavam da primeira cidade viram que os sons já não zumbiam soltos no ar, como antes, mas sim ligados entre si.

          Que mudança foi essa? — perguntou a menina.

          Os sons estão começando a juntar-se em SÍLABAS, depois as Sílabas descem e vão ocupar um bairro da cidade.

          E que quer dizer Sílaba? — perguntou a boneca.

          Quer dizer um grupinho de sons, um grupinho ajeitado; um grupinho de amigos que gostam de andar sempre juntos; o G, o R e o A, por exemplo, gostam de formar a Sílaba Gra, que entra em muitas palavras.

          Graça, Gravata, Gramática... — exemplificou Pedrinho.

          Isso mesmo aprovou Quindim. — Também o M e o U gostam de formar a Sílaba Mu, que entra em muitas palavras.

          Muro, Mudo, Mudança. . . — sugeriu a menina.

          Isso mesmo — repetiu Quindim. — E reparem que em cada palavra há uma Sílaba mais emproada e importante que as outras pelo fato de ser a depositária do ACENTO TÔNICO. Essa Sílaba chama-se a TÔNICA.

          O mesmo nome da mãe de Pedrinho!... — observou Emília arregalando os olhos.

          Não, boba. Mamãe chama-se Tônica e o rinoceronte está falando em Sílaba Tônica. É muito diferente.

          Perfeitamente — confirmou Quindim. — No nome de Dona Tônica a Sílaba Tônica é Ni; e na palavra que eu disse a Sílaba Tônica é o To. E na palavra Pedrinho, qual é a Tônica?

          Dri — responderam todos a um tempo.

          Isso mesmo. Mas os senhores gramáticos são uns sujeitos amigos de nomenclaturas rebarbativas, dessas que deixam as crianças velhas antes do tempo. Por isso dividem as palavras em OXÍTONAS, PAROXÍTONAS e PROPAROXÍTONAS, conforme trazem o Acento Tônico na última Sílaba, na penúltima ou na antepenúltima.

          Nossa Senhora! Que "luxo asiático"! — exclamou Emília. — Bastava dizer que o tal acento cai na última, na penúltima ou na antepenúltima. Dava na mesma e não enchia a cabeça da gente de tantos nomes feios. Proparoxítona! Só mesmo dando com um gato morto em cima até o rinoceronte miar...

          E há mais ainda — disse Quindim. — As pobres palavras que têm a desgraça de ter o acento na antepenúltima sílaba, quando não são xingadas de Pro-pa-ro-xí-to-nas, são xingadas de ESDRÚXULAS. As palavras Áspero, Espírito, Rícino, Varíola, etc, são Esdrúxulas.

        — Es-drú-xu-las! — repetiu Emília. — Eu pensei que Esdrúxulas quisesse dizer esquisito.

          E pensou certo — confirmou o rinoceronte. — Como na língua portuguesa as palavras com acento na antepenúltima não são muitas, elas formam uma esquisitice, e por isso são chamadas de Esdrúxulas.

        E assim conversando, o bandinho chegou aos subúrbios da cidade habitada pelas palavras portuguesas e brasileiras.

OBRA INFANTO-JUVENIL DE MONTEIRO LOBATO. Edição do Círculo do Livro. Emília no País da Gramática. As figuras de sintaxe. https://www.fortaleza.ce.gov.br.

Entendendo o conto:

01 – Por que Pedrinho inicialmente se recusa a ter aulas de Gramática com Dona Benta, e o que o faz ceder?

      Pedrinho rezinga, alegando que as férias são apenas para brincadeiras e que a Gramática é uma "caceteação" que ele já tem que aturar na escola. Ele cede quando Dona Benta o convence a estudar apenas meia hora por dia, garantindo que as 23 horas e meia restantes seriam para os brinquedos.

02 – Qual é a "grande ideia na cabeça" de Emília que dá origem à aventura, e quem ela convida para participar?

