segunda-feira, 9 de novembro de 2020

CONTO: TRABALHADORES DO BRASIL - WANDER PIROLI - COM GABARITO

 Conto: Trabalhadores do Brasil

             Wander Piroli

    Como uma ilha entre as pessoas que se comprimiam no abrigo de bonde, o homem mantinha-se concentrado no seu serviço. Era especialista em colorir retrato e fazia caricatura em cinco minutos. No momento ele retocava uma foto de Getúlio Vargas, que mostrava um dos melhores sorrisos do presidente morto.

        O homem estava sentado num tamborete rústico, com os joelhos cruzados e a cabeça baixa. À sua direita havia uma mesinha de desarmar, entulhada de lápis de vários tipos e cores, folhas de papel em branco, borrachas, tesoura e um pouco de estopa. Havia ainda uma tabuleta em cima da pequena mesa, apoiando-se na pilastra onde estavam expostos seus trabalhos: fotografias coloridas de grandes personalidades e caricaturas também de grandes personalidades.

        Nem sequer a chegada do bonde fez o homem levantar a cabeça. Trabalhava variando de lápis calmamente, como se não tivesse nenhuma pressa ou mesmo não desejasse terminar o serviço. Getúlio na foto continuava sorrindo para o homem com um de seus melhores sorrisos.

        Uma mulher esturrada, de alpargata e vestido muito largo, aproximou-se e parou à sua frente. O homem levantou a cabeça:

        -- Você, Maria.

        Ela moveu o rosto com dificuldade e fez o possível para sorrir, fixando atenta e profundamente a cara do homem.

        -- Aconteceu alguma coisa?

        -- Não – murmurou a mulher.

        O homem pôs a fotografia e o lápis na mesa e esperou que a mulher falasse. Olhavam-se como duas pessoas de intensa convivência.

        -- Não houve mesmo nada? – tornou o homem.

        -- Claro que não, Zé. Eu vim à toa.

        -- E os meninos?

        -- Mamãe está com eles.

        -- Como é que você arranjou para chegar até aqui?

        -- Uai, eu vim.

        -- A pé? Você não devia ter vindo, Maria. Estou achando que houve alguma coisa.

        -- Não teve nada, não. Mamãe chegou lá em casa e então eu aproveitei para dar um pulo até aqui.

        -- Ah – o homem sorriu. E uma onda de carinho, quase imperceptível, assomou-lhe o rosto lento e sofrido.

        -- Fez alguma coisa hoje, Zé?

        -- Fiz um – respondeu levantando-se. – Senta aqui. Você deve estar cansada.

        A mulher sentou no tamborete, desajeitada.

        -- Você não devia ter vindo, Maria – disse o homem.

        -- Eu sei, mas me deu vontade. Mamãe ficou lá com os meninos.

        -- Mas ela não estava doente?

        -- Você sabe como mamãe é.

        -- E o Tonhinho?

        -- Está lá. 

        -- O carnegão saiu?

        A mulher fez sim com a cabeça e em seguida olhou para o abrigo, onde havia pequenas lojas de frutas, café, pastelaria.

        -- Espera um pouquinho aí – disse o homem, e caminhou na direção de uma das lojas.

        A mulher permaneceu sentada no tamborete, observou por um momento o vendedor de agulhas, que continuava gritando, depois deteve a vista na foto de Getúlio Vargas sorrindo para os trabalhadores do Brasil. O homem reapareceu com um saquinho manchado de gordura.

        -- Esses pastéis.

        -- Oh, Zé, para que você fez isso?

        -- Vamos, come um.

        -- Você não devia ter comprado.

        -- Vamos.

        A mulher retirou um pastelzinho do saco e começou a mastigá-lo com muito prazer.

        -- Come o outro, Zé.

        -- Já comi uns dois hoje. Esse outro também é seu.

        -- Então eu vou levar ele pros meninos.

        -- É pior, Maria.

        O homem ficou de pé, ao lado da mulher, observando-a comer o segundo pastel. A mulher acabou de comer, limpou a boca na manga do vestido e fez menção de levantar-se:

        -- Fica aqui, Zé. Pode aparecer alguém.

        -- Não, eu passei a manhã toda assentado.

        A mulher sentada e o homem em pé conservaram-se silenciosos durante um breve e ao mesmo tempo longo momento, ora olhando um para o outro, ora cada um olhando as pessoas agora espalhadas no abrigo ou não olhando coisa nenhuma. A mulher se ergueu:

        -- Acho que eu vou andando. 

        -- Já vai?

        -- Mamãe não aguenta eles, você sabe.

        -- Ah, é mesmo. Você não devia ter vindo.

        O homem tirou uma nota de dentro do bolso do paletó e estendeu-a para a mulher.

        -- Volta de bonde.

        -- Não, Zé.

        -- É muito longe, criatura.

        -- Não.

        -- Ora, minha nega.

        A mulher pegou o dinheiro com a mão indecisa.

        -- Vou ver se levo.

        O homem assentiu com a cabeça, abriu a boca mas não disse nada. A mulher desviou o rosto e piscou os olhos várias vezes.

        -- Não chega tarde não, viu, Zé.

        -- Chego não.

        -- Você vai fazer.

        -- Hoje eu sei que vai melhorar.

        -- Vai sim, Zé. Eu seu que vai. Eu sei.

        A mulher se afastou rapidamente, sem voltar o rosto. O homem empinou-se um pouco para vê-la atravessar a rua. Depois sentou no tamborete e pegou um lápis e o retrato.

        Durante muito tempo o homem permaneceu com a cabeça baixa, imóvel dentro de sua ilha, curvado sobre a foto que mostrava o presidente morto com aquele sorriso de seus melhores dias.

