POEMA:CÂNTICO DO
CALVÁRIO
Eras na vida a pomba predileta
Que sobre um mar de angústias conduzia
O ramo da esperança. – Eras a estrela
Que entre as névoas do inverno cintilava
Apontando o caminho ao pegureiro.
Eras a messe de um dourado estio.
Eras o idílio de um amor sublime.
Eras a glória, -- a inspiração, -- a pátria,
O porvir de teu pai! – Ah! no entanto,
Pomba, -- varou-se a flecha do destino!
Astro, -- engoliu-te o temporal do norte!
Teto, caíste! – Crença, já não vives!
(...)
Que belos sonhos! Que ilusões benditas!
Do cantor infeliz lançaste à vida,
Arco-íris de amor! Luz da aliança,
Calma e fulgente em meio da tormenta!
Do exílio escuro a cítara chorosa
Surgiu de novo e às virações errantes
Lançou dilúvios de harmonia! – O gozo
Ao pranto sucedeu. As férreas horas
Em desejos alados se mudaram.
Noites fugiam, madrugadas vinham,
Mas sepultado num prazer profundo
Não te deixava o berço descuidoso,
Nem de teu rosto meu olhar tirava,
Nem de outros sonhos que dos teus vivia!
Como eras lindo! Nas rosadas faces
Tinhas ainda o tépido vestígio
Dos beijos divinais, -- nos olhos langues
Brilhava o brando raio que acendera
A benção do Senhor quando o deixaste!
Sobre o teu corpo a chusma dos anjinhos,
Filhos do éter e da luz, voavam,
Riam-se alegres, das caçoilas níveas
Celeste aroma te vertendo ao corpo!
E eu dizia comigo: -- teu destino
Será mais belo que o cantar das fadas
Que dançam no arrebol, -- mais triunfante
Que o Sol nascente derrubando ao nada
Muralhas de negrume!... irás tão alto
Como o pássaro-rei do Novo Mundo!
(...)
Fagundes
Varela. In: Faccioli, V. e Olivieri, A. C.
Antologia de poesia brasileira.
Romantismo.
São Paulo, Ática, 1985.
1 – Você percebeu que os versos do poema são totalmente
irregulares, sem rima? Que nome se dá a versos assim?
Versos brancos.
2 – O “eu-lírico” dirige-se a uma segunda pessoa (o filho).
Geralmente se usa, no texto, uma figura de linguagem que o define. Qual é?
Exemplifique.
A
metáfora. Exemplos: “Eras na vida a pomba predileta”; “Eras o idílio de um amor
sublime”.
3 – O poema é feito, basicamente, de momentos de enlevo de um
pai diante do filho recém-nascido. São momentos de expressão de felicidade.
Descreva um trecho do poema que não se enquadra nessa análise.
“Pomba,
-- varou-te a flecha do destino! / Astro, -- engoliu-te o temporal do norte! /
Teto, caíste! – crença, já não vives!”
4 – Extraia, da última estrofe transcrita, exemplos de uma
postura romântica. Explique-a.
“E eu
dizia comigo: -- teu destino / Será mais belo que o cantar das fadas / Que
dançam no arrebol, -- mais triunfante / Que o Sol nascente derrubando ao nada /
Muralhas de negrume! ... irás tão alto / Como o pássaro-rei do Novo Mundo!”
O
“eu-lírico” sonha com um destino condoreiro para seu filho.
05 – Considere, nos três
primeiros versos, as metáforas “pomba predileta”; “mar de angústias” e “ramo da
esperança”. Explique a relação de sentido que há entre elas.
O poeta explora a
imagem da pomba que sai da Arca de Noé e voa sobre a terra transformada em mar,
buscando um lugar para pousar. Nela se depositam as esperanças dos
sobreviventes do Dilúvio. Consequentemente o poeta cria um eu lírico para a
qual o filho era a pomba predileta, aquela que traria a esperança de um novo
mundo, que o faria deixar o “mar de angústias” em que vivia.
06 – Identifique as metáforas presentes nestes versos:
“(...) – Eram a estrada
Que entre as névoas do inverno cintilava
Apontando o caminho ao pegureiro.”
Relacione essas metáforas com as
metáforas destacadas no questão 5.
O filho era a
estrela. As névoas do inverno eram a vida do eu lírico. O filho indicaria o
caminho a ser seguido peleou lírico, comparando ao pastor que, sem a luz da
estrela, não sabe o caminho a tomar. O poeta retoma a ideia da esperança da
salvação, expressão nos três primeiros versos.
07 – Identifique as antíteses presentes nestes versos:
“Pomba, -- varou-se a flecha do destino!
Astro, -- engoliu-te o
temporal do norte!
Teto, caíste! – Crença, já
não vives!”
Explique o efeito que essas antíteses
produzem no texto.
A cada associação, segue-se uma ideia que a destrói. O filho é associado
a ideia de pomba, mas é morto pela flecha do destino; é associado a ideia de
astro, mas é “engolido” pelo temporal; de teto, mas cai; de crença, mas morre.
Essas antíteses reforçam a ideia da desesperança que invade o eu lírico,
mergulhando-o na angústia.
08 – Quem é o “gênio horrendo” a que
se refere o eu lírico no verso 25?
A
morte.
09 – Explique a metáfora do último
verso: “Foste o escolhido na tremenda
ceifa!”
A
morte é vista como uma espécie de colheita (a “tremenda ceifa”) dos seres
humanos. O eu lírico lamenta que seu filho tenha sido vítima dessa colheita.
10 – Que ironia do destino lamenta o
eu lírico?
Que
a morte tenha levado quem mal tivesse nascido e tenha deixado vivo quem tanto a
desejava. O eu lírico ansiava pela morte, no entanto não foi escolhido para a
“tremenda ceifa”.
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