sexta-feira, 10 de outubro de 2025

CONTO: EXAME E PONTUAÇÃO - EMÍLIA NO PAÍS DA GRAMÁTICA - MONTEIRO LOBATO - COM GABARITO

 Conto: Exame e Pontuação – Emília no país da gramática

             Monteiro Lobato

        Depois de brincarem por algum tempo naquele jardim de Períodos, e de discutirem novamente a campeação do Visconde, os meninos resolveram ir ao bairro das Sílabas sherlockar o rapto do Ditongo — como dizia a Emília.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj1FCzyqQknIMPNjscotoSAbcO70ihrHIIvlYBudJyI9bkfoqFm57sw-HJsIAY_hNX1NSfV2UK1pFLCcuGJdA_oc3YrpOFVfII32SUCWmXXRRDe6diP50_vMIs8LxcndxcY02YN4Ll5-iyqgY6XAZDiKcI4MEBtl1fycIpEm3v79x4TtQeRhyN10ugaQmY/s1600/EMILIA.jpg


        — Não ainda — propôs Dona Sintaxe. — Quero correr um exame nos meus alunos. Venham todos cá — e o senhor também, Seu Rinoceronte.

        Os meninos e o paquiderme perfilaram-se diante da grande dama.

        — Muito bem – disse ela. — Vou agora ver se essas, cabecinhas guardaram o que ensinei, e para isso temos que analisar uma frase.

        E voltando-se para um grupo de frases passeadeiras:

        — Aproxime-se um Período para ser analisado! Depressa!...

        Apresentou-se incontinenti aquele assanhadíssimo Período que dizia assim: Tia Nastácia faz bolinhos que todos acham muito gostosos.

        — Vamos ver, Emília, quantas Orações há neste Período?

        — Duas! — respondeu imediatamente a boneca. — A primeira é a Principal e a segunda é a Subordinada.                 

        — Muito bem. E qual o Sujeito da primeira, Pedrinho?

        — Tia Nastâcia.

        — Muito bem. E qual o Sujeito da segunda, senhor paquiderme?

        — Todos — rosnou o rinoceronte com um bamboleio de corpo.

        — Muito bem. E qual o Predicado da primeira, Narizinho?

        — Faz bolinhos — disse a menina com água na boca, porque estava chegando a hora do jantar.                              

        — Muito bem. E qual o Predicado da segunda, Quindim?

        — Acham muito gostosos — respondeu o rinoceronte, lambendo os beiços.

        — Muito bem. E qual o Complemento Verbal da primeira, Emília?

        — Bolinhos! — berrou a boneca. — Bolinhos é o Objeto Direto do Verbo Faz — quem não sabe disso?

        — Muito bem. E qual o Complemento Verbal da segunda, Pedrinho?

        — Que.                                                                        

        — Esse Que a que se refere?

        — Refere-se a Bolinhos.

        — Bravos! — exclamou Dona Sintaxe. — Vejo que não perdi o meu tempo. Podem ir brincar.

        Foi uma gritaria, e todos saíram aos pinotes. Emília espreguiçou-se e Quindim deu uma chifrada no ar, de brincadeira.

        — E agora? — disse Narizinho. — Ela nos mandou brincar; mas brincar de quê, nesta cidade de palavras? Uma ideia!... Vamos ver a Pontuação! Onde fica a Pontuação, Quindim?

        — Aqui perto, num bazar. Eu sei o caminho — respondeu o paquiderme.

        No tal bazar encontraram os SINAIS DE PONTUAÇÃO, arrumados em caixinhas de madeira, com rótulos na tampa. Emília abriu uma e viu só VÍRGULAS dentro.

        — Olhem que galanteza! — exclamou. — Vírgulas, Vírgulas e mais Vírgulas! Parecem bacilos do cólera-morbo, que Dona Benta diz serem virgulazinhas vivas.

        Emília despejou um monte de Vírgulas na palma da mão e mostrou-as ao rinoceronte.

        — Essas Vírgulas servem para separar as Orações, as Palavras e os Números — explicou ele. — Servem sempre para indicar uma pausa na frase. A função delas é separar de leve.

        Emília soprou o punhadinho de Vírgulas nas ventas de Quindim e abriu a outra caixa. Era a do PONTO E VÍRGULA.

        — E estes, Quindim, estes casaizinhos de Vírgula e Ponto?

        — Esses também servem para separar. Mas separar com um pouco mais de energia do que a Vírgula sozinha.

        Emília despejou no bolso de Pedrinho todo o conteúdo da caixa.

        — E estes aqui? — perguntou em seguida, abrindo a caixinha dos DOIS PONTOS.

        — Esses também servem para separar, porém com maior energia do que o Ponto e Vírgula.

        Metade daqueles Dois Pontos foram para o bolso do menino. Emília abriu uma nova caixa.

        — Oh, estes eu sei para que servem! — exclamou ela, vendo que eram PONTOS FINAIS. — Estes separam duma vez — cortam. Assim que aparece um deles na frase, a gente já sabe que a frase acabou. Finou-se...

        Em seguida abriu a caixa dos PONTOS DE INTERROGAÇÃO.

        — Ganchinhos! — exclamou. — Conheço-os muito bem. Servem para fazer perguntas. São mexeriqueiros e curiosíssimos. Querem saber tudo quanto há. Vou levá-los de presente para Tia Nastácia.

        Depois chegou a vez dos PONTOS DE EXCLAMAÇÃO.

        — Viva! — gritou Emília. — Estão cá os companheiros das Senhoras Interjeições. Vivem de olho arregalado, a espantar-se e a espantar os outros. Oh! Ah!!! Ih!!!

        A caixinha imediata era a das RETICÊNCIAS.     

        — Servem para indicar que a frase foi interrompida em certo ponto — explicou Quindim.

