quinta-feira, 2 de outubro de 2025

CONTO: A SENHORA ETIMOLOGIA - EMÍLIA NO PAÍS DA GRAMÁTICA - MONTEIRO LOBATO - COM GABARITO

 Conto: A Senhora Etimologia – Emília no país da gramática

          Monteiro Lobato

        Depois que se despediu do Verbo Ser, Emília foi correndo em procura dos companheiros. Encontrou-os na Praça da ANALOGIA, rodeados de várias palavras. O Visconde conversava com duas absolutamente iguais na forma, embora de sentido diferente — as palavras Pena (dó) e Pena (de escrever).

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        — Não acho isso direito — dizia o Visconde para a primeira Pena —, se a senhora significa uma coisa tão diversa da significação da sua companheira por que não muda, para evitar confusões?

        — Sim — disse Emília, chegando e metendo a sua colherzinha torta na conversa. — Por que não usa um sinal — uma cruz na testa ou uma peninha de papagaio na cabeça, por exemplo?

        — Nós, palavras, não temos a liberdade de nos mudar a nós mesmas — respondeu Pena (dó). — Unicamente o uso lá entre os homens é que nos muda, como acaba de suceder a esta minha HOMÔNIMA, a Senhora Pena (de escrever.) Ela já teve dois NN e agora tem um só.

        — Pare! — gritou Emília. — Que "Homônima" é essa, que apareceu sem mais nem menos?

        — Pena (de escrever) é minha Homônima. Homônima quer dizer uma palavra que tem a mesma forma de outra, embora de significado diverso. Nós duas aqui somos Homônimas, do mesmo modo que grande número de outras palavras desta cidade. Cesta (balaio) e Sexta (número), por exemplo; Cela (quartinho) e Sela (de cavalo), Bucho (estômago) e Buxo (árvore), Cartucho (de espingarda) e Cartuxo (frade) são palavras Homônimas.

        E há ainda outras diferencinhas. Se somos iguais unicamente no som, os gramáticos nos chamam HOMÓFONAS, como essas que citei. E se somos iguais na forma escrita, eles nos chamam HOMÓGRAFAS.

        — Então você, Pena (dó), é Homônima, Homófona e Homógrafa de Pena (de escrever) — disse Emília, que tinha prestado toda a atenção. — Que judiaria! Tão pequenininha e xingada pelos gramáticos de tantos nomes esquisitos.

        — Mas isso de vocês terem a mesma forma ou o mesmo som — observou Narizinho — há de atrapalhar muito aos homens. Quando eles se encontram diante de palavras Homônimas, Homófonas e Homógrafas devem ficar tontos.

        — Puro engano — respondeu Pena (dó). — Seria assim se os homens nos encontrassem soltas como andamos aqui. Mas lá entre eles só aparecemos metidas em frases, e então é pelo Sentido que os homens nos distinguem. Quem ouve a frase: Estou escrevendo com uma pena de bico chato, vê logo que se trata da minha amiga Pena de escrever. Mas quem ouve exclamar: Que pena tenho dela! percebe imediatamente que se trata de mim. É pelo sentido da frase que se conhecem as palavras.

        — Muito bem — disse Emília. — A senhora é uma grande sabidinha. E quem são aquelas que ali estão de prosa, duas a duas?

        — Oh, aquelas são as palavras SINÔNIMAS e ANTÔNIMAS.

        — Explique-nos isso — pediu a menina.

        — Palavras Sinônimas — disse Pena (dó) — são as que significam a mesma coisa, ou quase a mesma coisa, embora tenham forma diferente. Lábio e Beiço, por exemplo; Habitar e Morar; Cavalo e Corcel; Olhar e Ver; são palavras Sinônimas.

        — E as Antônimas?

          Palavras Antônimas — respondeu Pena (dó) — são as que têm sentido oposto, como Noite e Dia; Sim e Não; Com e Sem; Ódio e Amor; Bom e Mau.

        — Engraçado! — berrou Emília. — Então Dona Benta é Antônima de Tia Nastácia!...

        — Que absurdo é esse, Emília! — exclamou Narizinho.

        — Sim, sim — insistiu a boneca —, porque uma é branca, e outra é preta.

        — As cores delas é que são Antônimas, boba, e não elas...

        Durante toda a conversa o rinoceronte manteve-se afastado, de beiço caído, refletindo distraidamente. Emília deu-lhe um beliscão.

        — Acorde, boi sonso! Que nostalgia é essa?

        — Estou pensando em coisas passadas — respondeu o excelente paquiderme. — Estou pensando na velhice destas palavras. Vieram de muito longe, sofreram grandes mudanças e continuam a transformar-se, como essa Pena de escrever, que acaba de perder um N. A maioria delas já morou na antiga Roma, dois mil anos atrás. Depois espalharam-se pelas terras conquistadas pelos romanos e misturaram-se às palavras que existiam nessas terras. E vieram vindo, e vieram vindo, até chegarem ao que hoje são.

        Enquanto vocês estavam de prosa com Pena (dó), eu pus-me a recordar a forma dessa palavra no tempo dos romanos. Escrevia-se Poene. E antes ainda de escrever-se assim, escrevia-se Poine, no tempo ainda mais antigo em que ela morava na Grécia.

        — Que divertimento interessante não deve ser o estudo de cada palavra! — exclamou Pedrinho. — Hão de ter cada uma o seu romance, como acontece com a gente...

        — E assim é — confirmou o rinoceronte. — Esse estudo chama-se Etimologia.                                   

          Quem está falando aí em Etimologia? — gritou Pena (dó), que estivera distraída a ouvir a boneca narrar as aventuras da viagem ao céu; e vendo que era o rinoceronte, acrescentou: — A Senhora Etimologia reside aqui perto. Por que não dão um pulinho até lá, para visitá-la?

