segunda-feira, 17 de agosto de 2020

CRÔNICA: VIDA EM MANCHETES - LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO - COM GABARITO

 Crônica: Vida em manchetes  

                    Luís Fernando Veríssimo


        -- Viu só? Caiu outro avião.

        -- É. Desta vez foram 85 mortos.

        -- Já tomei uma decisão: nunca mais entro em avião.

        -- Bobagem.

        -- Bobagem é morrer.

        -- Então não entra mais em carro, também. Proporcionalmente, morrem mais pessoas em acidentes de...

        -- Mas não entrar em automóvel eu já tinha decidido há muito tempo! Você não notou que eu ando mais magro? É de tanto caminhar.

        -- Você caminha por onde?

        -- Como, por onde? Pela calçada, ué.

        -- Dá todo dia no jornal. “Ônibus desgovernado sobe na calçada e colhe pedestre. Vítima tinha jurado nunca mais entrar em qualquer veículo.” A chamada ironia do destino.

        -- Quer dizer que calçada...

        -- É perigosíssimo...

        -- O negócio é não sair de casa.

        -- E, é claro, mandar cortar a luz.

        -- Por que cortar a luz?

        -- Pensa num dedo molhado e distraído na tomada do banheiro. “Caiu da escada quando trocava lâmpada. Fratura na base do crânio.”

        -- Está certo. Corto a luz.

        -- “Tropeça no escuro e bate com a têmpora na quina da mesa. Morte instantânea.” E você vai cozinhar com quê?

        -- Gás.

        -- Escapamento. “Vizinhos sentiram cheiro de gás e forçaram a porta: era tarde.” Ou: "Explosão de botijão arrasa apartamento.”

        -- Fogareiro a querosene.

        -- “Tocha humana! Morreu antes que...”

        -- Comida enlatada fria.

        -- Botulismo.

        -- Mando comprar comida fora.

        -- Espinha de peixe na garganta. Ossinho de galinha na traqueia. “Comida estragada, diarreia fatal!”

        -- Não preciso de comida. Vivo de injeções de vitamina...

        -- Hepatite...

        -- ... e oxigênio

        -- Poluição. “Autópsia revela: pulmão tava pior que saco de café.” Estrôncio 90 francês.

        -- Vou viver no campo, longe da poluição, do trânsito...

        -- Picada de cobra. Coice de Mula. Médico não chega a tempo.

        -- Não saio mais da cama!

        -- Está provado: 82 por cento das pessoas que morrem, morrem na cama. Não há como escapar.

        -- Mas eu escapo. A mim eles não pegam. Tenho um jeito infalível de escapar da morte.

        -- Qual é?

        -- Eu vou me suicidar.

    VERÍSSIMO, Luís Fernando. “Vida em Manchetes”. In: A grande Mulher Nua. 2ª ed. Rio de Janeiro. Liv. José Olympio. Ed. 1976. P. 73-4.

Entendendo a crônica:

01 – Com a leitura do texto, podemos concluir, sobretudo, que:

a)   A morte deve ser encarada com algo natural. Sendo assim, não devemos ser tão cuidadosos com os perigos oferecidos à vida.

b)   Aviões caem, literalmente, todo dia.

c)   Morre-se mais de acidente aéreo que de acidente rodoviário.

d)   Todos os que morrem viram manchetes. O que justifica o título do texto.

e)   O texto, como um todo, ironiza o medo que uma das personagens tem de morrer.

02 – A respeito do vocábulo eles, presente em: “A mim eles não pegam”, pode-se inferir que:

a)   Nega uma ideia anteriormente expressa.

b)   É um pronome que substitui, no texto, os fatores causadores da morte de um indivíduo.

c)   Desorganiza o texto, pois sua utilização não se refere a nenhum termo propriamente dito.

d)   Contradiz a fala da personagem, pois não retoma o que havia sido mencionado.

e)   Altera o sentido do texto, provocando efeitos e humor.

03 – A frase inicial “Viu só? Caiu outro Avião”:

I – É uma forma de o autor situar o leitor do tema a ser tratado no texto.

II – A chamada ironia do destino de que trata o autor é saber que a morte é inevitável.