      A grande ideia de Emília é que, em vez de apenas ouvir falar de Gramática, eles deveriam "ir passear no País da Gramática". Ela convida Pedrinho, Narizinho, e o Visconde de Sabugosa para a aventura.

03 – Quem Emília informa ser o guia da viagem, e qual o novo nome que ela batiza esse guia e por quê?

      O guia da viagem é o rinoceronte, que Emília batiza com o nome de Quindim. Ela justifica o nome dizendo que é a mesma relação entre a pessoa de Pedrinho e a palavra Pedro: "Nome é nome; não precisa ter relação com o 'nomado'."

04 – Qual é a primeira manifestação sonora que os viajantes percebem ao entrar em terras do País da Gramática, e o que Quindim explica serem esses sons?

      Eles percebem um zumbido estranho no ar, como se fossem "milhões de vespas invisíveis". Quindim explica que estes são os SONS ORAIS, ou seja, sons produzidos pela boca (como A, E, I, O, U), que voam soltos no espaço e que, quando escritos, são representados por letras.

05 – Qual a diferença essencial entre Vogais e Consoantes no País da Gramática, conforme explica Quindim?

      As Vogais (A, E, I, O, U) são as "cinco madamas emproadas e orgulhosíssimas" que governam todas as outras letras, pois palavra nenhuma pode formar-se sem a presença delas. As Consoantes são apenas "ajudantes" que, por si mesmas, nada valem e "só soam com uma Vogal adiante ou atrás."

06 – Quais são duas das cidades vizinhas de Portugália (cidade das palavras portuguesas) que eles avistam, e qual a que se destaca por ser a maior?

      Eles avistam Anglópolis (palavras inglesas), Galópolis (palavras francesas), Castelópolis (palavras espanholas) e Italópolis (palavras italianas). A cidade de Anglópolis é a maior de todas, com mais de quinhentas mil palavras.

07 – Qual a crítica de Emília aos nomes que os gramáticos dão às classificações de palavras quanto à Sílaba Tônica (Oxítonas, Paroxítonas e Proparoxítonas)?

      Emília critica os nomes por serem "nomenclaturas rebarbativas" e um "luxo asiático" que deixa as crianças velhas antes do tempo. Ela afirma que bastava dizer que o acento cai na última, penúltima ou antepenúltima sílaba, sem precisar usar nomes feios como "Proparoxítona" e "Esdrúxulas."

 

 

 

 

CONTO: EMÍLIA NA CASA DO VERBO SER - EMÍLIA NO PAÍS DA GRAMÁTICA - MONTEIRO LOBATO - COM GABARITO

 Conto: Emília na casa do Verbo Ser – Emília no país da gramática

           Monteiro Lobato

        Emília teve uma grande ideia: visitar o Verbo Ser, que era o mais velho e graduado de todos os Verbos. Para isso imaginou um estratagema: apresentar-se no palácio em que ele vivia, na qualidade de repórter dum jornal imaginário. — O Grito do Pica-Pau Amarelo.

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        — Meu caro senhor — disse ela ao porteiro do palácio —, eu sou redatora do Grito do Pica-Pau Amarelo, o mais importante jornal do sítio de Dona Benta, e vim cá especialmente para obter uma entrevista do grande e ilustre Verbo Ser. Será possível?

        O porteiro mostrou-se atrapalhado, porque era a primeira vez que aparecia por ali uma repórter daquela marca. A cidade da língua costumava ser visitada apenas por uns velhos carrancas, chamados filólogos, ou então por gramáticos e dicionaristas, gente que ganha a vida mexericando com as palavras, levantando o inventário delas, etc. Mas uma jornalista, e jornalista daquele tamanho, isso era novidade absoluta.

        — Vou ver se ele recebe a senhorita — respondeu o guarda.

        — Pois vá, e interesse-se pelo meu caso, que não perderá o tempo — disse Emília. — Mando-lhe lá do sítio uns bolinhos de Tia Nastácia, que são excelentes.

        O venerando Verbo Ser ouviu o guarda e estranhou o pedido de entrevista; mas como tivesse muito medo da imprensa, não pôde recusar-se a receber aquela repórter.