        — Boa ideia! — exclamou Pedrinho. — Mas não é muito rabugenta, essa dama?

        — Nada! — respondeu Pena (dó). — É até uma excelente criatura — e sabidíssima, upa!... Conhece a vida de todas nós, uma por uma, nos menores detalhes. Sabe onde nascemos, de quem somos filhas e de que modo vimos mudando através dos séculos. Constantemente aparecem por aqui filólogos, gramáticos e fazedores de dicionários para consultar Dona Etimologia a propósito de mil coisinhas.

        — Pois vamos vê-la — propôs o Visconde, já assanhado. Velhas eram com ele, que também já estava velho e embolorado. Só Emília discordou. Preferia visitar a Senhora PROSÓDIA, que ensina o modo de pronunciar as palavras. Emília errava muito na pronúncia e queria aprender.

        — Prefiro saber como é que se pronuncia uma palavra a saber onde, como e quando ela apareceu. Sou "prática"...

        Mas Narizinho empacou.

        — Agora, não, Emília. Depois. Depois visitaremos Dona Prosódia. Neste momento eu resolvo que se visite a Etimologia. Você não manda.

        E como o caso fosse assim despoticamente resolvido, dirigiram-se todos para a residência da Senhora Etimologia.

        Encontraram lá uma velha coroca, de nariz recurvo e uma papeira — a papeira da sabedoria. Encontraram-na com a casa entupida de filólogos, gramáticos e dicionaristas. Foi o que disse a criada que os atendeu da janela.

        Pedrinho espiou pelo buraco da fechadura.

        — Xi!... — exclamou. — Está "assim" de carrancas lá dentro. Impossível que ela nos receba hoje. Os carrancas estão de óculos na ponta do nariz e lápis na mão, tomando notas. Até que ela atenda a todos...

        Puseram-se a escutar. A velha explicava a um daqueles homens como é que certa palavra havia passado do grego para o latim.

        — Ché!... — exclamou Emília. — Ainda estão no grego e no latim, imaginem! O melhor é espantarmos esses gramáticos e tomarmos conta da velha só para nós.

        E voltando-se para o rinoceronte:

        — Vamos, Quindim! Bote o focinho aqui no buraco da fechadura e solte um daqueles berros que os paquidermes dão nas "plagas africanas", quando o leão aparece na "fímbria do horizonte".

        O rinoceronte não quis obedecer, achando aquilo impróprio e nada gramatical; mas Emília resolveu o caso dizendo que um berro era uma Interjeição e, portanto, uma coisa perfeitamente gramatical. Quindim então obedeceu. Ajustou o focinho ao buraco da fechadura e desferiu uma formidável Interjeição que abalou a casa:

        — Muuu!

OBRA INFANTO-JUVENIL DE MONTEIRO LOBATO. Edição do Círculo do Livro. Emília no País da Gramática. As figuras de sintaxe. https://www.fortaleza.ce.gov.br.

Entendendo o conto:

01 – Qual é a definição de uma palavra Homônima, de acordo com a explicação da palavra Pena (dó) para o Visconde e Emília?

      Homônima é uma palavra que tem a mesma forma de outra, embora possua um significado diverso.

02 – Segundo a palavra Pena (dó), de que forma os homens conseguem distinguir palavras Homônimas (que têm a mesma forma) quando as encontram no dia a dia?

      Os homens conseguem distinguir as palavras pelo Sentido (significado) da frase em que elas estão inseridas.

03 – Além de serem Homônimas, a palavra Pena (dó) explica outras duas classificações dadas pelos gramáticos. Quais são os nomes dados às palavras que são iguais unicamente no som e às que são iguais na forma escrita?

      Se são iguais unicamente no som, são chamadas Homófonas. Se são iguais na forma escrita, são chamadas Homógrafas.

04 – O que são palavras Sinônimas e o que são palavras Antônimas, e qual exemplo é dado para cada uma delas no texto?

      Sinônimas são as que significam a mesma coisa ou quase a mesma coisa, como "Lábio e Beiço". Antônimas são as que têm sentido oposto, como "Noite e Dia".

05 – Qual é o nome do estudo que o rinoceronte Quindim menciona, que examina a origem, a história e as transformações de cada palavra ao longo do tempo (como ele fez com a palavra "Pena")?

      Esse estudo chama-se Etimologia.

06 – Qual é a descrição física da Senhora Etimologia que Pedrinho consegue observar pelo buraco da fechadura?

      Ela é descrita como uma "velha coroca, de nariz recurvo e uma papeira — a papeira da sabedoria".

07 – Para que Quindim ajude a espantar os filólogos da casa da Senhora Etimologia, Emília pede que ele solte um berro. Que ação ele realiza, e que parte da gramática Emília usa para justificar que a ação era "perfeitamente gramatical"?

      Quindim solta uma formidável Interjeição (o berro "Muu!"). Emília justifica a ação dizendo que "um berro era uma Interjeição e, portanto, uma coisa perfeitamente gramatical".

 

 

CONTO: A CASA DA GRITARIA - EMÍLIA NO PAÍS DA GRAMÁTICA - MONTEIRO LOBATO - COM GABARITO

 Conto: A Casa da Gritaria - Emília no país da gramática

           Monteiro Lobato

        — Que barulhada! — exclamou Emília, ao aproximar-se da Casa das INTERJEIÇÕES. — Será algum viveiro de papagaios?

        — São elas. Aquilo lá dentro parece um hospício, porque as Interjeições não passam de gritinhos.

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        — Gritos de quê?

