domingo, 5 de novembro de 2023

CRÔNICA: QUANDO EU NÃO SEI ONDE GUARDEI UM PAPEL ... CLARICE LISPECTOR - COM GABARITO

 Crônica: Quando eu não sei onde guardei um papel...

              Clarice Lispector

        Quando não sei onde guardei um papel importante e a procura revela-se inútil, pergunto-me: se eu fosse eu e tivesse um papel importante para guardar, que lugar escolheria? Às vezes dá certo. Mas muitas vezes fico tão pressionada pela frase "se eu fosse eu", que a procura do papel se torna secundária, e começo a pensar. Diria melhor, sentir.

Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhjvkrKQ42O06i_iMKo3P9XX6aNzInrmnkCvGHig2JtRXnlrU0RWNj1qCoCSq3oja4ULZc3BfGUVAuZlxzoNzX-NY8jVVyFBzJLKDJ5PlVwVqUTMiKviDMySiUKzHeFXia0_r-YQ8BJHFxfxUyNVeeCBVnEuQoEXuVmYZGwl4-tu0obLQBVmEQX6YgYW7o/s320/PAPEL.jpg 


        E não me sinto bem. Experimente: se você fosse você, como seria e o que faria? Logo de início se sente um constrangimento: a mentira em que nos acomodamos acabou de ser levemente locomovida do lugar onde se acomodara. No entanto já li biografias de pessoas que de repente passavam a ser elas mesmas, e mudavam inteiramente de vida.

        Acho que se eu fosse realmente eu, os amigos não me cumprimentariam na rua, porque até minha fisionomia teria mudado. Como? Não sei.

        Metade das coisas que eu faria se eu fosse eu, não posso contar. Acho, por exemplo, que por um certo motivo eu terminaria presa na cadeia. E se eu fosse eu daria tudo que é meu, e confiaria o futuro ao futuro.

        "Se eu fosse eu" parece representar o nosso maior perigo de viver, parece a entrada nova no desconhecido.

        No entanto tenho a intuição de que, passadas as primeiras chamadas loucuras da festa que seria, teríamos enfim a experiência do mundo. Bem sei, experimentaríamos enfim em pleno a dor do mundo. E a nossa dor, aquela que aprendemos a não sentir. Mas também seríamos por vezes tomados de um êxtase de alegria pura e legítima que mal posso adivinhar. Não, acho que já estou de algum modo adivinhando porque me senti sorrindo e também senti uma espécie de pudor que se tem diante do que é grande demais.

Clarice Lispector  A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Entendendo a crônica:

01 – Qual é o dilema central explorado na crônica de Clarice Lispector?

      O dilema central na crônica é a reflexão sobre como seria a vida e as ações da autora se ela fosse verdadeiramente ela mesma, sem as influências e convenções sociais que moldam seu comportamento.

02 – Qual é o efeito da frase "se eu fosse eu" na busca pelo papel importante?

      A frase "se eu fosse eu" causa um constrangimento e uma pausa na busca pelo papel, levando a autora a pensar e sentir mais profundamente sobre sua identidade e como suas ações seriam diferentes se ela fosse mais autêntica.

03 – Por que a autora menciona que algumas pessoas, ao se tornarem verdadeiramente elas mesmas, mudam completamente de vida?

      A autora menciona isso para enfatizar como a autenticidade pode levar a mudanças significativas na vida de alguém, destacando o poder da autenticidade na transformação pessoal.

04 – Como a autora acredita que as pessoas reagiriam se ela fosse verdadeiramente ela mesma?

      A autora sugere que, se ela fosse verdadeiramente ela mesma, as pessoas não a reconheceriam na rua, possivelmente devido a mudanças em sua fisionomia ou comportamento.

05 – Que sentimentos a autora acredita que experimentaria se fosse verdadeiramente ela mesma?

      A autora acredita que experimentaria tanto a dor do mundo, que ela aprendeu a não sentir, quanto momentos de êxtase e alegria pura e legítima.

06 – Por que a autora afirma que "se eu fosse eu" representa o maior perigo de viver?

      A autora sugere que a ideia de ser verdadeiramente ela mesma representa um perigo porque significaria entrar no desconhecido e desafiar as convenções sociais que moldam a vida das pessoas.

07 – Como a autora prevê que a experiência de ser verdadeiramente ela mesma afetaria sua relação com o mundo?

      A autora prevê que, após as primeiras "loucuras" iniciais, a experiência de ser verdadeiramente ela mesma levaria a uma compreensão mais profunda do mundo, permitindo-lhe sentir tanto a dor do mundo quanto alegria pura e legítima.

 

 

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