        — Não gosto de Reticências — declarou Emília. — Não gosto de interrupções. Quero todas as coisas inteirinhas — pão, pão, queijo, queijo — ali na batata! — e, despejando no assoalho todas aquelas Reticências, sapateou em cima.

        Depois abriu outra caixa e exclamou com cara alegre:

        — Oh, estes são engraçadinhos! Parecem meias-luas. . . Quindim   explicou   que   se   tratava   dos   PARÊNTESES, que servem para encaixar numa frase alguma palavra, ou mesmo outra frase explicativa, que a gente lê variando o tom da voz.

        — E aqui, estes pauzinhos? — perguntou Emília, abrindo a última caixa.

        — São os TRAVESSÕES, que servem no começo das frases de diálogo para mostrar que é uma pessoa que vai falar. Também servem dentro duma frase para pôr em maior destaque uma Palavra ou uma Oração.

        — Que graça! — exclamou Emília. — Chamarem Travessão a umas travessinhas de mosquito deste tamanhinho! Os gramáticos não possuem o "senso da medida".

        Quindim olhou-a com o rabo dos olhos. Estava ficando sabida demais...

OBRA INFANTO-JUVENIL DE MONTEIRO LOBATO. Edição do Círculo do Livro. Emília no País da Gramática. As figuras de sintaxe. https://www.fortaleza.ce.gov.br.

Entendendo o conto:

01 – Qual é a frase que Dona Sintaxe seleciona para o exame dos alunos, e como Emília a classifica imediatamente em relação à sua estrutura?

      A frase selecionada é: "Tia Nastácia faz bolinhos que todos acham muito gostosos." Emília a classifica imediatamente como um Período Composto de duas Orações, sendo a primeira a Principal e a segunda a Subordinada.

02 – Durante a análise da primeira Oração ("Tia Nastácia faz bolinhos"), qual termo Emília identifica como o Complemento Verbal e qual o nome gramatical que ela atribui a esse termo?

      Emília identifica "Bolinhos" como o Complemento Verbal (ou Objeto do Verbo) e o classifica como Objeto Direto do Verbo "Faz".

03 – Qual é o Sujeito da Oração Principal e o Sujeito da Oração Subordinada na frase analisada, conforme identificados pelos alunos de Dona Sintaxe?

      O Sujeito da primeira Oração ("Tia Nastácia faz bolinhos") é Tia Nastácia (identificado por Pedrinho).

      O Sujeito da segunda Oração ("que todos acham muito gostosos") é Todos (identificado por Quindim).

04 – Ao chegarem ao bazar da Pontuação, o que Quindim explica sobre a função das Vírgulas e por que elas se diferenciam dos outros sinais de pausa?

      Quindim explica que as Vírgulas servem para "separar as Orações, as Palavras e os Números" e, principalmente, para indicar uma pausa na frase. A função principal delas é "separar de leve".

05 – Qual é a hierarquia de separação apresentada, do sinal mais fraco ao mais forte, entre a Vírgula, o Ponto e Vírgula e os Dois Pontos?

      A hierarquia é crescente na energia de separação:

      Vírgulas: Separam de leve.

      Ponto e Vírgula: Separam com um pouco mais de energia do que a Vírgula.

      Dois Pontos: Separam com maior energia do que o Ponto e Vírgula. O Ponto Final é o que separa duma vez, ou seja, corta a frase.

06 – Com o que Emília compara os Pontos de Interrogação e por que ela não gosta das Reticências?

      Emília compara os Pontos de Interrogação a "Ganchinhos" que são "mexeriqueiros e curiosíssimos" por servirem para fazer perguntas.

      Ela não gosta das Reticências porque "não gosta de interrupções" e quer "todas as coisas inteirinhas".

07 – O que são os Parênteses e os Travessões, e quais são as suas respectivas funções, de acordo com as explicações de Quindim?

      Parênteses: Servem para "encaixar numa frase alguma palavra, ou mesmo outra frase explicativa," que a gente lê variando o tom da voz.

      Travessões: Servem em duas ocasiões: no começo das frases de diálogo (para mostrar que é uma pessoa que vai falar) e dentro duma frase para pôr em maior destaque uma Palavra ou uma Oração.

 

POEMA: POEMA DAS REFORMAS - CLÁUDIO MURILO - COM GABARITO

 Poema: Poema das reformas

             Cláudio Murilo

É preciso reformar a casa,

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi15cCy6mRqgYRp3LF9kJimgPjLVqRfR96w8rBdw_7jxewuRWwp_skGbi3zmyqlsNEqCNncmKOQXw_xZ-mzA1H4A1XMWimJnrepa4rUVZhrzk-zyueGsotR6kxOjU0GouwPDNjMvBFQTuazWT2yl9UhVO-ojfMGe8plzP5yz2YQNzUk6aoUa1W0kyyvbBA/s320/conceito-de-desenho-animado-de-renovacao-com-homem-e-mulher-aplicando-papeis-de-parede-ilustracao-vetorial_1284-77317.jpg

Abrir as janelas,

Que o vento penetre

Em todos os cantos.




É preciso destruir as cercas,

Que as crianças entrem,

Pisem nos canteiros,

Construam a sua alegria.

 

É preciso reformar a rua,

Que todos andem por ela.

As lojas, os bares, os cinemas

Nos mantenham assim

Unidos e em paz.

 

É preciso reformar a cidade.

É preciso, antes e sempre,

Reformar o homem.

 

É preciso despi-lo,

É preciso mostrar

Que todos somos irmãos.

É preciso um novo dilúvio.

É preciso reescrever os livros

É preciso reencontrar a terra

É preciso que uma torrente

Invada todos nós

E lave nossa alma.

Affonso Romano de Sant’Anna et alii. Poesia viva I. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1968.