    — De tudo. Gritos de Dor, de Alegria, de Aplauso...

        A Casa das Interjeições parecia mesmo um viveiro de papagaios. Assim que entrou, Emília viu passarem correndo dois gemidinhos de DOR, as Interjeições Ai! e Ui! Logo em seguida viu, a dar pulos, três gritinhos de ALEGRIA: — Ah! Oh! Eh! Depois viu três de nariz comprido, as Interjeições de DESEJO: — Tomara! Oh! Oxalá! E viu três num entusiasmo doido — as Interjeições de ANIMAÇÃO: — Eia! Sus! Coragem! E viu quatro de APLAUSO, batendo palmas: — Viva! Bravo! Bem!

        Apoiado! E viu mais quatro com caras de horror e nojo, que eram as Interjeições de AVERSÃO: — Ih, Xi! Irra! Apre! E viu algumas de APELO, chamando desesperadamente alguém:

        — Olá! Psiu! Alô! E viu duas de SILÊNCIO, encolhidinhas, de dedo na boca: — Psiu! Caluda! E viu uma bem velhinha, de ADMIRAÇÃO — Cáspite! 

        — Que baitaquinhas! — comentou Emília, tapando os    ouvidos. — Já estou tonta, tonta...

        — E há ainda aqui — disse o Verbo Ser — esta pequena caixa com as ONOMATOPÉIAS, OU Interjeições IMITATIVAS de certos sons.

        Emília viu nessa caixinha as Onomatopeias Chape!, que imita o som do animal patinhando n'água. E viu Zás-Trás!, que imita movimento rápido. E viu também o célebre Nhoque!, muito usado por Pedrinho para imitar bote de cachorro bravo,  E viu Tchibum! — que imita barulho duma coisa que cai  n'água. E viu Trrrlin!, que imita som de esporas no assoalho,  E viu Tique-Taque, som de relógio. E ToqueToque, som de batida em porta. E viu Coin, Coin, Coin, som de Rabicó quando leva pelotadas do bodoque de Pedrinho.

        — Sim, senhor! — disse Emília, retirando-se. — São muito galantinhas, mas deixam uma pessoa atordoada. Lá no sítio usamos muito algumas destas interjeições, e ainda várias outras inventadas por nós. Tia Nastácia é uma danada para inventar Interjeições. Danada para tudo, aquela negra...

        E, mudando de tom:

        — Por que Vossa Serência não aparece por lá, um dia, para uma visita a Dona Benta? Por ser muito velho? Ora, deixe-se disso!... Estamos lá acostumados com a velhice. Dona Benta é velha e Tia Nastácia também. Cachorro bravo?... Oh, é bicho que nunca houve no sítio. Só temos Rabicó, que é um marquês que não morde, e a Vaca Mocha, que não tem chifre — e agora este Quindim, que é a pérola dos gramáticos.

        — E há ainda mais coisas por lá — continuou Emília, depois duma pausa. — Há os famosos bolinhos de Tia Nastácia, feitos de polvilho, leite, uma colherzinha de sal, etc. Depois ela frita. Quando Rabicó sente de longe o cheiro desses bolinhos, vem na volada. Mas não pilha um só. É comida de gente e não de... marquês.

        E finalizou, com uma piscadinha marota:

        — Dona Benta é viúva. Vá, que até pode sair casamento...

        O Verbo Ser olhava para Emília com os olhos arregalados. Ele não sabia a história da célebre torneirinha de asneiras...

OBRA INFANTO-JUVENIL DE MONTEIRO LOBATO. Edição do Círculo do Livro. Emília no País da Gramática. As figuras de sintaxe. https://www.fortaleza.ce.gov.br.

Entendendo o conto:

01 – Por que a Casa das Interjeições é chamada de "Casa da Gritaria" e com que tipo de lugar Emília a compara ao se aproximar?

      A casa é barulhenta porque as Interjeições "não passam de gritinhos" que expressam diversos sentimentos. Emília, ao se aproximar, compara-a a um viveiro de papagaios (ou um hospício, segundo o Verbo Ser).

02 – O texto apresenta Interjeições que expressam diferentes sentimentos ou intenções. Cite dois exemplos de Interjeições de Aversão (horror e nojo) e dois exemplos de Interjeições de Apelo (chamado).

      Aversão: Ih, Xi, Irra, ou Apre! (quaisquer dois).

      Apelo: Olá!, Psiu!, ou Alô! (quaisquer dois).

03 – O que são Onomatopeias e qual o outro nome dado a elas no conto?

      Onomatopeias são Interjeições que imitam certos sons. No conto, elas também são chamadas de Interjeições Imitativas.

04 – Cite três exemplos de Onomatopeias mencionadas no texto e o que cada uma imita.

      O texto menciona várias, por exemplo:

      Chape!: imita o som do animal patinhando n'água.

      Zás-Trás!: imita movimento rápido.

      Tique-Taque: imita som de relógio.

      Toque-Toque: imita som de batida em porta.

      Tchibum!: imita barulho de coisa caindo n'água.

      Nhoque!: imita bote de cachorro bravo.

      Coin, Coin, Coin: imita o som de Rabicó. (Quaisquer três dessas duplas estariam corretas.)

05 – No final do trecho, a boneca Emília faz uma sugestão ousada ao Verbo Ser. Qual é essa sugestão e que argumentos ela usa para encorajá-lo?

      A sugestão de Emília é que o Verbo Ser visite Dona Benta no sítio, insinuando que poderia resultar em casamento ("pode sair casamento..."). Os argumentos que ela usa são que a velhice não é problema (Dona Benta e Tia Nastácia também são velhas) e que não há perigos, como cachorro bravo, no sítio.

