sexta-feira, 10 de outubro de 2025

POEMA: O SEGUNDO, QUE ME VIGIA - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - COM GABARITO

 Poema: O Segundo, Que Me Vigia

           Carlos Drummond de Andrade

Implacável ponteiro dos segundos.
Não, não quero este decassílabo.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjfW3-SovoDS_NlOPbjbx_oPdAxIDY4CJm05d_kD-UDciLptV1oiw9_nCt2N0s1O8VLcEKhSa6eGhsKqvJ4OkuvUw5-R37kFsmy7_u8yUCWzbe6D4S16ASi4KzsO2jzLGJ-QUt0pnuDWMpSrOmvvNSFwe2zOmP73eP9Sno_Qmo-MxUL3Yrtx22UhzmUpL4/s320/RELOGIO.jpg


O que eu queria dizer era:
O segundo, não o tempo, é implacável.
Tolera-se o minuto. A hora suporta-se.
Admite-se o dia, o mês, o ano, a vida,
a possível eternidade.
Mas o segundo é implacável.
Sempre vigiando e correndo e vigiando.
De mim não se condói, não para, não perdoa.
Avisa talvez que a morte foi adiada
ou apressada
por quantos segundos?

Carlos Drummond de Andrade. Farewell. Rio de Janeiro, Record, 1996.

Fonte: Gramática da Língua Portuguesa Uso e Abuso. Suzana d’Avila – Volume Único. Editora do Brasil S/A. Ensino de 1º grau. 1997. p. 24.

Entendendo o poema:

01 – Qual é a correção ou a distinção que o eu lírico faz logo no início do poema, e por que ele a considera importante?

      O eu lírico corrige a ideia inicial do "Implacável ponteiro dos segundos," rejeitando o verso por ser um decassílabo (métrica poética) e, principalmente, por ser impreciso. A correção é: "O segundo, não o tempo, é implacável." Essa distinção é crucial porque ele quer isolar a menor e mais rápida unidade de tempo, o segundo, como o agente da implacabilidade. O tempo em suas unidades maiores (minuto, hora, dia) é tolerável; o segundo, por sua constância e rapidez, é o que realmente oprime e vigia.

02 – Por que o eu lírico afirma que as unidades de tempo maiores ("minuto," "hora," "dia," "vida") são mais toleráveis que o segundo?

      O eu lírico sugere que as unidades maiores dão uma ilusão de controle, extensão ou pausa. O minuto, a hora e a vida podem ser "tolerados," "suportados" ou "admitidos" porque oferecem um horizonte mais vasto. Já o segundo, por ser a unidade de medida mais imediata e constante, representa a pressão incessante e ininterrupta do presente que escapa a todo instante, tornando-se o verdadeiro símbolo da implacabilidade.

03 – Quais ações o eu lírico atribui ao segundo que reforçam seu caráter de "vigilante" impiedoso?

      O segundo é personificado com ações de vigilância e falta de piedade. Ele está "Sempre vigiando e correndo e vigiando," e dele se diz que "não se condói, não para, não perdoa." Essas ações atribuem ao segundo uma qualidade de observador constante e juiz severo que não tem empatia pela condição humana e não concede trégua ao sujeito poético.

04 – Qual é a principal relação que o segundo estabelece com a morte na estrofe final?

      O segundo é relacionado à morte como um anunciador ou agente de medida da finitude. A pergunta retórica (o segundo "Avisa talvez que a morte foi adiada / ou apressada / por quantos segundos?") sugere que o segundo é a unidade pela qual se mede o quanto a vida foi prolongada ou encurtada. Ele representa o limite temporal inegociável da existência, sendo a unidade mínima que determina o momento do fim.

05 – O que o poema, em sua brevidade e foco em uma única unidade de tempo, comunica sobre a experiência da passagem do tempo na modernidade ou na consciência individual?

      O poema comunica a ansiedade e a opressão geradas pela passagem do tempo em sua forma mais fragmentada e ininterrupta. Ao focar no segundo, Drummond reflete sobre a percepção aguda da finitude e a sensação de que a vida é constantemente drenada, grão por grão. A implacabilidade do segundo espelha a consciência angustiante de que a vida está sempre correndo, sob vigilância, sem nunca poder ser verdadeiramente detida ou controlada.

 

 

CONTO: NO ACAMPAMENTO DOS VERBOS - EMÍLIA NO PAÍS DA GRAMÁTICA - MONTEIRO LOBATO - COM GABARITO

 Conto: No acampamento dos Verbos – Emília no país da gramática

           Monteiro Lobato   

        — Agora iremos visitar o Campo de Marte onde vivem acampados os VERBOS, uma espécie muito curiosa de palavras. Depois dos Substantivos são os Verbos as palavras mais importantes da língua. Só com um Nome e um Verbo já podem os homens exprimir uma ideia. Eles formam a classe militar da cidade.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgcxjHIv1O8yoxN0e_kALsT4Ulp5wa2e7Bt2uW5gF5x0TIlwFEDPHrBhbqC63BuStZYv0X75ce6Sc7Wioiilc3WvqkpbSuUvGtvDHBKbfM6_kirlt_5g0qGkiIVsQzTxYVZ9QdkH4V_tPdhEemrDb6ph082gu_lFWvFA52SX-Qd68c3qhcnn0pUAlsv1lM/s320/CAMPO.jpg


        — Mas que é um Verbo, afinal de contas? — perguntou Pedrinho.

