FILME/TEXTO(ATIVIDADES):
Fragmento de Memórias Póstumas de Brás Cubas
Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo
princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a
minha morte. Suposto o uso vulgar seja começar pelo nascimento, duas
considerações me levaram a adotar diferente método: a primeira é que eu não sou
propriamente um autor defunto, mas um defunto autor, para quem a campa foi
outro berço; a segunda é que o escrito ficaria assim mais galante e mais novo.
Moisés, que também contou a sua morte, não a pôs no intróito, mas no cabo:
diferença radical entre este livro e o Pentateuco. (Machado de Assis, in
Memórias Póstumas de Brás Cubas)
01 – “A
narrativa machadiana em Dom Casmurro e Memórias
póstumas de Brás Cubas obedece à tradição da narrativa linear, de
acordo com a passagem do tempo no relógio, pela qual o leitor observa a evolução
da vida dos personagens, desde o nascimento ou a idade tenra, até a velhice,
passando antes pela juventude, idade madura e morte.”
Concorde ou não com esse comentário, mas
justifique sua resposta.
A narrativa machadiana,
diferentemente do apontado pelo trecho acima, não obedece à tradição da
narrativa, muito pelo contrário. Machado de Assis, por meio de um texto
ziguezagueante, apoiado muitas vezes apenas na memória do narrador, traz uma
literatura que faz saltos, que deixa espaços a serem preenchidos pelo leitor.
Óbito do autor
Algum tempo hesitei se devia abrir
estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o
meu nascimento ou a minha morte. Suposto o uso vulgar seja começar pelo
nascimento, duas considerações me levaram a adotar diferente método: a primeira
é que eu não sou propriamente um autor defunto, mas um defunto autor, para quem
a campa foi outro berço; a segunda é que o escrito ficaria assim mais galante e
mais novo. Moisés, que também contou a sua morte, não a pôs no intróito, mas no
cabo: diferença radical entre este livro e o Pentateuco.
Dito isto, expirei às duas horas da
tarde de uma sexta-feira do mês de agosto de 1869, na minha bela chácara de
Catumbi. Tinha uns sessenta e quatro anos, rijos e prósperos, era solteiro,
possuía cerca de trezentos contos e fui acompanhado ao cemitério por onze
amigos. Onze amigos! Verdade é que não houve cartas nem anúncios. Acresce que
chovia - peneirava - uma chuvinha miúda, triste e constante, tão constante e
tão triste, que levou um daqueles fiéis da última hora a intercalar esta
engenhosa ideia no discurso que proferiu à beira de minha cova: - "Vós,
que o conhecestes, meus senhores, vós podeis dizer comigo que a natureza parece
estar chorando a perda irreparável de um dos mais belos caracteres que têm
honrado a humanidade. Este ar sombrio, estas gotas do céu, aquelas nuvens
escuras que cobrem o azul como um crepe funéreo, tudo isso é a dor crua e má
que lhe rói à natureza as mais íntimas entranhas; tudo isso é um sublime louvor
ao nosso ilustre finado".
ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas.
São Paulo, Abril Cultural, 1978. P. 15.
Glossário
- campa: sepulcro; galante: garboso, gracioso.
Entendendo
o filme:
02 –
Explique porque se pode dizer que esse trecho é metalinguístico.
Pelo narrador fazer
referências à obra que está produzindo, pode-se dizer que este trecho é
metalinguístico. Como exemplo: “Algum tempo hesitei se devia abrir estas
memórias pelo princípio ou pelo fim (...)”
03 –
Explicite um trecho em que se encontre a famosa “ironia machadiana”.
A ironia consiste em um
expediente linguístico que apresenta um enunciado que, semanticamente, quer
dizer o inverso do que está dito de fato, revelando uma atitude de humor sutil
por parte do narrador. O trecho em que melhor se percebe esse expediente é “que
levou um daqueles fiéis da última hora a intercalar esta engenhosa ideia
no discurso que proferiu à beira de minha cova”, já que o discurso proferido
não tem nada de original ou engenhoso.
