sábado, 1 de abril de 2017

LITERATURA - A PATA DA GAZELA - JOSÉ DE ALENCAR - COM GABARITO

 LITERATURA - A PATA DA GAZELA 
                             JOSÉ DE ALENCAR


        [...]
         Estava parada na rua da Quitanda, próximo à da Assembleia, uma linda vitória, puxada por soberbos cavalos do Cabo.
         Dentro do carro havia duas moças; uma delas, alta e esbelta, tinha uma presença encantadora; a outra, de pequena estatura, muito delicada de talhe, era talvez mais linda que sua companheira.
         Estavam ambas elegantemente vestidas, e conversavam a respeito das compras que já tinham realizado ou das que ainda pretendiam fazer
         - Daqui aonde vamos? Perguntou a mais baixa, vestida de roxo-claro.
         - Ao escritório de papai: talvez ele queira vir conosco. Na volta passaremos pela Rua do Ouvidor, respondeu a mais esbelta, cujo talhe era desenhado por um roupão cinzento.
         O vestido roxo debruçou-se de modo a olhar para fora, no sentido contrário àquele em que seguia o carro, enquanto o roupão, recostando-se nas almofadas, consultava uma carteirinha de lembranças, onde naturalmente escrevera a nota de suas encomendas.
          - O lacaio ficou-se de uma vez! Disse o vestido roxo com um movimento de impaciência.
          - É verdade! Respondeu distraidamente a companheira.
          Estas palavras confirmavam o que aliás indicava o simples aspecto da carruagem: as senhoras estavam à espera do lacaio, mandado a algum ponto próximo. A impaciência da moça de vestido roxo era partilhada pelos fogosos cavalos, que dificilmente conseguia sofrear um cocheiro agaloado.
          Depois de alguns momentos de espera, sobressaltou-se o roupão cinzento, e conchegando-se mais às almofadas, como para ocultar-se no fundo da carruagem, murmurou:
          - Laura! ... Laura! ...
          E como sua amiga não a ouvisse, puxou-lhe pela manga.
          - O que é, Amélia?
          - Não vês? Aquele moço que está ali defronte nos olhando.
          - Que tem isto? Disse Laura sorrindo.
          - Não gosto! Replicou Amélia com um movimento de contrariedade. Há quanto tempo está ali e sem tirar os olhos de mim?
          - Volta-lhe as costas!
          - Vamos para diante
          - Como quiseres.
          Avisado o cocheiro, avançou alguns passos, de modo a tirar ao curioso a vista do interior do carro; mas o mancebo não desanimou por isso, e passando de uma a outra porta, tomou posição conveniente para contemplar a moça com admiração franca e apaixonada.
          Simples no traje, e pouco favorecido a respeito de beleza; os dotes naturais que excitavam nesse moço alguma atenção eram uma vasta fronte meditativa e os grandes olhos pardos, cheios do brilho profundo e fosforescente que naquele momento derramavam pelo semblante de Amélia.
           [...]
           Notando Amélia a insistência do mancebo, ficou vivamente contrariada. Aquele olhar profundo, que parecia despedir os fogos surdos de uma labareda oculta, incutia nela um desassossego íntimo. Agitava-se impaciente, como uma criatura no meio de um sono inquieto ou mesmo de um ligeiro pesadelo.
          Até que abriu o chapeuzinho de sol, para interceptar a contemplação apaixonada de que era objeto. Nesta ocasião, Laura, que frequentemente se debruçava para ver quando vinha o lacaio, retraiu o corpo com vivacidade:
           - Enfim; aí vem!
           - felizmente! Disse Amélia.
           O lacaio aproximava-se a passos medidos; trazia na mão um embrulho de papel azul, que o atrito dos dedos e a oscilação dos objetos envoltos desfizera, obrigando o portador a apertá-lo de vez em quando.
          Julgando ao cabo de alguns instantes que o lacaio já tocava o estribo da carruagem, Amélia, tomando um tom imperativo, disse para o cocheiro:
          - Vamos! Vamos!
          Ao aceno que lhe fez o cocheiro, o lacaio correu, chegando a tempo de apanhar o carro, que partia ao trote largo da fogosa parelha. Deitar o  embrulho na caixa da vitória, rodear  em dois saltos e galgar o estribo da almofada foi para o criado, habituado a essa manobra, negócio de um instante. Não percebera ele, porém, que, abrindo-se o papel com a corrida, um dos objetos nele contidos escorregara e, justamente na ocasião de deitar o embrulho na caixa do carro, caíra na calçada.
          Laura, que se inclinara com vivo interesse para tomar o embrulho das mãos do lacaio, tivera um pressentimento do acidente, ao ver o papel desenrolado. Fechando-o rapidamente e escondendo-o por baixo do assento da vitória, ela debruçou-se ainda uma vez para verificar se com efeito alguma coisa havia caído. Ao mesmo tempo acompanhava o movimento com estas palavras de contrariedade:
           - Como ele manda isto! Por mais que se lhe recomende!
           Laura nada viu, porque já a vitória rodava ligeiramente sobre os paralelepípedos.
           Nesse momento, porém, dobrando a Rua da Assembleia, se aproximara um moço elegante não só no traje do melhor gosto, como na graça de sua pessoa: era sem dúvida um dos príncipes da moda, um dos leões da Rua do Ouvidor; mas desse podemos assegurar pelo seu parecer distinto que não tinha usurpado o título.
           O mancebo viu casualmente o lacaio quando passara por ele correndo, e percebeu que um objeto caíra do embrulho. Naturalmente não se dignaria abaixar para apanhá-lo, nem mesmo deitar-lhe um olhar, se não visse aparecer ao lado da vitória o rosto de uma senhora, que o aspecto da carruagem indicava pertencer à melhor sociedade.
           Então apressou-se, para ter ocasião de fazer uma fineza, e pretexto de conhecer a senhora, que lhe parecera bonita. Os leões são apaixonadíssimos de tais encontros; acham-lhes um sainete que destrói a monotonia das relações habituais.
           Quando o moço ergueu-se com o objeto na mão, já o carro dobrava a Rua Sete de Setembro. Ficou ele um momento indeciso, olhando em torno, como se esperasse alguma informação a respeito da pessoa a quem pertencia o carro. Sem dúvida a senhora era conhecida em alguma loja de fazendas; talvez tivesse aí feito compras.
           Não obtendo, porém, informações, nem colhendo resultado da pergunta que fizera a um caixeiro próximo, resolveu-se a meter o objeto no bolso e seguir seu caminho.
          [...]
                                          ALENCAR, José de. A pata da gazela. Disponível em:
                                                                                        Acesso em: 12 mar. 2015.