          Verbo é uma palavra que muda muito de forma e serve para indicar o que os Substantivos fazem. A maior parte dos Verbos assumem sessenta e oito formas diferentes.

        — Nesse caso são os camaleões da língua — observou Emília. — Dona Benta diz que o camaleão está sempre mudando de cor. Sessenta e oito formas diferentes! Isso até chega a ser desaforo. Os Nomes e Adjetivos só mudam seis vezes — para fazer o Gênero, o Número e o Grau.

        — Pois os senhores Verbos até cansam a gente de tanto mudar — disse o rinoceronte. — São palavras políticas, que se ajeitam a todas as situações da vida. Moram aqui em quatro grandes acampamentos, ou campos de CONJUGAÇÃO.

        Os quatro acampamentos ocupavam todo o Campo de Marte. Cada um trazia letreiro na entrada. Emília leu o letreiro mais próximo — Acampamento dos Verbos da PRIMEIRA CONJUGAÇÃO. Em letras menores vinha um aviso: "Só é permitida a entrada aos Verbos de Infinito terminado em Ar".

        — Que quer dizer Infinito? — indagou Narizinho.

        — É uma das sessenta e oito formas diferentes dos Verbos, e a que dá nome a toda a tribo.

        O acampamento imediato era o da SEGUNDA CONJUGAÇÃO, para os Verbos terminados em Er. O acampamento seguinte era o da TERCEIRA CONJUGAÇÃO, para os Verbos terminados em Ir. Os meninos viram um acampamento mais novo, anexo ao acampamento dos Verbos da Segunda Conjugação.

        — Vamos começar nossa visita por aquele — disse Emília —, só porque ele é mais novinho e menor do que os outros.

        Dirigiram-se todos para lá, mas o desapontamento foi grande. Encontraram apenas o Verbo Pôr e sua família.

        — Ora essa — disse Emília. — Explique, Quindim, o que faz aí essa coruja? Por que não está no acampamento grande junto com os outros?

        Quindim suspirou e começou:

        — Antigamente Pôr pertencia à Segunda Conjugação e chamava-se Poer. Mas o tempo, que tanto estraga e muda os Verbos, como tudo mais, fez que apodrecesse e caísse o E de Poer. Ficou Pôr, como está hoje. Os gramáticos então criaram uma nova conjugação para ele e seus parentes Compor, Depor, Propor, Dispor, Antepor, Supor e outros. Depois outros gramáticos acharam que não estava bem criarem uma conjugação inteira para um Verbo só, e trouxeram o pobre Pôr e sua família para este anexo da Segunda Conjugação e lhe deram o nome de Verbo ANÔMALO, que quer dizer Verbo Anormal da Segunda Conjugação.

        — Que complicação! Seria muito mais simples fabricarem um E novo de pau para substituir o que apodreceu — lembrou Emília.

        — Parece simples mas não é. Os gramáticos mexem e remexem com as palavras da língua e estudam o comportamento delas, xingam-nas de nomes rebarbativos, mas não podem alterá-las. Quem altera as palavras, e as faz e desfaz, e esquece umas e inventa novas, é o dono da língua — o Povo. Os gramáticos, apesar de toda a sua importância, não passam dos "grilos" da língua.

        — Nesse caso — insistiu Emília —, em vez de xingá-lo de Anômalo, podiam ter posto um letreirinho no pescoço do Verbo: "Ele é Poer; se está Pôr é porque o E apodreceu e caiu". Mas vamos sair do anexo e ver o acampamento da Segunda Conjugação.

        Lá estava coalhado de Verbos, a ponto dos meninos nem poderem andar. O momento era bom. O batalhão do Verbo Ter, que é dos mais importantes, ia desfilar. Uma cometa soou e o desfile teve começo.

        Esse batalhão compunha-se de sessenta e oito praças, ou PESSOAS, distribuídas em companhias, ou MODOS, e em pelotões, ou TEMPOS. Abria a marcha o MODO INDICATIVO, com trinta e seis soldados repartidos em seis Tempos. Na frente de todos vinha o TEMPO PRESENTE, composto de seis soldadinhos, cada qual com um Pronome no bolso. Os Verbos não sabem andar sós; vivem ligados a alguém ou alguma coisa, que é o SUJEITO; e quando o Sujeito não está presente, botam em lugar dele um Pronome.

        Os nomes dos seis soldadinhos do Tempo Presente eram Tenho, Tens, Tem, Temos, Tendes e Têm, e os Pronomes que traziam no bolso eram Eu, Tu, Ele, Nós, Vós e Eles. Seis soldadinhos vivos e enérgicos, que marchavam muito seguros de si.

        — Bravos! — gritou Emília. — Pelo jeito de marchar a gente vê que eles têm mesmo...

        Em seguida veio o Segundo Tempo, cujo nome era PRETÉRITO IMPERFEITO; tinha igual número de soldadinhos, ou Pessoas, embora menos jovens e com caras menos vivas.

        Chamavam-se  Tinha,   Tinhas,  Tinha,  Tínhamos,   Tinheis  e Tinham.

        — Esses não têm: tinham!... — observou Pedrinho. — Por isso estão meio jururus.

        Depois veio o Terceiro Tempo, chamado PRETÉRITO PERFEITO, composto igualmente de seis soldados de olhos no fundo, amarelos, magros, com expressão de medo na cara. Eram eles Tive, Tiveste, Teve, Tivemos, Tivestes e Tiveram.