III – O verbo colher (em: “Ônibus desgovernado sobe na calçada e colhe pedestre”), pode ser substituído por atropelar, pois se infere que, no texto, possui esta significação.

IV -  Em: “Comida estragada, diarreia fatal!”, a vírgula pode ser substituída pelo vocábulo porém, sem alteração de sentido.

Sobre os itens acima, estão corretos apenas:

a)   I e II.

b)   II e III.

c)   I e III.

d)   II e IV.

e)   III e IV.

04 – Sobre a relação entre as frases: “Bobagem é morrer” e “Eu vou me suicidar.”, proferidas por uma das personagens do texto, NÃO podemos dizer que:

a)   Apresentam um tom profético quanto à vida do ser humano.

b)   Denotam mudança do pensamento inicial da personagem em vista dos argumentos apresentados sobre os riscos de se morrer de qualquer coisa e em qualquer lugar.

c)   Contradizem o pensamento inicial da personagem.

d)   Reproduzem uma medida extrema quanto a situações cotidianas que oferecem perigo à vida.

e)   Apresentam uma gradação na sequência lógica do texto.

05 – Analise as afirmativas que dizem respeito ao vocábulo ando, empregado em “Você não notou que eu ando mais magro?”

I – Pode ser substituído por caminho.

II – Serve como elo entre o vocábulo eu, que representa uma das personagens, e a expressão mais magro.

III – Neste contesto, é considerado verbo nocional ou de ação.

IV – Ao ser substituído pelo vocábulo estou, não altera a estrutura sintática do fragmento.

Estão corretas apenas as afirmações:

a)   I e II.

b)   II, III e IV.

c)   I, III e IV.

d)   II e IV.

e)   II e III.

 

CRÔNICA: O GAVIÃO - RUBEM BRAGA - COM GABARITO

 Crônica: O gavião

               Rubem Braga

      Gente olhando para o céu: não é mais disco voador.

        Disco voador perdeu o cartaz com tanto satélite beirando o sol e a lua. Olhamos todos para o céu em busca de algo mais sensacional e comovente – o gavião malvado, que mata pombas.

        O centro da cidade do Rio de Janeiro retorna assim à contemplação de um drama bem antigo, e há o partido das pombas e o partido do gavião. Os pombistas ou pombeiros (qualquer palavra é melhor que “columbófilo”) querem matar o gavião. Os amigos deste dizem que ele não é malvado tal; na verdade come a sua pombinha com a mesma inocência com que a pomba come seu grão de milho.

        Não tomarei partido; admiro a túrgida inocência das pombas e também o lance magnífico em que o gavião se despenca sobre uma delas. Comer pombas é, como diria Saint-Exupéry, “a verdade do gavião”, mas matar um gavião no ar com um belo tiro pode também ser a verdade do caçador.

        A verdade é que não posso mais falar de aves: dei meus passarinhos. No fim eram apenas um casal de canários e um corrupião. Faço muitas viagens curtas e achei que a empregada não cuidava deles bastante e bem na minha ausência; mesmo que os cuidasse não lhes fazia companhia, pois mora longe. E o prazer de minhas pequenas viagens era estragado com a lembrança do corrupião tristemente trancado em uma sala o dia inteiro, sem ter com quem conversar, ele que é tão animado e tagarela. Sinto saudades deles (da canarinha; na verdade, não: era sem graça, e andava doente) e sem eles me sinto mais solteiro. Mas se, por exemplo, desaba uma chuvarada súbita, ainda me assusto pensando em tirar os bichos da varanda em que ficam nas noites quentes; quando me lembro que não estão mais comigo, que não devo mais ter esse susto e essa aflição, então me vem um certo alívio. Sou mais só, mas também mais livre.

        Que o gavião mate a pomba e o homem mate alegremente o gavião; ao homem, se não houver outro bicho que o mate, pode lhe suceder que ele encontre seu gavião em outro homem. A vida é rapina. Perdi os cantos do meu canário e os assovios de meu sofrer; meu coração está mais triste, mas mais leve também.

