Roteiro: Como fazer um filme de amor
1. Abertura. Letreiros.
Entram letreiros com caracteres em
branco e fundo negro. Ao fundo, ouve-se uma música esquisita. De repente a
música é interrompida de forma brusca e o letreiro para. Entra a voz do
Narrador em off:
Narrador
Não, não... Nada disso! Esses letreiros
são coisa de intelectual. Isso é um filme de amor! E o público precisa saber
disso desde o começo. Para começar, vamos mudar esta música (entra outra
música mais suave). Assim está melhor.
E os letreiros têm que ser mais
alegres (o letreiro muda, fica com cores alegres e as letras são
maiores e coloridas). Isso! Melhorou. Mas ainda está faltando mais alguma
coisa... Surgem desenhos decorativos com flores em torno dos caracteres.
Narrador
Pronto! Isso sim é uma abertura de
filme de amor.
[...]
2. Rua. Exterior. Dia. Multidão
transita em rua movimentada.
Narrador
Muito bem. Agora vamos começar com a
história. A primeira coisa é escolher a personagem principal. Vai ser uma
mulher, é claro.
Afinal, as mulheres são 54% do público
de cinema.
Começamos a ver em destaque entre os
passantes vários rostos de mulher.
Surge uma mulher muito gorda. A câmera
segue a garota por alguns instantes.
Narrador
Não, essa está meio gordinha.
Aparece uma adolescente, com jeito
de estudante, mascando chiclete.
Narrador
Hum... Muito nova.
Nossa personagem tem que ter uma
certa... história de vida.
Aparece uma senhora do tipo perua,
muito maquiada e pele visivelmente esticada por cirurgia plástica.
Narrador
Falei história de vida. Não história da
civilização.
[...]
Uma mulher de uns 29 anos, bonita porém
discreta, corta, de repente, à frente da perua, andando com rapidez.
Narrador
É essa!
Passamos a acompanhar a mulher em seu
trajeto. Ela entra num banco de modo atabalhoado.
3. Agência bancária. Int. Dia.
Cena 1: Entrada do banco.
Narrador
Essa moça é a ideal. Bela, mas nem
tanto. Jovem, mas nem tanto...
Segura de si... Ao passar por uma
porta giratória, ela se atrapalha.
[...]
Narrador
... Mas nem tanto.
Finalmente ela consegue entrar no
banco.
Cena 2: Fila de banco.
Narrador
Mas ela não pode ser só bonita, tem que
ter um bom coração.
Ela está de pé na fila. O caixa chama o
próximo. Ela então cede a vez a uma mulher de idade, que agradece. Então
ela olha para trás e percebe que a fila, comprida, está totalmente tomada por
senhoras de idade. Ela vai dando passagem às velhinhas.
Cena 3: Caixa do banco.
Após a última velhinha, Laura, última
da fila, finalmente consegue chegar ao caixa.
Caixa
Bom dia, dona... Como é mesmo o seu
nome?
Laura abre a boca para falar, mas
antes que diga qualquer coisa, sua imagem congela.
Narrador
Essa é uma boa pergunta. Como a nossa
heroína vai se chamar?
Mulher
Urraca.
A imagem congela. A trilha sonora para.
Narrador
Não! Urraca não é um nome muito
romântico!
Mulher
Emengarda, Robervalda, Genefrósia,
Sigmunda, Astrogilda, Laura...
A cada nome ouvimos o Narrador falar
“Não”.
Depois de “Laura”, a imagem congela.
Narrador
Para. É isso! Laura... É um nome bonito
e simples.
A imagem volta a mover-se.
Mulher
Meu nome é Laura.
TORERO, José Roberto; MOURA, Luiz. Como fazer um filme de
amor: roteiro. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo; Cultura – Fundação Padre
Anchieta, 2004. p. 9-14. (Coleção Aplauso). Disponível em: http://aplauso.imprensaoficial.com.br/edicoes/12.0.812.978/12.0.8122.978.pdf. Acesso em: 1º dez. 2015.
