quinta-feira, 3 de julho de 2025

CRÔNICA: LIMONADA - MIKHAÍL M. ZÓCHTCHENKO - COM GABARITO

 Crônica: Limonada

              Mikhaíl M. Zóchtchenko

        Eu, é claro, sou um homem que não bebe. Se uma vez ou outra tomo alguma coisa, é pouco – assim, por formalidade, ou para não quebrar uma boa companhia.

        Mais que duas garrafas de uma vez, já nem dá para eu consumir. A saúde não permite. Certa vez, lembro-me, no dia do meu antigo santo, cheguei a beber um quarto de garrafão. Mas isso foi nos meus anos de juventude e vigor, quando o coração palpitava furioso no peito e na cabeça pululava toda sorte de ideias.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhSBh12TN2abwOZjNFC83uk8I9KsQocGp_nGIrpNbZG6StBYQsUWvRF9Ouatz41kLNbVUtkaxXl2rqjlvhIw4A3u7rNPgAAOwpk3kxOKNPHBzLOJoKlZ3CoKPWgAC2LeYbOIvsP3MejpHkokAcxdk08TAfHTHvCy-2ZcQElCeY4uWBxbt1XtsuAPiwwylU/s1600/download.jpg


        Mas agora estou envelhecendo.

        Um prático veterinário conhecido meu, o camarada Ptítsin, me examinou outro dia e até ficou assustado, sabe. Estremeceu.

        – O senhor, disse ele, está com uma "depreciação" total. Não dá para saber onde se encontra o fígado, onde está a bexiga, nada. O senhor está muito desgastado.

        Fiquei com vontade de bater nesse prático, mas depois esfriei.

        "Me deixa primeiro visitar um bom médico, pensei, e me certificar bem das coisas."

        O médico não encontrou "depreciação" alguma.

        – Os seus órgãos se encontram em estado bastante razoável. E a sua bexiga, disse ele, está em ordem e não vaza. Quanto ao coração, está ótimo, está até mais largo que o necessário. Mas, o senhor tem que parar de beber; senão, pode acontecer que lhe sobrevenha a morte, simplesmente.

        Eu, é claro, não tenho vontade de morrer. Eu gosto de viver. Sou um homem ainda jovem. No começo do NEP eu só completei 43 anos. Pode-se dizer que estou em pleno florescimento do vigor e da saúde. E o coração no meu peito é largo. E a bexiga, é importante, não está vazando. Com uma bexiga dessa, é só viver e aproveitar. "Preciso, pensei comigo, realmente largar de beber". Resolvi e larguei.

        Não bebo e não bebo. Não bebo uma hora, não bebo duas. Às cinco horas da tarde, lá fui eu, é claro, almoçar no refeitório.

        Tomei uma sopa. Comecei a comer uma carne cozida, e aí me deu vontade de beber. "Em lugar das bebidas fortes, pensei, vou pedir alguma coisa mais suave – água mineral ou limonada." Chamo o rapaz.

        – Ei, você aí, digo, você que me serviu a comida. Me traga uma limonada, cara de bolacha.

        Trouxeram-me a limonada numa bandeja elegante, numa jarra. Encho o copinho.

        Bebo deste copinho, e sinto: parece vodca. Encho de novo. Palavra que é vodca! Que diabo é isto? Acabo de me servir do resto – é vodca da mais legítima.

        – Traga mais, grito para ele. "Esta aí, penso, veio a mim."

        Ele traz mais. Experimentei outra vez. Não ficou dúvida alguma: é vodca da mais natural.

        Depois, quando paguei a conta, acabei fazendo uma observação:

        – Eu pedi limonada, e você o que foi que me trouxe, ó seu cara de bolacha?

        Ele responde:

        – Isto aqui nós sempre chamamos de limonada. É uma palavra perfeitamente legal. Ainda dos tempos antigos... Quanto à limonada natural, desculpe, nós não temos: não há consumidores.

        – Traga aqui, mais uma, a última.

        E, assim, não deixei a bebida. Mas tive uma vontade sincera. Só que as circunstâncias não permitiram. Como se diz: a vida dita as suas próprias leis. A gente tem de se submeter.

              Mikhaíl M. Zóchtchenko.

Fonte: Letra e Vida. Programa de Formação de Professores Alfabetizadores – Coletânea de textos – Módulo 3 – CENP – São Paulo – 2005. p. 102-103.

Entendendo a crônica:

01 – Como o narrador se descreve em relação ao consumo de bebidas alcoólicas no início da crônica?

      O narrador se descreve como um homem que "não bebe", ou que, se o faz, é "pouco – assim, por formalidade, ou para não quebrar uma boa companhia", e que "mais que duas garrafas de uma vez, já nem dá para eu consumir".

02 – Qual foi o diagnóstico do prático veterinário Ptítsin sobre a saúde do narrador, e como ele reagiu a isso?

      O prático veterinário Ptítsin diagnosticou que o narrador estava com uma "depreciação total", sem conseguir distinguir órgãos como fígado e bexiga, e disse que ele estava "muito desgastado". O narrador, a princípio, sentiu vontade de bater no prático, mas depois resolveu procurar um médico para se certificar.

03 – O que o médico de verdade disse sobre a saúde do narrador e qual foi sua principal recomendação?

      O médico real tranquilizou o narrador, afirmando que seus órgãos estavam "em estado bastante razoável", que sua bexiga estava em ordem e não vazava, e que o coração estava ótimo, "até mais largo que o necessário". A principal recomendação do médico foi que ele parasse de beber, sob o risco de "sobrevenha a morte, simplesmente".

04 – Qual é a decisão do narrador após a consulta médica?

      Após a consulta médica e as boas notícias sobre sua saúde (com exceção da necessidade de parar de beber), o narrador decide sinceramente largar a bebida.

05 – O que o narrador pede para beber no refeitório, e o que ele realmente recebe?

      No refeitório, o narrador pede uma limonada para acompanhar sua refeição, mas o que ele realmente recebe (e bebe) é vodca da mais legítima.

06 – Como o garçom justifica o fato de ter servido vodca em vez de limonada?

      O garçom justifica que eles "sempre chamamos de limonada" o que foi servido, alegando ser uma "palavra perfeitamente legal" dos tempos antigos. Ele acrescenta que não têm limonada natural porque "não há consumidores".

07 – Apesar de sua intenção de parar de beber, o que o final da crônica revela sobre a atitude do narrador?

      O final da crônica revela a ironia de que, apesar de sua "vontade sincera" de largar a bebida, ele acaba consumindo vodca sem querer, e até pede mais. Sua atitude final é de conformidade, afirmando que "não deixei a bebida" porque "as circunstâncias não permitiram", e que "a vida dita as suas próprias leis. A gente tem de se submeter."

 

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