        — Estou vendo! — comentou Emília. — Tiveram, já não têm mais nada, os bobos. Bem feito! Quem manda...

          Quem manda o quê, Emília? — indagou Narizinho.

        — Quem manda perderem o que tinham? Agora aguentem. Depois desfilou o Quarto Tempo, chamado PRETÉRITO MAIS-QUEPERFEITO. Eram também seis soldados — Tivera, Tiver as, Tivera, Tivéramos, Tiver eis e Tiveram.

        Depois passou o Quinto Tempo, chamado FUTURO DO PRESENTE, e foram recebidos com palmas por serem soldadinhos dos mais alegres e esperançosos — Terei, Terás, Terá, Teremos, Ter eis, Terão.

          Estes são espertos — disse Pedrinho. — Sabem contentar a todo mundo. Viva o Futuro!...

        Estava terminado o desfile do Modo Indicativo, que exprime o que é, ou a realidade do momento.

        Houve um pequeno descanso antes de começar o desfile do MODO IMPERATIVO, que era orgulhosíssimo. Compunha-se apenas de cinco soldados carrancudos, com ar mais autoritário que o do próprio Napoleão. Eram eles o Tem, Tenha, Tenhamos, Tende, Tenham.

        — Só fazem isso — explicou Quindim. — Mandam que o pessoal tenha.

        — Tenha que coisa? — indagou Emília.

        — Tudo quanto há. Quando o Imperativo diz para você, com voz de ditador: Tenha juízo, Emília!, ele não está pedindo nada — está mandando como quem pode, ouviu?

        — Fedorento!... — exclamou a boneca com um muxoxo de pouco-caso.

        Depois desfilou o MODO SUBJUNTIVO, com três Tempos, de seis Pessoas cada um. O Primeiro Tempo, de nome PRESENTE, trazia os soldados Tenha, Tenhas, Tenha, Tenhamos, Tenhais e Tenham.

        Em seguida desfilou o Segundo Tempo, de nome PRETÉRITO IMPERFEITO, com os seus seis soldados — Tivesse, Tivesse s, Tivesse, Tivéssemos, Tivésseis e Tivessem. E por fim desfilou o Terceiro Tempo, o FUTURO, com os seus seis soldados — Tiver, Tiveres, Tiver, Tivermos, Tiverdes e Tiverem. E pronto! Acabou-se o Modo Subjuntivo, que é o Modo que indica alguma coisa possível.

        — Qual o que vem agora? — perguntou o menino.

        — Vai desfilar agora o MODO INFINITIVO — respondeu Quindim. — Esse Modo só tem dois Tempos — o PRESENTE IMPESSOAL, com um soldado único — Ter; e o PRESENTE PESSOAL, com seis soldados — Ter, Teres, Ter, Termos, Terdes e Terem.

        — Hum!... — exclamou Emília quando viu passar, muito teso e cheio de si, o soldadinho Ter, do Presente Impessoal. — Este é o tal Infinito, pai de todos e o que dá nome ao Verbo. Um verdadeiro general. Merece parabéns pela disciplina da sua tropa.

        Fechava a marcha do Modo Infinito o GERÚNDIO, composto do soldado Tendo, seguido logo depois do PARTICÍPIO, composto também dum só soldado, um veterano muito velho, com o peito cheio de medalhas — Tido.

        — Parece o Garibaldi — asneirou a boneca. — Escangalhado, mas glorioso.

        Estava finda a revista do Verbo Ter. O rinoceronte perguntou aos meninos se queriam assistir a outras.

        — Não — respondeu Narizinho. — Quem vê um Verbo, vê todos. Só quero saber que história é essa de Verbos REGULARES e IRREGULARES. Estou notando ali uma cerca que separa uns de outros.

        — Verbos Regulares são os bem-comportados — explicou Quindim —, os que seguem as regras muito direitinhos. Verbos Irregulares são os rebeldes, os que não se conformam com a disciplina. Este Senhor Ter, por exemplo, é Irregular, visto como não segue o PARADIGMA da Segunda Conjugação.

        — Que Paradigma é esse agora? — indagou Pedrinho.

        — Cada Conjugação possui o seu Regulamento, ou Paradigma, a fim de que todos os Verbos Regulares formem as suas PESSOAS sempre do mesmo modo.

        — Que Pessoas, Quindim?

        — Os soldadinhos são as Pessoas dos Verbos, creio que já expliquei. Tenho, Tens, Tem, Temos, Tendes e Têm, por exemplo, são as seis Pessoas do Tempo Presente do Modo Indicativo.

        — Com que então o tal Ter é irregular, hein? Não parecia.

        — E além de Irregular é AUXILIAR. Os Verbos Ter, Ser, Estar e Haver são chamados Verbos Auxiliares porque além de fazerem o seu serviço ainda ajudam outros Verbos. Quando alguém diz: Tenho brincado muito, está botando o Verbo Ter como auxiliar do Verbo Brincar.

          E que outras qualidades do Verbo há?

        — Muitas. Verbo é coisa que não acaba mais. Há Verbos DEFECTIVOS, uns coitados, com falta de Modos, Tempos ou Pessoas.

        Há os Verbos PRONOMINAIS, que não sabem viver sem um Pronome Oblíquo adiante ou atrás, como Queixar-se. Sem esse Se, ou outro Pronome, ele não se arruma na vida.

