Poema: A cidade
Donizete
Galvão
Por mais que insistas em recusar,
está é, sim, a tua cidade concreta
onde tantos te ofereceram amizade
e o amigo partiu pela porta secreta.
Andaste cabisbaixo pelas calçadas
remoendo as humilhações do trabalho.
Marcaste este chão com teus passos,
dores recolhidas como um rebotalho.
Aqui nasceram os filhos, a epifania
das infâncias que sumiram passageiras.
Abriste envelopes com muito medo,
receoso daquelas notícias derradeiras.
Tu que amas a simetria permanente
viste a barriga da cidade arregaçada.
Como nas telas de Anselm Kiefer,
tens nela tuas perplexidades retratadas.
Donizete Galvão. O
homem inacabado. São Paulo: Portal, 2010. p. 59.
Fonte: Livro –
Português: Linguagens, 3ª Série – Ensino Médio – William Roberto Cereja,
Thereza Cochar Magalhães, 9ª ed. – São Paulo: Saraiva Editora, 2013. p. 372.
Entendendo o poema:
01 – Como o poema descreve a
relação do eu-lírico com a cidade?
O poema descreve
uma relação intrínseca e inegável do eu-lírico com a cidade, mesmo que ele
tente recusá-la. A cidade é apresentada como um espaço de experiências
profundas e contrastantes: de amizades e perdas, de humilhações e nascimentos,
de medos e de epifanias. Ela é uma parte indelével da sua existência.
02 – Quais eventos da vida do
eu-lírico estão explicitamente ligados à cidade?
Diversos eventos
marcantes da vida do eu-lírico estão ligados à cidade, como a oferta de amizade
e a partida de um amigo, as humilhações sofridas no trabalho (que marcaram o
chão com seus passos), o nascimento dos filhos e as "epifanias das
infâncias", e o receio de notícias derradeiras ao abrir envelopes.
03 – O que a expressão
"barriga da cidade arregaçada" sugere sobre a percepção do eu-lírico
em relação ao lugar?
A expressão
"barriga da cidade arregaçada" sugere uma visão de desordem, ferida
ou exposição da cidade, que contrasta diretamente com o amor do eu-lírico pela
"simetria permanente". Essa imagem pode indicar a violência, a
decadência ou a revelação de aspectos cruéis e caóticos do ambiente urbano, que
abalam suas expectativas de ordem.
04 – De que forma as
"dores recolhidas como um rebotalho" se manifestam no poema?
As "dores
recolhidas como um rebotalho" manifestam-se através do ato de andar
cabisbaixo pelas calçadas, remoendo as humilhações do trabalho. O
"rebotalho" sugere algo descartado, sem valor, indicando como as
dores foram acumuladas e sentidas, como se fossem resíduos desprezíveis, mas
que ainda assim marcam profundamente o eu-lírico e o chão da cidade.
05 – Qual a relevância da
citação a Anselm Kiefer no final do poema?
A citação a Anselm Kiefer, conhecido por
suas obras que abordam temas de ruína, história, memória e destruição, sugere
que as "perplexidades" do eu-lírico em relação à cidade são tão
profundas e complexas quanto as representadas nas telas do artista. A cidade,
assim como a arte de Kiefer, se torna um espelho das dores, da destruição e das
questões existenciais do eu-lírico, com uma beleza melancólica e impactante.
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