(Rubem Braga. Ai de ti, Copacabana, 1999)

Entendendo a crônica:

01 – O termo gavião, destacado em sua última ocorrência no texto – ... pode lhe suceder que ele encontre seu gavião em outro homem. –, é empregado com sentido:

a)   Próprio, equivalendo a inspiração.

b)   Próprio, equivalendo a conquistador.

c)   Figurado, equivalendo a ave de rapina.

d)   Figurado, equivalendo a alimento.

e)   Figurado, equivalendo a predador.

02 – O fato de o gavião matar a pomba é visto, pelo autor, como um evento:

a)   Mórbido, o qual denuncia a natureza cruel dos seres vivos.

b)   Espetacular, pois é algo raro de se encontrar na natureza.

c)   Irrelevante, uma vez que não interfere no cotidiano da cidade.

d)   Natural, que não é essencialmente positivo nem negativo.

e)   Entediante, que não justifica alguma reflexão filosófica.

 

REPORTAGEM: FOGO, DESTRUIÇÃO, MORTE - PEDRO MARTINELLI - REVISTA VEJA - COM GABARITO

 REPORTAGEM: Fogo, destruição, morte

           Pedro Martinelli

     Numa tragédia ecológica que se repete todo ano, a Amazônia está queimando outra vez.

 A Amazônia está queimando de novo. No dia 31 de julho, uma imagem do satélite americano NOAA – 14 sobre o município mato-grossense de Alta Floresta registrou queimadas numa extensão de 150 quilômetros entre os rios Teles Pires e Juruena. É apenas um entre milhares de focos de incêndio na região. Na semana passada, o Aeroporto de Rio Branco, no Acre, fechou duas vezes em virtude da falta de visibilidade pelo excesso de fumaça. Há três meses não chove na maior parte da Amazônia. A seca faz com que o fogo se propague mais rapidamente. “Os focos de queimada já atingem 25% de todas as áreas habitadas da Amazônia”, afirma Alberto Setzer, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, Inpe. Todos os dias, o Inpe envia imagens de satélite com informações atualizadas sobre as queimadas para três diferentes órgãos governamentais na Amazônia: o Ibama, do governo federal, e as secretarias do Meio Ambiente dos Estados de Rondônia e Pará. Teoricamente, todos eles teriam condições de acionar seus fiscais para punir os responsáveis pelos incêndios. Na prática, ninguém faz nada. “Tenho dois fiscais para cuidar de 1,5 milhão de hectares”, justifica-se Ênio Figueiredo, chefe da fiscalização do Ibama em Alta Floresta.

        Se eu fosse o presidente da República, convocaria os ministros para uma visita de emergência, e de surpresa, ao sul do Pará. De seu gabinete, ele está a apenas uma hora e meia do inferno. É o mesmo tempo de viagem que gasta quando vai ao oculista, em São Paulo. O presidente verá coisas de arrepiar. Banditismo, desmatamento, conflitos entre sem-terra e latifundiários, contrabando, desmando, corrupção – está tudo lá. Está lá, agora, o fogo, o fogo dos infernos, destruindo uma região de beleza sem igual.

        A degradação humana nas bordas da floresta só não é maior que a ambiental. Sem tratores ou arados, posseiros miseráveis usam o fogo para cultivar lavouras das quais mal retiram a própria subsistência. Enquanto isso, garimpeiros embrenham-se na selva em busca de minas de ouro que não existem. Para caçar, também colocam fogo na mata. É uma forma de obrigar os animais a sair de suas tocas. O fogo queima de um lado e os garimpeiros esperam do outro, de espingarda em punho. A fumaça das queimadas encobre o sol em pleno dia.

        Vinte anos atrás, quando a Companhia Vale do Rio Doce chegou à Serra dos Carajás, toda aquela região era uma imensa e intocada floresta. Hoje, resta uma ilha verde sitiada por uma paisagem lunar. Há duas semanas, numa única noite, 4.000 castanheiras foram devoradas pelo fogo na fazenda de um município vizinho. A castanheira, da qual se tira a castanha-do-pará, é protegida por lei. É protegida por lei. É proibido derrubá-la ou queimá-la, mas todo ano milhões delas são transformadas em pranchas e tábuas nas serrarias. Ninguém fiscaliza. As toras de madeira circulam livremente porque os madeireiros subornam funcionários do Ibama, guardas-florestais e patrulheiros rodoviários. Nessa fronteira sem lei, a corrupção está em todos os cantos, corroendo as pessoas que até pouco tempo atrás eram honestas. O funcionário ou o policial que recusar a propina pode aparecer morto no dia seguinte. Em vez de correr o risco decorrentes da honestidade, é mais fácil se adaptar à cadeia de desmandos e corrupção.