        Há os Verbos ATIVOS, que dizem o que o Sujeito faz; e há os Verbos PASSIVOS, que dizem o que fizeram para o Sujeito. A frase: Eu comi o doce está com um Verbo Ativo. A frase: O doce foi comido por mim está com um Verbo Passivo (Foi Comido).

        Se formos falar tudo, tudo, a respeito de Verbos, ficaremos aqui o dia inteiro. Gentinha que muda de forma como eles fazem, dá pano para mangas! E são exigentíssimos. Uns não sabem viver sem um COMPLEMENTO adiante, e por isso se chamam Verbos TRANSITIVOS. Outros dispensam o Complemento, e por isso se chamam INTRANSITIVOS. Queimar, por exemplo, é Transitivo, porque exige Complemento. Se alguém diz: O fogo queimou, a frase fica incompleta; e quem ouve pergunta logo o que é que o fogo queimou. Essa coisa que o fogo queimou, seja mato, lenha ou carvão, constitui o Objeto Direto de Queimou.

        — E os Intransitivos?

        — Esses não pedem Complemento, como eu já disse. O Verbo Morrer, por exemplo, é Intransitivo. Quando a gente diz: O gato morreu, a frase está perfeita e ninguém pergunta mais nada.

        — Eu pergunto! — gritou Emília. — Pergunto de que  morreu, e quem o matou e onde jogaram o cadáver.                     

        Quindim coçou a cabeça.     

OBRA INFANTO-JUVENIL DE MONTEIRO LOBATO. Edição do Círculo do Livro. Emília no País da Gramática. As figuras de sintaxe. https://www.fortaleza.ce.gov.br.

Entendendo o conto:

01 – Qual é a importância do Verbo, e qual o mínimo de palavras que, segundo Quindim, os homens precisam para exprimir uma ideia?

      Depois dos Substantivos, os Verbos são as palavras mais importantes da língua, formando a classe militar da cidade. O mínimo de palavras que os homens precisam para exprimir uma ideia é um Nome e um Verbo.

02 – Qual é a função do Verbo, e por que Emília os compara a camaleões?

      A função do Verbo é indicar o que os Substantivos fazem. Emília os compara a camaleões porque a maior parte dos Verbos assume sessenta e oito formas diferentes, enquanto Nomes e Adjetivos só mudam seis vezes.

03 – O que é o "Infinito" de um Verbo, e como ele é usado para separar os Verbos nos acampamentos de Conjugação?

      O Infinito é uma das sessenta e oito formas diferentes dos Verbos e a que dá nome a toda a tribo. As conjugações são separadas pela terminação do Infinito:

      Primeira Conjugação: termina em Ar.

      Segunda Conjugação: termina em Er.

      Terceira Conjugação: termina em Ir.

04 – Qual é a história do Verbo Pôr, e por que ele é classificado como "Verbo ANÔMALO" da Segunda Conjugação?

      Pôr pertencia originalmente à Segunda Conjugação e se chamava Poer. Com o tempo, o E apodreceu e caiu, sobrando apenas Pôr. Os gramáticos o trouxeram para um anexo da Segunda Conjugação e o chamaram de Anômalo porque ele não segue a forma normal da conjugação (terminada em Er).

05 – Quem é o verdadeiro "dono da língua" que faz e desfaz as palavras, e qual é o papel dos gramáticos, segundo o texto?

      O verdadeiro dono da língua é o Povo. Os gramáticos, apesar de toda a sua importância, não podem alterar as palavras; eles apenas as estudam, classificam e dão nomes ("grilos" da língua).

06 – Como o batalhão do Verbo Ter se distribui na parada (desfile)?

      O batalhão se distribui em:

      Pessoas (sessenta e oito praças ou soldados).

      Modos (companhias).

      Tempos (pelotões).

07 – Qual é a regra para o movimento dos Verbos no desfile, e qual o nome dado ao Pronome que eles levam consigo?

      Os Verbos não sabem andar sós; eles vivem ligados a alguém ou a alguma coisa, que é o SUJEITO. Quando o Sujeito não está presente, eles carregam consigo um Pronome no bolso.

08 – Explique a diferença entre os três Modos principais de um Verbo, segundo Quindim.

      MODO INDICATIVO: Exprime o que é, ou a realidade do momento (Ex: Tenho).

      MODO IMPERATIVO: Exprime ordem ou ditado (Ex: Tenha juízo!).

      MODO SUBJUNTIVO: Indica alguma coisa possível (Ex: Se eu tivesse...).

09 – O que são Verbos Regulares e Irregulares, e quais são os quatro Verbos Auxiliares mencionados?

      Verbos REGULARES: Os "bem-comportados", que seguem as regras (o Paradigma) muito direitinhos.

      Verbos IRREGULARES: Os rebeldes, que não se conformam com a disciplina (Ex: Ter).

      Os quatro Verbos AUXILIARES (que ajudam outros verbos) são: Ter, Ser, Estar e Haver.

10 – Qual é a diferença entre Verbos Transitivos e Intransitivos, e qual o questionamento de Emília sobre o Verbo Intransitivo Morrer?

      Verbos TRANSITIVOS: Exigem um COMPLEMENTO (Objeto Direto ou Indireto) para que a frase fique completa (Ex: Queimar — exige saber o que queimou).

      Verbos INTRANSITIVOS: Dispensam o Complemento, pois a frase está perfeita por si só (Ex: Morrer).

