segunda-feira, 8 de novembro de 2021

CRÔNICA: INFERNO NACIONAL - STANISLAW PONTE PRETA - FONTE: MARTA GERALDINI - COM GABARITO

 CRÔNICA: INFERNO NACIONAL

                 Stanislaw Ponte Preta

        Diz que era uma vez um camarada que abotoou o paletó [...] Ao morrer nem conversou: foi direto para o Inferno. Em lá chegando, pediu audiência a Satanás e perguntou:

        ― Qual é o lance aqui?

       Satanás explicou que o Inferno estava dividido em diversos departamentos, cada um administrado por um país, mas o falecido não precisava ficar no departamento administrado pelo seu país de origem. Podia ficar no departamento do país que escolhesse. Ele agradeceu muito e disse a Satanás que ia dar uma voltinha para escolher o seu departamento.

        Está claro que saiu do gabinete do Diabo e foi logo para o Departamento dos Estados Unidos, achando que lá devia ser mais organizado o inferninho que lhe caberia para toda a eternidade. Entrou no Departamento dos Estados Unidos e perguntou como era o regime.

         ― Quinhentas chibatadas pela manhã, depois passar duas horas num forno de 200 graus. Na parte da tarde: ficar numa geladeira de 100 graus abaixo de zero até às três horas, e voltar ao forno de 200 graus.

        O falecido ficou besta e tratou de cair fora, em busca de um departamento menos rigoroso. Esteve no da Rússia, no do Japão, no da França, mas era tudo a mesma coisa. Foi aí que lhe informaram que tudo era igual: a divisão em departamento era apenas para facilitar o serviço no Inferno, mas em todo lugar o regime era o mesmo; quinhentas chibatadas pela manhã, forno de 200 graus durante o dia e geladeira de 100 graus abaixo de zero, pela tarde.

          O falecido já caminhava desconsolado por uma rua infernal, quando viu um departamento escrito na porta: Brasil. E notou que a fila à entrada era maior do que a dos outros departamentos. Pensou com suas chaminhas: “Aqui tem peixe por debaixo do angu.” Entrou na fila e começou a chatear o camarada da frente, perguntando por que a fila era maior e os enfileirados menos tristes. O camarada da frente fingia que não ouvia, mas ele tanto insistiu que o outro, com medo de chamarem a atenção, disse baixinho:

          ― Fica na moita e não espalha não. O forno daqui está quebrado e a geladeira anda meio enguiçada. Não dá mais de 35 graus por dia.

          ― E as quinhentas chibatadas? - perguntou o falecido.

         ― Ah... o sujeito encarregado desse serviço vem aqui de manhã, assina o ponto e cai fora.

 (Ponte Preta, Stanislaw. Tia Zulmira e eu. 6. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975. p. 175-7.)

Fonte: Profa.: Marta Geraldini

Entendendo o texto

01. Tendo por base a forma como a narrativa foi construída, responda:

a) Qual o principal desejo do protagonista?

     Ele queria ficar num lugar onde pudesse se dar bem, mesmo sendo no inferno.

b) Como o protagonista agiu para satisfazer seu desejo?

     Visitou vários departamentos do inferno antes de escolher em qual ficaria.

c) Que obstáculo o protagonista encontrou na busca da satisfação de seu desejo?

      Todos os departamento eram iguais, não havia privilégios em nenhum deles.

02. Ao sair do gabinete do Diabo, o protagonista foi direto para o Departamento dos EUA, pois pensou que encontraria por lá um inferno organizado. Por que motivo ele pensou assim?

     Porque os americanos têm a fama de serem muito organizados.

03. O que fez com que o protagonista desistisse de frequentar o departamento dos EUA?

     Os castigos dados aos seus participantes eram muitos severos segundo a sua visão.

 04. Por que o inferno era dividido em departamento, se praticamente todos eram iguais?

      Para facilitar a administração do inferno.

 05. O colega da fila do departamento brasileiro não queria explicar os motivos de haver mais gente na fila.

a) Por que ele agia assim?

    Para não chamar a atenção dos outros.

b) Provavelmente, o que ele temia?

     Que se descobrisse que no departamento do Brasil era tudo diferente dos demais departamentos.

06. Ao observar a fila na porta do departamento brasileiro, o personagem pensou: “Aqui tem peixe por debaixo do angu.” Explique o significado desse pensamento.

      Ele logo percebeu haver algo de diferente neste local.

07. Ao explicar os motivos de haver uma fila tão grande no departamento brasileiro, o personagem revela duas críticas comuns feitas em relação ao Brasil. Que críticas são essas?

     “Fica na moita e não espalha.” Isto é, não chamar a atenção dos dirigentes do local e não divulgar as mordomias que havia ali.

08. Baseando-se na ideia de que “As coisas por aqui nunca funcionam direito, por isso que o Brasil é considerado o país do jeitinho.” explique a crítica feita pelo autor.

      O brasileiro sempre quer levar vantagem em tudo. O famoso jeitinho são as propinas pagas para se ter privilégios.

09. Sabendo que uma crônica geralmente tem por traz de si a ideia de criticar algo, qual é a crítica feita pelo cronista com este texto?

    Que nós brasileiros sempre queremos levar vantagens sobre as outras pessoas, mesmo estando numa situação ruim (o inferno).

10. Explique o título da crônica.

       O inferno faz analogia ao local onde se passa a história narrada pela crônica, mas também simboliza a dificuldade que é viver num país em que todos querem levar vantagens.

 

 

 

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