Fonte: Português – 1º grau – Descobrindo a gramática 8. Gilio Giacomozzi; Gildete Valério; Cláudia Reda Fenga. São Paulo. FTD, 1992. p. 167.

Entendendo o poema:

01 – Qual é a ideia central ou o tema principal que o poeta Cláudio Murilo busca transmitir ao longo do poema?

      O tema central é a necessidade urgente de uma transformação profunda e abrangente, que vai da reforma do espaço físico (casa, rua, cidade) até, e principalmente, a reforma interior e social do ser humano. O poeta defende a destruição de barreiras (físicas e sociais) e a purificação da alma para que se estabeleça a fraternidade e a paz.

02 – O que simbolizam as ações de "abrir as janelas" e "destruir as cercas" na primeira estrofe?

      "Abrir as janelas" simboliza a necessidade de transparência, renovação e de deixar novas ideias ou influências entrarem (o "vento") para arejar e purificar o ambiente.

      "Destruir as cercas" representa a quebra de barreiras, divisões e preconceitos que separam as pessoas. O desejo de que as crianças "entrem" e "pisem nos canteiros" sugere a valorização da liberdade, da alegria espontânea e do convívio sem restrições sociais.

03 – Por que o poeta afirma que "É preciso, antes e sempre, / Reformar o homem"?

      O poeta entende que as reformas estruturais (casa, rua, cidade) são insuficientes se a essência do problema, que está no próprio ser humano, não for tratada. A reforma do homem é prioridade porque é a mudança de mentalidade, de valores e a aceitação da fraternidade ("todos somos irmãos") que sustentarão qualquer transformação social duradoura. Sem a reforma interior, as reformas externas não terão impacto real.

04 – Que tipo de transformação radical o poeta propõe ao mencionar "É preciso um novo dilúvio" e "É preciso que uma torrente / Invada todos nós / E lave nossa alma"?

      Ao invocar a ideia de um "novo dilúvio" e de uma "torrente", o poeta sugere a necessidade de uma purificação total e cataclísmica, uma intervenção drástica para limpar as falhas e vícios da humanidade. O dilúvio aqui não é literal, mas uma metáfora para uma lavagem espiritual e moral em escala universal, que "lave nossa alma" e prepare o ser humano para um recomeço baseado na solidariedade e na verdade.

05 – A reforma proposta no poema é apenas individual ou possui uma dimensão coletiva e social? Justifique com elementos do texto.

      A reforma é claramente coletiva e social, embora dependa da mudança individual. A dimensão social é vista na menção explícita à reforma da "rua" e da "cidade", no desejo de que "todos andem por ela" e que o comércio e a cultura ("lojas, bares, cinemas") os mantenham "Unidos e em paz". Além disso, o foco final é na reforma do homem para que ele aceite que "todos somos irmãos", um conceito fundamentalmente social e de convivência.

 

 

 





NOTÍCIA: OS SUBTERRÂNEOS DO MORRO DO CASTELO - CORREIO DA MANHÃ - COM GABARITO

 Notícia: OS SUBTERRÂNEOS DO MORRO DO CASTELO

            Correio da Manhã - quinta-feira, 25 de maio de 1905

        A atenção pública acha-se agora, mais que nunca, presa à descoberta das galerias do morro do Castelo; as explorações criteriosamente iniciadas e levadas a efeito pelo Dr. Pedro Dutra de Carvalho têm dado os melhores resultados e já se vai afirmando no espírito dos mais cépticos a crença de que no bojo da imensa mole de argila alguma coisa existe de precioso, senão os tão falados apóstolos de ouro, pelo menos armas do tempo, objetos de culto, móveis, instrumentos de suplício, todo um belchior secular, que poderá fornecer ótimos instrumentos para a reconstituição de uma época histórica.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgmFO6bm1GVPdn36OE2xUSN6e31ogvr7951BwBAv108X7OU-nvPOq9JG0CcFy6Bm-FkC_Kb9L7VNU-XOCO8RB_BBOMF42gnxAjlt9s2G3jjtN5148Mbbc3LyW0YTQPN95xlAfsGfKLlBjkOzmhCwE1VJ0PZzhftWMkFUjBGw0q_Dh2hT4PZTza8ySSjF5M/s1600/MORRO.jpg


        A terceira galeria descoberta, já conhecida por galeria dos capuchinhos, está explorada numa extensão de oitenta e tantos metros.

        Visitamo-la ontem, acompanhados do amável engenheiro que dirige os trabalhos.

        O ponto inicial é uma pequena sala de forma trapezoidal, de teto em abóbada de berço; esta sala comunica-se com uma outra galeria secundária, ao que parece, destinada à prisão.

        A passagem da sala para esta galeria faz-se por um pequeno orifício que mal dá passagem a um homem.

        A galeria principal estende-se em linha reta num percurso de sessenta metros; aí desvia-se para a direita, estando, porém, esta derivação obstruída.

        No ponto justo em que termina a parte reta da galeria, existe uma grande pedra que se supõe ser uma porta disfarçada; esta pedra ia ser hoje removida.

        Os trabalhos têm sido executados com alguma morosidade; a atmosfera subterrânea é abafada, quentíssima.

        Dificilmente pode um homem trabalhar, pela exiguidade do espaço. O terreno aí é pegajoso, denotando a presença de hidrato de alumínio.

        Têm sido encontrados diversos objetos curiosos nas escavações, entre os quais salienta-se um grande candelabro de ferro, que alumiava a pequena sala a que nos referimos acima.

        É também interessante uma grande botija azul, em que se vê gravado, como breveté, um sino.

        Além desses objetos encontraram-se ossos humanos, balas esféricas, um cano de garrucha, um grosso tubo de ferro, uma chave, etc., objetos estes que se acham expostos em nossa redação.

Correio da Manhã – quinta-feira, 25 de maio de 1905.