 

CONTO: EMÍLIA FORMA PALAVRAS - EMÍLIA NO PAÍS DA GRAMÁTICA - MONTEIRO LOBATO - COM GABARITO

 Conto: Emília forma palavras – Emília no país da gramática

           Monteiro Lobato

        — Pois é isso — continuou a velha, ainda tonta da sapequice gramatical da Emília. — A Raiz das palavras não muda; de modo que, para formar palavras novas, a gente faz como o jardineiro: poda o que não é Raiz e enxerta o Sufixo.

        — Em vez de enxertar o Sufixo no fim não é possível enxertá-lo no começo? — quis saber Narizinho.

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        — Não — respondeu à velha. — Os Sufixos, assim como os rabos dos animais, só se usam na parte traseira. Há, porém, os irmãos dos Sufixos, que servem justamente para enxertos no começo da Raiz.

        — E como se chamam?

        — Prefixos: Pre quer dizer antes. Re, Trans, A e Com, por exemplo, são Prefixos. Se tomamos o Verbo Formar e grudarmos na frente dele esses Prefixos, teremos os novos Verbos Reformar, Transformar e Conformar, todos com sentido diferente.

        — Voltemos aos Sufixos, que são mais engraçadinhos — propôs Emília. — Diga uma porção deles, Dona Timótea.

        A velha, que já estava cansada de tanto falar, tomou mais um gole de chá, e prosseguiu, apontando para um armário:

        — Os Sufixos estão todos nas gavetas daquele armário. Vá lá e mexa com eles quanto quiser — mas não me chame mais de Timótea, ouviu?

        Emília não esperou segunda ordem. Correu ao armário, abriu as gavetas e tirou de dentro um punhado de Sufixos. Depois espalhou-os sobre a mesa para aprender a usá-los. Pedrinho e a menina vieram tomar parte no brinquedo.

        — Olhe, Narizinho — disse a boneca —, ali está uma caixa de Substantivos. Traga-me um; e você, Pedrinho, agarre aquela faca.

        Os dois meninos assim fizeram. Narizinho depôs sobre a mesa um Substantivo pegado ao acaso — Pedra.

        — Segure-o bem, senão ele escapa — recomendou Emília —, e agora, Pedrinho, corte a Desinência deste Substantivo dum só golpe. Vá!

        — Mas esta faca será capaz de cortar Pedra? — indagou o menino, de brincadeira, só para ver o que a boneca dizia. A diabinha, porém, estava tão interessada na operação cirúrgica que apenas gritou:

        — Corte e não amole!

        Apesar da recomendação, o menino amolou a faca na sola do sapato e só depois disso é que — Zás!... atorou a Desinência de Pedra, a qual deu um gritinho agudo.

        — Pronto! — exclamou Emília. — O pobre Substantivo está reduzido a uma simples Raiz. Venha ver, Dona Etimologia, como é engraçadinha esta Raiz.

        Mas a velha, que andava farta e refaria de lidar com Raízes, nem se mexeu do lugar. Emília, então, tomou um dos Sufixos tirados da gaveta, justamente o Ária, e fez a ligação com um pouco de cuspo. Imediatamente surgiu a palavra Pedraria.

        — Viva! Viva! — gritou ela batendo palmas. — Deu certinho! Venha ver, Dona Eufrásia! Com uma Raiz e um Sufixo fabricamos uma palavra nova, que quer dizer muitas pedras. Deixe esse chá sem graça e venha brincar.

        Mas a velha estava muito velha para brincadeiras e limitou-se a tomar novo gole de chá.

        — Vamos ver outro Sufixo — propôs Narizinho. Emília pegou outro, o sufixo Ada, e experimentou a ligação. Deu a palavra Pedrada.

        — Ótimo! Este também dá certinho. Pedrada todos sabemos o que é. Vamos ver outro.

        Emília pegou um terceiro Sufixo — Eria, e experimentou a ligação. Deu a palavra Pedreria, que não tinha sentido.

        — Este não presta — gritou Pedrinho. — Não dá nada que se entenda. Veja outro, Emília — esse Eiro.

        Ligou bem. Deu Pedreiro.

        — Ótimo! — exclamou a boneca. — Vamos ver este Alha.

        Deu Pedralha, que eles não sabiam o que era, mas estava com jeito de ser qualquer coisa. Depois experimentaram os Sufixos Ulho, Ena, Io, Dade, Ame, Uje e AI, com resultados variáveis. Uns deram, outros não deram nada. Ulho, com um Eg no meio, deu uma beleza — Pedregulho. O Sufixo Dade deu asneira — Pedrade.

        Emília olhou para o rótulo da gaveta e viu que estava usando os Sufixos de COLEÇÃO.

        Na gaveta imediata estavam os Sufixos de AUMENTO: AO, Zarrao, Az, Aço, etc.

        Na terceira gaveta estavam os Sufixos de DIMINUIÇÃO: lnho, Zinho, Ito, Ebre, Ilho e mais uns trinta.

        Na quarta estavam os Sufixos de AGENTE PROFISSIONAL: Dor, Ante, Ario, Ária, Eiro, Eira, Ado.

        Na quinta, os Sufixos designativos de AÇÃO, QUALIDADE, ESTADO: Ada, Anca, Ção, Ência, Eza, Ice, Io, Ume, Ura, Mento, Vel.

        Na sexta estavam os Sufixos de ABUNDÂNCIA, EXCESSO: Oso, Udo.      

        Na sétima estavam os Sufixos que exprimem ORIGEM, NATURALIDADE:  Ano, Ão, Ense, Ino, Ês.

        Na oitava, os Sufixos designativos de LUGAR: Ario, Ária, Eiro, Douro, Orio.