                                       Wander Piroli. A mãe e o filho da mãe: e a máquina de fazer amor. Belo Horizonte: Leituras, 2009.

                       Fonte: Livro – Para Viver Juntos – Português – 9° ano – Ensino Fundamental – Anos Finais – Edições SM – p. 46-50.

Entendendo o conto:

01 – Qual é o principal evento narrado nesse conto?

      O conto narra a visita de uma mulher a seu companheiro (ou marido), no local onde ele trabalha.

02 – As personagens conversam pouco, porém algumas de suas ações revelam o sentimento que poderia existir entre elas.

a)   Qual é, provavelmente, esse sentimento?

Sentimento de carinho, afeição.

b)   Copie o quadro abaixo no caderno e complete-o com atitudes das personagens que sugerem esse sentimento ao leitor.

-- Sem que a mulher peça, o homem:

* Levanta do tamborete e oferece a ela o lugar;

* O homem compra pastéis para a mulher;

* Oferece dinheiro para que ela volte de bonde.

-- Ela, em troca:

* Faz menção de devolver o lugar oferecido;

* Oferece a ele o segundo pastel;

* A mulher recomenda a ele que não chegue tarde e mostra esperança de que o dia melhore (que ele tenha trabalho).

03 – Releia este trecho:

        “-- Não houve mesmo nada? – tornou o homem.

         -- Claro que não, Zé. Eu vim à toa.

         [...]

         -- A pé? Você não devia ter vindo, Maria. Estou achando que houve alguma coisa.

        -- Não teve nada, não. Mamãe chegou lá em casa e então eu aproveitei para dar um pulo até aqui.

        [...]

        -- Você não devia ter vindo, Maria – disse o homem.

        -- Eu sei, mas me deu vontade.”

a)   Dentre as opções abaixo, copie a resposta certa: O que o homem tem a intenção de dizer à mulher, ao repetir que ela não deveria ter ido até a praça?

·        Que ela cometeu um grave erro indo até lá.

·        Que ela não precisava ter feito tal sacrifício só para vê-lo.

b)   A mulher afirma que sua visita não foi motivada por nenhum problema. O que a teria levado até lá?

Ela foi porque teve vontade, porque quis estar perto do marido.

c)   O fato de a visita da mulher não ter sido motivada por um problema reforça ou contradiz o sentimento que, possivelmente, as personagens alimentam uma pela outra? Explique.

Reforça, pois, pelos comentários do homem, percebemos que ela fez um sacrifício indo até lá, e apenas para vê-lo por uns momentos.

04 – Releia estas passagens.

        I – Ela [...] fez o possível para sorrir, fixando atenta e profundamente a cara do homem.

        II – O homem [...] esperou que a mulher falasse. Olhavam-se como duas pessoas de intensa convivência.

        III – O homem ficou de pé, ao lado da mulher, observando-a comer o segundo pastel.

        A comunicação entre as personagens, nesses trechos, acontece por meio de um gesto específico. Qual?

      O olhar.

05 – As falas das personagens são curtas. Essa característica da linguagem pode ser associada a certa reserva ou secura na manifestação do afeto entre as personagens. Copie um trecho do texto em que o narrador confirma esse jeito de ser das personagens.

      “Ela moveu o rosto com dificuldade e fez o possível para sorrir, fixando atenta e profundamente a cara do homem.”

      “-- Ah – o homem sorriu. E uma onda de carinho, quase imperceptível, assomou-lhe o rosto lento e sofrido.”.

06 – Analise as circunstâncias em que acontece o encontro das personagens.

a)   Em que horário do dia deve ter ocorrido? Em que você se baseia para concluir isso?

Provavelmente no fim da manhã, já que Zé diz que passara a manhã toda sentado.

b)   Quantos trabalhos o homem tinha feito até aquele momento?

Apenas um.

c)   As personagens dizem que o dia vai melhorar, ou seja, que Zé vai ter mais trabalho. Elas se baseiam em algum dado objetivo para prever isso? Explique.

Elas não se baseiam em dados objetivos; trata-se mais de um desejo de que o dia melhore do que de uma previsão realista.

07 – Os silêncios, as falas curtas das personagens e a ausência de demonstrações de alegria e de afeto reforçam qual das ideias a seguir? Copie a resposta no caderno.

a)   A ideia de que a vida dura que as personagens levam as fez se cansarem uma da outra e tornou-as pessoas sem sentimentos.

b)   A ideia de que as personagens levam uma vida dura, enfrentando dificuldades financeiras, carente de alegria e prazeres.

08 – A vida das personagens do conto é marcada pela pobreza. Para cada item a seguir, anote as informações do texto que comprovam isso.

a)   Meio de transporte utilizado pela mulher.

Ela faz o percurso a pé na ida; na volta, para economizar, reluta em tomar o bonde.

b)   Aparência das personagens.

O homem tem rosto lento e sofrido; a mulher é esturrada.

c)   Maneira como a mulher se veste.

Ela usa um vestido muito largo e alpargatas.

d)   Ocupação do homem.

Retoca retratos e faz caricaturas em uma banca armada em um abrigo de bonde.

CLIPPING: CARTA CAPITAL - MAIS DO QUE UM DIÁRIO - (FRAGMENTO) - FÁBIO CIPRIANI - COM GABARITO

 Clipping: Carta CapitalMais do que um diário - Fragmento

             Fábio Cipriani

        [...]

Embora a internet tenha sido criada em 1969, a revolução começou de fato quando as ferramentas necessárias para a produção de artigos na rede ficaram simples e compreensíveis para grande parte dos usuários. Elas foram oferecidas por sites de hospedagem, como o Xanga.com, fundado em 1999, nos EUA. A partir dali o próprio usuário podia facilmente criar sua página e escrever o que quisesse para que todos o Jessem. Estava subvertida a ordem. Não era mais necessário ter o conhecimento técnico ou dinheiro para comprar um domínio na internet – era o advento da verdadeira liberdade de expressão virtual. Nascia o blog.