Fonte: Gramática da Língua Portuguesa Uso e Abuso. Suzana d’Avila – Volume Único. Editora do Brasil S/A. Ensino de 1º grau. 1997. p. 23.

Entendendo a notícia:

01 – Qual é o principal foco da atenção pública, segundo a notícia, e quem é o responsável pelas explorações iniciais?

      A atenção pública está focada na descoberta das galerias subterrâneas do Morro do Castelo, no Rio de Janeiro. O responsável por iniciar e conduzir as explorações de forma criteriosa é o Dr. Pedro Dutra de Carvalho.

02 – O que o público, mesmo o mais cético, começa a acreditar que pode existir no "bojo da imensa mole de argila" do Morro do Castelo?

      O público, incluindo os céticos, começa a crer que a massa de argila esconde algo de precioso. Embora os lendários "apóstolos de ouro" sejam a esperança mais famosa, eles esperam encontrar artefatos históricos como armas do tempo, objetos de culto, móveis, instrumentos de suplício, ou seja, um "belchior secular" (coleção de objetos antigos) que possa ajudar na reconstituição de uma época histórica.

03 – Qual é o nome pelo qual a terceira galeria descoberta já era conhecida e qual é a sua extensão?

      A terceira galeria descoberta é conhecida como a "galeria dos capuchinhos" e, no momento da reportagem, estava explorada em uma extensão de "oitenta e tantos metros".

04 – Quais eram as dificuldades enfrentadas na execução dos trabalhos de exploração, segundo o repórter?

      As principais dificuldades eram o espaço físico reduzido ("exiguidade do espaço"), o que dificultava o trabalho humano. Além disso, a atmosfera subterrânea era "abafada, quentíssima," e o terreno era "pegajoso," o que denotava a presença de hidrato de alumínio.

05 – Que descobertas foram feitas na pequena sala inicial e na galeria secundária ligada a ela?

      A pequena sala (de forma trapezoidal e teto em abóbada de berço) comunicava-se com uma galeria secundária que se supunha ser destinada à prisão. Na pequena sala, ou em suas proximidades, foi encontrado um "grande candelabro de ferro" que a alumiava.

06 – Qual artefato especial foi encontrado e é descrito com detalhes, incluindo a sua marca de fábrica?

      Um dos objetos de destaque é uma "grande botija azul" (um recipiente, provavelmente de cerâmica ou vidro) que continha uma gravação, como um breveté (marca registrada ou patente), de um sino.

07 – Além dos objetos de culto e iluminação, que outros tipos de artefatos foram encontrados, sugerindo atividades humanas e militares no local?

      Foram encontrados diversos artefatos que sugerem a ocupação e atividades variadas, como ossos humanos, balas esféricas, um cano de garrucha (arma de fogo), um grosso tubo de ferro, e uma chave.

 

 

CONTO: E O VISCONDE? - EMÍLIA NO PAÍS DA GRAMÁTICA - MONTEIRO LOBATO - COM GABARITO

 Conto: E o Visconde? –  Emília no país da gramática

           Monteiro Lobato

        Tornava-se preciso descobrir o Visconde. A sua misteriosa "sumição", como dizia a boneca, vinha preocupando a todos seriamente. As informações obtidas eram poucas e vagas. O vigia da Senhora Anticonstitucionalissimamente contara que o tinha visto por lá com um Ditongo debaixo do capote, a espernear. Uma das Frases que tomavam sol no Jardim das Orações também dissera que ele havia raptado um Ditongo. E foi só. Nada mais conseguiram colher.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhLRivM5IS7kRlhbqD86wm_T771P4f6lQNhNKNYk8flNic_7pWllYWbbmltzPd8gAX-ar9tUlxucstAkMeb6yCYwYFAPAcNAuAXQ6fy68HzYk3UQnO0VFWnSzLZ9LqbcqFcgHAy3mDCfCcipOp1Qxmm1XPcbUsrKpUgti8VGZvlWiCCWtKSUTC01iC-Qag/s320/encontros-vocalicos-fundo.png


        — Um Ditongo! — murmurava Emília com ruguinhas na testa. — Raptou um Ditongo!... Mas para quê, Santo Deus? Com que fim? Há em tudo isto um grande mistério...

        — Com certeza trata-se dalgum Ditongo arcaico, que ele furtou levado pela sua mania de antiguidades — sugeriu Pedrinho.

        — Não há Ditongos Arcaicos — disse Quindim.

        O remédio era um só — irem ao bairro das Sílabas, que é onde moram os Ditongos.

        — Pois vamos — decidiu Narizinho.

        Foram — e montados em Quindim por ser meio longinho. Ao alcançar o bairro o rinoceronte parou a fim de orientar-se.

        — É aqui mesmo — disse ele, vendo as ruas cheias de Sílabas, num ir e vir constante. — Mas onde será a Rua dos Ditongos?

        — Melhor indagar — lembrou a menina, e, chamando uma silabazinha muito curica que ia passando, disse: — A senhorita poderá informar-nos onde fica a Rua dos Ditongos?

        — Com todo gosto — respondeu a lambetinha na sua voz de formiga. — Fica nesta direção, três quadras à esquerda.

        Quindim trotou para lá.

        — É aqui: — disse ele, ao penetrar numa rua onde só existiam Sílabas formadas de duas Vogais. — Os Ditongos são estes.

        — Quê! — exclamou Narizinho, surpresa. — Ditongo, uma palavra tão gorda, quer dizer só isso — sílaba de duas vogais? Pensei que fosse coisa mais importante...

        — Pois, menina, os gramáticos não tiveram dó de gastar um quilo de grego para classificar estas minúsculas silabazinhas. Eles dividem-nas em DITONGOS, SEMIDITONGOS, TRITONGOS e MONOTONGOS.