        As queimadas da Amazônia são feitas por dois motivos. O primeiro, mais comum, é limpar terra para cultivar lavouras ou pastagens. Pela lei, para fazer isso o agricultor precisa de licença do Ibama. A autorização para cada hectare queimado custa 3 reais. Neste ano foi autorizada a queimada de 10.000 hectares na Amazônia – mas esse é um número de ficção. Na prática, a área queimada é horrendamente maior. Uma segunda razão é o desmatamento em áreas de floresta nativa. Isso é proibido mas, também nesse caso, ninguém fiscaliza. A expansão da fronteira agrícola, em decorrência do Plano Real, acelerou o ritmo de destruição da Amazônia. O resultado é uma tragédia ecológica da qual os brasileiros que vivem nos grandes centros urbanos não se dão conta.

        Está na hora de dar um basta nesse crime. Todo ano é a mesma coisa. As fotos das queimadas na Amazônia chocam o mundo, os ecologistas criticam, o governo se defende alegando que não tem recursos nem estrutura para combater o fogo. Enquanto isso, milhões de árvores são destruídas e as ilusões se espalham. Espalhou-se, por exemplo, a ilusão de que nos últimos anos as queimadas diminuíram. Não é verdade. O que houve foi apenas a mudança do satélite que mede os focos de incêndio. Antes usava-se um satélite que colhia imagens diurnas. É durante o dia que ocorre a maioria das queimadas. Agora, utiliza-se um satélite que faz imagens à noite, quando quem põe fogo na mata está dormindo. Só por isso o número de queimadas diminuiu.

        A sociedade brasileira deve exigir do governo um tratamento de emergência para as queimadas na Amazônia. Agora, nesse minuto, enquanto você lê este parágrafo, o fogo já avançou 1 metro dentro da mata e queimou de árvores. No minuto seguinte serão mais dez. É preciso fazer alguma coisa já.

        O que o presidente poderia fazer pela Amazônia? Muito. Um esforço concentrado no período da seca, entre os meses de julho e novembro, quando ocorrem as queimadas, faria com que as fogueiras diminuíssem bastante. Poderia ser usado o Exército, que fica brincando de escoteiro na região enquanto o fogo sobe. O Exército tem meios e conhece a floresta. Mas, antes de mais nada, o presidente poderia ajudar a Amazônia saindo do seu gabinete. Deixando de lado, por um momento, os especialistas e seus doutos estudos. Precisaria ir lá. Ir lá de surpresa. Ver o que está acontecendo. Ver e se comover com a destruição. E mobilizar os brasileiros para impedir que o fogo destrua aquela nossa rica beleza.

                Revista VEJA. 20 ago. 1997.

                        Fonte: Livro – Encontro e Reencontro em Língua Portuguesa – 8ª Série – Marilda Prates – Ed. Moderna, 2005 – p. 151/4.

Entendendo o texto:

01 – Qual a função das aspas no texto?

      Identificar partes de depoimentos de especialistas ou de pessoas envolvidas com o tema abordado.

02 – Identifique o significado, no texto, das palavras a seguir:

  • Banditismo: Ação, vida, ou qualidade de bandido.
  • Embrenhar-se: Esconder-se nas matas, nas brenhas.
  • Desmando: Excesso, abuso.
  • Subornar: Ato de dar dinheiro ou outros bens como objetivo de obter vantagens.
  • Corrupção: Ato ou efeito de corromper, suborno.
  • Propina: Gratificação, gorjeta.
  • Sem-terra: Trabalhador rural que não possui terreno para exercer a sua atividade.
  • Alegar: Apresentar como explicação, prova ou desculpa.
  • Posseiros: Que ou aquele que está na posse legal de imóveis indivisos.
  • Mobilizar: Movimentar, mover em prol de uma causa.
  • Subsistência: Conjunto do que é necessário para sustentar a vida.