        Emília foi levada à presença dele e entrou muito tesa, com um bloquinho de papel debaixo do braço e um lápis sem ponta atrás da orelha. O venerando ancião estava sentado num trono, tendo em redor de si os seus sessenta e oito filhos — ou Pessoas dos seus Modos e Tempos. Parecia um velho de mil anos, com aquela cabeleira branca de Papai Noel.

          Salve, Serência! — exclamou Emília, curvando-se diante dele, com os braços espichados, à moda do Oriente. — O que me traz à vossa augusta presença é o desejo de bem servir aos milhares de leitores do Grito do Pica-Pau Amarelo, o jornal de maior tiragem do sítio de Dona Benta. Os coitados estão ansiosos por conhecer as ideias de Vossa Serência sobre mil coisas.

        — Suba, menina! — respondeu o Verbo Ser com voz trêmula.

        Emília subiu os degraus do trono, abrindo caminho a cotoveladas por entre a soldadesca atônita, e foi postar-se bem defronte do venerável ancião.

        — Fale, Serência, enquanto eu tomo notas — disse ela, e começou a fazer ponta no lápis com os dentes.

        O Verbo Ser tossiu o pigarro dos séculos e começou:

        — Eu sou o Verbo dos Verbos, porque sou o que faz tudo quanto existe ser. Se você existe, bonequinha, é por minha causa. Se eu não existisse, como poderia você existir ou ser?

        — Está claro — disse Emília escrevendo uns garranchos. — Vá falando.

        Ser tossiu outro pigarro e continuou:

        — Muitos gramáticos me chamam VERBO SUBSTANTIVO, como quem diz que eu sou a substância de todos os demais Verbos. E isso é verdade. Sou a Substância! Sou o Pai dos Verbos! Sou o Pai de Tudo! Sou o Pai do Mundo! Como poderia o mundo existir, ou ser, se não fosse eu? Responda!

        — Não tem resposta, Serência. É isso mesmo — disse Emília, escrevendo. — Os leitores do Grito vão ficar tontos com a minha reportagem. O diabo é este lápis sem ponta. Não haverá por aí algum canivete ou faca que não seja de mesa, Serência?

        Não havia canivete, nem faca, nem nenhum instrumento cortante naquela cidade de palavras, de modo que Emília só podia contar com os seus dentes. Mas tanto roeu o lápis, sem conseguir boa ponta, que ele foi diminuindo, diminuindo, até virar um toquinho inútil. Acabou-se o lápis — e foi essa a verdadeira causa de o Grito do Pica-Pau Amarelo (jornal que aliás nunca existiu) não haver publicado a mais sensacional reportagem que ainda foi feita no mundo.

        O Verbo Ser falou muita coisa de si, contando toda a sua vida desde o começo dos começos. Disse que já havia morado na cidade das palavras latinas, hoje morta.

        — Naquele tempo eu me chamava Esse. Depois que a cidade latina começou a decair, mudei-me para as cidades novas que se foram formando por perto, e em cada uma assumi forma especial. Aqui nesta tomei esta forma que você está vendo e que se escreve apenas com três letras. Na cidade de Galópolis virei Ètre. Em Italópolis virei Essere. Em Castelópolis sou como aqui mesmo.

        — Então foi em Roma que Vossa Serência nasceu?

        — Não, menina. Sou muito mais velho que Roma. Antes de mudar-me para lá eu já existia na cidade das palavras sânscritas; e antes de ir para a cidade das palavras sânscritas, eu já vinha não sei de onde. Perdi a memória do lugar e do tempo em que nasci, embora esteja convencido de que nasci junto com o mundo.

        — Pois olhe — disse Emília —, está bem rijinho para a idade... Dona Benta, com sessenta e oito anos apenas, não chega aos pés de Vossa Serência.

        — Nós, palavras, vivemos muito mais do que as criaturas humanas.

        — Mas também morrem — observou Emília, apontando para o cemitério que se avistava através da janela.