        Todos se riram daquele grande luxo "nomenclástico", como talvez dissesse a boneca, se não continuasse absorta em profundas cogitações.

        — Emília está "deduzindo!" — murmurou a menina ao ouvido de Quindim. — Quando lhe dá o sherlockismo, ninguém conte com ela.

          Havia por ali duas espécies de Ditongos — os ORAIS, que só se pronunciam com a boca, e os NASAIS, em que o som sai também pelo nariz, AI, AU, EI, EU, IU, OU, OI, UE e ui eram os Orais, ÃE, AM, EM, ÕE eram os Nasais. Mas Quindim, que conhecia todos os Ditongos de cor e salteado, estranhou não ver entre eles o mais importante de todos — o Ão.

        "Querem ver que o Visconde raptou o Ão?", refletiu, lá consigo, o paquiderme.     

        Os meninos notaram uma certa agitação entre os Ditongos. Evidentemente havia sucedido qualquer coisa grave. Andavam de cá para lá, escabichando os cantinhos e informando-se uns com os outros, na atitude clássica de quem procura objeto perdido.

        Emília entrou em cena. Agarrou um dos Ditongos Nasais pelo til e pousou-o na palminha da mão. Era o Ditongo ÕE. — Diga-me, ditonguinho, que foi que houve por aqui? Noto uma certa agitação entre vocês, como em formigueiro de saúva em dia que sai içá.

        — De fato, estamos agitados — respondeu o ditonguinho. — Um dos meus manos, o Ão, que era justamente o mais importante da família, desapareceu misteriosamente. Temo-lo procurado por toda parte, mas sem resultado. Sumiu...

        — Quem sabe se alguém o raptou? — sugeriu a boneca.

        — Impossível! Que alguém haverá no mundo que queira um Ditongo Nasal? Nós só servimos para formar palavras; não temos outra função na vida, e nenhuma casa de ferro velho daria um vintém por todos nós juntos.

        — Espere — disse Emília, refletindo. — Diga-me uma coisa: Não andou por aqui um filósofo de fora, sem cartolinha na cabeça e com umas palhas de milho ao pescoço?

        — Andou, sim. Um sábio um tanto embolorado, não é?

        — Isso mesmo! Bolor verde...

        — Esteve cá, sim. Esteve de prosa conosco e depois desapareceu. Foi logo em seguida que demos pela falta do Ão. A senhora acha que...

        — Mais que acho! Sei que foi ele quem raptou o Ditongo. O que não consigo achar é a explicação de semelhante coisa. Esse sábio é o grande Visconde de Sabugosa, que mora no sítio de Dona Benta. O guarda da Senhora Anticonstitucionalissimamente me disse que o viu com um Ditongo debaixo do capote; e mais tarde uma Frase, lá no Jardim das Orações, também nos declarou positivamente que o Visconde havia raptado um Ditongo.

        — Ora veja!... — exclamou o ditonguinho arregalando os olhos. — Mas, para quê? Para que um tão ilustre sábio quererá um Ditongo? 

        É o que me preocupa — disse Emília, recaindo em cismas.

        O mistério do sumiço do Visconde continuava a embaraçar os meninos. Teria sido preso como gatuno? Teria sido assassinado? Teria voltado para o sítio com o Ditongo no bolso? Mistério...

        — Se houvesse por aqui um jornal, poderíamos pôr um anúncio: "Perdeu-se um Visconde assim, assim; dá-se boa gratificação a quem o achar".

        — Mas não existe jornal, e é tolice ficarmos toda a vida a campeá-lo. Vamos esquecer o Visconde. Olhem que ainda temos de visitar a Senhora Ortografia.

        Foi resolvido esquecerem o Visconde e visitarem a Senhora Ortografia. Montaram de novo em Quindim e partiram. A meio caminho Emília bateu na testa.

        — Heureca! Achei! Achei!... Já descobri tudo! Já descobri a razão do "delito" do Visconde...

        Todos se voltaram para ela.

        — O Visconde — explicou Emília — sofre do coração, como vocês muito bem sabem, e por isso se assusta com as palavras que trazem o tal Ditongo Ão. O coitado assusta-se como se o Ão fosse um tiro, ou um latido de cachorro bravo...

        — É verdade! — confirmou Narizinho. — Lembro-me que uma vez ele levou um grandíssimo tombo, quando Tia Nastácia berrou da cozinha para o camarada do compadre Teodorico, que ia para a cidade: "Seo Chico, não esqueça de me trazer da venda um pão de sabão!" Aquele "pão de sabão" berrado foi o mesmo que dois tiros de espingarda de dois canos no coraçãozinho do Visconde, que estava distraído lendo a sua álgebra. O coitado caiu de costas. Lembro-me perfeitamente disso... ele até andou de coranchim machucado uma porção de dias.

        — Pois é — concluiu a boneca, radiante. — O Visconde raptou esse Ditongo para livrar a língua de todas as palavras que dão tiros, ou que latem como cachorro bravo...

        — E fez muito bem — disse Quindim. — O maior defeito que acho nesta língua portuguesa é esse latido de cachorro, que a gente não encontra em nenhuma outra língua viva. Até a mim, que sou bicho africano, o Ão me assustava no começo. Trazia-me a idéia de latido de cães de caça, seguidos de homens armados de carabinas...

        Como fosse ali o bairro ortográfico, Narizinho propôs que se procurasse a pessoa que tomava conta da zona.

        — Quem sabe se ela sabe onde está o Visconde? — sugeriu.

        — Pode ser, mas duvido muito — disse Emília. — O Visconde ou está na cadeia, como gatuno, ou está no cemitério, enterrando o coitadinho do Ditongo. Eu bem que compreendo a ideia dele. E se ele fizer isso, vai haver a maior das atrapalhações na língua. Sem o Ão como é que a gente se arruma para, comprar um Pão? Fica Pao... E Sabão fica Sabao... E Ladrão fica Ladrao... Atrapalha a língua completamente.