        Apesar de serem muitos, os meninos fizeram experiência naquela Raiz com quase todos os Sufixos, conseguindo formar as seguintes palavras derivadas de Pedra — Pedraria, Pedrada, Pedral, Pedragem, Pedreiro, Pedrama, Pedrame, Pedrume, Pedregulho (neste caso foi preciso intercalar um E e um G para dar certo), Pedrão, Pedraço, Pedraça, Pedrázio, Pedralha, Pedrorra, Pedrinha, Pedrita, Pedrete, Pedrote, Pedrilha, Pedrica, Pedrisco, Pedracho e Pedreira, ou seja, vinte e quatro ao todo.

        — Vinte e quatro! — exclamou o menino. — Agora estou compreendendo por que há tantas palavras na língua. Pois se somente com esta porqueirinha de Raiz nós pudemos formar vinte e quatro palavras diversas, imagine quantas não formaríamos usando todas as raízes que existem!

        — E isso lidando só com os Sufixos próprios para fazer Substantivos — disse Dona Etimologia aproximando-se —, porque há ainda os Sufixos que servem para fabricar Verbos, como, por exemplo, Gotejar, que é a raiz do Substantivo Gota ligada ao Sufixo Ejar. Com esse Ejar, e ainda com Ear, Izar, Entar, Ecer, Itar, Inhar, Icar e outros, a Emília pode passar dias e dias brincando de transformar em Verbos todos os Substantivos que houver lá no sítio.

        — A senhora dá licença de levar para lá uma coleção de Sufixos? — pediu a boneca.

        — Dou — respondeu a velha —, mas primeiro trate de consertar a palavra Pedra e de juntar do chão todos esses Sufixos espalhados. Quero tudo direitinho como estava.

        Emília recolou a Desinência da palavra Pedra e varreu todos os Sufixos que tinham caído no chão. Depois arrumou-os, muito bem arrumadinhos, nas respectivas gavetas.

        Dona Etimologia ofereceu chá aos meninos e, enquanto eles o tomavam, teve ocasião de explicar que a palavra Chá viera da China, onde significava bebida feita de certa planta, o Thea sinensis; depois a palavra passou a ser usada para designar a infusão de folhas ou raízes de qualquer planta. Que velha sabida! Parecia Dona Benta.

        — Bom, bom, bom — exclamou ela, ao terminar o lanche e sem erguer-se da mesa. — Isso de que falei, e com que vocês estiveram brincando, chama-se a Derivação própria das palavras, porque há também a Derivação imprópria.

        — Já sei! — adivinhou Emília. — A tal Derivação imprópria é a que se faz sem Sufixo, nem Prefixo.

        A boa velha assombrou-se.

        — Como sabe, bonequinha?

          Esperteza — disse Emília, piscando um olho. — Eu muitas vezes arrisco opiniões que dão certo. Tia Nastácia diz que quem não arrisca não petisca...

OBRA INFANTO-JUVENIL DE MONTEIRO LOBATO. Edição do Círculo do Livro. Emília no País da Gramática. As figuras de sintaxe. https://www.fortaleza.ce.gov.br.

Entendendo o conto:

01 – Qual é a função dos Prefixos, e quais exemplos o Verbo Ser dá para ilustrar a formação de novos verbos com sentidos diferentes, a partir do verbo Formar?

      Os Prefixos são os "irmãos dos Sufixos" que servem para fazer enxertos no começo da Raiz (o termo "pre" significa antes). Os exemplos dados para o verbo Formar são: Reformar, Transformar e Conformar.

02 – Qual foi o processo utilizado por Emília e os meninos para criar a palavra Pedraria a partir do substantivo "Pedra"?

      O processo envolveu a Derivação. Primeiro, Pedrinho cortou a Desinência ("a") do substantivo "Pedra", reduzindo-o à sua Raiz (Pedr-). Em seguida, Emília ligou a essa Raiz o Sufixo de coleção -Ária, formando a palavra Pedraria, que significa "muitas pedras".

03 – Além de formarem palavras com o Sufixo -Ária (Pedraria) e -Ada (Pedrada), os meninos descobriram que nem todos os Sufixos funcionam. Que Sufixo formou a palavra sem sentido "Pedreria" e que Sufixo, com a interposição de um E e um G, formou a palavra Pedregulho?

      O Sufixo -Eria formou a palavra sem sentido "Pedreria". O Sufixo -Ulho, com a interposição de um E e um G, formou a palavra Pedregulho.

04 – Ao experimentar com a Raiz Pedr-, Emília consultou as gavetas com Sufixos que serviam para formar substantivos. Cite três das categorias de Sufixos mencionadas.

      As categorias de Sufixos mencionadas incluem: Coleção, Aumento, Diminuição, Agente Profissional, Ação/Qualidade/Estado, Abundância/Excesso, Origem/Naturalidade e Lugar. (Quaisquer três dessas categorias estariam corretas).

05 – No final do conto, Dona Etimologia menciona dois tipos de Derivação. Qual é o nome do processo de Derivação que Emília e os meninos estavam praticando, e qual é o nome do outro tipo de Derivação, que Emília afirma ser feita sem Sufixo nem Prefixo?

      O processo que Emília e os meninos praticavam, usando Prefixos e Sufixos, chama-se Derivação própria das palavras. O outro tipo é a Derivação imprópria.

 

CONTO: NOS DOMÍNIOS DA SINTAXE - EMÍLIA NO PAÍS DA GRAMÁTICA - MONTEIRO LOBATO - COM GABARITO

 Conto: Nos domínios da Sintaxe – Emília no país da gramática

           Monteiro Lobato

        O tráfego naquela cidade não era bem regulado. Nada de flechas indicativas das direções, nem "grilos" poliglotas que guiassem os viajantes. De modo que os meninos, em vez de darem no bairro das Sílabas, para onde pretendiam ir a fim de saber que história era aquela do Ditongo, foram parar num bairro desconhecido.