        — Sim. Morrem certas palavras que não são de boa raça. Um Verbo como eu não morre nunca. Muda de aspecto apenas, e emigra duma cidade para outra. Eu nunca hei de morrer.

        — Assim seja, Serência! — disse Emília. — Porque se Vossa Serência cai na asneira de morrer, como iremos nós nos arranjar lá tiú mundo? Ninguém mais poderá ser coisa nenhuma...

        Pela janela aberta via-se um trecho de rua, onde o Visconde estava a passear de braço dado a uma palavra esquisita.

        — Quem é aquele figurão? — perguntou Ser, franzindo os sobrolhos.

        — Pois é o nosso grande Visconde de Sabugosa, um verdadeiro sábio da Grécia. Gosta muito de Arcaísmos e outras velharias. Juro que a palavra que está com ele é coroca.

        — Não é, não. Já foi coroca; hoje está remoçada. Aquela palavra é a tal Paredro, que em Roma conheci sob a forma latina Paredrus. Emigrou para cá comigo, mais ninguém quis saber dela. Os homens não a chamavam nunca para coisa alguma, e por fim a coitada teve de desocupar o beco e ir viver no bairro dos Arcaísmos. Pois sabe o que aconteceu? Um belo dia um deputado brasileiro, que era o grande romancista Coelho Neto, teve a ideia de requisitá-la para a meter num discurso. Já lhe mandamos a palavra requisitada, ainda cheia de pó e teias de aranha como se achava. Paredro entrou no discurso do deputado, fez sucesso e voltou rejuvenescida. Desde então passou a receber frequentes chamados e acabou vindo morar de novo aqui no centro, em companhia das palavras vivas. Casos como esse, porém, são raríssimos. Em geral, quando uma palavra morre, morre duma vez.

        A conversa de Emília com o Verbo Ser durou bastante tempo. Um velho velhíssimo como aquele tem muito que contar. Por fim acabaram amigos, e Emília pediu-lhe que a acompanhasse numa visitinha aos Advérbios, espécie de palavras que ela ainda não conhecia.

        — Pois não. Com muito prazer — disse o venerável velho, e tomando-lhe a mãozinha saiu com ela do palácio.

OBRA INFANTO-JUVENIL DE MONTEIRO LOBATO. Edição do Círculo do Livro. Emília no País da Gramática. As figuras de sintaxe. https://www.fortaleza.ce.gov.br.

Entendendo o conto:

01 – Qual foi o estratagema que Emília usou para conseguir uma entrevista com o Verbo Ser?

      Ela se apresentou no palácio na qualidade de repórter do jornal imaginário "O Grito do Pica-Pau Amarelo", o suposto "mais importante jornal do sítio de Dona Benta".

02 – Por que a visita de Emília foi considerada uma "novidade absoluta" pelo porteiro do palácio?

      Porque a cidade da língua costumava ser visitada apenas por velhos filólogos, gramáticos e dicionaristas (gente que "mexerica com as palavras"), e nunca por uma jornalista, muito menos uma "jornalista daquele tamanho" (uma boneca).

03 – Por que o Verbo Ser é chamado de "o Verbo dos Verbos" e "Verbo Substantivo"?

      Ele é chamado assim porque é o que faz tudo quanto existe ser (a substância de todos os demais Verbos). Ele se autoproclama "a Substância" e "o Pai dos Verbos" (e do Mundo).

04 – Qual foi o motivo real que fez com que a reportagem sensacional de Emília para o "Grito do Pica-Pau Amarelo" não fosse publicada?

      O motivo foi a falta de ponta no lápis. Emília tanto roeu o lápis com os dentes, sem conseguir uma boa ponta, que ele diminuiu até virar um "toquinho inútil", acabando com o instrumento de trabalho da repórter.

05 – Qual era a forma do Verbo Ser na antiga cidade das palavras latinas, e quais formas ele assumiu em Galópolis (francês) e Italópolis (italiano)?