03 – “Se eu fosse o presidente da República, convocaria os ministros para uma visita de emergência, e de surpresa, ao sul do Pará”.

a)   Quem é o eu registrado no texto?

Pedro Martinelli, o autor.

b)   Qual o significado de convocar?

Chamar a particular, convidar.

c)   A escolha do verbo convocar indica que os ministros iriam voluntariamente ao sul do Pará? Por quê?

Indica que eles precisavam ser estimulados a fazer a visita, que não a fariam por iniciativa própria.

d)   Por que a visita deveria ser de emergência?

Devido à gravidade do problema.

e)   E por que deveria ser de surpresa?

Porque a surpresa evitaria que os problemas fossem encobertos.

04 – “É o mesmo tempo de viagem que gasta quando vai ao oculista, em São Paulo”.

a)   O tempo gasto pelo presidente para chegar ao oculista é comparado a quê?

Ao tempo que seria gasto pelo presidente para chegar ao sul do Pará.

b)   Qual o efeito produzido por essa comparação?

A comparação serve para reforçar a ideia de que o tempo gasto pelo presidente para chegar ao sul do Pará seria pequeno e habitualmente gasto pelo presidente em ações de interesse particular.

05 – “Vinte anos atrás, quando a Companhia Vale do Rio Doce chegou à Serra dos Carajás, toda aquela região era uma imensa e intocada floresta. Hoje, resta uma ilha verde sitiada por uma paisagem lunar”. Ao mencionar a chegada da Companhia Vale do Rio Doce à Serra dos Carajás, o autor permite ao leitor estabelecer uma conclusão. Identifique essa conclusão.

      O autor permite ao leitor concluir que a Companhia foi responsável pela devastação.

06 – De acordo com o texto, o que permitiu que se formasse a ilusão de que as queimadas haviam diminuído?

      O desconhecimento de que havia mudado o satélite que media os focos de incêndio.

07 – Ao afirmar: “Só por isso o número de queimadas diminuiu”, o autor faz uma crítica à manipulação de informações. Por quê?

      Porque comprova que a omissão de informações pode levar ao leitor e o cidadão a conclusões equivocadas.

08 – Conclua a partir do texto: a quem poderia interessar a ilusão de que as queimadas haviam diminuído?

      A ilusão interessava àqueles que se beneficiavam das queimadas.

09 – “Poderia ser usado o Exército, que fica brincando de escoteiro na região enquanto o fogo sobe”. O que essa afirmação permite concluir a respeito da opinião do autor sobre a atuação do Exército na Amazônia?

      Permite concluir que o autor considera inadequada a atuação do Exército. Pode-se concluir que ele considera dissimulada a ação do Exército, uma vez que afirma que seus representantes “brincam de escoteiros”, ou seja, fazem papel de “bons meninos” sem realizar obras mais relevantes.

10 – A escolha das palavras para o título obedece a um critério. Identifique-o.

      As palavras vão da causa (fogo) para a consequência, em grau crescente de gravidade.

11 – Em sua opinião, o que é preciso fazer para transformar as situações descritas em “Ecossistemas urbanos” e “Fogo, destruição, morte”?

      Resposta pessoal do aluno.

 

REPORTAGEM: A VOZ DOS MENINOS DO BRASIL - CYNTHIA DE ALMEIDA - REVISTA VEJA - COM GABARITO

 REPORTAGEM: A voz dos meninos do Brasil

                     Cynthia de Almeida

     Sonhadoras mas temperadas pela realidade, 600 crianças fazem suas projeções para o futuro: querem o Brasil no Primeiro Mundo, exigem o fim da violência e da corrupção e ameaçam mudar de país se tudo continuar como está.

          COMPORTAMENTO

        Brasil, 2020. A TV transmite, via satélite, a entrega do cheque da última parcela da dívida externa brasileira. O país, agora parlamentarista, evoluiu muito e liquidou suas dívidas depois da guerra entre Estados Unidos e Europa. Uma cineasta brasileira ganha o Oscar de melhor filme. A comunidade científica internacional aplaude o pesquisador brasileiro que descobriu a cura da Aids.