      Emília, sarcasticamente, pergunta sobre o Verbo Morrer: "Pergunto de que morreu, e quem o matou e onde jogaram o cadáver", mostrando que, para ela, mesmo os Intransitivos geram perguntas.

 

 

CONTO: A TRIBO DOS ADVÉRBIOS - EMÍLIA NO PAÍS DA GRAMÁTICA - MONTEIRO LOBATO - COM GABARITO

 Conto: A tribo dos Advérbios – Emília no país da gramática

            Monteiro Lobato

        — O caminho é por aqui, senhorita -— disse o Verbo Ser. — Os Senhores ADVÉRBIOS moram no bairro das PALAVRAS INFLEXIVAS, onde também moram as PREPOSIÇÕES, as CONJUNÇÕES e as INTERJEIÇÕES.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgacf8mrEVndwUUcOEe9AX6K190axHcjghfzzoiz9B9UzjJzt1nKSGqOEemekUaRIyUEPqkjiUKa4ETr8eCazHkmBsFWP1n5Tu6sA6iGoowYBZRQU2Kh2U4m5T1R_EzrOYeTJ8oINQmnjaMaYhrENzTuGAVYWMBhynzZZDTkdPswqEKXrdvhbaNWfTpG8A/s320/ADVERBIOS.png


        — Que quer dizer Palavra Inflexiva?

        — Quer dizer palavra de queixo duro, que não muda nunca de forma, como o fazemos nós, os Verbos. As Palavras Inflexivas são rígidas como se fossem feitas de ferro.

        — Mas que é Advérbio? — indagou Emília.

        — Advérbio é uma palavra que nos modifica a nós, Verbos; e que modifica os Adjetivos; e que, às vezes, também modifica os próprios Advérbios.

        — Que danadinhos, hein? — exclamou Emília. — Mas de que jeito modificam?

        — De muitos jeitos. Modificam de Lugar, tirando daqui e pondo ali. Modificam de Tempo, fazendo que seja agora ou depois. Modificam de Modo, ou fazendo que seja desse jeito ou daquele, ou que seja assim ou assado. Modificam de Intensidade, fazendo que seja mais ou menos. Modificam de Ordem, fazendo que seja em primeiro lugar ou não. Pelos rótulos das prateleiras você poderá ver de que jeito eles modificam a gente.

        — A gente verbática — frisou Emília —, porque eu   também sou gente e nada me modifica. Só Tia Nastácia, às vezes...

        — Quem é essa senhora?

        — Uma Advérbia preta como carvão, que mora no sítio de Dona Benta. Isto é, Advérbia só para mim, porque só a mim é que ela modifica. Para os outros é uma Substantiva que faz bolinhos muito gostosos.

        Na Casa dos Advérbios, Emília encontrou-os em caixinhas, com rótulos na tampa. Primeiro abriu a caixinha dos Advérbios de LUGAR, onde encontrou os seguintes: Aqui, Ali, Lá, Além, Longe, Atrás, Fora, Abaixo, Acima, e outros conhecidos seus.

        Na segunda caixinha viu os Advérbios de TEMPO — Hoje, Agora, Cedo, Amanhã, Ontem, Tarde, Nunca, Depois, Ainda, Entrementes.

        — Oh — exclamou Emília, agarrando o Entrementes pelo cangote. — Não sabia que era aqui que morava este freguês. Conheço um moço que tem tanta birra deste coitado que risca todos que encontra nas páginas dos livros. Mas não é tão feio assim, o pobre. Que acha, Serência?

        O Verbo Ser moveu os ombros, como quem não acha nem desacha coisa nenhuma, e Emília jogou o pobre Entrementes para debaixo da mesa.

        Na terceira caixinha estavam os Advérbios de MODO — Bem, Mal, Assim, Apenas, Rente, Ainda, Também e outros.

        Na quarta estavam os Advérbios de INTENSIDADE — Muito, Pouco, Bastante, Mais, Menos, Tão, Tanto, Quanto, Que, Quase, Metade, Todo e outros.

        Na quinta caixinha Emília viu os Advérbios de AFIRMAÇÃO— Sim, Deveras, Certamente.

        Na sexta viu os Advérbios de DÚVIDA — Talvez, Caso, Acaso, Porventura, Quiçá.

        Na sétima viu os Advérbios de NEGAÇÃO — Não, Nunca, Jamais, Nada.

        Na oitava viu os Advérbios INTERROGATIVOS — Onde? Aonde? Donde? Quanto? Quando? Como? Por quê?

        Emília notou que em quase todas as caixinhas havia Advérbios terminados em Mente, e depois viu que a um canto estava uma grande caixa cheia dessas palavrinhas.

        — Que mentirada é esta aqui — perguntou. — Que tanto Mente, Mente? ...

        — Isto é um caso curioso — explicou Ser. — Esta palavra Mente é um velho Substantivo, com o significado de maneira ou intenção que os homens começaram a empregar no fabrico de Advérbios. Hoje não é mais substantivo e sim rabo de Advérbio, ou Terminação Adverbial, como dizem os gramáticos. Grudando-se um rabinho destes a um Adjetivo, sai um Advérbio. Constante, por exemplo, é Adjetivo; põe o rabinho e vira o Advérbio Constantemente.

        — Que engraçado! — exclamou Emília, arregalando os olhos. — De maneira que, se cortarmos o rabinho de Constantemente, aparece o Adjetivo outra vez, não é?

        — Está claro.

