Texto: Eu me amo
Caetano Veloso, em tom poético, cantou
que "Narciso acha feio o que não é espelho". O Mito de Narciso é uma
história que nos remete à mitologia grega, uma história que fala sobre um jovem
que, ao se deparar com sua imagem na lâmina d'água de um lago, apaixona-se por
si mesmo. O mito é utilizado para fazer referência ao apego de muitas pessoas a
si mesmas. Essas pessoas são geralmente chamadas de narcisistas ou até mesmo de
egocêntricas.
Narcisismo e egocentrismo são dois
termos de grande difusão social, o que se deve à Psicanálise, que utilizou o
mito de Narciso para explicar a dificuldade de muitas pessoas em adiar suas
satisfações, guiadas por um sentimento de urgência. Daí surgiu o termo narcisismo,
que consiste numa fixação presente nos primeiros estágios do desenvolvimento
humano, quando somos guiados pela urgência de satisfazer nossas necessidades. A
criança chora e a mãe dá-lhe o peito. A satisfação quase sempre é imediata.
Disso podem resultar registros mentais que levam à busca de satisfação
imediata, e, no futuro, a pessoa pode se tornar um adulto que toma a si mesmo
como medida de todas as coisas, ou seja, coloca seu "eu" (ego) como
centro do universo.
Ego é outro termo psicanalítico. Quase
um sinônimo de "eu", o ego seria a estrutura mental responsável por
negociar com o id (inconsciente) quando a satisfação de nossos desejos
ocorrerá. O ego é regido pelo princípio de realidade, dominado pela razão; já o
id é regido pelo princípio do prazer, da busca de satisfação de desejos
reprimidos. Um ego frágil vai ceder aos impulsos do id, tendo, portanto,
dificuldades de adiar a satisfação dos desejos e de lidar com frustrações.
Deriva dessa dificuldade o egocentrismo. Daí a aproximação entre os conceitos
de narcisismo e egocentrismo.
Essa propensão à intolerância quase
sempre é produto de esquemas de reforçamento contínuo. Nesse tipo de esquema, o
reforço segue o comportamento praticamente todas as vezes que ele é emitido e costuma
estar presente em histórias de pessoas "mimadas", que tiveram de se
esforçar muito pouco para obter a satisfação de suas necessidades e desejos,
pois os pais ou outros membros da família quase sempre proviam essa satisfação
ao menor sinal de alteração emocional. É sabido que quanto mais imediato um
reforço ocorre depois de um comportamento, maior a chance de esse comportamento
ser fortalecido. Portanto, a intolerância como padrão comportamental pode ter
relação com o esquema de reforçamento e com a imediaticidade com a qual os
reforços foram apresentados ao longo da história do indivíduo.
Sendo assim, pessoas podem se tornar
reféns do reforço, tornando-se incapazes de adiar a satisfação de seus desejos
e necessidades. São modeladas não somente para ser intolerantes às frustrações,
como também para buscar satisfação imediata. Elas se tornam presas fáceis do
ciberespaço, onde a satisfação pode ser obtida apenas com um clique.
No ciberespaço, tudo parece ser mais
fácil. As amizades são virtuais, sendo assim, os aborrecimentos podem ser
evitados bloqueando ou excluindo alguém da rede de contatos. O prazer pode ser
buscado em chats e redes sociais.
Talvez seja hora de parar e pensar nos
efeitos da cultura digital sobre o comportamento das pessoas. Essa cultura não
criaria circunstâncias favoráveis para a modelagem de comportamentos
narcisistas? Essa cultura não favorece o fechamento sobre si mesmo, de modo que
as pessoas passem a entender que se bastam a si mesmas? Essa cultura não acaba
por favorecer o individualismo? Quais são os efeitos da obtenção tão facilitada
de reforços com apenas um clique?
Se, na vida real, os reforços podem ser
adiados por causa de uma série de circunstâncias, no ciberespaço eles são
facilmente obtidos. Mas que tipos de comportamentos estão sendo reforçados?
Comportamentos de não fazer nada, ou de se empenhar em atividades que concorrem
com outras mais produtivas. Muitas empresas bloqueiam o acesso a chats e redes
sociais, pois navegar em tais redes e chats afeta o trabalho e a produtividade,
acarretando prejuízos.
