quarta-feira, 22 de novembro de 2023

CRÔNICA: SUFLÊ DE CHUCHU - LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO - COM GABARITO

 Crônica: Suflê de Chuchu

               Luís Fernando Veríssimo

 Houve uma grande comoção em casa com o primeiro telefonema da Duda, a pagar, de Paris. O primeiro telefonema desde que ela embarcara, mochila nas costas (a Duda, que em casa não levantava nem a sua roupa do chão!), na Varig, contra a vontade do pai e da mãe. Você nunca saiu de casa sozinha, minha filha! Você não sabe uma palavra de francês! Vou e pronto. E fora. E agora, depois de semanas de aflição, de "onde anda essa menina?", de "você não devia ter deixado, Eurico!", vinha o primeiro sinal de vida. Da Duda, de Paris.



- Minha filha...

- Não posso falar muito, mãe. Como é que se faz café?

- O quê?

- Café, café. Como é que se faz?

- Não sei, minha filha. Com água, com... Mas onde é que você está, Duda?

- Estou trabalhando de "au pair" num apartamento. Ih, não posso falar mais. Eles estão chegando. Depois eu ligo. Tchau! O pai quis saber detalhes. Onde ela estava morando?

- Falou alguma coisa sobre "opér".

- Deve ser "operá". O francês dela não melhorou... Dias depois, outra ligação. Apressada como a primeira. A Duda queria saber como se mudava fralda. Por um momento, a mãe teve um pensamento louco. A Duda teve um filho de um francês! Não, que bobagem, não dava tempo. Por que você quer saber, minha filha?

- Rápido, mãe. A criança tá borrada! Ninguém em casa podia imaginar a Duda trocando fraldas. Ela, que tinha nojo quando o irmão menor espirrava.

- Pobre criança... - comentou o pai. Finalmente, um telefonema sem pressa da Duda. Os patrões tinham saído, o cagão estava dormindo, ela podia contar o que estava lhe acontecendo. "Au pair" era empregada, faz-tudo. E ela fazia tudo na casa. A princípio tivera alguma dificuldade com os aparelhos. Nunca notara antes, por exemplo, que o aspirador de pó precisava ser ligado numa tomada. Mas agora estava uma opér "formidable". E Duda enfatizara a pronúncia francesa. "Formidable." Os patrões a adoravam. E ela prometera que na semana seguinte prepararia uma autêntica feijoada brasileira para eles e alguns amigos.

- Mas, Duda, você sabe fazer feijoada?

- Era sobre isso que eu queria falar com você, mãe. Pra começar, como é que se faz arroz? A mãe mal pôde esperar o telefonema que a Duda lhe prometera, no dia seguinte ao da feijoada.

- Como foi, minha filha. Conta!

- Formidable! Um sucesso. Para o próximo jantar, vou preparar aquela sua moqueca.

- Pegue o peixe... - começou a mãe, animadíssima. A moqueca também foi um sucesso. Duda contou que uma das amigas da sua patroa fora atrás dela, na cozinha, e cochichara uma proposta no seu ouvido: o dobro do que ela ganhava ali para ser opér na sua casa. Pelo menos fora isso que ela entendera. Mas Duda não pretendia deixar seus patrões. Eles eram uns amores. Iam ajudá-la a regularizar a sua situação na França. Daquele jeito, disse Duda a sua mãe, ela tão cedo não voltava ao Brasil. É preciso compreender, portanto, o que se passava no coração da mãe quando a Duda telefonou para saber como era a sua receita de suflê de chuchu. Quase não usavam o chuchu na França, e a Duda dissera a seus patrões que suflê de chuchu era um prato típico brasileiro e sua receita era passada de geração a geração na floresta onde o chuchu, inclusive, era considerado afrodisíaco. Coração de mãe é um pouco como as Caraíbas. Ventos se cruzam, correntes se chocam, e uma área de tumultos naturais. A própria dona daquele coração não saberia descrever os vários impulsos que o percorreram no segundo que precedeu sua decisão de dar à filha a receita errada, a receita de um fracasso. De um lado o desejo de que a filha fizesse bonito e também - por que não admitir? - uma certa curiosidade com a repercussão do seu suflê de chuchu na terra, afinal, dos suflês, do outro o medo de que a filha nunca mais voltasse, que a Duda se consagrasse como a melhor opér da Europa e não voltasse nunca mais. Todo o destino num suflê. A mãe deu a receita errada. Com o coração apertado. Proporções grotescamente deformadas. A receita de uma bomba. Passaram-se dias, semanas, sem uma notícia da Duda. A mãe imaginando o pior. Casais intoxicados. Jantar em Paris acaba no hospital. Brasileira presa. Prato selvagem enluta famílias, receita infernal atribuída à mãe de trabalhadora clandestina, Interpol mobilizada. Ou imaginando a chegada de Duda em casa, desiludida com sua aventura parisiense, sua carreira de opér encerrada sem glória, mas pronta para tentar outra vez o vestibular. O que veio foi outro telefonema da Duda, um mês depois. Apressada de novo. No fundo, o som de bongos e maracas.