        O problema é que o volume de informações acumulado nos blogs cresce muito mais rápido do que os meios de filtrá-las. “O internauta precisa manter um índice de desconfiança, do contrário torna-se politicamente ingênuo e sujeito a intempéries como e-mails perigosos e informações falsas”, alerta Trivinho.

        [...]

                                                                                     Disponível em:                                    http://www.fabiocipriani.com/midia/clipping-carta-capital-mais-do-que-um-diario.

Acesso em: 3 maio 2015.

                    Fonte: Livro – Para Viver Juntos – Português – 9º ano – Ensino Fundamental – Anos Finais – Edições SM – p. 74.

Entendendo o clipping:

01 – Por que é um problema o fato de o volume de informações nos blogs crescer mais rápido do que os meios de filtrá-las?

      Porque isso exige do internauta uma atenção e uma desconfiança muito maiores em relação ao que lê nos blogs, já que pode haver desde informações erradas até disseminação de preconceito e indução a comportamento inadequados.

02 – Identifique e classifique a oração subordinada substantiva no trecho em destaque no último parágrafo (para isso, primeiro encontre os verbos do período).

      Verbo: é, cresce; “Que o volume de informações acumuladas nos blogs cresce muito mais rápido”: oração subordinada substantiva predicativa.

03 – Copie as frases abaixo no caderno e complete-a com a mesma informação (o volume de informações acumuladas nos blogs cresce muito mais rápido do que os meios de filtrá-las). Empregue orações subordinadas substantivas.

a)   O problema é este:

O problema é esse: que o volume de informações acumuladas nos blogs cresce muito mais rápido do que os meios de filtrá-las.

b)   O usuário dessa ferramenta precisa ter consciência.

O usuário dessa ferramenta precisa ter consciência de que o volume de informações acumuladas nos blogs cresce muito mais rápido do que os meios de filtrá-las.

04 – Classifique as orações subordinadas que você acrescentou às frases do item 3.

      As orações são, respectivamente, subordinada substantiva apositiva e subordinada substantiva completiva nominal.

REPORTAGEM: A REBELIÃO DOS RECLUSOS - BREILLER PIRES - COM GABARITO

 Reportagem: A rebelião dos reclusos

Jogadores lutam pelo fim da concentração

                                       Breiller Pires

        Jogadores se mobilizam para implodir a concentração, um regime do futebol de antigamente que não faz o menor sentido nos dias de hoje.

        No início dos anos 50, Neném Prancha, folclórico roupeiro do Botafogo, cunhou uma de suas frases mais famosas: “Se concentração ganhasse jogo, o time do presídio não perdia uma partida”. O ato de confinar jogadores já soava antiquado naquele tempo em que o profissionalismo começava a se assentar no Brasil, mas segue como praxe inquebrantável na maioria dos clubes nacionais, enquanto o resto do mundo desentrava os portões da clausura.

        A Copa do Mundo no Brasil ofereceu mais uma prova de que a reclusão pouco interfere em gols e vitórias. Alemanha e Holanda, duas das seleções que mais concederam liberdade a seus jogadores durante o torneio, terminaram em primeiro e terceiro lugares, respectivamente. […]

        Uma referência para os jogadores do Bom Senso FC, movimento surgido um ano atrás, que, entre diversas reivindicações para modernizar o futebol brasileiro, ensaia um levante para acabar com as concentrações antes dos jogos de seus clubes. Argumentos não faltam. O inchaço de datas nos campeonatos, além de longas viagens ao redor de um país com dimensões continentais, é suficiente para inflar a carga de trabalho em uma rotina de dois jogos semanais. Segundo líderes do grupo, essa dinâmica só seria atenuada com a readequação do calendário ou, no mínimo, o fim da concentração em jogos como mandante.

        Paulo André, ex-zagueiro do Corinthians, hoje no Shanghai Shenhua, da China, e um dos cabeças do Bom Senso FC, calcula que um jogador brasileiro de primeira ou segunda divisão fique, em média, 120 dias concentrado por ano. “Se a carreira do atleta dura 15 anos, ele passa quase cinco preso em concentração, longe dos amigos, dos filhos, da família. Há um excesso dos clubes, que tratam o jogador como gado”, diz. Dependendo do clube, o número de dias em confinamento pode ser ainda maior. Em 2012, jogadores do Atlético-MG, vice-campeão brasileiro, passaram 165 dias concentrados.

        Técnico do time na época, Cuca não abria mão da concentração antecipada, a dois dias de cada partida. A insatisfação do elenco atingiu o ápice em setembro daquele ano, culminando em atrito entre o técnico e Ronaldinho, que coincidiu com o pior mês da equipe no Brasileirão: 37,5% de aproveitamento e três derrotas. No início de outubro, Cuca cedeu e abortou os dois dias de concentração, mas já era tarde. O Atlético, que havia feito o melhor primeiro turno da história dos pontos corridos, acabou perdendo a liderança para o Fluminense e não conseguiu mais tirar a diferença. Na campanha do título da Libertadores, no ano seguinte, mesmo se tratando de uma competição mais curta, o clube só antecipou a concentração a partir das oitavas de final.

