quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

ENTREVISTA: TODOS OS DIAS PODEM SER ÚTEIS - REVISTA CLAUDIA COM RICARDO SEMLER- COM GABARITO


Entrevista: TODOS OS DIAS PODEM SER ÚTEIS
        

   Trabalhar muito no domingo chuvoso e ficar na praia numa segunda-feira ensolarada.
    Esta é uma ideia tentadora, defendida pelo empresário Ricardo Semler em seu último livro

        Em 1988 Ricardo Semler, sócio majoritário do grupo Semco, escreveu Virando a Própria Mesa e entrou para o rol dos pensadores da administração moderna. Na edição polêmica, ele narrava a experiência pessoal ao implantar uma forma revolucionária de gerenciar a empresa e tornar os funcionários mais satisfeitos e produtivos. 0 livro vendeu 1.1 milhão de cópias em todo o mundo e tornou-se leitura obrigatória em diversas universidades. Hoje, com 42 anos, Semler é um homem maduro e realizado. Publicou o livro, plantou árvores, tem um filho de 3 anos e transformou a empresa com receita de 4 milhões de dólares e 300 funcionários em uma com faturamento de 200 milhões de dólares e 3 000 funcionários. Com o sucesso empresarial veio um respeito e interesse maior pelas ideias antes consideradas por muitos como juvenis e impraticáveis. Neste ano de 2002, Semler publicará outro livro, O Fim do Fim de Semana, com a tese de que não é mais preciso haver a separação entre dias de trabalho e de lazer. Mais uma bomba para chacoalhar os padrões tradicionais. Bem ao gosto dele.
        CLAUDIA – Acabar com o fim de semana significa levar trabalho para casa?

        SEMLER – Sim, e também ir ao cinema ou almoçar com os filhos. A fórmula com fim de semana e dias úteis em compartimentos estanques é obsoleta. Com a comunicação via e-mail, internet e celular, pode-se trabalhar em qualquer lugar e a qualquer hora. Dá muito bem para sair de casa no horário de menos trânsito, pegar o filho na escola, trabalhar muito no domingo chuvoso e surfar na segunda ensolarada.

        CLAUDIA – Como isso se daria?

   SEMLER – Com os empregadores exercendo menos controle. A produtividade não tem mais nada a ver com horas trabalhadas. Um cara pode ficar no escritório e não fazer nada de bom porque só pensa em algo pessoal a resolver e não se concentra. Outro chega e fecha uma grande venda. Ganhou o dia, pode ir embora.

     CLAUDIA – A separação em dias com e sem trabalho não é mais prática, até para se descansar melhor?

        SEMLER – É apenas uma fórmula que nunca foi questionada. Trabalhar como louco e depois cair de cansaço é um condicionamento católico, protestante, vem da Igreja. A agenda do fim de semana fica muito lotada: compras, almoço com a sogra, cinema, passeio com as crianças... Mas o contrário de trabalho não é lazer, é ócio. Além disso, as pessoas já respondem aos e-mails no domino, mas não vão ao cinema na segunda à tarde. Tem de haver uma contrapartida: dias menos ocupados durante a semana.

        CLAUDIA – Trabalhando em casa, como você administra a rotina?

      SEMLER – Das 6 às 7 horas, respondo aos e-mails. Depois do café, faço uma lista de tarefas importantes. Quando cumpro todas, termina o trabalho. Não ligo para a empresa para saber se há mais coisas. Sempre haverá. Vou uma vez por semana à Semco e aboli as secretárias há anos.

    CLAUDIA – Mas você é o dono. Os funcionários contam com tal facilidade?

        SEMLER – Sim. Há mais de 18 anos não temos horário de entrada e saída. Não sei quando ou onde eles trabalham.

        CLAUDIA – Não existe nem um mínimo de horas a cumprir?

        SEMLER – Para quê? Se tudo anda bem, não me importa se ele saiu com a mulher ou se ela quis correr no parque. 0 funcionário pode trabalhar onde bem entender: em casa, na praia ou na empesa. Nesse caso, tem que reservar por telefone um espaço que chamamos de estação, com mesa, telefone, computador. Há muitas, e ninguém é dono de nenhuma. Um dia fica-se do lado do presidente. No outro, do estagiário.

        CLAUDIA – O trabalho torna-se bem mais isolado dessa forma, não?

        SEMLER – Isolado é sentar a 2 metros de uma pessoa e se comunicar com ela por e-mail. Se quiser se reunir, basta mandar e-mails uns para os outros ou ligar Tudo pode ser enviado por fax, internet, motoboy. As pessoas se assustam com a ideia porque pensam na empresa como o local ideal para exercitar a sociabilidade, mas tem de acontecer fora de lá. Vai jogar xadrez, sair com os primos, fazer cursos, achar sua tribo. Empresa não pode ser a grande família. Já viu família se dar bem?