 

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        — Onde estamos? — quis saber Pedrinho.

        — No bairro da SINTAXE — respondeu Quindim. — Esta cidade divide-se em duas zonas. A primeira é a zona da LEXIOLOGIA, onde todas as palavras vivem soltas, como vocês já viram. A segunda (esta aqui) é a zona da Sintaxe, onde as palavras só saem em família, casadinhas, com filhos e parentaIha. Uma família de palavras chama-se uma ORAÇÃO.

        Os meninos viram que realmente não passeavam por ali palavras soltas. Apareciam sempre aos magotes, formando frases completas.

        Passou um grupo que formava esta frase: O Visconde raptou um ditonguinho. Quindim explicou:

        — Esta frase é uma Oração que leva na frente o chefe da família, ou o SUJEITO; depois dele vem um PREDICADO.

        — Quer dizer — indagou Narizinho — que em cada Oração há sempre um chefe, que é o tal Sujeito, seguido por um Predicado?

        — Sim. Eles são chamados os TERMOS ESSENCIAIS DA ORAÇÃO. O sujeito dirige tudo, faz e desfaz, manda e desmanda. Quando você diz: Tia Nastácia faz bolinhos muito gostosos, o Sujeito é Tia Nastácia — e está claro que sem esse Sujeito, adeus bolinhos! O Sujeito é sempre um Substantivo, ou frase que corresponda a um Substantivo.

        — Alto lá! — exclamou Emília. — Se eu digo: Tu és um paquiderme gramatical, o Sujeito é Tu — e Tu não passa de muito bom Pronome.

        — Sim, Tu é Pronome, mas está na frase representando a mim, rinoceronte, que sou um Substantivo.

        Emília viu que era assim mesmo e calou-se.

        — Muito bem — continuou Quindim, satisfeito de haver pregado um quinau na boneca. — Sujeito é isso. Vamos ver agora quem sabe o que é Predicada.

        Ninguém sabia.

        — Predicado — explicou ele — é o que se diz do Sujeito.

        — Mas o que se diz do Sujeito está no Verbo, lembrou o menino. Na frase: O gato comeu o rato, o que se diz do Sujeito Gato é que Comeu o rato.

        — Pois é isso mesmo — confirmou Quindim. — O Predicado está dentro do Verbo. Depois aparecem os TERMOS INTEGRANTES DA ORAÇÃO, que completam o sentido da oração e são por isso indispensáveis.

        — Já ouvi falar num tal COMPLEMENTO VERBAL — disse o menino.

        — Sim, e é muito importante. Como alguns Verbos não completam sozinhos o sentido da Oração, eles estão sempre exigindo outras palavras para que a Oração tenha sentido. Essas palavras que completam o sentido do Verbo são chamadas Complemento Verbal. Na Oração: O Gilson matou o tico-tico, o Complemento Verbal é Tico-Tico, e nesse caso é chamado OBJETO DIRETO, porque vem diretamente ligado ao Verbo.

        — Já sei — disse Emília —, o Verbo Matar é dos tais Verbos Transitivos, que exigem Complemento.

        — Isso mesmo — respondeu Quindim, admirado com a sabedoria da boneca. — Mas nesta outra Oração: O Visconde gosta de ditongos, o Complemento Verbal, De Ditongos, é chamado OBJETO INDIRETO, porque o Verbo Gostar não se liga a ele diretamente, mas precisa ainda intercalar essa Preposição De. Quem diz Gosta tem de completar a ideia dizendo Do que gosta.

        — E que mais há numa Oração?

        — Há os chamados TERMOS ACESSÓRIOS, que desempenham uma função secundária, limitando o sentido dos substantivos, ou exprimindo alguma circunstância. Nesta Oração: Emília está aprendendo gramática sem o perceber, este Sem O Perceber é um ADJUNTO ADVERBIAL, que exprime uma circunstância — o modo pelo qual Emília está aprendendo. Na Oração: O pica-pau pica o pau no terreiro, o No Terreiro é um ADJUNTO ADVERBIAL que explica em que lugar o pica-pau está picando o pau.

        — E fora esse Adjunto Adverbial, que outro Acessório existe? — perguntou Emília, torcendo o nariz para as palavras difíceis.

        — Há o ADJUNTO ADNOMINAL, que determina ou qualifica o Substantivo que ele complementa. Na expressão: Narizinho arrebitado; este Adjetivo Arrebitado é o Adjunto Adnominal do Sujeito Narizinho.

        Estavam nesse ponto quando ouviram um rebuliço na praça. Era uma senhora de maneiras distintas, com lornhão de cabo de madrepérola, que vinha vindo, seguida de um cortejo de frases.

        — Quem será aquela grande dama? — indagou Narizinho.

        — Oh, é a Senhora Sintaxe, a dona de tudo isto por aqui. Quem governa e dirige a concordância das palavras nas frases é sempre ela. Uma senhora exigentíssima.

        Os meninos foram ao encontro da grande dama, à qual Narizinho fez as necessárias apresentações. Ela gostou muito da carinha da Emília, mas achou que o chifre de Quindim podia ser menos pontudo. Depois de alguns instantes de prosa, disse Dona Sintaxe:

        — Pois é isso, meus meninos. Sou eu quem faz estas palavrinhas comportarem-se como é preciso dentro das Orações. Obrigo-as a terem boas maneiras, a seguirem as regras do bom-tom. Forço o Verbo a concordar sempre com o Sujeito, e o Adjetivo a concordar com o Substantivo. Também não deixo que o Pronome discorde do Substantivo. Se não fossem as minhas exigências, as frases virariam verdadeiras bagunças. Passo a vida fiscalizando a concordância das Senhoras Palavras.