        Os autores das previsões sobre esta grande odisseia brasileira no terceiro milênio não são discípulos do mago Paulo Coelho. Não usam bola de cristal, não estão filiados a nenhum partido político e, descontados os arroubos imaginativos e ufanistas próprios da idade, são menos ingênuos e otimistas do que pode parecer. O sonho de um país ideal, em plena maturidade política e auto suficiência econômica, é o lado cor-de-rosa das projeções para o futuro que 600 crianças entre 11 e 14 anos, estudantes de 5ª e 6ª séries do 1° grau de quatro capitais brasileiras, fizeram a pedido de VEJA.

        Com o tema “Como você imagina sua vida adulta?”, alunos de escolas públicas e particulares de São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba e Recife foram convidados a descrever suas aspirações futuras. Os textos fornecidos pelas crianças foram analisados por professores, pedagogos, psicólogos e psicanalistas. Revelaram o perfil sensível, algumas vezes amargo e outras surpreendente, de uma geração com muita informação e poucas perspectivas. “Os textos refletem uma carga de informação maciça que marcou muito essas crianças”, diz a psicanalista Maria Cristina Kupfer. Palavras como corrupção, inflação e crise política foram incorporadas ao seu vocabulário a ponto de a maioria dos pequenos redatores não conseguir projetar qualquer sonho desvinculado da situação caótica do país. Aspirações profissionais, desejo de sucesso, fama e realização sentimental passam antes pela peneira do que o vocabulário político nacional acostumou-se a chamar de o social.

        “É gritante a desesperança em relação ao Brasil. A maioria situa o sucesso profissional fora do país. E quase todos mencionam a miséria e a desigualdade social, associadas à incompetência e corrupção dos políticos”, analisa Samir Mesarani, professor de Processos de Redação Criativa na PUC de São Paulo, especialista em análise de linguagem e diagnóstico de texto. Não faltam, porém, projetos otimistas. O desejo de tornar o Brasil melhor ou a declara intensão de pular do barco para um país mais atraente aparece na maior parte dos textos. A simples menção da possibilidade de fuga já demonstra que, antes de mais nada, eles têm um compromisso com a própria felicidade. No ranking das aspirações, “ganhar dinheiro” é mais importante do que se realizar profissionalmente. O lado ético do universo destes cidadãos brasileiros no início da adolescência se canaliza para as relações familiares, a ecologia e os compromissos sociais, nessa ordem.

        Com o uso de clichês adultos sobre a generosidade e a solidariedade social, disfarçam uma forte vocação individualista. Para cada jatinho que ousam desejar, abrem creches para crianças abandonadas. São engraçados, afetivos, individualistas e poderosos o suficiente para manter os problemas do outro lado de seu universo particular.

        Farei de tudo para melhorar o Brasil, como ajudar crianças pobres que são iguaizinhos a mim (ossos, orelhas, bocas, etc.) mas que têm um sério problema: A miséria... Vamos parar de escrever este gravíssimo problema e tentar falar de um assunto muito mais agradável. Quero ter tudo do bom e do melhor, mas, para isso, é preciso trabalhar. Vou ser um comerciante formado em arquitetura... venderei sapatos e ganharei muito dinheiro, me tornando um magnata com uma Ferrari na frente de minha casa. (André, 12 anos, Escola Nova Lourenço Castanho, São Paulo).

        Rebeldes com justíssima causa, as crianças nascidas no final dos anos 70 ou início dos 80, dentro de um panorama permanente de crise econômica e política, não apresentam traços de inconformismo notáveis. Em suas redações, mostram-se bem comportadas, éticas e extremamente “família”. Contra apenas quatro declarações de celibato convicto, sendo três delas de meninas, 179 crianças de ambos os sexos planejam constituir uma família tradicional.

        Eu quero ter quatro filhos: Júlia, Pedro, Maria e Lucas (um pouquinho exagerada, né?). Mas mesmo assim, por que eu quero chegar do trabalho e ver uma casa sempre alegre. Quero criar todas com carinho e que tenham uma vida parecida com a minha, que eu considero boa. Quero que eles tenham os mesmos valores que os meus: solidariedade, amizade e carisma. Oh! não posso esquecer, eu quero ter um ótimo marido, que goste de mim e seja um bom pai. (Nina, 12 anos, Escola Senador Correia, Rio de Janeiro).