        Para tirar a prova Emília agarrou o Constantemente e arrancoulhe a caudinha — e, de fato, o Adjetivo Constante saiu a pular de satisfação, indo numa corrida para a casa dos Adjetivos, enquanto a caudinha saltava para dentro do caixão de Mente.

        — Os Adjetivos — disse Ser — gostam às vezes de figurar de Advérbio, mesmo sem uso do rabinho. Você, por exemplo, pode dizer: Eu grito alto, em vez de dizer: Eu grito altamente. O Adjetivo Alto faz aí o papel de Advérbio.

        Emília viu ainda outra caixa de Advérbios de ares estrangeirados.

        — E estes gringos? — perguntou.

        — São Advérbios latinos que ainda têm uso no Brasil. Moram nessa caixa o Máxime, o Infra, o Supra, o Grátis, o Bis, o Primo, o Segundo e outros. E aqui, nesta última caixa, moram uns adverbiozinhos que não são Inflexivos como os demais, porque mudam de forma quando querem exagerar. Isto significa que eles têm Grau, como os Adjetivos. Este Perto, por exemplo, sabe virar-se em Pertinho e Pertíssimo.

        — Chega de Advérbios — berrou Emília. — Vamos ver as Senhoras Preposições.

OBRA INFANTO-JUVENIL DE MONTEIRO LOBATO. Edição do Círculo do Livro. Emília no País da Gramática. As figuras de sintaxe. https://www.fortaleza.ce.gov.br.

Entendendo o conto:

01 – Onde moram os Advérbios e quais outras classes de palavras residem na mesma área?

      O Verbo Ser informa que os Advérbios moram no bairro das PALAVRAS INFLEXIVAS, onde também residem as PREPOSIÇÕES, as CONJUNÇÕES e as INTERJEIÇÕES.

02 – Segundo o Verbo Ser, o que significa o termo "Palavra Inflexiva" e qual a sua característica principal?

      "Palavra Inflexiva" quer dizer palavra de queixo duro, ou seja, uma palavra que não muda nunca de forma, sendo "rígida como se fosse feita de ferro", ao contrário dos Verbos.

03 – Qual a definição de Advérbio dada pelo Verbo Ser a Emília?

      Advérbio é uma palavra que modifica os Verbos, os Adjetivos e, às vezes, também modifica os próprios Advérbios.

04 – Emília faz uma comparação com Tia Nastácia. Como ela a classifica gramaticalmente em relação a si mesma e aos outros?

      Para Emília, Tia Nastácia é uma "Advérbia preta como carvão" porque só a ela é que modifica. Para os outros, porém, Tia Nastácia é uma "Substantiva que faz bolinhos muito gostosos".

05 – Quais são, pelo menos, cinco tipos (caixinhas) de Advérbios que Emília encontra na Casa dos Advérbios, e um exemplo de cada?

      Emília encontra diversos tipos, como: LUGAR (ex: Aqui, Lá, Longe); TEMPO (ex: Hoje, Amanhã, Cedo); MODO (ex: Bem, Mal, Assim); INTENSIDADE (ex: Muito, Pouco, Mais); AFIRMAÇÃO (ex: Sim, Deveras, Certamente); DÚVIDA (ex: Talvez, Quiçá, Acaso); NEGAÇÃO (ex: Não, Nunca, Jamais) e INTERROGATIVOS (ex: Onde?, Quando?, Por quê?).

06 – Qual a origem do sufixo "-mente", a "Terminação Adverbial", e o que acontece quando Emília o arranca da palavra "Constantemente"?

      O sufixo "-mente" era originalmente um velho Substantivo com o significado de maneira ou intenção. Quando Emília arranca a terminação da palavra "Constantemente", o Adjetivo "Constante" volta a aparecer e corre para a casa dos Adjetivos.

07 – O que acontece com a palavra "Perto" que o diferencia dos demais Advérbios, fazendo-o ser comparado aos Adjetivos?

      O Advérbio "Perto" e outros dessa caixa não são Inflexivos como os demais, pois mudam de forma quando querem exagerar. Isso significa que eles têm Grau (Grau do Advérbio), podendo se transformar em Pertinho e Pertíssimo.

 

 

 

CONTO: PASSEIO ORTOGRÁFICO - EMÍLIA NO PAÍS DA GRAMÁTICA - MONTEIRO LOBATO - COM GABARITO

 Conto: Passeio ortográfico – Emília no país da gramática

           Monteiro Lobato

        No bairro da ORTOGRAFIA os meninos encontraram uma dama de origem grega, que tomava conta de tudo.

        — Bom dia, minha senhora! — disse Quindim fazendo uma saudação de cabeça muito desajeitada. — Trago aqui sobre o meu lombo dois meninos e uma boneca, que desejam conhecer a vida deste bairro.

 

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh8K-Q-97HrG1D0EbgQUqe7rUDkgFMVapiH018PKHASTXcskOYjsJuBoocLJkZklky3_7Cqu0OeEWBqQ3omjzO99TtTT9GWKVJVk6LsRBe7ltymhHn5I2E4ORtQwcTdKKnvXHihngJYTWHvtfSq6nopEPedECSCbZu89ShiZYikN0_RxA1wzrhC1EXQiwc/s320/ORTOGRAFIA.jpg

        — Às ordens! — exclamou a grega. — Desçam e venham ver como lido com as letras, na formação escrita das palavras.

        Os meninos desceram pela escadinha de corda e rodearam-na. Emília, lambetissimamente, tomou-lhe a bênção.