        Curiosamente, Cuca foi o primeiro técnico a experimentar uma mudança no método tradicional depois da curta vigência da Democracia Corintiana na década de [19]80. No começo de 2008, quando dirigia o Botafogo, ele dispensou os jogadores de dormirem em General Severiano antes dos jogos em casa. “Quero passar confiança e credibilidade ao grupo. Se o cara dorme às 23h aqui, ele vai dormir no mesmo horário na casa dele”, discursou ao anunciar a medida. Cinco meses depois, eliminado da Copa do Brasil, deixou o clube carioca e assumiu o Santos. Sua primeira providência foi instituir a concentração antecipada, alegando que não queria ver jogadores madrugada adentro na antevéspera do jogo. “No Botafogo, se algum jogador saía de casa na hora errada, os outros vigiavam e me avisavam. Aqui o grupo ainda está sendo formado”, afirmou.

        No primeiro dia de agosto deste ano, Levir Culpi, atual comandante do Atlético, deu cabo da concentração para jogos em Belo Horizonte, atendendo um antigo pedido dos jogadores, à revelia do presidente Alexandre Kalil e do diretor de futebol Eduardo Maluf. “Nosso calendário é ridículo”, justificou o técnico, que colocou o cargo à disposição caso a estratégia falhe. “Dormir em casa, com a família, é muito melhor do que com 30 homens dentro de um CT.”

Lei da compensação

        Experiências recentes em torno do fim da concentração têm sido diretamente relacionadas a pendências salariais nos clubes. Insatisfeitos com os atrasos de ordenado, jogadores de Botafogo, Vasco e Portuguesa impuseram boicote ao toque de recolher das comissões técnicas em 2013. Como concentrar é uma das obrigações contratuais do atleta, o não cumprimento do acordo por parte do clube dá brecha para a rebelião. No caso do Glorioso, a atitude foi iniciativa de Seedorf durante sua passagem pelo alvinegro. O holandês sugeriu a concentração facultativa: quem preferisse poderia passar a noite em General Severiano, em vez de ir para casa, e só se apresentar horas antes do jogo. No fim do ano, após derrota para o Coritiba, o elenco teve uma reunião acalorada no vestiário, rachado entre “rebelados” e concentrados, que questionavam o quanto o desmantelamento do retiro teria influenciado o desempenho do time.

        “O Botafogo deu um grande passo para acabar com a concentração no Brasil. Ninguém gosta de ficar isolado. É preciso mudar a cabeça das pessoas, porque o jogador não é tão irresponsável como tentam pintar”, diz Seedorf, que se tornou treinador e, apesar do pensamento, não alterou a fórmula de confinamento no Milan ao longo de seus seis meses no comando da equipe italiana. No Botafogo, que acumula mais de cinco meses de salários atrasados, os jogadores agora têm autonomia para decidir em quais partidas o elenco irá se concentrar.

        O Coritiba, de Alex, outro líder do Bom Senso FC, chegou a testar a abolição da clausura no ano passado, sob o comando de Marquinhos Santos. A liberdade de jogadores antes das partidas no Couto Pereira durou apenas um semestre, até o presidente Vilson Ribeiro de Andrade decretar concentração antecipada de dois dias devido aos maus resultados do time no Campeonato Brasileiro. “Não há uma política para acabar com a concentração no Brasil”, diz Alex. “Tudo gira em torno da parte financeira e do resultado.” Atualmente, apenas Atlético e Internacional, desde fevereiro, mantêm o modelo brando de concentração, com o aval de Abel Braga e da diretoria. “Isso não significa deixar o jogador à vontade para fazer o que quiser. Na verdade, estamos colocando mais responsabilidade em suas mãos. O comprometimento do atleta precisa ser incondicional, dentro ou fora do clube”, afirma o técnico.

        Com isso, jogadores colorados têm se apresentado no fim da manhã para almoçar no hotel, assistir à preleção da comissão técnica e, então, seguir para o Beira-Rio. O esquema só muda na véspera do clássico Grenal, quando toda a delegação dorme no hotel. Por enquanto, Abel não se arrepende da decisão. “No ano passado, os caras ficaram 168 dias concentrados. Tá louco, isso não existe. Tinha jogador que não aguentava mais olhar pra cara do outro. Grandes clubes do mundo inteiro já não concentram mais. Hoje o atleta profissional tem mais responsabilidade.”

Dá pra confiar?

        De acordo com técnicos e dirigentes, os grandes entraves para o veto definitivo às concentrações são o comportamento do jogador fora do ambiente de trabalho e o constante patrulhamento dos torcedores. “Concentração no futebol tem de ser abolida a partir de dezembro de 2014”, disse Alexandre Kalil, ferrenho adepto do expediente, antes de Levir Culpi revogar sua norma no Atlético dois dias depois de Ronaldinho deixar o clube. “Porque meu mandato acaba no fim do ano. Aí eu não vou ter de sair de madrugada atrás de jogador. Se soltar, meu amigo, a torcida vai pegar um monte na rua, na farra...”

        Outros mais moderados defendem a controversa medida de que apenas jogadores solteiros deveriam se concentrar, por, supostamente, estarem mais expostos às tentações noturnas. “Já vi jogador marcar encontro dentro da concentração. Trancados, eles já dão um jeito, imagina sem regra, sem controle? Os solteiros precisam de vigilância contínua. O que não garante que o cara casado tenha uma noite de sono bem dormida ou uma alimentação balanceada”, afirma o ex-zagueiro e diretor de futebol do Botafogo Wilson Gottardo, que é contrário à resolução dos jogadores de não se concentrarem por causa dos atrasos de pagamento no clube. Edmundo, hoje comentarista, conta que nunca se opôs à concentração nos tempos de jogador e acredita que a regra deva valer para todos. “Às vezes, o craque do seu time é o irresponsável. E aí não dá pra concentrar só um ou outro, senão racha o grupo. Tem de reunir todo mundo.” [...]