        CLAUDIA – Mas o controle pode ser feito checando quem faz mais reservas de espaço para trabalhar? Não dá na mesma?

        SEMLER – Não, porque se pode chegar sem avisar, e usar o lugar que estiver vago. Ou aparecer, mas não fazer nada. Em um dos escritórios temos até uma ala com redes para tirar um cochilo. Não quero ninguém com biorritmo baixo. Se estiver cansado, descanse e volte concentrado.

        CLAUDIA – Não existe o risco de todo mundo passar o dia na rede?

     SEMLER – Nesses anos todos nunca vi alguém fazer corpo mole. Quando existe espaço para o funcionário administrar a própria agenda, ele se toma muito mais responsável e aprende a administrar seu tempo. Se 80% da equipe está satisfeita, gosta do que faz, sente-se motivada, pode ter certeza: a produtividade é boa e existe lucro.

        CLAUDIA – Como vocês medem, na prática, a produtividade?

        SEMLER – A produtividade individual não me interessa. Mas há outras formas de ver como anda a equipe. Temos muitos concorrentes, e um departamento de inteligência empresarial puxa dados e faz comparações.

        CLAUDIA – Nesse caso vocês precisam contar com pessoas muito éticas e responsáveis. E quem não tem esse perfil?

        SEMLER – Acaba sendo expurgado pela própria equipe quando é feita a avaliação e montagem do orçamento. Como temos participação nos lucros' ninguém quer ficar com um parasita no time. Da mesma forma, toda promoção ou contratação deve ter a aprovação do grupo.

        CLAUDIA – Você atingiu na SEMCO os níveis de democracia que planejava?

        SEMLER – Imaginava que seria mais rápido. Chegamos a ter uma fábrica administrada em sistema de cogestão, e 30% das pessoas determinavam o próprio salário. Com o crescimento, vieram profissionais de fora e certas inovações não resistiram. Decidimos não fazer lavagem cerebral em quem chegava. Até a liberdade, quando imposta, dá problema.

        CLAUDIA – Por que o exemplo da Semco, que se mostrou eficiente já que a empresa prosperou, não faz escola?

        SEMLER – Ele requer uma mudança estrutural longa e planejada. A maioria dos empresários não se interessa por programas de longo prazo centrados no indivíduo. Estão ocupados demais com o placar e o tamanho dos lucros.

        CLAUDIA – E você não está?

        SEMLER – Quero lucro, claro, mas ele não pode ser tudo. Dinheiro é um mecanismo de escambo para trocar por coisas de que gostamos. Quem corre atrás dele o tempo inteiro está querendo muito mais concorrer, vencer no jogo que ele mesmo criou. Não está atrás de saldo na conta, pois nem sabe mais onde gastar.

        CLAUDIA – Você questionou a ânsia de chegar ao topo, de ser o maior. Ambição profissional faz mal?

        SEMLER – Às vezes. Cada pessoa tem um certo reservatório de talento, como o de oxigênio, usado pelo mergulhador. Esse dura cerca de uma hora. Quem é zen respira até por uma hora e meia. Já os desesperados consomem o oxigênio em 30 minutos. Daí voltam para o barco e ficam lá, mareados, esperando os menos aflitos voltarem satisfeitos do passeio.

        CLAUDIA – Os empresários da sua geração são mais conscientes comparados aos mais antigos?

        SEMLER – Só superficialmente. Doam dinheiro e fazem esporte radical. Mas também controlam e-mails dos funcionários.

        CLAUDIA – Sua empresa não controla?

        SEMLER – De jeito nenhum. Estou desenvolvendo um software para coibir isso, porque acho uma loucura o empresário poder ler tudo o que os funcionários mandam e recebem. Acho imoral.

        CLAUDIA – Você concorda com as mudanças feitas na CLT?

        SEMLER – Não. A lei deveria ser mais moderna, mas infelizmente sua função paternalista ainda é a mesma do tempo de Getúlio Vargas. O número de sacanagens boladas pelo empresário ainda é superior às dos empregados.

        CLAUDIA – Por que é tão difícil mudar a mentalidade empresarial.

        SEMLAR – Porque o trabalho nunca foi pensado para ser gostoso. Henry Ford não se preocupava com o empregado e ainda hoje essa questão não é tão fundamental assim. Eu considero, um erro insistir em manter as empresas com os parâmetros militares que sempre foram sua base. Tudo é alvo, estratégia, conquista. Ou é razoável uma ocupação de fábrica, como a que ocorreu na Volkswagen, 30 anos depois das greves no ABC? Só uma política de recursos humanos anacrônica gera isso. Também é ruim para a empresa. A Volks possui o carro mais vendido do país, mas caiu no ranking das montadoras.

        CLAUDIA – Qual seria a estratégia para dar início às mudanças?