        O papel do homem aparece enfraquecido. As meninas traçam suas metas de forma independente, muitas vezes já prevendo a dissolução do futuro casamento. Já aos meus 20 aninhos (na minha cabeça) começam os problemas de dinheiro. Antes, com mais ou menos 19 anos já fiz sexo (no fim do ano) e acho que com 20 anos já tive filhos. Quero ter apenas uma filha. Aos 25 anos: nessa época imagino ter uma carreira ótima e firme como atriz de televisão e teatro (talvez cinema). Com meu salário, vou sustentar minha filha. Imagino que vou me separar do meu marido com 24 anos, como a minha querida mamãe. (Maíra, 12 anos, Escola Senador Correia, Rio de Janeiro).

        A análise de conteúdo dos textos feita pelo professor Samir Meserani destaca a referência à família como o assunto básico mais abordado. “A família aparece como o grupo social mais importante, se não o único, dos pequenos redatores”, constata Meserani. “Mostram a família como um centro de afeto e muitas vezes de sacrifício para mantê-los”. Em alguns casos, promete-se o pagamento no futuro. “Ajudar os pais” figura entre as dez maiores aspirações reveladas pelas composições, em sua maioria por crianças da rede pública de ensino. “As crianças estão expressando uma urgência de crescer para aliviar os pais. A dependência aparece como situação de ônus”, observa a professora Ada Pellegrini, psicanalista e coordenadora do Núcleo de Pesquisa de Família do Programa de Serviço   Social da PUC de São Paulo.

        (...)

        As crianças pedem políticos melhores e o fim da corrupção, mas não parecem acreditar que isso seja realmente possível. A promessa desacreditada de um país viável se transfere para uma utopia simplista da mudança radical de endereço.

        (...)

        A saída pelo aeroporto é a mais procurada pelas crianças que revelam projetos definidos de realizações e carreiras. Do candidato a craque de futebol ao futuro cientista espacial, 48 estudantes referiram-se explicitamente ao desejo de se mudar para o Primeiro Mundo. “Eles imaginam que vão achar lá o que não encontraram aqui. Isso é um mito”, alerta a professora Ada Pellegrini. Um mito, evidentemente, partilhado por muitos brasileiros de todas as idades. A síndrome do futuro negro também foi diagnosticada numa porcentagem significativa das redações. Em relatos dramáticos, em que se atropelam as normas de linguagem em relação direta com a angústia expressada, explode esperança. Eu gostaria de ter uma futuro melhor que não fosse de ladrões e que as pessoas não podem nem sair para muito longe que as pessoas poderiam ser sequestradas. Enfim, eu gostaria de um futuro onde a gente fosse livre. (Everaldo, 13 anos, E.P.G. Presidente Tancredo Neves, São Paulo).

        A violência da sociedade é citada em quase todos os textos e descrita em sua multiplicidade de manifestações. No repertório “de crise” de 359 das 600 redações, os temas mais contundentes abordados foram miséria, assaltos, corrupção, sequestro, drogas, crianças abandonadas, poluição e devastação da natureza. A resposta à violência surge em forma de declarações de boa conduta no futuro. “A política vem sempre associada à ética e à competência e nunca a doutrinas ideológicas ou partidos”, ressalta Samir Meserani. “Para sobreviver, eles estão desenvolvendo anseios éticos: trabalho, fidelidade, dignidade, não-segregação”, diz a psicanalista Ada Pellegrini.

        (...)

        O bom-mocismo não é, sincera ou simuladamente, regra geral. Fugindo do enquadramento em que a maioria prefere se resguardar, aparece a marotice sem freios ou a cópia proposital dos modelos errados. Gostaria de ser terrorista e ganhar muita grana, defender meus ideais ou então ser o novo chefão da máfia italiana.

Embolsar milhões de dólares por dia. Já pensou? Ou ser o presidente da república e aí embolsar e embolsar. Roubar mais que o P.C. e o Fernandinho. (Cesar, 13 anos, E. P. S. G. Prof. Carlos de Moraes Andrade, São Paulo). O exemplo do Fernandinho se repete entre os provocadores mirins. Eu gostaria de ser o presidente da república, para eu roubar mais do que o Collor, e quando cumprir o mandato, eu sair muito rico, milionário. (Marcos, 13 anos, E. P. S. G. Prof. Carlos de Moraes Andrade, São Paulo).