        Nesse momento passou a certa distância, muito envergonhada de si própria, uma frase que dizia assim: Os gatos comeu os ratos. Dona Sintaxe ficou vermelha de cólera e chamou-a com um gesto enérgico.

        — Venha cá! Então não sabe que o Verbo tem de concordar sempre com o Sujeito? Lambona! Vivo dizendo isto...

        — A culpa é do Verbo — fungou o Sujeito. — Eu bem que o avisei...

        Dona Sintaxe tocou dali o Comeu e pôs no lugar um Comeram. —  Agora sim — disse ela sorrindo.

        — Agora a frase está certíssima. Os gatos comeram os ratos. Pode ir, e nunca mais me apareça de Verbo torto, ouviu?

        Dona Sintaxe encontrou mais adiante outra aleijadinha — uma Oração que rezava assim: Nós vai brincar, e consertou-a, pondo o Verbo no plural — Vamos.  

        Depois, voltando-se para Emília, que estava de mãozinhas na cintura gozando a cena, explicou:

        — Minha vida aqui é o que se vê. Tenho de estar fiscalizando todas estas senhoritas para que a cidade não vire salada de batatas. As frases que andam com a concordância na regra tornam-se claras como água da fonte — e a clareza é a maior qualidade que existe. Tenho também de cuidar da COLOCAÇÃO ou da ordem das palavras na frase.

        — Então elas não podem arrumar-se como querem? — perguntou Emília.

        — Absolutamente não. Têm de seguir certas regras para que o pensamento fique bem claro e bem vestido. A minha preocupação é sempre a mesma — clareza. As frases formam-se para exprimir o pensamento dos homens, e a boa ordem das palavras na frase ajuda a expressão do pensamento.

        — A senhora tem toda a razão — concordou a boneca.

        — Lá no sítio de Dona Benta o Substantivo Nastácia também gosta de dar ordem a tudo, porque a ordem facilita a vida, diz ela.

        — Eu uso aqui várias regras — continuou Dona Sintaxe — umas para a ORDEM DIRETA e outras para a ORDEM INVERSA. Na Ordem Direta ponho sempre os Sujeitos antes do Verbo; ponho os Complementos logo depois das palavras que eles complementam; ponho os Adjetivos logo depois dos Substantivos que eles modificam; e ponho as palavrinhas de ligação entre os termos que elas ligam. Fica tudo uma beleza, de tão claro e simples. Mas há também a Ordem Inversa, na qual estas regras não são seguidas.

        — Nesse caso a clareza deve sofrer muito — observou a menina.

        — Há limites. Se o sentido da frase fica bem claro, eu deixo que a frase se afaste da Ordem Direta; mas se o sentido fica obscuro ou duvidoso, ah, não admito! O que quero saber nesta cidade é de clareza e mais clareza, porque a clareza é o sol da língua.

        — E quais as regras para a Ordem Inversa? — perguntou Pedrinho.

        — Uma delas é que o Verbo deve vir antes do Sujeito, se a frase está na forma interrogativa. Eu não deixo dizer, por exemplo: Ele é quem? Obrigo a dizer: Quem é ele? Nas chamadas frases OPTATIVAS e IMPERATIVAS também mando pôr o Sujeito em seguida ao Verbo, como neste exemplo: Vaze tu o que ordeno, que é frase Imperativa. Ou nesta: Seja você muito feliz, que é frase Optativa.

        — E que mais?

        — Os Pronomes Demonstrativos eu os ponho antes dos Substantivos por eles determinados. Digo, pois: Aquele pica-pau, e não pica-pau aquele. Este rinoceronte, e não Rinoceronte este.

        Também os Numerais são escritos antes dos Substantivos por eles determinados. Assim: Três meninos, e não Meninos três.

        — E os Pronomes Oblíquos, que é que a senhora faz com eles?

        — Esses eu mando colocar de três modos diferentes — antes do Verbo, no meio do Verbo e depois do Verbo.

        — No meio do Verbo? — indagou Emília com cara de espanto. — Como? Então a senhora corta o Verbo com uma faca para enfiar o Pronome dentro?

        — Exatamente. Abro o Verbo e ponho o Pronome dentro. Nesta frase: O gato se fartará de ratos, eu posso fazer essa operação cirúrgica. Abro o Verbo Fartará e ponho o Pronome dentro, assim: Fartar-se-á. E a frase fica esta: O gato fartar-se-á de ratos — muito mais elegante que a outra.

        — Tal qual Tia Nastácia costuma fazer com os pimentões. Abre os coitados pelo meio, tira as sementes e enfia dentro uma carne oblíqua.

        Dona Sintaxe aprovou os pimentões de Tia Nastácia. Depois disse:

        — Os gramáticos chamam PRONOME PROCLÍTICO ao que vem antes do Verbo, como em: O menino SE queimou. Chamam PRONOME ENCLÍTICO ao que vem depois do Verbo, como em: O menino queimou-SE. E chamam PRONOME MESOCLÍTICO ao que vem no meio do Verbo, como em: O menino queimar-SE-á.

        — Quanta complicação para dar dor de cabeça nas crianças! — comentou Narizinho. — Eu, se apanhasse um gramático por aqui, atiçava Quindim em cima dele...

        Nisto Emília deu uma vastíssima gargalhada.

        — Que é isso, bonequinha? — perguntou a Sintaxe. — Viu o passarinho verde?