        SEMLER – Tirar o condicionamento incrustado em empregadores e empregados. Temos que encontrar um caminho mais inteligente dentro das regras capitalistas. O Bill Gates tem a fortuna calcada no monopólio. Isso pesa, ele sente culpa. Então doa parte do dinheiro que não vai gastar (porque é demais!) para a ONU. Ou seja: depois de só visar lucros, o empresário quer ser uma miss, ler Paulo Coelho e virar benfeitor. Por que não começa adotando bases éticas?

        CLAUDIA – A escola que a Fundação SEMCO vai inaugurar este ano tem a ver com isso?

        SEMLER – Sim, tudo a ver. As escolas públicas e as unidades da FEBEM são realmente muito parecidas. Ambas têm arame farpado e seguram os jovens na marra. Já a nossa escola foi pensada por educadores, sociólogos e filósofos. Terá estratégias inovadoras para manter a criança interessada. Será bilíngue, com metade das vagas para carentes; os demais pagarão de 10 a 900 reais mensais.

        CLAUDIA – Seu filho estudará nela?

        SEMLER – Claro, é a escola que sonho para ele.

     CLAUDIA – A disparidade de nível sócio econômico não trará problemas?

    SEMLER – Faz parte. Fomos criados em ilhas da fantasia e agora vivemos em condomínios fechados, blindamos o carro e fugimos para Miami. Conviver com a verdade é um ato de cidadania, cria condições para questionar este apartheid vexaminoso.

        CLAUDIA – A criança estará preparada para o vestibular, o trabalho, a vida?

        SEMLER – Muito mais que a que só aprendeu a passar de ano. Fiz a prova da FUVEST no jornal e tirei 1. Valeu minha educação, não? Essa história de estudar Só para se preparar para o mercado profissional é muito triste. Ele não é tão gratificante assim. O trabalho virou algo profano. Andam escondendo sua magia.
             SEMLER, Ricardo. Todos os dias podem ser úteis. In: Cláudia, Abril, São Paulo, n. 484, p. 29-31, jan. 2002. Entrevista concedida a Miriam Scavone.

Entendendo a entrevista:
01 – Quando se escolhe alguém para ser entrevistado, considera-se, obviamente, o interesse que essa pessoa ou suas ideias podem despertar no leitor. O que motivou essa entrevista?
      Um livro recém-publicado na época da entrevista e que contém ideias inovadoras sobre trabalho.

02 – Ricardo Semler defende uma tese sobre trabalho e vai, al longo da entrevista, explicando e argumentando a favor dela. Qual é essa tese? Aponte abaixo:
a)   O uso do e-mail e do celular para trabalhar.
b)   A não divisão em dias de trabalho e dias sem trabalho.
c)   O lazer e o ócio com a família e os amigos.
d)   O trabalho em equipe.
e)   As estações de trabalho com sistema de reservas.

03 – Quais perguntas referem-se a essa tese?
      As dez primeiras perguntas.

04 – Observe que a entrevista levanta os princípios empecilhos, problemas que podem inviabilizar a tese proposta de Semler. As perguntas feitas, então, poderiam constituir argumentos contrários à tese de Ricardo Semler. Com base nas perguntas feitas, escreva quais poderiam ser esses argumentos contrários e indique, ao lado, a refutação feita por Semler.
Leia e continue no seu caderno:

ARGUMENTO CONTRÁRIO:                      
1 – Acabar com o fim de semana significa levar trabalho para casa.
2 – A separação em dias com trabalho e sem trabalho é mais prática até para descansar melhor.
3 – Ele, por ser o dono da empresa, pode se dar ao luxo de fazer isso. Os funcionários não podem.
4 – Sem um mínimo de horas a cumprir, o trabalho torna-se bem mais isolado.
5 – Sem controle de horas trabalhadas, existe o risco de todo mundo passar o dia na rede.
6 – É preciso contar com pessoas muito éticas e responsáveis, o que não constitui o perfil de todos.

REFUTAÇÃO DE SEMLER:

1 – Sim. Mas isso não significa trabalhar mais, pois pode-se aproveitar uma segunda-feira, por exemplo, para não trabalhar.

2 – Não necessariamente, trata-se de um condicionamento religioso contestável.

3 – Os funcionários também contam com tal facilidade. Não existe nem um mínimo de horas a cumprir.

4 – A empresa não é local pra sociabilidade. Isso deve acontecer fora de lá.

5 – Não, porque quando existe espaço para o funcionário administrar sua agenda, ele se torna muito mais responsável e aprende a administrar seu tempo.

6 – Isso não é um problema porque as próprias equipes acabam expurgando quem não possui esse perfil.

05 – A partir da 11ª pergunta, a entrevista passa a abordar outros assuntos. Anote quais perguntas da entrevistadora correspondem aos assuntos abaixo relacionados.
a)   A política empresarial atual em comparação com a política empresarial da Semco.
As perguntas 11 a 17.

b)   As mudanças empresarias: dificuldades e estratégias.
As perguntas 18 – 19.

c)   A escola que está sendo inaugurada pela Semco.
As três últimas perguntas.

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