      Na cidade das palavras latinas (hoje morta), ele se chamava Esse. Em Galópolis, virou Être, e em Italópolis, virou Essere.

06 – Qual foi a história da palavra Paredro, e como ela conseguiu "rejuvenescer" e retornar ao convívio das palavras vivas, depois de morar no bairro dos Arcaísmos?

      Paredro era uma palavra antiga (latina Paredrus) que foi esquecida e se mudou para o bairro dos Arcaísmos. Ela foi "requisitada" por um deputado brasileiro, o romancista Coelho Neto, para ser usada em um discurso. O sucesso no discurso a fez rejuvenescer e voltar a receber chamados no centro da cidade.

07 – O que Emília pediu ao Verbo Ser no final da conversa, e para onde eles foram juntos?

      Emília pediu que ele a acompanhasse numa visitinha aos Advérbios (uma espécie de palavra que ela ainda não conhecia). O Verbo Ser, o ancião venerável, aceitou e saiu do palácio de braço dado com a boneca.

 

CONTO: EPÍLOGO - EMÍLIA NO PAÍS DA GRAMÁTICA - MONTEIRO LOBATO - COM GABARITO

 Conto: Epílogo – Emília no país da gramática

           Monteiro Lobato

        Quando Emília voltou para onde se achavam os meninos, viu-os em preparativos para o regresso. Estavam com uma fome danada.

        — E o Visconde? — indagou ela. — Apareceu?

        — Está aqui, sim — respondeu Pedrinho —, mas nega a pés juntos que haja furtado o Ditongo.

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        Emília aproximou-se do velho sábio, que tinha uma bochecha inchada de dor de dente.

        — Então, onde está o Ditongo, Senhor Visconde? — interpelou ela, de mãozinha na cintura e olhar firme.

        O pobre fidalgo pôs-se a tremer, todo gago.

        — Eu... eu...

        — Sim, o senhor mesmo! — disse Emília com vozinha de verruma. — O senhor raptou o Ditongo Ão e escondeu-o em qualquer lugar. Vamos. Confesse tudo.

        — Eu... eu... — continuava o fidalgo, que não sabia lutar com a boneca.

        Emília refletiu uns instantes. Depois agarrou-o e fê-lo abrir a boca à força. O Ditongo furtado caiu no chão...

        — Vejam! — exclamou Emília, vitoriosa. — Ele tinha escondido o pobre Ditongo na boca, feito bala. Que vergonha, Visconde! Um homem da sua importância, grande sábio, ledor de álgebra, a furtar Ditongo...

        — Eu explico tudo — declarou por fim o Visconde, muito vexado. — O caso é simples. Desde que caí no mar, naquela aventura no País da Fábula 8 fiquei sofrendo do coração e muito sujeito a sustos. Ora, este Ditongo me fazia mal. Sempre que gritavam perto de mim uma palavra terminada em Ão, como Cão, Ladrão, Pão e outras, eu tinha a impressão dum tiro de canhão ou dum latido de canzarrão. Por isso me veio a ideia de furtar o maldito Ditongo, de modo que desaparecessem da língua portuguesa todos esses latidos e estouros horrendos.  Foi isso só. Juro!

        Emília ficou radiante de haver adivinhado.

        — Eu não disse? — gritou para os meninos. — Eu não disse que devia ser isto?

        E para o desapontadíssimo fidalgo:

        — Pegue o Ditongo e vá botá-lo onde o achou. Você não é Academia de Letras para andar mexendo na língua...

        Meia hora mais tarde já estavam todos no sítio, contando ao Burro Falante o maravilhoso passeio pelas terras da Gramática.

OBRA INFANTO-JUVENIL DE MONTEIRO LOBATO. Edição do Círculo do Livro. Emília no País da Gramática. As figuras de sintaxe. https://www.fortaleza.ce.gov.br.

Entendendo o conto:

01 – Qual era a condição física do Visconde de Sabugosa no momento em que Emília o reencontrou, e qual era a sua atitude em relação à acusação de furto?