Não estaria o mundo digital
contribuindo para a criação de uma cultura do imediatismo? Creio que não. Talvez
esteja apenas fortalecendo contingências que já operavam no mundo antes de sua
existência, contingências que fazem parte de um mundo capitalista em que
"tempo é dinheiro", um mundo do "just in time", um mundo
regido pela urgência em produzir, pois existe, de outra parte, a urgência em
consumir. Um mundo, pois, regido por produção versus consumo.
Se produzir com urgência é preciso,
pois existe premência de consumir o que se produz, cria-se um círculo vicioso
em que o consumo é uma satisfação inadiável e é realizado sem que se pense nas
consequências, sem consciência das contingências que o determinam. Dessa forma,
não se questiona sobre o que está sendo consumido, pois o que importa é
consumir para obter prazer.
O produto desse ciclo é a construção de
pessoas cada vez menos conscientes dos determinantes de seu comportamento,
incapazes de assumir um posicionamento crítico sobre seu modo de vida e o mundo
em que vivem, inseridas numa teia de consumo em que elas mesmas são um produto
à venda em stands reais e virtuais. O não pensar nas consequências produz
pessoas alienadas, enamoradas por seu prazer, como Narciso por sua imagem
refletida no espelho d'água, pessoas que podem ser descritas com o refrão da
música do Ultraje a Rigor: "Eu me amo, eu me amo, não posso mais viver sem
mim".
Adaptado de Ribeiro,
Bruno Alvarenga. "Eu me amo, eu me amo, não posso mais viver sem
mim": narcisismo, ciberespaço e capitalismo. Em:
Acesso em 10.01.2018.
Entendendo o texto:
01 – A expressão
“Narcisismo” se origina:
a) de um uso reiterado numa
canção de Caetano Veloso.
b) num mito difundido no
senso comum sobre pessoas vaidosas.
c) do nome de um
personagem de uma narrativa mitológica grega.
d) no aumento do
egocentrismo e do consumismo dos tempos atuais.
e) de uma descoberta da
Psicanálise a respeito do comportamento humano.
02 – De acordo com o texto,
sobre a diferença entre narcisismo e egocentrismo, está correto o que se afirma
em:
I – O narcisismo é um
sentimento de urgência em obter satisfação; o egocentrismo se caracteriza pela
focalização exclusiva em si mesmo.
II – O narcisismo é um modo
de buscar compensar a falta de beleza; o egocentrismo implica o desejo de
superar limitações pessoais.
III – O narcisismo se revela
na intolerância e frustração do indivíduo frente à não satisfação de seus
desejos; no egocentrismo, o que se destaca é a ausência de consideração do
outro como referência de seus atos.
IV – No narcisismo, há uma
insatisfação do indivíduo com sua própria aparência; já no egocentrismo,
predomina, na mente do indivíduo, uma visão de inferioridade, que é compensada
pelo ensimesmamento e rejeição da realidade objetiva.
V – O narcisismo consiste na
busca de resolução imediata e urgente de necessidades pessoais; já o
egocentrismo se caracteriza pela centralização do indivíduo em si mesmo como
definidor de suas ações, concepções e decisões.
A alternativa em que todas
as afirmativas indicadas estão corretas é a:
a) I e II.
b) II e IV.
c) IV e V.
d) I, III e V.
e) II, III e V.
03 – Sobre o Ego e o Id, tal
como são concebidos no texto, está correto o que se afirma em:
a) Nos indivíduos
narcisistas, há um apagamento do Id pela supremacia absoluta do Ego na tomada
de decisões.
b) Tanto o Ego como o Id se
revelam extremamente fortes nos indivíduos narcisistas, propiciando o controle
de impulsos reprimidos.
c) O Ego propicia a fuga da
realidade, levando o indivíduo à busca desenfreada de satisfação dos seus
desejos não revelados pelo Id.
d) O Ego, por
possuir vínculos com a realidade, negocia com o Id, vinculado ao inconsciente,
o momento de satisfazer desejos reprimidos.
e) O Id vincula o indivíduo
à sua realidade, ajudando-o a controlar e regular seus impulsos ou desejos
inconscientes que são explicitados pelo Ego.
04 – Marque com V ou com F, conforme sejam verdadeiras ou falsas as alternativas que
apresentam características dos esquemas de reforçamento contínuo apresentadas
no texto.
( ) O excesso de reforço a
comportamentos adequados do indivíduo gera um padrão comportamental marcado
pela intolerância.