1 – O fragmento do romance lido é uma história policial, de aventura, de amor ou de terror?
      É uma história de amor.

2 – Qual é o foco narrativo desse romance?
      O romance é narrado em terceira pessoa.

3 – No texto, o narrador apresenta uma minuciosa descrição das personagens. Que elementos do texto nos permitem perceber de que classe social as moças fazem parte?
       A descrição da carruagem; a forma como as moças estavam elegantemente vestidas; a conversa delas sobre as compras que já tinham realizado e as que ainda pretendiam fazer; o criado que esperavam. Tudo isso configura personagens de classe social abastada.

4 – Nesse romance, as roupas das personagens são tão importantes na caracterização delas que o narrador substitui o nome das moças pelo traje que elas portam selecione dois exemplos do texto que ilustram essa afirmação e copie-os em seu caderno.
        “O vestido roxo debruçou-se de modo a olhar para fora [...]”; “[...] o roupão, recostando-se nas almofadas, consultava uma carteirinha de lembranças [...]”.

5 – Leia o trecho a seguir, referente ao comportamento de Amélia, e responda à questão:
         Notando Amélia a insistência do mancebo, ficou vivamente contrariada. Aquele olhar profundo, que parecia despedir os fogos surdos de uma labareda oculta, incutia nela um desassossego íntimo. [...]
         - O que o trecho pode revelar a respeito das características da personagem?
         O trecho revela o comportamento de uma moça recatada, reservada.

6 – Que atitudes Amélia tomou para se proteger e se esquivar do olhar do rapaz que a admirava?
       Avisou o cocheiro para avançar alguns passos, de modo a tirar o interior do carro da vista do rapaz, abriu o chapeuzinho de sol, para impedir a contemplação apaixonada de que era objeto.

7 – Pelo fragmento lido, é possível identificar a situação-problema que se constrói e que será responsável pelo desenvolvimento da história. Copie no caderno as alternativas que apresentam os acontecimentos fundamentais que desencadearam essa situação.
      Alternativas: a, c, d, e.
a)     O lacaio apressado não percebe que deixa cair, na rua, um objeto do embrulho que carregava.
b)    O cocheiro leva a vitória mais à frente para tirá-la do foco do olhar do moço apaixonado.
c)     Um jovem interessado apanha o objeto perdido e busca informações sobre sua possível proprietária.
d)    Lauro, desconfiada de que algo foi deixado para trás pelo lacaio, olha pela janela da vitória em direção à rua.
e)     O rapaz bem-vestido, não obtendo informações sobre a dona do objeto perdido, guarda-o no bolso.

8 – Que objeto você imagina ter caído do embrulho?
       Resposta pessoal.

9 – Que ideias e sentimentos você imagina que o jovem bem-vestido terá com relação ao objeto encontrado?
       Resposta pessoal.

10 – Ao ver o objeto encontrado, o rapaz tirará algumas conclusões sobre a sua proprietária. O que você acha que ele pensará sobre ela? Por quê?
        Resposta pessoal.


         

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