      O Visconde estava com uma bochecha inchada de dor de dente e, apesar disso, negava a pés juntos que tivesse furtado o Ditongo.

02 – Como Emília conseguiu, de forma vitoriosa, provar que o Visconde havia de fato escondido o Ditongo "Ão"?

      Emília agarrou o Visconde e fê-lo abrir a boca à força. O Ditongo furtado caiu no chão, pois ele o tinha escondido "na boca, feito bala."

03 – Qual foi a explicação completa do Visconde para o "crime" de ter furtado o Ditongo?

      O Visconde explicou que, desde que caíra no mar na aventura no País da Fábula, ficou sofrendo do coração e sujeito a sustos. O Ditongo "Ão" o fazia mal porque as palavras que o continham (como Cão, Ladrão ou Pão) lhe davam a impressão de um "tiro de canhão ou dum latido de canzarrão."

04 – Qual era o objetivo final do Visconde ao tentar remover o Ditongo "Ão" da língua portuguesa?

      O único objetivo dele era fazer com que "desaparecessem da língua portuguesa todos esses latidos e estouros horrendos" que o assustavam.

05 – Qual foi a ordem final de Emília ao Visconde e qual o argumento que ela usou para criticar a sua intromissão na língua?

      Emília ordenou que ele pegasse o Ditongo e fosse botá-lo onde o achou. Ela o repreendeu dizendo: "Você não é Academia de Letras para andar mexendo na língua...".

 

 

 

CONTO: AS ORAÇÕES AO AR LIVRE - EMÍLIA NO PAÍS DA GRAMÁTICA - MONTEIRO LOBATO - COM GABARITO

 Conto: As Orações ao ar livre – Emília no país da gramática

           Monteiro Lobato

        Foram todos para o jardim, onde numerosas Orações costumavam passear ao sol. Dona Sintaxe apontou para uma delas e disse:

        — Vamos ver, Emilinha, se você sabe o que significa um grupo de palavras como aquele que ali está, junto ao canteiro de margaridas.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhZWXyvz3Ep83T0UuTPrqisTyB-pt4yfplzqeQTE1EsRRGv4e0TpamxYHULXHJMRwo0Wbn1ZktO8hgUlhG11JqQv7wu6Y1VZ-0cRBz3ayyFzOPQ5lnivyMf1M9dABnhlNifi9BkZN-SXq27dyQr_btGp6FY8S_3Bw0e07aMMM0EcORl3Olho738fgObmzA/s1600/ORA%C3%87%C3%83O.jpg


        — Pois é uma Oração, está claro! Quem não sabe?

        — Você não sabe, Emília. Aquilo é mais que uma Oração — é todo um PERÍODO GRAMATICAL, composto de várias Orações.

        — Um Período é então um cacho de Orações — disse Emília. — Estou entendendo. A Oração é uma banana; o Período é uma penca de bananas.

        O rinoceronte gostou do exemplo e lambeu os beiços, enquanto Dona Sintaxe explicava que os Períodos se dividem em duas classes — PERÍODOS SIMPLES e PERÍODOS COMPOSTOS.

        — O Período Simples é o que... — foi dizendo Emília, mas engasgou.

        — É o que se compõe só de uma Oração — concluiu Dona Sintaxe.

          E o Período Composto é o que se compõe de duas! — gritou a boneca vitoriosamente.

        — De duas ou mais — corrigiu Dona Sintaxe. — Aquele que ali vai passando é um Período Composto.

        O tal Período Composto dizia o seguinte: Emília soltou o preso, mas não ganhou nem um muito obrigado.

        — Notem — observou Dona Sintaxe — que há duas Orações, governadas por dois Verbos — Soltou e Ganhou. Por isso o Período é Composto. A Conjunção Mas amarra a segunda Oração à primeira.

        — Estou vendo — disse Emília. — E aquele outro, perto do canteiro de cravos?

        — Aquele é um Período Simples, formado de uma só Oração: O Visconde está com medo. Repare que há um só Verbo.