OBRA INFANTO-JUVENIL DE MONTEIRO LOBATO. Edição do Círculo do Livro. Emília no País da Gramática. As figuras de sintaxe. https://www.fortaleza.ce.gov.br.

Entendendo o conto:

01 – O que levou os meninos a irem ao bairro das Sílabas, e qual era o rumor a respeito do Visconde?

      A "sumição" (desaparecimento) misteriosa do Visconde preocupava a todos. As informações indicavam que ele havia sido visto com um Ditongo debaixo do capote, e por isso o remédio era ir ao bairro das Sílabas, onde os Ditongos moravam, para investigar o rapto.

02 – O que Narizinho pensou que significasse a palavra "Ditongo" e como Quindim desfez essa ideia?

      Narizinho pensou que "Ditongo" — por ser uma palavra tão "gorda" — significasse algo mais importante. Quindim explicou que Ditongo significa apenas "sílaba de duas Vogais" e que os gramáticos gastaram "um quilo de grego" para classificar essas minúsculas sílabas em Ditongos, Semiditongos, Tritongos e Monotongos.

03 – Quais eram as duas espécies de Ditongos que existiam na Rua dos Ditongos e qual era o Ditongo que Quindim notou que estava faltando?

      As duas espécies eram:

      Orais: Que só se pronunciam com a boca (exemplos: AI, AU, EI, EU, OU).

      Nasais: Em que o som sai também pelo nariz (exemplos: ÃE, AM, EM, ÕE). O Ditongo que Quindim estranhou não ver entre eles, e que era o mais importante da família, era o "Ão".

04 – Qual foi o indício que Emília usou para ligar o desaparecimento do Ditongo "Ão" ao Visconde de Sabugosa?

      Emília perguntou ao Ditongo ÕE se havia andado por ali "um filósofo de fora, sem cartolinha na cabeça e com umas palhas de milho ao pescoço" (o Visconde). O Ditongo confirmou que o "sábio embolorado" esteve de prosa com eles e desapareceu logo em seguida à falta do Ão. Emília juntou isso à informação anterior do vigia e da Frase de que o Visconde havia raptado um Ditongo.

05 – Qual foi a teoria (a "Heureca!" de Emília) que finalmente explicou o motivo do "delito" do Visconde?

      A teoria foi que o Visconde sofre do coração e se assusta com as palavras que trazem o Ditongo "Ão", pois o som o atinge "como se o Ão fosse um tiro, ou um latido de cachorro bravo". Ele raptou o Ditongo para livrar a língua desses sons que o assustavam.

06 – Como Narizinho confirma a teoria de Emília, lembrando-se de um episódio real com o Visconde?

      Narizinho lembrou-se de que o Visconde levou um grande tombo e machucou o "coranchim" quando Tia Nastácia berrou da cozinha a frase: "Seo Chico, não esqueça de me trazer da venda um pão de sabão!" O som berrado do "pão de sabão" assustou o Visconde como "dois tiros de espingarda".

07 – Se o Visconde tivesse sucesso em remover o Ditongo "Ão" da língua, quais seriam as consequências práticas na fala, de acordo com o que Emília prevê?

      Emília prevê que haveria a "maior das atrapalhações na língua". Palavras como Pão ficariam Pao, Sabão ficaria Sabao, e Ladrão ficaria Ladrao, atrapalhando a língua completamente.

 

 

 

CONTO: GENTE IMPORTANTE E GENTE POBRE - EMÍLIA NO PAÍS DA GRAMÁTICA - MONTEIRO LOBATO - COM GABARITO

 Conto: Gente importante e gente pobre – Emília no país da gramática       

           Monteiro Lobato

        A cidade de Portugália dava a ideia duma fruta incõe — ou de duas cidades emendadas, uma mais nova e outra mais velha. A separação entre ambas consistia num braço de mar.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgqybFWXgda8r_Zas2q4yeQWOEKb9ftG0QOLAWEf6fin2n3LVxkKSFTFo5VOKx1tThrCIOhLDWKLxJwV3gpxtw4A_B6fx_DqXYsTEDIZSe5XZ4AjAxbvTzT394OlMk_FaDdc6a3b99d_KB_rEkKMz4116N0aJvfIHp07vBi9n6G5VGQS_e2FwXq8lMQU9s/s320/substantivo1.png


          A parte de lá — explicou o rinoceronte — é o bairro antigo, onde só existiam palavras portuguesas. Com o andar do tempo essas palavras foram atravessando o mar e deram origem ao bairro de cá, onde se misturaram com as palavras indígenas locais. Desse modo formou-se o grande bairro de Brasilina.

          Compreendo — disse Pedrinho. — Para cá é a parte do Brasil e para lá é a parte de Portugal. Foi a parte de lá, ou a cidade velha, que deu origem à parte de cá, ou a cidade nova.

          Isso mesmo. A cidade nova saiu da cidade velha. No começo isto por aqui não passava dum bairro humilde e malvisto na cidade velha; mas com o tempo foi crescendo e ainda há de acabar uma cidade maior que a outra.

          Vamos percorrer a cidade nova, que é a que mais nos interessa — propôs Narizinho.

        Montaram de novo no rinoceronte, que se pôs a trote pelo morro abaixo. Chegados ao sopé, saltaram em terra, porque não seria gentil penetrarem na cidade da língua montados em tão notável gramático.

        Oh, ali era outra coisa! Ruas varridas, sem mato e com "grilos" nas esquinas. Grande número de palavras moviam-se com muita ordem, andando de cá para lá e de lá para cá, exatinho como gente numa cidade comum.

          Que bairro será esse? — perguntou Narizinho.