( ) Esquemas de reforçamento
contínuo alimentam, nos indivíduos, a tendência à intolerância frente à não
satisfação de seus desejos.
( ) No reforçamento
contínuo, ocorre uma recompensa todas as vezes que o comportamento é
evidenciado, o que propicia a sua repetição.
( ) O provimento imediato e
frequente dos desejos e necessidades de uma pessoa pode fortalecer o
comportamento de exigir satisfação imediata de desejos.
( ) O comportamento que é
reforçado continuamente tende a se extinguir, por força da necessidade de
satisfação de outros desejos e prioridades do indivíduo.
A alternativa que contém a
sequência correta, de cima para baixo, é a:
a) F V F V V
b) V V F V F
c) V V V F F
d) V F V F V
e) F V V V F.
05 – Há uma asserção
verdadeira sobre o conteúdo do texto em:
I – Os trechos de músicas de
Caetano Veloso e do Ultraje a Rigor mencionados no texto fazem referência a
pessoas narcisistas, cujo principal foco de interesse recai em si mesmas.
II – O autor considera que a
imersão no ambiente do ciberespaço, criado pelo capitalismo, é a principal
causa do crescimento de uma cultura do imediatismo e do consumismo.
III – O “círculo vicioso”
mencionado na linha 95 se refere à relação entre a urgência em produzir, marca
do capitalismo, e a intensa necessidade consumir de pessoas egocêntricas ou
narcisistas.
IV – A predominância de
pessoas egocêntricas e narcisistas no ciberespaço constitui o principal fator
de ascensão do capitalismo, cujo princípio fundamental é aumento crescente da
produção e do consumo.
V – Há uma relação de influência
recíproca entre “narcisismo, ciberespaço e capitalismo” (título), a qual se
vincula à produção de pessoas alienadas num contexto que privilegia rapidez,
produção e consumo.
A alternativa em que todas
as afirmativas indicadas estão corretas é a:
a) I e II.
b) II e IV.
c) IV e V.
d) I, III e V.
e) II, III e V.
06 – Marque com V ou com F, conforme sejam verdadeiras ou falsas as alternativas que
apresentam fatos de morfossintaxe.
( ) Tanto em “Narciso acha
feio” como em “O Mito de Narciso é uma história”, o predicado é nominal.
( ) Em “apaixona-se por si
mesmo.”, há uma ocorrência de verbo pronominal.
( ) Em “apego de muitas
pessoas a si mesmas.”, verifica-se a ocorrência de objeto direto e objeto
indireto.
( ) Em “Daí surgiu o termo
narcisismo”, o verbo é intransitivo.
( ) Em “Disso podem resultar
registros mentais” e “Deriva dessa dificuldade o egocentrismo.”, os sujeitos
estão pospostos.
A alternativa que contém a
sequência correta, de cima para baixo, é a:
a) F V F V V
b) V V F V F
c) V V V F F
d) V F V F V
e) F V V V F.
07 – Releia o período: “Se produzir com urgência é preciso, pois
existe premência de consumir o que se produz, criasse um círculo vicioso em que
o consumo é uma satisfação inadiável e é realizado sem que se pense nas consequências,
sem consciência das contingências que o determinam.”
Há uma reformulação adequada
desse período, com manutenção do sentido original em:
a) O consumo é uma
satisfação inadiável que se realiza sem que se pense em consequências e
contingências que determinam a criação de um círculo vicioso produzido pela
premência de produzir e de consumir com urgência o que se produz.
b) Não se pensa nas
consequências da premência em consumir o que se produz, nem nas contingências
que determinam a criação de um círculo vicioso que torna o consumo uma
satisfação inadiável, gerando a necessidade de produzir com urgência.
c) Sem consciência das
contingências que determinam a premência de consumir o que se produz e sem que
se pense nas consequências do círculo vicioso criado pela satisfação inadiável
da realização do consumo, torna-se preciso produzir com urgência.
d) Existe premência de
consumir o que se produz, pois se cria um círculo vicioso entre a necessidade
de produzir com urgência e o consumo como satisfação inadiável, sem que haja
consciência das contingências que determinam as consequências de sua
realização.
e) Por existir
premência em consumir o que se produz, é preciso produzir com urgência,
criando-se um círculo vicioso, no qual o consumo é uma satisfação inadiável,
realizado sem consciência das contingências que o determinam e das suas
consequências.
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