        Por sua vez, jogadores pedem um voto de confiança. Argumentam que já seguem uma rígida cartilha dos departamentos de futebol, como os cuidados para se alimentar adequadamente nos horários de folga. Que a concentração gera prejuízo ao clube, sobretudo aos pequenos que não dispõem de instalações no centro de treinamento e precisam bancar hospedagem para o elenco – o gasto estimado de times grandes com hotéis é de aproximadamente 50000 reais por mês. Que a tecnologia, em forma de internet, celulares, computadores e videogames, que têm uso liberado nos redutos boleiros, substituiu antigos passatempos, como sinuca, dominó e carteado, que favoreciam o convívio em grupo. Com isso, a maioria dos jogadores, quando está no alojamento ou no hotel, se encerra em sua ocupação individual e canaliza a interação em suas redes sociais.

        “Cada um tem seu ritual para passar o tempo na concentração. São raros os momentos de união do grupo. Acredito que o atleta profissional no Brasil já atingiu maturidade suficiente para se cuidar fora do clube”, diz Paulo André, que entende que o fim da reclusão compulsória criaria uma espécie de “seleção natural” no meio. “O jogador é quem fica exposto com o erro, com o desempenho abaixo do esperado. Quem abusar da noite antes de um jogo não vai resistir à cobrança da torcida e dos próprios companheiros de time.”

        Mesmo com um grupo crescente de jogadores que questionam o tratamento que comparam ao de babás, o fim da concentração não é uma unanimidade na classe. Alguns atletas dizem apreciar o confinamento por costume. Técnicos, cartolas e ex-jogadores se prendem à velha guarda. “Eu nunca fugi de concentração”, afirma Vampeta, ex-jogador e presidente do Grêmio Osasco Audax. “Sempre gostei, porque eu descansava e comia bem. No meu time, jogador sempre vai concentrar.”

        Para quem vive a era do quarto individual e do videogame na concentração, o tempo é de combate às práticas arcaicas que remetem à época do amadorismo. O atacante Diego Tardelli, um dos que condenaram o rigoroso regime fechado de Cuca no Atlético e que mais fizeram lobby com Levir Culpi para flexibilizar as regras na Cidade do Galo, um CT com hotel moderno e 20 suítes construídas especialmente para abrigar o elenco alvinegro, faz coro à grita por mais liberdade. “É preciso dar crédito aos jogadores. Hoje, o que restou de ‘concentração’ é só o nome. A gente se reúne para jogar videogame. Concentrar mesmo é a caminho do estádio, no ônibus, no vestiário. A tendência é mudar esse regime. Tomara que os clubes acabem com isso o mais rápido possível”, diz. Depois de avistarem a luz no horizonte de dívidas e caos financeiro dos clubes, os jogadores prometem concentrar esforços para derrubar a última prisão do futebol. […]

 Breiller Pires. Disponível em: http://placar.abril.com.br/materia/a-rebeliao-dos-reclusos-jogadores-lutam-pelo-fim-da-concentracao/. Acesso em: 7 abr. 2015.

                 Fonte: Livro – Para Viver Juntos – Português – 9º ano – Ensino Fundamental – Anos Finais – Edições SM – p. 92-6.

Entendendo a reportagem:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:

·        Amadorismo: dedicação a algo sem caráter profissional.

·        Facultativo: que não é obrigatório; opcional.

·        À revelia: sem o conhecimento ou o consentimento.

·        Lobby: pressão de um grupo organizado sobre políticos e poderes públicos com o objetivo de defender determinados interesses.

·        Clausura: situação de quem não pode sair do internamento.

·        Mandante: time que joga em sua cidade.

·        Compulsório: obrigatório.

·        Ordenado: salário.

·        CT: abreviação de centro de treinamento.

·        Preleção: palestra com finalidade didática.

·        Dar cabo: extinguir.

·        Revogar: anular, cancelar.

02 – Essa reportagem aborda um assunto recorrente e polêmico no futebol.

a)   Qual é o seu tema?

A concentração dos jogadores antes dos jogos.

b)   Que aspecto desse tema ela investiga?

Se a concentração é válida ou não nos dias de hoje.

03 – As informações presentes na reportagem baseiam-se em quais dos elementos a seguir, além do relato de fatos feito pelo jornalista?

·        Depoimentos de técnicos.

·        Dirigentes.

·        Jogadores.

·        Estudiosos do assunto.

·        Dados estatísticos.

·        Citação de regulamentos.

04 – Copie a tabela a seguir e preencha-a com as referências da reportagem.

·        Favoráveis à concentração: Cuca (enquanto técnico do Santos); Alexandre Kalil; Eduardo Maluf; Seedorf (enquanto técnico do Milan); Vilson R. de Andrade; Wilson Gottardo; Edmundo.

·        Contrários à concentração: Bom Senso FC; Cuca; Levir Culpi; Seedorf; Marquinhos Santos; Alex; Abel Braga; Diego Tardelli.

05 – Entre os que são favoráveis à concentração, há um argumento recorrente.

a)   Qual é esse argumento?

O de que o jogador em seu tempo livre tende a cometer excessos e isso faz gerar maus resultados nos jogos.

b)   Esse argumento aparece no discurso do jornalista ou no discurso de terceiros? Comprove sua resposta.

No discurso de terceiros, tanto direto (citando Alexandre Kalil no parágrafo 12; Wilson Gottardo e Edmundo no parágrafo 13) quanto indireto (citando técnicos e dirigentes no parágrafo 12).

06 – A reportagem menciona um contra-argumento à alegação de que o fim da concentração geraria maus resultados.

a)   Qual é esse contra-argumento?