        — E aquele outro lá perto do canteiro das dálias? — indagou Pedrinho, mostrando um Período que dizia assim: O rinoceronte, que é um sabido, está calado.

        — Aquele é um Período Composto que traz uma Oração pendurada em outra. Note que uma Oração não está ligada à outra, mas sim pendurada no meio da outra. Se sair dali não estraga o resto. Chama-se Oração INTERFERENTE.

        — Pendurada com que gancho? — perguntou Emília.

        — Com o gancho daquele pronominho Que. Notem que nesse Período Composto há duas Orações: (1) O rinoceronte está calado; (2) Que é um sabido. Mas esta última está apenas enganchada no meio da primeira, como numa rede, por meio do gancho do Pronome Que.

        — Que tem mesmo jeito dum ganchinho! — observou Emília, e todos concordaram, para não haver briga.

        — Vamos agora ver como estas Orações se classificam quanto ao papel que representam no Período — disse Dona Sintaxe. — Elas podem ser de três classes – COORDENADAS, PRINCIPAIS e SUBORDINADAS.

        E, para exemplificar, gritou na direção dum grupo de Períodos que estavam parados diante dum repuxo:

        — Aproxime-se um Período Composto que queira servir de exemplo! Depressa!

        Todo saltitante, destacou-se do grupo este Período: O pica-pau picou o pau e fugiu quando viu Quindim.

        — Reparem — disse Dona Sintaxe — que temos três Orações neste Período. Uma Coordenada, porque está ligada a outra Coordenada pela Conjunção E: O pica-pau picou o pau. E temos a segunda Oração, que é a Principal: E fugiu; e temos a terceira, que é a Subordinada, ou escrava da Principal: Quando viu Quindim. Sem estar ligada à Oração Principal esta terceira fica sem sentido, ninguém a entende. Mas ligada torna-se clarinha como água de pote; quem lê compreende logo que o pica-pau fugiu quando viu Quindim.

        — Oração Principal? — estranhou a menina.

        — Oração Principal é a que pensa que é independente mas não é, porque depende das outras para completar o que ela quer dizer. Aquela ali, por exemplo. Venha cá, Senhor Período!

        Aproximou-se um Período Composto que se lia assim: Quindim está com fome porque não encontrou capim por aqui.

        — Reparem. A Oração Quindim está com fome é a Principal, mas não fica bem, bem, bem, bem completa sem a outra: Porque não encontrou capim por aqui. Esta outra ajuda a completar a Principal. As Senhoras Orações Principais trazem sempre o Verbo no Modo Indicativo ou no Modo Imperativo, não se esqueçam.

        Dona Sintaxe despediu aquele Período e chamou outro.

        — Aproxime-se uma Oração na voz ATIVA! Depressa. Muito lampeira, destacou-se do grupo uma Oração que dizia assim: O gato comeu o pica-pau.

        — Que história de Voz Ativa é essa? — indagou Emília.

        — Já irá saber — respondeu a Senhora Sintaxe, e voltando-se para a nova oraçãozinha: — Você está na Voz Ativa, não é assim? Pois então passe parada voz PASSIVA para esta boneca ver.                                      Incontinenti a oraçãozinha desmanchou-se toda para formar outra da seguinte maneira: O pica-pau foi comido pelo gato.

        — Muito bem! — aprovou Dona Sintaxe. O E para os meninos:

        — Notem que Pica-Pau, que é o Objeto Direto da primeira Oração, passou a ser Sujeito desta última, e reparem que o Sujeito da primeira (Gato) passou a ser Complemento.

        — Que Objeto Direto é esse, que apareceu aí sem mais nem menos? — berrou Emília.

        — Objeto Direto é aquilo que completa o sentido do Verbo diretamente. A gente pergunta ao Verbo: o quê? E a resposta é o tal Objeto Direto. O gato comeu o quê? O pica-pau. Logo, pica-pau é o Objeto Direto.