        — Deus te abençoe, bonequinha — disse a Ortografia sorrindo.

        Por onde começar? Narizinho teve a ideia de inquirir por que motivo ela se chamava Ortografia.

        — Meu nome é grego e formado de duas palavras gregas

        — Orthos e Graphia. Orthos quer dizer "correta" e Graphia quer dizer "escrita". Sou, portanto, a Escrita Correta, ou a que ensina a escrever corretamente.

        — Pois a senhora precisa trabalhar muito — disse Emília —, porque a maior parte das gentes ainda não sabe escrever na regra. Eu mesma, que sou marquesa, erro às vezes...

        — Marquesa?  — repetiu a Ortografia, admirada. 

        — Marquesa de quê?                                                                                 

        — Marquesa de Rabicó, para a servir, minha senhora! — respondeu Emília, de mãos na cintura e queixo erguido.

        Narizinho confirmou o título da boneca e narrou várias     passagens da sua vidinha, inclusive o casamento e o divórcio com o Marquês de Rabicó. A Ortografia espantou-se grandemente de tais prodígios. Em seguida falou da sua vida ali. — Antigamente o sistema de escrever as palavras era o SISTEMA ETIMOLÓGICO, o qual mandava escrevê-las de acordo com a origem. Isso trazia muitas complicações e dificuldades. 

        Por esse sistema, a palavra Cisma, por exemplo, escrevia-se Scisma, com uma letra inútil, mas justificada pela origem. A palavra Tísica escrevia-se Phthisica, com três letras inúteis, sempre por causa da origem. Ditongo escrevia-se Diphthongo. De modo que havia uma enorme trabalheira entre os homens para decorar a forma das palavras — e trabalheira inútil, porque ninguém ganhava coisa nenhuma com isso...

        — Só os tipógrafos — lembrou Narizinho. — Esses engordavam.

        — Sim, só os tipógrafos — confirmou a Ortografia. — Todos os mais perdiam tempo e fósforo cerebral. Em consequência disso ergueu-se um movimento para mudar — para acabar com a ORTOGRAFIA ETIMOLÓGICA e pôr em lugar dela outra mais fonética, isto é, que só conservasse nas palavras as letras que se pronunciam. Esse movimento venceu, afinal, e acabou sendo sancionado por um decreto do governo, depois de muito estudado pela Academia Brasileira de Letras.

        — Quer dizer que agora ninguém mais erra? — disse Pedrinho.

        — Está muito enganado, meu filho. Há regras que têm de ser seguidas, e os que se afastarem dessas regras erram. Mas tudo se torna muito mais simples e lógico. Eu gostei da mudança, confesso — mas a minha amiga, a velha Ortografia Etimológica, está furiosíssima. Não se conforma com a simplificação das palavras.

        A dama grega levou os meninos para sua casa, onde havia uma bela coleção de letras e sinais gráficos.

        — As letras vocês já conhecem — disse ela. — São as do Alfabeto. Deste lado tenho as MAIÚSCULAS; e daquele lado, as MINÚSCULAS. Aqui nesta gaveta guardo os ACENTOS e outros sinais.

        — Quando é que a senhora emprega as Maiúsculas? — indagou Pedrinho.

        — Ponho em Maiúsculo todas as primeiras letras das palavras que abrem os Períodos, e também escrevo em Maiúsculo a primeira letra de todos os Nomes Próprios.

        — Só? — perguntou Narizinho.

        — Não. Uso Maiúsculas também nos títulos, como Vossa Senhoria, Senhor Doutor, etc. E nos Epítetos, ou Alcunhas dos homens célebres, como Napoleão, o Grande; Guilherme, o Taciturno; o Tiradentes, etc.

        Uso-as nas palavras que designam divindade, como: o Eterno, o Todo-Poderoso.

        Uso-as em certos Nomes Abstratos, quando aparecem sob forma de pessoas, como nesta frase: O monstro vinha escoltado pela Ira, pela Traição e pelo Ciúme.

        Uso-as para os pontos cardeais, quando designam regiões, como nestas frases: Os povos do Oriente; Os mares do Sul. Mas digo sem Maiúscula: O oriente da China, porque aqui oriente significa apenas uma direção geográfica. Pela mesma razão também digo: O norte do Brasil.

        — E os tais Acentos? — perguntou o menino.

        — Acentos, lido com dois — o AGUDO (´) e o CIRCUNFLEXO (^). E ainda lido com outros sinaizinhos aparentados com os Acentos, como o TIL (~), o APÓSTROFO ('), a CEDILHA (,), que é uma caudinha no C, e o HÍFEN, OU o TRAÇO DE UNIÃO (-).

        Introduziram-se na língua outros Acentos, como o acento grave (‘), muito usado pelos franceses, e ainda o TREMA (••). Sou contra isso: quanto menos Acentos houver numa língua, melhor. A língua inglesa, que é a mais rica de todas, não se utiliza de nenhum Acento. Os ingleses são homens práticos. Não perdem tempo em enfeitar as palavras com bolostroquinhas dispensáveis.

        — Muito bem! — disse Emília, que tinha gana em Acentos. — Gosto de ouvir uma grande dama como a senhora falar assim, porque é exatamente como penso. Essas pulgas só servem para nos tomar tempo. Acho que só devem ser usados quando forem necessários, para evitar confusão. Hoje, escreve-se êle e há, com Acentos. Acho desnecessário, porque, com ou sem Acentos, só há um jeito de pronunciar essas palavras. E as letras? Fale das letras.