04 – Em
que pessoa é narrado o texto?
O texto é narrado em
primeira pessoa (1ª pessoa do singular “EU”).
05 –
Quem é o narrador?
O narrador das
“Memórias” é Brás Cubas, um defunto autor.
06 – Ao
dizer “Onze amigos!”, o narrador mostra que é pequeno o número de pessoas com
que se pode realmente contar. Isso revela uma certa atitude do narrador diante
da amizade e das relações interpessoais. Que atitude é essa?
O narrador revela seu
ceticismo, isto é, sua desconfiança na existência de uma amizade verdadeira. A
rememoração da teoria do humanitismo nos ajuda a entender que
a amizade, nos textos de Machado de Assis, só vale a partir do momento em que
há alguém que aproveite dessa amizade, isto é, o humanitismo
nos revela como sendo egoístas e egocêntricos, pouco voltados para o cultivo de
relações interpessoais sinceras, transparentes e abertas.
07 –
Qual a diferença que se pode estabelecer entre “autor defunto” e “defunto autor”?
Autor defunto é aquele
que escrevia em vida e morreu, defunto autor é aquele que morre e, em seguida,
torna-se autor (caso de Brás Cubas).
08 – (FUVEST
- Adaptada) Imagine que você tenha uma prova do livro Memórias póstumas
de Brás Cubas e que não tenha entendido a seguinte
metáfora “a campa foi outro berço”. Xavier, seu amigo de longa
data, leu e interpretou muito bem, segundo o professor, o texto.
Sendo
assim, demonstre a interpretação dada por Xavier para a metáfora “a campa foi
outro berço”.
A interpretação dada
por Xavier só pode ser a de que após a morte, o enterro, o sepultamento
(vocábulos pertencentes ao campo semântico de “campa”), o autor renasce, isto
é, a morte do HOMEM Brás Cubas faz nascer o AUTOR Brás Cubas.
09 – (ENEM)
No trecho a seguir, o narrador, ao descrever a personagem, critica sutilmente
um outro estilo de época: o Romantismo.
Naquele
tempo contava apenas uns quinze ou dezesseis anos; era talvez a mais atrevida
criatura de nossa raça e, com certeza, a mais voluntariosa. Não digo que já
lhe coubesse a primazia da beleza, entre as mocinhas do tempo, porque isto não
é romance, em que o autor sobredoura a realidade e fecha os olhos às sardas e
espinhas; mas também não digo que lhe maculasse o rosto nenhuma sarda ou
espinha, não. Era bonita, fresca, saía das mãos da natureza cheia daquele
feitiço, precário e eterno, que o indivíduo passa a outro indivíduo, para os
fins secretos da criação.
ASSIS,
Machado de. Memórias póstumas de
Brás Cubas. Rio de Janeiro: Jackson, 57.
A frase do texto em que se percebe a
crítica do narrador ao Romantismo está transcrita na alternativa:
a) “...
o autor sobredoura a realidade e fecha os olhos às sardas e espinhas ...”
b) “...
era talvez a mais atrevida criatura da nossa raça ...”
c) “Era
bonita, fresca, saía das mãos da natureza, cheia daquele feitiço, precário e
eterno, ...”
d) “Naquele
tempo contava apenas uns quinze ou dezesseis anos ...”
e) “...
o indivíduo passa a outro indivíduo, para os fins secretos da criação.”
10 –
Quincas Borba, personagem criado por Machado de Assis, era autor de Humanitas,
filosofia única, eterna, comum, indivisível e indestrutível, que pregava a
eterna luta do homem pela sobrevivência, ressaltando o predomínio dos mais
espertos.
Existe uma máxima sobre a qual ele resume
suas explanações sobre essa filosofia. Assinale-a.
a) Devagar
se vai ao longe.
b) Ao
vencedor, as batatas.
c) Quem
tudo quer tudo perde.
d) O
essencial é invisível para os olhos.
e) Não
se jogam pérolas aos porcos.