        — Estou me lembrando dos pimentões mesoclíticos que Tia Nastácia faz sem saber... — respondeu a diabinha.

OBRA INFANTO-JUVENIL DE MONTEIRO LOBATO. Edição do Círculo do Livro. Emília no País da Gramática. As figuras de sintaxe. https://www.fortaleza.ce.gov.br.

Entendendo o conto:

01 – Qual é a distinção fundamental entre a zona da Lexiologia e a zona da Sintaxe, de acordo com a explicação de Quindim?

      A zona da Lexiologia (onde os meninos estavam anteriormente) é onde as palavras vivem soltas, individualmente. A zona da Sintaxe é onde as palavras vivem "em família, casadinhas, com filhos e parentaiha", ou seja, onde elas se organizam para formar grupos com sentido completo, chamados Orações.

02 – O que são os Termos Essenciais da Oração? Cite-os e defina a função de cada um, conforme as explicações de Quindim.

      Os Termos Essenciais da Oração são o Sujeito e o Predicado.

      Sujeito: É o chefe da família, que dirige a Oração. É sempre um Substantivo ou uma frase que o represente (como um Pronome).

      Predicado: É "o que se diz do Sujeito". Quindim explica que o Predicado está contido no Verbo.

03 – Explique a diferença entre Objeto Direto e Objeto Indireto, usando os exemplos de Complemento Verbal citados por Quindim no texto.

      O Objeto Direto e o Objeto Indireto são Complementos Verbais que completam o sentido de um Verbo Transitivo:

      Objeto Direto: Liga-se diretamente ao Verbo, sem a necessidade de uma preposição. Exemplo: O Gilson matou o tico-tico.

      Objeto Indireto: Liga-se ao Verbo de forma indireta, exigindo a interposição de uma preposição. Exemplo: O Visconde gosta de ditongos.

04 – O que são os Termos Acessórios da Oração e qual a função do Adjunto Adverbial? Cite dois exemplos de circunstâncias que ele pode exprimir.

      Os Termos Acessórios são aqueles que desempenham uma função secundária, não essencial para a formação básica da Oração, mas que limitam o sentido de substantivos ou exprimem alguma circunstância. O Adjunto Adverbial exprime a circunstância na qual a ação ocorre, como:

      Modo (ex: sem o perceber).

      Lugar (ex: no terreiro).

05 – Qual é o principal papel de Dona Sintaxe na "cidade" e qual é o "mandamento" mais importante que ela exige das palavras, ilustrado pela correção da frase "Os gatos comeu os ratos"?

      O principal papel de Dona Sintaxe é governar e dirigir a concordância das palavras nas frases, obrigando-as a seguir as regras do bom-tom. O mandamento mais importante que ela exige é a Concordância Verbal, forçando o Verbo a concordar sempre com o Sujeito. A frase "Os gatos comeu os ratos" estava errada (aleijadinha) e foi corrigida para "Os gatos comeram os ratos".

06 – Segundo Dona Sintaxe, qual é a "maior qualidade que existe" em uma frase, e de que forma a colocação das palavras ajuda a atingir essa qualidade?

      A maior qualidade de uma frase é a clareza ("a clareza é o sol da língua"). A Colocação (a ordem das palavras na frase) ajuda a atingir essa clareza porque, ao seguir certas regras, a frase expressa o pensamento humano de forma "bem clara e bem vestida", evitando que a cidade vire "salada de batatas".

07 – Quais são as regras básicas para a Ordem Direta da oração, conforme explicadas por Dona Sintaxe aos meninos?

      Na Ordem Direta, Dona Sintaxe estabelece que:

      Os Sujeitos vêm sempre antes do Verbo.

      Os Complementos vêm logo depois das palavras que eles complementam.

      Os Adjetivos vêm logo depois dos Substantivos que eles modificam.

      As palavrinhas de ligação (preposições, etc.) ficam entre os termos que ligam.

08 – Em quais formas de frase (tipos de oração) a Ordem Inversa é obrigatoriamente utilizada, de acordo com o texto? Cite um exemplo para cada forma.

      A Ordem Inversa é obrigatória nos seguintes casos:

      Frase Interrogativa: O Verbo deve vir antes do Sujeito. Exemplo: Quem é ele? (em vez de Ele é quem?).

      Frase Optativa e Imperativa: O Sujeito deve vir em seguida ao Verbo. Exemplos: Vaze tu o que ordeno (Imperativa) ou Seja você muito feliz (Optativa).

09 – Explique o que é a Mesóclise (Pronome Mesoclítico) e a que tipo de analogia inusitada Emília compara essa operação linguística.

      A Mesóclise ocorre quando o pronome oblíquo átono (Pronome Mesoclítico) é colocado no meio do Verbo. Isso exige que o Verbo seja "aberto" (cortado) para inserir o pronome. Exemplo: Fartar-se-á. Emília compara essa "operação cirúrgica" do Verbo à forma como Tia Nastácia faz pimentões, abrindo-os pelo meio, tirando as sementes e enfiando 'uma carne oblíqua' (o recheio) dentro.

10 – Qual foi o destino final do Visconde de Sabugosa, revelado pela palavra que os meninos viram na rua? O que ele estava fazendo?

      O Visconde de Sabugosa, que havia se ausentado, estava raptando ou capturando um Ditongo (o 'ditonguinho'). A primeira frase que os meninos veem é "O Visconde raptou um ditonguinho". Eles confirmam o rapto ao perguntar a uma palavra e ao guarda, que o viram levando o Ditongo 'esperneando' debaixo do capote, e antes disso, ele havia ido ao cercado para tomar notas sobre a palavra mais comprida, Anticonstitucionalissimamente.