        — Entre as letras — continuou a Senhora Ortografia —, uma das mais curiosas é o H. O diabinho por si só não tem som nenhum, mas ligado a outras letras produz sons especiais. No começo duma palavra é o mesmo que não existir. Em Homem, Hoje ou Haver, por exemplo, tanto faz existir o H como não existir.

        — Então, por que continua o H nessas palavras? — indagou o menino.

        — Porque elas são filhas de palavras latinas que também se escreviam com H, e todo o mundo está acostumado. Se fôssemos escrever Ornem, haveria um berreiro de protestos...

        Mas quando o H se liga ao C, ele chia que nem pingo d'água em chapa de fogão, como em Machado, Achar, Chá, China. E se se liga a um L, ou a um N, produz um som que os gramáticos chamam Palatal, como nas palavras Alho, Trilho, Cunha, Vinho. Na Antiga Ortografia também se ligava ao P para dar um som igual ao F, como em Phosphoro, Philosopho, Phantasia.

        Emília ficou muito tempo de prosa com a dama grega,                                            aprendendo as regras da Nova Ortografia. Por ela soube que a Senhora Ortografia Etimológica tinha residência num bairro próximo, onde todas as palavras continuavam a trajar pelo sistema antigo.

        — A Ortografia Etimológica entrincheirou-se lá, furiosa da vida, e não admite que ninguém toque na vestimenta das suas palavras. Essa boa velha sustenta as modas antigas. Palavras que vieram do latim com letras dobradas, ela as conserva direitinhas. Não admite mudanças.

        — A boba! — exclamou Emília, com toda a irreverência. — Se tudo na vida muda, por que as palavras não haveriam de mudar? Até eu mudo. Quantas vezes não mudei esta carinha que a senhora está vendo?

        — Muda de cara, como? — indagou Dona Ortografia, franzindo a testa.

        — Sei lá. Mudo. Ou, antes, eles mudam a minha cara.

        — Quem são eles?

        — Esses diabos que desenham minha figura nos livros. Cada qual me faz de um jeito, e houve um tal que me fez tão feia que piquei o livro em mil pedacinhos.

        — Pois é uma grande injustiça — declarou a dama. — Na minha opinião, você é uma bonequinha encantadora.

        — E sabe que sou também um pocinho de it? — acrescentou Emília, piscando.

        Narizinho puxou-a por um braço. Era demais aquele assanhamento.

OBRA INFANTO-JUVENIL DE MONTEIRO LOBATO. Edição do Círculo do Livro. Emília no País da Gramática. As figuras de sintaxe. https://www.fortaleza.ce.gov.br.

Entendendo o conto:

01 – Qual é a origem grega e o significado do nome da dama responsável pelo bairro da Ortografia?

      O nome "Ortografia" é formado por duas palavras gregas: "Orthos", que significa "correta", e "Graphia", que significa "escrita". Assim, a Ortografia é a "Escrita Correta", ou a que ensina a escrever corretamente.

02 – O que era o antigo Sistema Etimológico de escrita e qual era o principal problema que ele causava na língua?

      O Sistema Etimológico mandava escrever as palavras de acordo com a sua origem, o que exigia a manutenção de letras que já não eram pronunciadas. O principal problema era que isso trazia "muitas complicações e dificuldades" e resultava em uma "trabalheira inútil" para decorar formas de palavras com letras desnecessárias (como Scisma ou Phthisica).

03 – Qual sistema substituiu a Ortografia Etimológica e qual foi o princípio fundamental dessa mudança, sancionada por decreto?

      O movimento venceu e pôs em lugar da Etimológica uma Ortografia mais fonética, isto é, que só conservasse nas palavras as letras que se pronunciam.

04 – De acordo com a Senhora Ortografia, quais são duas das principais regras para o uso das Letras Maiúsculas?

      As Maiúsculas são usadas, principalmente, em:

      Todas as primeiras letras das palavras que abrem os Períodos.

      A primeira letra de todos os Nomes Próprios.

      Títulos, Epítetos ou Alcunhas (ex: Napoleão, o Grande) e Nomes Abstratos quando aparecem como pessoas (a Ira).

05 – Quais são os dois principais Acentos com os quais a Ortografia lida e qual é a sua opinião sobre a inclusão de muitos sinais na língua, como o acento grave ou o trema?

      Os dois principais acentos são o Agudo (´) e o Circunflexo (^). A Ortografia é contra a introdução de mais sinais, como o grave e o trema, defendendo a praticidade: "quanto menos Acentos houver numa língua, melhor."

06 – Qual é a característica curiosa da letra H e por que ela é mantida em certas palavras (como Homem ou Haver), mesmo quando não possui som?

      O H é um "diabinho" que por si só não tem som nenhum no começo de uma palavra. Ele é mantido nessas palavras porque elas são "filhas de palavras latinas que também se escreviam com H," e todo o mundo está acostumado, evitando um "berreiro de protestos" se fossem escritas de outra forma.

07 – Qual a opinião da "velha Ortografia Etimológica" sobre as simplificações e o que ela faz atualmente?

      A velha Ortografia Etimológica está "furiosíssima" e "não se conforma com a simplificação das palavras". Ela se entrincheirou num bairro próximo, onde não admite que ninguém toque na vestimenta das suas palavras, sustentando as modas antigas.