- Mãe, pergunta pro pai como é a letra de Cubanacã!

- Minha filha...

- Pergunta, é do tempo dele. Rápido que eu preciso pro meu número. Também houve um certo conflito no coração do pai, quando ouviu a pergunta. Arrá, ela sempre fizera pouco do seu gosto musical e agora precisava dele. Mas o segundo impulso venceu:

- Diz pra essa menina voltar pra casa. JÁ!

Entendendo o texto

01. Qual foi o acontecimento da família quando a Duda fez o primeiro telefonema de Paris?

a) Felicidade e ruptura.

b) Desconfiança e preocupação.

c) Indiferença e surpresa.

d) Despreocupação e descontração.

   02. Por que o pai e a mãe estavam preocupados com a viagem da Duda para Paris?

         a) Porque ela não sabia falar francês.

         b) Porque ela não tinha experiência em viajar sozinha.

         c) Porque ela tinha embarcado contra a vontade deles.

         d) Porque ela não gosta de café.

     03. O que a Duda pergunta à mãe no segundo telefonema?

          a) Como fazer um suflê de chuchu.

          b) Como trocar fralda de bebê.

          c) Como fazer café.

         d) Como preparar uma feijoada.

    04. Como a mãe reage quando a Duda pede a receita de suflê de chuchu?

         a) Ela dá a receita correta.

         b) Ela fica curiosa com a repercussão do suflê na França.

         c) Ela dá a receita errada.

         d) Ela se recusou a ajudar.

    05. Por que a mãe dá a receita errada do suflê de chuchu para a Duda?

         a) Para treinar a filha.

         b) Por curiosidade sobre a repercussão na França.

         c) Por medo de que a Duda não volte para casa.

         d) Porque a mãe não sabia a receita correta.

   06. Como a mãe descreve o coração quando a Duda liga pedindo a receita de suflê de chuchu?

        a) Como um deserto sem emoções.

        b) Como as Caraíbas, cheias de ventos cruzados e correntes chocadas.

        c) Como uma floresta afrodisíaca.

        d) Como uma bomba dispara a destruição.

    07. Quais foram as consequências da receita errada do suflê de chuchu?

       a) Duda se tornou uma cozinheira renomada em Paris.

       b) Duda teve sucesso e foi elogiada pelos patrões.

       c) A família ficou sem notícias da Duda por semanas.

       d) A mãe nunca mais deu receitas à Duda.

     08. O que a mãe imaginou como possível resultado da receita errada?

         a) Duda sendo elogiada na França.

         b) Problemas de saúde causados ​​pelo suflê.

         c) Duda desiludida com a aventura parisiense.

         d) Duda se consagrando como a melhor ópera da Europa.

  09. Qual foi a ocorrência do pai quando o Duda pediu a letra de "Cubanacã"?

        a) Ele ficou feliz em ser útil para a filha.

        b) Ele decidiu ajudar.

        c) Ele ficou irritado e mandou a filha voltar para casa.

       d) Ele não se importou com o pedido.

   10. Qual foi a última instrução do pai para a Duda no final da crônica?

       a) Pedir desculpas à mãe.

       b) Voltar para casa imediatamente.

       c) Continuar sua carreira como ópera em Paris.

      d) Não se preocupe com a letra de "Cubanacã".

 

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