Poema visual: PISTA DE DANÇA
Waly Salomão
Quando criança
me assoprou no ouvido um motorista
que os bons não se curvam
e
eu
confuso
aqui nesta pista de dança
perco o tino
espio a vertigem
do
chão que gira
tal
e qual
parafuso
e
o tapete tira
debaixo
dos meus pés
giro
piro
nesta pista de dança
curva que rodopia
sinto que perco um pino
não
sei localizar se na cabeça
esqueço a meta da reta
e fico firme no leme
que a reta é torta
rei
rainha
bispo
cavalo
torre
peão
sarro de vez o alvo
tiro um fino com o destino
e me movimento
ao
acaso do azar ou da sorte
no tabuleiro de xadrez
extasiado
extasiado
piso
hipnotizo
mimetizo
a
dança das estrelas
debuxo sobre o celeste caderno de caligrafia das constelações
e
plagio a coreografia dos pássaros e dos robôs
aqui neste point
a espiral de fumaça me deixa louco
e a toalha felpuda suja me enxuga o suor do rosto
aqui nesta rave
narro a rapsódia de uma tribo misteriosa
imito o rodopio de pião bambo
Ê Ê Ê tumbalelê
é o jongo do cateretê,
é
o samba
é
o mambo
é
o tangolomango
é
o bate-estaca
é
o jungle
é
o tecno
é
o etno
é o etno
é o tecno
é
o jungle
é
o bate-estaca
é
o tangolomango
é
o mambo
é
o samba
é
o jongo do cateretê
Ê
Ê Ê tumbalelê
redemoinho de ilusão em ilusão
como a lua tonta, suada, e, fria
que do crescente ao minguante varia
e
inicia e finda
e
finda e inicia
e
vice-versa a pista de dança
pista de dança
que quer dizer
pista de mímeses
pista de símiles
pista de faxes
pista de substância físsil
pista de fogos de artifícios
pista de pleonasmo da cera dúctil
e da
madeira entesada dura
pista de míssil
pista de símios
pista de clowns
pista de covers
pista de samplers
pista de epígonos
pista de clones
pista de sirenes
pista de sereias
pista de insones
pista do possesso febril
pista de scratches
pista de arranhões
pista de aviões
pista de encontrões
pista de colisões
pista de teco-teco, de telecoteco
pista de queima de óleo fóssil
pista de sinais pisca-pisca
pista de bate-biela
pista do pifa-motor
pista do pirata de olho de gude
e
perna de pau
pista da mulher que engoliu a agulha da vitrola
e
fala pelos cotovelos
pista do menino que come vidro
e
chupa pedra d’água
pista ouriçada
irada
e sinistra!
Pois
pista de dança
quer dizer
Farmácia de Manipulação de Tropos Poéticos Sociedade Anônima
que existe e funciona,
como
tudo na vida, inclusive o poeta,
seja
dito de passagem,
para servir à poesia.
E a trilha vai por aí afora,
aliás...
SALOMÃO, Waly. In: FERRAZ, Eucanaã (Org. e pref.) Veneno antimonotonia. Rio
de Janeiro: Objetiva, 2005. p. 172-173.
Fonte: Língua
Portuguesa. Se liga na língua – Literatura – Produção de texto – Linguagem.
Wilton Ormundo / Cristiane Siniscalchi. 1 Ensino Médio. Ed. Moderna. 1ª edição.
São Paulo, 2016. p. 21.
Entendendo o poema visual:
01 – De acordo com o poema,
qual o significado das palavras abaixo?
·
Mimetizo: imito.
·
Debuxo: rascunho, esboço.
·
Rave: festa em que geralmente se toca música eletrônica por longo
período de tempo.
·
Rapsódia: na literatura grega, trecho de poema épico recitado pelo
rapsodo.
·
Jongo, cateretê: nomes de danças populares brasileiras.
·
Mambo: tipo de música e dança cubanas.
·
Tangolomango: mal, feitiço.
·
Bate-estaca: referência popular aos gêneros de música eletrônica.
·
Jungle, tecno: gêneros de música eletrônica.
·
Etno: música étnica (também chamada de world music).
02 – O que o poeta retrata ao
descrever-se como "confuso" nesta pista de dança?
O poeta descreve
um estado de desorientação e vertigem diante da variedade de estímulos
sensoriais e movimentos na pista de dança.
03 – Como o poeta compara o
movimento na pista de dança com uma peça de xadrez?
O poeta associa
os movimentos na pista de dança às peças de xadrez (rei, rainha, bispo, etc.),
sugerindo uma complexidade estratégica e imprevisível.
04 – Qual é o papel das estrelas
e constelações na experiência descrita pelo poeta?
As estrelas e
constelações são mencionadas como elementos que inspiram a dança e servem de
modelo para movimentos hipnóticos na pista.
05 – De que forma a fumaça e a
toalha felpuda são descritas na narrativa da pista de dança?
A fumaça é
descrita como deixando o poeta louco, enquanto a toalha felpuda suja o enxuga
seu suor, contribuindo para a atmosfera intensa da festa.
06 – O que significa a
repetição das expressões "Ê Ê Ê tumbalelê" ao longo do poema?
As repetições
refletem a euforia e a diversidade de ritmos e estilos musicais presentes na
pista de dança, evocando uma atmosfera festiva.
07 – Como o poeta descreve a
lua e qual é o paralelo entre ela e a pista de dança?
A lua é descrita
como tonta, suada e fria, variando do crescente ao minguante, comparando sua
transformação à constante mudança da pista de dança.
08 – Qual é a metáfora por
trás da definição da "pista de dança" como "Farmácia de
Manipulação de Tropos Poéticos"?
A metáfora sugere
que a pista de dança é um laboratório criativo onde os elementos poéticos são
misturados e manipulados, alimentando a expressão artística.
09 – O que o poeta quer dizer
ao descrever a pista de dança como "pista de mímeses" e "pista
de símiles"?
Ele sugere que a
pista é um espaço onde gestos, movimentos e sensações imitam ou se assemelham a
outras coisas, intensificando a experiência poética.
10 – Como a pista de dança é
caracterizada em relação à ideia de servir à poesia?
A pista de dança,
para o poeta, é um lugar onde os elementos visuais e sensoriais alimentam a
criatividade poética e servem como inspiração para a arte.
11 – O que o poeta implica ao
afirmar que a pista de dança "existe e funciona [...] para servir à
poesia"?
Ele sugere que a experiência na pista de
dança é mais do que um simples entretenimento; é um espaço vivo e dinâmico que
inspira e contribui para a expressão artística e poética.