Afirma-se que o jogador de hoje (que atua profissionalmente) é mais responsável, pois, se ele cometer excessos, não terá um bom desempenho e acabará se expondo diante da torcida e dos companheiros. Logo, não iria querer correr esse risco.

b)   Esse contra-argumento é assumido no discurso do jornalista ou no discurso de terceiros? Comprove sua resposta.

No discurso de terceiros (direto, citando Seedorf, no parágrafo 9, Abel Braga, no parágrafo 11, e Paulo André, no parágrafo 15.

07 – A reportagem aponta que a concentração perdeu sua utilidade.

a)   Como ela esclarece essa declaração para o leitor?

No passado, época do amadorismo, a equipe permanecia mais tempo junta, pois o entretenimento disponível levava a isso. Hoje, na concentração, os jogadores se isolam, em razão do uso de celulares, computadores e videogames.

b)   Esse relacionamento aparece no discurso do jornalista ou de terceiros?

No discurso de terceiros (tanto indireto, citando jogadores em geral no parágrafo 15, quanto direto, citando Diego Tardelli no parágrafo 18).

08 – Em que parágrafos o discurso do jornalista, e não das diversas referências que ele cita, manifesta um ponto de vista sobre a concentração?

      Nos parágrafos 1 e 2.

09 – A reportagem apresenta intertítulos, o primeiro é “Lei da compensação”.

a)   A que compensação esse intertítulo se refere?

Em alguns times, os jogadores não recebem seus salários em dia. Dessa forma, eles se sentem à vontade para não cumprir uma regra do contrato, que é a da concentração. Trata-se, portanto, de uma forma de compensação.

b)   O segundo é “Dá pra confiar?”. Que efeito o ponto de interrogação cria?

Ele lança dúvida quanto à possibilidade de confiar no jogador, em sua responsabilidade.

10 – A proposta de acabar com a concentração é polêmica. A que mudanças, exatamente, a reportagem se refere, no que diz respeito à concentração?

      Diminuir ou acabar com a concentração quando o jogo se realiza na cidade do time e, eventualmente, aliviar a rigidez do isolamento quando a concentração é necessária (como em uma Copa), com a liberação de visitas.

 

 

 

 

REPORTAGEM: CORO QUE NÃO SE DEVE OUVIR - PAULO CÉSAR VASCONCELLOS - COM GABARITO

 Reportagem artigo: Coro que não se deve ouvir

                    Paulo César Vasconcellos

        Ainda bem que alguns torcedores europeus levam ao estádios o racismo que os alimenta nas refeições, nas orações feitas todas as noites antes de dormir e na literatura consumida nos porões que frequentam, disfarçados de domicílios, para reuniões de explícita intolerância. Melhor que seja assim. Detesto comportamentos ocultos, dissimulados e hipócritas.

        Quando Roberto Carlos, melhor lateral esquerdo do mundo e titular absoluto do time do Real Madri, é chamado de “macaco” pelo coral de beócios das arquibancadas, o mundo se defronta com um olhar tão míope quanto antigo e inaceitável: o preconceito de raça. A ofensa e a humilhação a Roberto Carlos – tal e qual acontecera antes com Juan e Roque Júnior, jogadores do Bayer Leverkusen, da Alemanha – mostram que o lado humanista do homem anda para trás na mesma velocidade em que a tecnologia avança. A agressão ao lateral atinge a todos os brasileiros. Cutuca o tumor maligno de uma doença antiga e necessitada de tratamento diário: a intolerância desses jovens aprisionados por ideias ridículas e alimentados pela pobreza intelectual.

        A agressão aos nossos jogadores, que são chamados de macaco por torcedores nos estádios da Espanha, atinge a todos os brasileiros.

        Cenas explícitas de racismo

        O sujeito careca, baixinho, negro e habituado a vestir a camisa da Seleção Brasileira há tempos é um verde e amarelo em estado puro. Basta consultar a biografia dele. Faz parte daquela camada da população   acostumada a ouvir não para a saúde, a educação e a comida desde os tempos da tataravó. Ofendê-lo é um desrespeito à história construída por Roberto Carlos dentro do esporte. Trata-se de um ídolo. Capaz de levar multidões ao estádio, inclusive o bando de idiotas que saiu do campo rouco de tanto ofendê-lo.

        É bom deixar claro que as cenas explícitas de racismo – há as implícitas e estas são as piores – não se concentram nos brasileiros. Esta onda de ofensas aos jogadores negros avança com a mesma velocidade com que desaparecem os neurônios desse pessoal. E não se limitam à Espanha. Varrem a Europa, sob o olhar complacente da cartolagem, o que aumenta a dose de inquietação.

        É preciso punição exemplar

        Não dá mais para ninguém ficar calado. O silêncio tem ajudado a encorpar a visão equivocada dessa tribo agressiva e viúva de uma época dominada pela intolerância. Aumenta, em progressão geométrica, o número de toscos defensores do segregacionismo. Mesmo assim ainda é uma minoria e, portanto, o momento da reação faz-se mais do que necessário. Há séculos, o negro não vai para o tronco, não viaja nos porões do navio e tampouco é comercializado nas ruas. Há séculos, o negro anda de cabeça erguida, levanta troféus, ganha chuteiras de ouro e faz História. Quem ainda não percebeu a mudança no planeta – por não aceitar ou por falta de inteligência – está condenado ao degredo. Merece ser preso e punido com rigor exemplar.

        A diferença de pontos de vista passa pela aceitação de todas as ideias. Mas o ódio é coisa de quem não sabe dialogar e pensar. Todos devem gritar.

Revista Raça Brasil, mar. 2005.

Fonte: Língua Portuguesa. Viva Português. 9° ano. Editora Ática. Elizabeth Campos. Paula Marques Cardoso. Silvia Letícia de Andrade. 2ª edição. 2011. P. 233-35.