        — Que peste é a tal Gramática! — disse Emília. — Tem coisas que não acabam mais. Só sinto que, em vez de ter comido o pobre pica-pau, o gato não tivesse comido a Senhora Gramática, com todas estas damas que andam por aqui...

        Dona Sintaxe não ouviu e continuou:

        — Por meio destas passagens de Sujeitos para Complementos e de Complementos para Sujeitos é que as Orações passam da Voz Ativa para a Voz Passiva. Entenderam?

        Os meninos fizeram com a cabeça que sim.

        Durante toda a conversa Quindim manteve-se de parte, ouvindo com muita atenção as palavras da grande dama e aprovando-as com movimentos de chifre. Emília, que gostava de tirar a prova de tudo, foi ter com ele para lhe perguntar num cochicho:

        — Que acha desta senhora, Quindim? Sabe mesmo Gramática ou está nos tapeando?

        O rinoceronte riu-se filosoficamente.

        — Como não há de saber, Emília, se ela é a Sintaxe, ou uma das partes da própria Gramática? A Sintaxe dum lado e a Lexiologia de outro formam a Gramática inteira. Nunca duvide do que a Senhora Sintaxe disser...

OBRA INFANTO-JUVENIL DE MONTEIRO LOBATO. Edição do Círculo do Livro. Emília no País da Gramática. As figuras de sintaxe. https://www.fortaleza.ce.gov.br.

Entendendo o conto:

01 – Qual é a analogia usada por Emília para explicar a diferença entre Oração e Período Gramatical, e qual é a definição de Período Simples e Período Composto, de acordo com o conto?

      Emília usa a analogia da banana para a Oração e a penca de bananas para o Período Gramatical.

      Período Simples: É o que se compõe de só uma Oração (e, consequentemente, um só Verbo).

      Período Composto: É o que se compõe de duas ou mais Orações (governadas por dois ou mais Verbos).

02 – No trecho, Dona Sintaxe apresenta um tipo especial de Oração que "não está ligada à outra, mas sim pendurada no meio da outra" e, se for removida, "não estraga o resto". Qual é o nome dessa Oração e qual "gancho" a conecta?

      O nome dessa Oração é Oração INTERFERENTE. O exemplo dado é: "O rinoceronte, que é um sabido, está calado." O "gancho" que a conecta é o pronominho Que.

03 – De acordo com Dona Sintaxe, quais são as três classes de Orações quanto ao papel que representam no Período Composto?

      As três classes são:

      Coordenadas: Ligadas a outra Coordenada, geralmente por uma Conjunção (ex: "O pica-pau picou o pau").

      Principais: Aquela que "pensa que é independente" e da qual as outras dependem para completar o sentido (ex: "E fugiu" ou "Quindim está com fome").

      Subordinadas: Também chamadas de "escrava da Principal", pois sem a Oração Principal "fica sem sentido" (ex: "Quando viu Quindim").

04 – Qual é o processo que a Oração na Voz Ativa passa para se transformar na Voz Passiva, e como Dona Sintaxe define Objeto Direto?

      A passagem de Voz Ativa para Voz Passiva se dá pela troca de papéis dos termos: o Objeto Direto da Voz Ativa passa a ser o Sujeito da Voz Passiva, e o Sujeito da Voz Ativa passa a ser o Complemento (Agente da Passiva).

      Objeto Direto é definido como "aquilo que completa o sentido do Verbo diretamente." A forma de encontrá-lo é perguntar ao Verbo: o quê? (Ex: "O gato comeu o quê? O pica-pau").

05 – Ao final do trecho, Emília pergunta a Quindim se ele acha que Dona Sintaxe "Sabe mesmo Gramática ou está nos tapeando?". Qual é a resposta do rinoceronte e por que ele não tem dúvidas sobre o conhecimento da Senhora?

      Quindim afirma que não há como ela não saber, pois ela é a Sintaxe, que é "uma das partes da própria Gramática". Ele conclui dizendo que a Sintaxe de um lado e a Lexiologia do outro formam a Gramática inteira.