Fonte: Língua Portuguesa – Se liga na
língua – Literatura, Produção de texto, Linguagem – 2 Ensino Médio – 1ª edição
– São Paulo, 2016 – Moderna – p. 187-191.
Entendendo o roteiro:
01 – Releia o trecho
inicial:
“1. Abertura. Letreiros.
Entram letreiros com caracteres em
branco e fundo negro. Ao fundo, ouve-se uma música esquisita. De repente a
música é interrompida de forma brusca e o letreiro para. Entra a voz do
Narrador em off:
Narrador
Não, não... Nada disso! Esses letreiros
são coisa de intelectual. Isso é um filme de amor! E o público precisa saber
disso desde o começo. Para começar, vamos mudar esta música (entra outra
música mais suave).
Assim está melhor.
E os letreiros têm que ser mais
alegres (o letreiro muda, fica com cores alegres e as letras são
maiores e coloridas). Isso! Melhorou. Mas ainda está faltando mais alguma
coisa...
Surgem desenhos decorativos com flores
em torno dos caracteres.
Narrador
Pronto! Isso sim é uma abertura de
filme de amor.”
a) Que aspecto da abertura planejada para o filme surpreende o espectador? Por quê?
Espera-se que os alunos apontem a presença de um narrador,
visto que as obras cinematográficas apresentam as cenas diretamente.
b) A obra pretende tratar, comicamente, os clichês dos filmes de amor. De que modo esse tratamento se mostra já nessa sequência inicial?
A mudança dos letreiros e da música é feita para se adequar às
expectativas de construção de um filme romântico.
c) Ao dizer “Esses letreiros são coisa de intelectual. Isso é um filme de amor!”, que característica o narrador estaria associando ao termo “intelectual”? Por oposição, que característica ele atribui ao público do filme?
O narrador estaria associando o termo “intelectual” a “racional” ou
“objetivo”, colocados em oposição a “sentimental” ou “emotivo”, que
caracterizaria o público de filmes românticos.
02 – Que tipo de informação
é oferecida pelo trecho “2. Rua. Exterior. Dia. Multidão transita em rua
movimentada.”? Qual é a função dessa informação no roteiro?
O trecho indica onde se passa a cena e
em que momento do dia e orienta a futura encenação da história, marcando que
deve ser filmada em ambiente externo e não em estúdio.
03 – Normalmente, o roteiro
traz as informações que definem o perfil dos personagens. Nesse roteiro,
esse aspecto torna-se um assunto a ser explorado. Como isso é feito?
Mostra-se ao
público o processo de escolha da protagonista.
04 – Releia um trecho do
roteiro:
“Narrador
Hum... Muito nova.
Nossa personagem tem que ter uma
certa... história de vida.
Aparece uma senhora do tipo perua,
muito maquiada e pele visivelmente esticada por cirurgia plástica.
Narrador
Falei história de vida. Não história da
civilização.”
a) Explique o comentário “Não história da civilização”.
O comentário sugere que a mulher tem muita idade.
b) Qual foi o efeito buscado pelo narrador com esse comentário? Como o narrador construiu o comentário em vista desse efeito?
O narrador objetivou produzir humor, graça, e o fez contrastando
“história de vida”, que alude a um tempo curto, e “história da
civilização”, que indica o contrário.
c) Sobre essa sequência, o roteirista José Roberto Torero deu a seguinte explicação:
“Algumas mulheres viram o copião do
filme e acharam essa piada muito grosseira. Trocamos então por ‘Mas eu preciso
de alguém na idade de casar, não de fazer bodas de ouro’, o que não chega
a ser delicado, mas é um pouco mais suave.”
TORERO &
MOURA, op. cit., p. 11-12.
O que a troca da fala revela sobre a produção de um filme?
A troca sugere
que os produtores se preocupam com a recepção do filme, com a maneira como ele
será entendido por seus espectadores.
05 – Observe no texto os
trechos iniciados com os números “1”, “2” e “3” e com “cena 1” e “cena
2”. Com base neles, explique como se organiza a apresentação do roteiro.
Os números
indicam diferentes momentos da história, marcados por diferentes cenários. As
cenas indicam subdivisões dentro de um mesmo cenário.
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