Entendendo a reportagem:

01 – No artigo, fica clara a crítica dirigida ao grupo de torcedores europeus. No caderno, identifique a atitude que provocou a crítica.

      Certos torcedores, numa atitude racista e intolerante, chamaram em coro, num estádio da Espanha, o jogador Roberto Carlos de macaco.

02 – Releia o início do artigo e responda: Por que o articulista acha bom que os europeus levem o racismo aos estádios?

      O texto sugere que apenas com uma atitude explícita de racismo torna-se possível a discussão clara do tema e que isso é muito melhor do que o racismo oculto, dissimulado, com cara de que não existe.

03 – Como forma de mostrar sua indignação, Paulo César Vasconcellos emprega diversas expressões para qualificar a atitude dos torcedores, o preconceito e a humanidade em geral. No caderno, faça um levantamento de todas essas expressões, distribuindo-as num quadro como este:

a)   Expressões usadas para qualificar os torcedores e sua atitude racista.

Beócios; olhar míope, antigo, inaceitável; jovens aprisionados por ideias ridículas e alimentados pela pobreza intelectual; bando de idiotas; tribo agressiva e viúva de uma época dominada pela intolerância; toscos defensores do segregacionismo; desaparecem os neurônios desse pessoal.

b)   Expressões usadas para qualificar o preconceito.

Tumor maligno; doença antiga e necessitada de tratamento diário; esta onda de ofensas aos jogadores negros avança com a mesma velocidade com que desaparecem os neurônios desse pessoal.

c)   Expressões usadas para qualificar o comportamento humano.

O lado humanista do homem anda para trás na mesma velocidade em que a tecnologia avança.

04 – Agora, faça um levantamento das referências usadas para qualificar o jogador Roberto Carlos.

      Melhor lateral esquerdo do mundo; Titular absoluto do time do Real Madrid; Careca, baixinho, negro, um verde e amarelo em estado puro; é da camada da população que não teve direito a nada; trata-se de um ídolo, capaz de levar multidões ao estádio.

05 – No caderno, destaque o trecho em que o articulista faz referência aos negros.

      “Há séculos, o negro não vai para o tronco, não viaja nos porões do navio e tampouco é comercializado nas ruas. Há séculos, o negro anda de cabeça erguida, levanta troféus, ganha chuteiras de ouro e faz História.”.

06 – Reveja o conjunto de características atribuídas aos torcedores europeus, a Roberto Carlos e aos negros.

a)   Que características as palavras atribuídas aos torcedores europeus destacam?

A burrice, a pobreza intelectual.

b)   Que característica as palavras atribuídas a Roberto Carlos destacam?

Destacam o lugar de ídolo que ele ocupa no esporte.

c)   Que característica as palavras atribuídas ao negro destacam?

Destacam a atual dignidade do negro.

07 – O articulista não usa argumentos de autoridade (depoimentos de especialistas, resultados de pesquisas, etc.), mas envolve o leitor adotando os recursos usados pelos próprios torcedores europeus. Com base nas respostas anteriores, responda no caderno:

a)   O título do texto é “Coro que não se deve ouvir”. Que coro não deve ser ouvido?

O coro de torcedores que ofendem jogadores negros com termos racistas e preconceituosos.

b)   O texto termina com a frase “Todos devem gritar”. O que todos devem gritas? Comprove sua resposta com uma frase do texto.

Todos devem gritar contra a intolerância e o comportamento racista. Todos devem se indignar e denunciar o preconceito. “Não dá mais para ninguém ficar calado. O silêncio tem ajudado a encorpar a visão equivocada dessa tribo agressiva e viúva de uma época dominada pela intolerância”.

c)   Explique em que medida a frase: “Todos devem gritar” adota o mesmo recurso usado pelos torcedores europeus para ofender os jogadores negros.

Paulo César Vasconcellos pede um coro contra o racismo e a intolerância, assim como foi usado um coro para ofender Roberto Carlos e outros jogadores negros.

d)   Para tornar clara sua indignação, o autor emprega expressões que relacionam as atitudes preconceituosas à burrice, à idiotice, à pobreza intelectual, enfim, à falta de inteligência. Em que medida esse recurso se assemelha àqueles usados pelos torcedores?

Assim como os torcedores ofenderam os jogadores chamando-os de “macacos”, Paulo César Vasconcellos opta por ofendê-los chamando-os de atrasados, burros, donos de ideias ridículas, etc.

e)   Responder a uma ofensa com outra ofensa normalmente só serve para alimentar os ódios. Na sua opinião, o que diferenciaria as ofensas feitas pelos torcedores das ofensas de Paulo César?

Resposta pessoal do aluno.

f)    Ao chamar os jogadores negros de “macacos”, os torcedores europeus sugerem que são uma raça superior. De que modo Paulo César, em seu texto, responde a essa ofensa?

Paulo César opõe a biografia de Roberto Carlos e a dignidade dos negros, sua história de conquistas e vitórias à falta de inteligência das pessoas que ainda não perceberam ou não aceitaram essa realidade.

 

 

     

ARTIGO DE OPINIÃO: CACÓFATOS - CLÁUDIO MORENO - COM GABARITO

ARTIGO DE OPINIÃO: Cacófatos

                                      Cláudio Moreno

      No início do século passado, antes da Primeira Grande Guerra, o estudo da Língua Portuguesa no Brasil era dominado por um bando de corvos barulhentos, de pouca ou nenhuma ciência, que passavam seu tempo a procurar “defeitos” na linguagem dos outros e a acusá-los, com o dedo em riste, como se fossem criminosos hediondos. “Galicismo!”, bradava um; “Errou a mesóclise!”, gritava outro; e a vítima, o autor desses “erros”, tinha de vir a público fazer sua defesa, apoiar-se nos clássicos, invocar autores consagrados que lhe avalizassem a frase suspeita. Nem Machado escapou desses abutres! Só Camões passou livre por essa gentalha: escreveu “Alma minha gentil que te partiste” bem na entrada de seu maravilhoso soneto, e não veio nenhum desses pigmeus apontar-lhe o dedo e gritar “Fora! Falou maminha”!

