quarta-feira, 26 de abril de 2017

MARÍLIA DE DIRCEU - TOMÁS ANTÔNIO GONZADA - (FRAGMENTO)COM GABARITO

LITERATURA BRASILEIRA


MARÍLIA DE DIRCEU
            Tomás Antônio Gonzaga

Eu Marília, não sou algum vaqueiro,
que viva de guardar alheio gado,
de tosco trato, de expressões grosseiro,
dos frios gelos e dos sóis queimado.
Tenho próprio casal e nele assisto;
dá-me vinho, legume, fruta, azeite;
das brancas ovelhinhas tiro o leite
e mais as finas lãs, de que me visto.
          Graças, Marília bela,
          graças à minha estrela!
Eu vi o meu semblante numa fonte:
dos anos inda não está cortado;
os pastores que habitam este monte
respeitam o poder do meu cajado.
Com tal destreza too a sanfoninha,
que inveja até me tem o próprio Alceste:
ao som dela concerto a voz celeste,
nem canto letra que não seja minha.
           Graças, Marília bela,
           graças à minha estrela!
Mas tendo tantos dotes da ventura,
só apreço lhes dou, gentil pastora,
depois que o teu afeto me segura
que queres do que tenho ser senhora.
É bom, minha Marília, é bom ser dono
de um rebanho, que cubro monte e prado;
porém, gentil pastora, o teu agrado
vale mais que um rebanho e mais que um trono.
          Graças, Marília bela,
          graças à minha estrela!
Os teus olhos espalham luz divina,
a quem a luz do sol em vão se atreve;
papoila ou rosa delicada e fina
te cobre as faces, que são cor da neve.
Os teus cabelos são uns fios d`ouro;
teu lindo corpo bálsamos vapora.
Ah! não, não fez o céu, gentil pastora,
para glória de amor igual tesouro!
          Graças, Marília bela,
          graças à minha estrela!
Leve-me a sementeira muito embora
 o rio, sobre os campos levantado;
acabe, acabe a peste matadora,
sem deixar uma rês, o nédio gado.
 Já destes bens, Marília, não preciso
nem me cega a paixão, que o mundo arrasta;
para viver feliz, Marília, basta
que os olhos movas, e me dês um riso.
          Graças, Marília bela,
          graças à minha estrela!
Irás a divertir-te na floresta,
sustentada, Marília, no meu braço;
aqui descansarei a quente sesta,
dormindo um leve sono em teu regaço;
enquanto a luta jogam os pastores,
e emparelhados correm nas campinas,
toucarei teus cabelos de boninas,
nos troncos gravarei os teus louvores.
          Graças, Marília bela,
          graças à minha estrela!
Depois que nos ferir a mão da morte,
ou seja neste monte, ou noutra serra,
nossos corpos terão, terão a sorte
de consumir os dous a mesma terra.
Na campa, rodeada de cipretes,
lerão estas palavras os pastores:
“Quem quiser ser feliz nos seus amores,
siga os exemplos que nos deram estes.”
          Graças, Marília bela,
          graças à minha estrela!

                                   GONZAGA, Tomás Antônio. Marília de Dirceu.
             In: Sérgio Buarque de Holanda (org). Antologia dos poetas
   brasileiros da fase colonial. São Paulo, Perspectiva,1979, p. 301.

Tosco: rude, grosseiro.
Casal: pequena propriedade rústica; granja.
Assistir: morar
Cajado: bastão; bordão de pastor, com a extremidade superior arqueada.
Alceste: nome que o poeta atribui a seu amigo Cláudio M. da Costa.
Concertar: fazer soar harmonicamente.
Ventura: sorte, destino, felicidade.
Apreço: consideração, estima.
Segurar: garantir, assegurar.
Vaporar: exalar ou lançar (vapores)
Nédio: luzidio, brilhante.
Regaço: cavidade formada por veste comprida, entre a cintura e os joelhos de quem está sentado.
Toucar: cobrir (com touca).
Bonina: margarida-rasteira.
Campa: pedra que cobre a sepultura.

1 – Chama-se bucolismo a utilização, na literatura, de temas relacionados à vida campestre e pastoril.
a)    Cite seis palavras do texto que se relacionam ao bucolismo.
Vaqueiro, gado, casal, ovelhinhas, fonte, pastores, cajado, rebanho, monte, prado, floresta, campinas – entre outras.

b)    O disfarce assumido pelo poeta, assim como a maneira que ele emprega ao dirigir-se a Marília, no primeiro verso da 3ª estrofe, tem relação com o bucolismo. Explique essa afirmativa.
O poeta se faz passar por pastor e chama Marília de gentil pastora.

2 – Nas duas primeiras estrofes, o poeta faz uma descrição de sua situação social e de seus dotes artísticos. A partir da terceira estrofe, todos esses “dotes de ventura” são considerados inúteis, exceto se for preenchida uma condição na vida dele. De que condição se trata?
         Trata-se de casar com Marília (“queres do que tenho ser senhora”).

3 – Na quarta estrofe aparece a descrição de Marília.
a)     O poeta preocupa-se com a descrição física ou com a descrição psicológica da amada?
A preocupação é exclusivamente com a descrição física.

b)    Qual é a área do corpo feminino focalizada pelo poeta?
Ele se limita a descrever o rosto da mulher amada.

c)     Nas comparações que utiliza para descrever Marília, o poeta serve-se de elementos pertencentes ao mundo natural ou cultural?
Todas as comparações são feitas com elementos do mundo natural.

d)    Que palavra dessa estrofe resume os encantos de Marília?
A palavra é tesouro (8º verso dessa estrofe).

4 – A expressão do relacionamento amoroso baseia-se no racionalismo, isto é, o poeta não se deixa arrastar pela emoção. Copie o verso em que aparece a justificativa dele próprio para tal procedimento.
        “Nem me cega a paixão, que o mundo arrasta” (5ª estrofe, 6º verso).

5 – Chama-se, em relação ao Arcadismo, de dourada mediocridade ou áurea mediocridade o ideal de vida equilibrada, sem paixões. Para atingir esse tipo de existência, seria necessário a fuga da cidade e o contato direto com a natureza. Faça uma lista dos verbos da penúltima estrofe que estejam relacionados com o conceito de áurea mediocridade.
        Divertir-se, descansar, dormir, jogar, correr.

6 – O poeta pretende que esse ideal de relacionamento amoroso não seja apenas o dele e de Marília, mas que tenha validade universal. Que verso da última estrofe comprova essa afirmativa?
        “Siga os exemplos que nos deram estes”.


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