        — Um muito importante — o bairro dos NOMES, ou SUBSTANTIVOS.

          Que emproados! — observou Emília. — Até parecem as Vogais da terra do alfabeto.

          E são de fato as Vogais das palavras. Sem eles seria impossível haver linguagem, porque os Substantivos é que dão nome a todos os seres vivos e a todas as coisas. Por isso se chamam Substantivos, como quem diz que indicam a substância de tudo. Mas reparem que há uns orgulhosos e outros mais humildes.

          Sim, estou notando — declarou a menina. — Uns não tiram a mão do bolso e só falam de chapéu na cabeça. Outros parecem modestos. Quem são esses prosas, de mão no bolso?

          São os Nomes PRÓPRIOS, que servem para designar as pessoas, os países, as cidades, as montanhas, os rios, os continentes, etc. — Ali vai um — Paulo, que serve para designar certo homem.

          Mas há muitos Paulos — observou Emília.

          Pois esse Nome designa cada um deles, exigindo depois de si um Sobrenome para marcar a diferença entre um Paulo e outro. Paulo Silva, Paulo Moreira, etc. Silva e Moreira são sobrenomes que diferenciam um Paulo de outro. Já aquela palavra que vem um pouco mais atrás goza de mais importância que o Nome Paulo. É a palavra Himalaia, que não tem outra coisa a fazer na vida senão designar certa montanha da índia, a mais alta do mundo. Por ter pouco serviço está gorda assim. Só é chamada de longe em longe, quando alguém quer referir-se à tal montanha. Paulo é um Nome mais magro porque os homens exigem dele bastante serviço.

          Nesse caso o Nome José deve ser fininho como um palito — disse Emília. — E o Nome Maria também.

          Falai no mau, aprontai o pau! — gritou Narizinho. — Lá vem o nome José, suando em bicas, magro que nem um espeto, surrado que nem taramela de porta de cozinha...

          Venha cá, Senhor Nome José! — chamou Emília.

        O Nome José aproximou-se, arquejante, a limpar o suor da testa.

          Cansadinho, hein?

          Nem fale, menina! — disse ele. — A todo momento nascem crianças que os pais querem que eu batize, de modo que vivo numa perpétua correria de igreja em igreja, a grudar-me em criancinhas que ficam josezando até à morte. Eu e Maria somos dois Nomes que não sabem o que quer dizer sossego...

        Nem bem havia dito isso e — trrrlin!... soou a campainha de um radio telefone; a telefonista atendeu e depois berrou para a rua:

          O Nome José está sendo chamado para batizar um menino em Curitiba, capital do Paraná. Depressa!

        E o pobre Nome José lá se foi ventando para Curitiba, a fim de josezar mais aquele Zezinho.

          Não vale a pena ser muito querida nesta cidade — observou Emília. — Eu, se fosse palavra, queria ser a mais antipática de todas, para que ninguém me incomodasse, como incomodam a este pobre José.

          Disso estou eu livre! — murmurou uma palavra gorda, que estava sentada à soleira duma porta. Era o Nome Urraca.

          Sim — continuou ela. — Como os homens me acham feia, não me incomodam com chamados quando têm filhas a batizar. Antigamente não era assim. Muitas meninas batizei em Portugal, e até princesas. Mas hoje, nada. Deixaram-me em paz duma vez. Desconfio que não existe no Brasil inteiro uma só menina com meu nome.

          Por isso está gorda assim, sua vagabunda! — observou Emília.

          Que culpa tenho de ser feia, ou dos homens me acharem feia? Cada qual como Deus o fez.

          Nesse caso, se é inútil, se não tem o que fazer, se está sem emprego, a senhora não passa dum Arcaísmo cujo lugar não é aqui e sim nos subúrbios. Está tomando o espaço de outras.

          Não seja tão sabida, bonequinha! Eu há muito que moro nos subúrbios, e se vim passear hoje aqui foi apenas para matar saudades. Esta casa não é minha.

          De quem é então?

          Duma diaba que veio de Galópolis e anda mais chamada que uma telefonista — uma tal Odete. Volta e meia sai daqui correndo, a batizar meninas. Mas minha vingança é que está ficando magra que nem bacalhau de porta de venda, de tanto corre-corre.

          Está aí dentro, essa palavra?

          Aqui dentro, nada! Não pára em casa um minuto. Inda agora recebeu chamado para batizar uma menina em Itaoca. Tomara que seja uma negrinha preta que nem carvão...

        Enquanto Emília conversava com aquele Nome sem serviço, Pedrinho ia atentando na soberbia dos Nomes indicativos de países e continentes. O Nome Europa era o mais empavesado de todos: louro, e dum orgulho infinito. Passou rente ao Nome América e torceu o nariz. Também o Nome Alemanha era emproadíssimo, embora andasse com uma cruz de ponto falso no nariz.

          Estes Nomes Próprios — explicou Quindim — têm a seu serviço essa infinidade de Nomes COMUNS que formigam pelas ruas. Os Nomes Comuns formam a plebe, o povo, o operariado, e têm a obrigação de designar cada coisa que existe, por mais insignificante que seja. Qual será a coisa mais insignificante do mundo?

        — Cuspo de micróbio — gritou Emília.

        — Realmente, bonequinha, cuspo de micróbio deve ser a coisa mais insignificante do mundo. Pois mesmo assim há necessidade de dois Nomes Comuns para a designar. Imaginem agora a humildade desses dois Nomes quando passam perto do Nome Próprio Deus, por exemplo, ou Ouro, que são dos mais graduados!

          Com certeza deitam-se no chão e viram tapete para que Deus e Ouro lhes pisem em cima — observou Emília.