        Foi um tempo de trevas, para os estudos do Português; esses inquisidores, todos eles autodidatas da pior espécie, chegaram a deter o poder cultural e literário, aliados aos maus poetas do Parnasianismo, aquele estilo fraco e artificial que grassava neste país e que até hoje tem suas viúvas. Infelizmente, essa época deixou marcas profundas no nosso ensino gramatical; é com indignação que vejo, até hoje (século XXI!), professores falarem a seus alunos sobre “vícios de linguagem”! Meu Deus! Que tipo de curso de Letras fizeram essas “sumidades”? E ainda enchem a boca, falando da “crise atual da linguagem”. Pudera não; com mestres assim, o que será dos discípulos?

        Pois uma das preocupações desses censores eram os cacófatos — palavras torpes, obscenas ou ridículas (esta adjetivação é da época) formadas por aqueles encontros casuais das sílabas finais de um vocábulo com as iniciais do outro. “Não pense nunca nisso” – pronto! Falou caniço. “Já que tinha resolvido…” — pronto! Falou jaquetinha. “O irmão pôs a culpa nela” — pronto! Falou panela. “Existe uma herdeira” — pronto! Falou merdeira. Sou obrigado a reconhecer, nesses fanáticos, uma imaginação exacerbada e uma extrema sensibilidade para o mau vocábulo. Dir-se-ia que eles, como o Joãozinho da anedota (ou, para ser mais atual, como Beavis e Butthead), andavam a pensar apenas em sem-vergonhice, ou a procurá-la por toda parte. O leitor normal (principalmente na leitura usual, silenciosa) sequer enxerga essas preciosidades, e precisamos apontá-las com o dedo, sublinhá-las até, para que ele finalmente se dê conta de que elas podem estar ali.

        Foi por causa do cacófato que chegaram a propor o uso do apóstrofo (na escrita!) em expressões como “u’a mão”, para evitar o som /umamão/, (na fala!) que poderia ser segmentado como “um mamão”. É de fazer chorar bacalhau em porta de venda! Lima Barreto, corrosivo e denodado inimigo desses gramatiqueiros puristas, fez questão de colocar, no título de um de seus romances (e já foi dito que o título é a frase do livro que mais vezes será lida e repetida), “Vida e Morte de M.J. Gonzaga de Sá”. Das milhentas combinações de iniciais que poderia ter usado, podem ter certeza que não foi por acaso que escolheu essa insultuosa mijota.

        Hoje só se admite uma certa preocupação com os cacófatos no caso da TV e do rádio, e, mesmo assim, dificilmente o ouvinte vai fazer essas segmentações tendenciosas. Só mesmo quando o efeito é gritante; meu amigo Sérgio Nogueira fala da transmissão do jogo Brasil e Coréia, em que ouviu “Fábio Conceição pediu a bola e Cafu deu” — bom, aí é um petardo que não podemos deixar de ouvir, como também no famoso “chuta Neneca, gol!”. Fora disso, tenho visto é aquele uso maroto do cacófato, que o autor faz questão de sinalizar para que todos percebam. Lembro de uma entrevista na TV com o humorista Jaguar, em que ele disse “o boom pausa da literatura”; ao falar “pausa”, estava fazendo uma bela piada. Ou de uma receita fornecida por Wilson Morais, na revista Culinária ICONet, em que ele escreve “Sal e alho (pique, não amasse naquele aparelho de socar alho — perdão pelo cacófato inevitável!)”. Ou ainda de um quadro do Moacyr Franco, no programa A Praça é Nossa (vejam como Sua Língua também é cultura!), em que ele interpretava um tal de Jeca Gay. Agora sim, parece que encontraram o verdadeiro tratamento que o cacófato merece, diferente daquela visão repressiva, obscurantista, do Brasil de antigamente: ele é um jogo criativo com a linguagem, safado, moleque, presente nas brincadeiras verbais do colégio e nas genuínas piadas do Casseta & Planeta.

                                                           http://educaterra.terra.com.br/sualíngua/02/02, cacófatos.htm, acessado em 6/10/2005.

Fonte: Língua Portuguesa. Viva Português. 9° ano. Editora Ática. Elizabeth Campos. Paula Marques Cardoso. Silvia Letícia de Andrade. 2ª edição. 2011. P. 242-3.

Entendendo o texto:

01 – O que é cacófato?

      É a aproximação de palavras que causam mau impacto sonoro, provocando um sentido obsceno ou ridículo.

02 – Segundo Cláudio Moreno, quando o cacófato é bem usado?

      Quando se objetiva fazer humor, brincadeiras.

03 – Ainda de acordo com o articulista, não devemos nos preocupar exageradamente com o cacófato na linguagem escrita. Por quê?

      Porque, em geral, ninguém percebe sua ocorrência.

04 – No texto, ele apresenta exemplos de cacófatos. Escreva dois exemplos.

      Nunca nisso (caniço), alma minha (maminha), já que tinha (jaquetinha), culpa nela (panela).

05 – O radical caco em grego significa “ruim”, portanto cacofonia é tudo o que tem som desagradável. Pesquise em programas humorísticos, em revistas de anedotas, etc., outros exemplos de cacófatos.

      Resposta pessoal do aluno.