AUXILIARES
Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo
fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte.
Suposto que o uso vulgar seja começar pelo nascimento, duas considerações me levaram
a adotar diferente método: a primeira é que eu não sou propriamente um autor
defunto, mas um defunto autor, para quem a campa foi outro berço; o segundo é
que o escrito ficaria assim mais galante e mais novo.
Memórias póstumas de
Brás Cubas – Machado de Assis
11 –
Essa é a abertura do famoso romance de Machado de Assis. Dentro desse contexto,
já dá para se ver o tipo de narrativa que será explorada. Assinale a
alternativa correta a esse respeito.
a) A
narrativa decorre de forma cronologicamente correta, de acordo com a passagem
do tempo: infância, juventude, maturidade e velhice.
b) A
linearidade das ações apresenta cenas de suspense, dado o comportamento
inusitado dos personagens.
c) Não
há como prever o final da narrativa, já que seu enredo é, propositadamente,
complicado.
d) A
ação terá, como cenário, os diversos centros cosmopolitas do mundo.
e) O
autor usa o recurso do flashback devido a sua intenção de
iniciar o romance pelo “fim”.
12 – Em
relação à questão anterior, infere-se que a linguagem dispõe de um recurso
enriquecedor: a disposição das palavras no espaço frasal. Sendo assim, que tipo
de leitura pode-se fazer dessas duas expressões: “autor defunto” e “defunto
autor”?
a) A
colocação da palavra defunto após a palavra autor leva-nos a pensar que o
segundo elemento está em fase final de carreira.
b) Defunto
autor remete à ideia de que a pessoa irá escrever suas memórias dentro de
um cemitério.
c) Ambas
as expressões transmitem a mesma ideia, com iguais valores semânticos.
d) A
expressão defunto autor aparece de forma metaforizada, original, privilegiando
uma nova forma de narração autobiográfica.
e) Ambas
as construções não têm expressão na obra biográfica de Machado de Assis.
13 –
Considerando o que você já leu e/ou viu sobre o livro Memórias
póstumas de Brás Cubas e atentando ainda para as considerações que
Brás Cubas faz no trecho lido quanto à maneira de começar a escrever seu livro,
responda: Brás Cubas contou sua história pelo “uso vulgar” ou ele fez de forma
diferente?
Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos
de réis; nada menos. Meu pai logo que teve aragem dos quinze contos
sobressaltou-se deveras; achou que o caso excedia as raias de um capricho
juvenil.
— Dessa vez, disse ele, vais para Europa, vais cursar uma Universidade,
provavelmente Coimbra, quero-te homem sério e não arruador e não gatuno.
E como eu fizesse um gesto de espanto:
— Gatuno, sim senhor, não é outra coisa um filho que me faz isso.
Machado de Assis
– Memórias póstumas de Brás Cubas.
Brás Cubas narra a sua
história de modo original, de maneira ziguezagueante e digressiva, fazendo
intervenções e conversando com o leitor e, principalmente, deixando de lado a
linearidade da narrativa e, portanto, indo contra o que seria o “modo vulgar”
de se narrar.
14 – De
acordo com essa passagem da obra, pode-se antecipar a visão que Machado de
Assis tinha sobre as pessoas e sobre a sociedade. A esse respeito, assinale a
alternativa correta.
a) O
amor é fruto de interesse e compõe o pilar das instituições hipócritas.
b) O
amor, se sincero, supera todas as barreiras, inclusive as financeiras.
c) O
caráter autoritarista moldava as relações familiares, principalmente entre pai
e filho.
d) Havia
medo de que a marginalidade envolvesse os jovens daquela época.
e) O
amor era glorificado e apontado como o único caminho para redimir as
pessoas.
15 – Com efeito, um dia de manhã, estando a
passear na chácara, pendurou-me uma ideia no trapézio que eu tinha no cérebro.