        Entre a multidão de Nomes que enxameavam naquela rua, os meninos notaram outras diferenças. Uns pertenciam à classe dos Nomes CONCRETOS e outros à classe dos Nomes ABSTRATOS. Havia ainda os Nomes SIMPLES e os Nomes COMPOSTOS. Quindim foi explicando a diferença.

        — Os Nomes Concretos são os que marcam coisas ou criaturas que existem mesmo de verdade, como Homem, Nastácia, Tatu, Cebola. E os Nomes Abstratos são os que marcam coisas que a gente quer que existam, ou imagina que existem, como Bondade, Lealdade, Justiça, Amor.

        — E também Dinheiro — sugeriu Emília.

        — Dinheiro é Concreto, porque dinheiro existe — contestou Quindim.

        — Para mim e para Tia Nastácia é abstratíssimo. Ouço falar em Dinheiro, como ouço falar em Justiça, Lealdade, Amor; mas ver, pegar, cheirar e botar no bolso dinheiro, isso nunca.

        — E aquele tostão novo que dei a você no dia do circo?  — lembrou o menino.

        — Tostão não é dinheiro; é cuspo de dinheiro — retorquiu Emília.

        Depois daquela asneirinha, o rinoceronte continuou:

        — Há os Nomes Simples, como a maior parte dos que circulam por aqui, e há os Nomes Compostos, como aqueles que ali vão. Estes Nomes Compostos formam-se de dois Nomes Simples, encangados que nem bois.

        Ia passando o Nome Guarda-Chuva, de braço dado com o Nome Couve-Flor.

        — Parecem bananas incões — observou Emília.

        — E há ainda os Nomes COLETIVOS — continuou Quindim. — São os que indicam uma coleção, ou uma porção de coisas — como aquele, acolá! Emília chamou-o.

        — Venha cá, Senhor Coletivo! Explique-se. Diga quem é.

        — Sou o Nome Cafezal e indico uma porção de pés de café. Deseja mais alguma coisa, senhorita?

        — Quero saber se não está com a broca.

        — Broca só dá nos arbustos que eu batizo quando são muitos.

        — E quando são poucos?

        — Só os batizo quando são muitos. Se se trata apenas de dois, três ou uma dúzia, não dou confiança. Ficam sendo dois, três ou uma dúzia de pés de café, mas nunca um Cafezal. Está satisfeita?

        — Estaria — respondeu Emília, despedindo-o espevitadamente — se em vez de tantos pés de café você me desse uma xícara de café com bolinhos...

OBRA INFANTO-JUVENIL DE MONTEIRO LOBATO. Edição do Círculo do Livro. Emília no País da Gramática. As figuras de sintaxe. https://www.fortaleza.ce.gov.br.

Entendendo o conto:

01 – Como a cidade de Portugália é descrita por Quindim, e qual elemento natural faz a separação entre suas duas partes?

      Ela é descrita como se fosse uma "fruta incõe" ou "duas cidades emendadas". O elemento que separa as duas partes é um braço de mar.

02 – Quais são os nomes dos dois bairros/cidades que compõem Portugália (a parte velha e a parte nova), e de onde veio a origem da cidade nova?

      A parte de lá é o bairro antigo (Portugal) e a parte de cá é o grande bairro de Brasilina (Brasil). A cidade nova (Brasilina) saiu da cidade velha (o bairro antigo).

03 – Qual é o nome do bairro importante que os meninos visitam, e qual é a função essencial das palavras que vivem lá, de acordo com Quindim?

      É o bairro dos NOMES, ou SUBSTANTIVOS. A função essencial é que eles dão nome a todos os seres vivos e a todas as coisas (por isso indicam a "substância de tudo").

04 – Como Quindim diferencia os Nomes Próprios dos Nomes Comuns em termos de comportamento e função social?

      Os Nomes Próprios são orgulhosos e emproados (andando de chapéu e mão no bolso) e servem para designar indivíduos específicos (pessoas, países). Os Nomes Comuns formam a plebe, o povo, o operariado e têm a obrigação de designar cada coisa que existe, por mais insignificante que seja.

05 – Por que os Nomes Próprios como José e Maria são descritos como "magro que nem um espeto" e vivem em "perpétua correria"?

      Isso acontece porque eles são nomes muito usados (queridos) e vivem numa correria "de igreja em igreja" para batizar inúmeras crianças que nascem, exigindo muito serviço deles.

06 – Qual era a história da palavra Urraca, e por que ela se considera mais feliz do que Nomes como José?

      Urraca era um Nome Próprio que foi muito usado em Portugal (batizando até princesas), mas hoje os homens a acham feia e não a usam mais. Ela está gorda por estar sem serviço, e se considera feliz por estar livre do corre-corre e dos chamados.

07 – O que são Nomes Concretos e Nomes Abstratos, segundo a definição de Quindim?

      Nomes Concretos são os que marcam coisas ou criaturas que existem mesmo de verdade (Ex: Homem, Tatu). Nomes Abstratos são os que marcam coisas que a gente quer que existam, ou imagina que existem (Ex: Bondade, Justiça, Amor).

08 – Por que Emília discorda de Quindim e insiste que a palavra Dinheiro é um Nome Abstrato?

      Emília diz que, para ela e Tia Nastácia, Dinheiro é Abstrato porque, assim como Justiça e Lealdade, ela apenas ouve falar sobre ele, mas nunca consegue "ver, pegar, cheirar e botar no bolso".

09 – O que são os Nomes Compostos, e quais exemplos foram citados no texto?

      São Nomes que se formam de dois Nomes Simples, "encangados que nem bois". Os exemplos citados são Guarda-Chuva e Couve-Flor.

10 – O que são os Nomes Coletivos, e qual exemplo foi chamado para se explicar aos meninos?

      São os Nomes que indicam uma coleção, ou uma porção de coisas. O exemplo chamado por Emília foi a palavra Cafezal, que indica uma porção de pés de café.