Uma vez pendurada, entrou a bracejar, a pernear, a fazer as mais arrojadas
cabriolas de volatim, que é possível crer. Eu deixei-me estar a contemplá-la.
Súbito, deu um grande salto, estendeu os braços e as pernas, até tomar a forma
de um X: decifra-me ou devoro-te.
Memórias póstumas de Brás Cubas –
Machado de Assis.
Sobre o
texto mostrado, pode-se dizer que:
a) o
autor faz uma abordagem superficial da situação.
b) o
autor preocupa-se com os detalhes, por meio de minuciosa descrição.
c) o
autor dá relevância a outras circunstâncias, negligenciando o foco do assunto.
d) o
autor não mostra preocupação com o discernimento do leitor, pois apenas sugere
situações.
e) contempla
a si próprio, num ritual egocêntrico e narcisista.
O emplasto
Com efeito, um dia de manhã, estando a passear na chácara,
pendurou-se-me uma ideia no trapézio que eu tinha no cérebro. Uma vez
pendurada, entrou a bracejar, a pernear, a fazer as mais arrojadas cabriolas de
volatim, que é possível crer. Eu deixei-me estar a contemplá-la. Súbito, deu um
grande salto, estendeu os braços e as pernas, até formar um X: decifra-me ou
devoro-te.
Essa ideia era nada menos que a
invenção de um medicamento sublime, um emplasto anti-hipocondríaco, destinado a
aliviar a nossa melancólica humanidade. Na petição de privilégio que então
redigi, chamei a atenção do governo para esse resultado, verdadeiramente cristão.
(...)
Machado de Assis – Memórias póstumas de Brás Cubas.
16 –
Relativamente ao trecho lido, responda em que tipo de foco narrativo ele está
estruturado?
O texto está
estruturado na 1ª pessoa do singular, com narrador onisciente.
17 –
Destaque uma frase que contenha palavra que justifique sua resposta.
“Com efeito, um dia
de manhã, estando a passear na chácara, pendurou-se-me uma ideia no
trapézio que eu tinha no cérebro.” Os pronomes “me” e “eu”
deixam claro que é o próprio narrador quem conta a história.
18 –
Traduza a expressão anti-hipocondríaco,
que aparece no 2º parágrafo.
Como a “ideia fixa” do
narrador era a de inventar um emplasto que eliminasse TODOS os males do mundo,
tal emplasto seria, por certo, anti-hipocondríaco, uma vez que o hipocondríaco
tende a se medicar muitas vezes mais do que o necessário. A medicação exagerada
seria extinta com a invenção do emplasto, portanto.
19 – Memórias póstumas de Brás Cubas utiliza
recursos estilísticos extraordinários, como a digressão e a metalinguagem.
Defina-os.
A digressão é o
expediente usado pelo narrador para desviar o foco principal da história e
introduzir um comentário (crítico, literário, filosófico) alheio à narrativa de
base. A metalinguagem, por sua vez, consiste no fato da linguagem se debruçar
sobre a própria linguagem, é quando o autor nos conta sobre o processo
narrativo, ou quando nos conta acerca das ideias que o cercavam para a
construção do livro dentro do próprio livro.
20 – A cronologia
tradicional dos fatos, dentro da narrativa, faz com que a assimilação do
enredo seja mais fácil. Machado de Assis, em Memórias póstumas de Brás Cubas, rompe essa tradição e opta por
um início “às avessas”. Identifique esse recurso estilístico e explique-o,
considerando a obra citada.
Esse recurso é
identificado como FlashBack ou, ainda, como mera “narrativa não-linear”, nele o
autor foge da estruturação clássica de “início, meio e fim” e coloca esses
pontos aos acaso, sem se preocupar com a ordem. Em “Memórias póstumas de Brás
Cubas”, nosso defunto autor vai nos contando sua trajetória através da morte e
passando aleatoriamente pelas outras fazes da vida.