        Entre os anseios familiares e as inquietações político-sociais, as crianças perseguem carreiras nobres. A profissão desejada raramente é associada ao prazer de exercê-la, mas mencionada como um instrumento para conseguir conforto e dinheiro para uma vida melhor. “Poucas vezes o sucesso profissional é associado aos estudos, à escola. Esta é vista apenas como um caminho que precisa ser percorrido para chegar lá”, analisa Meserani.

        Imagino também ser juiz para condenar as pessoas culpadas. Eu também acho que serei advogado, para proteger os inocentes e acusar os culpados ou defender as pessoas por justa causa em empregos. Ou então eu imagino ser dono de lojas de carros, dono de caminhões, ter muitos carros e caminhonetes, ter várias fazendas, compor músicas, ser dono de supermercados, etc. (Adriano Augusto Couto Soares, 13 anos, Escola Embaixador Gilberto Amado, Recife).

        Há diferenças sensíveis entre o repertório profissional das crianças de escolas públicas e particulares. Entre as carreiras mais citadas, as de professor e secretária só contam com a preferência das crianças de escolas estaduais ou municipais. Ao contrário dos alunos de classes mais privilegiadas, aparece também na escola pública a consciência da barreira social como entrave à realização do sonho profissional.

        O meu sonho é estudar medicina só que eu acho que eu estou sonhando muito alto apesar que sonhar não é proibido e não paga sonhar... Eu queria muito ter roupas boas para vestir e ter muita coisa gostosa para comer. Só que minha mãe é doméstica e ganha pouco meu pai é pedreiro e também ganha pouco e o que ganham só dá para comer e às vezes uma roupinha nova. (Clélia dos Santos Neiva, 15 anos, E. E. P. G. Presidente Tancredo Neves, São Paulo).

        Sensíveis à causa ecológica, as crianças demonstram um particular fascínio – e temor – pelo buraco na camada de ozônio. Uma a cada duas inquietações preservacionistas expressadas é a citação do iminente perigo associado ao buraco de ozônio, uma espécie de bicho-papão da nova geração. (...)

        Mas também não é preciso se preocupar tanto. O país – e o mundo de uma forma geral – vai melhorar. A julgar pelos projetos de quem hoje se prepara para botar seus atrevidos narizinhos na vida, podemos esperar para os meados do ano 2020 uma geração de famílias harmônicas, cidadãos corretos, políticos honestos, profissionais competentes, cientistas geniais, artistas inspirados, consumidores racionais e preservacionistas conscientes. Se o futuro não for cor-de-rosa, não será por culpa deles. Os adultos podem envelhecer tranquilos, pelo menos enquanto esta geração, realista e ao mesmo tempo sonhadora, continuar a ser pessimista no pensamento – e adoravelmente otimista na ação.

Revista VEJA. 20 jan. 1993.

                         Fonte: Livro – Encontro e Reencontro em Língua Portuguesa – 8ª Série – Marilda Prates – Ed. Moderna, 2005 – p. 138/142.

Entendendo o texto:

01 – A abertura é interessante. Percebemos um otimismo marcante no resumo dos depoimentos colhidos. Por quê?

      Porque o texto procurou resumir a essência do anseio de boa parte da população brasileira, dos jovens adolescentes, em particular, que acreditam num futuro melhor para todos nós.

02 – Palavras como corrupção, inflação, crise política, aspirações profissionais, sucesso, fama, realização sentimental fazem parte do vocabulário desses jovens. E, com toda honestidade e segurança, respondem às perguntas formuladas. Como percebemos isso? Responda com frases e depoimentos do texto.

      “Os textos refletem uma carga maciça que marcou muito essas crianças.” / “É gritante a desesperança em relação ao Brasil. A maioria situa o sucesso profissional fora do país. E quase todos mencionam a miséria e a desigualdade social, associadas à incompetência e à corrupção dos políticos”.

03 – Existe desesperança desses jovens em relação ao Brasil? Novamente justifique através dos depoimentos.

      Existe. Tanto que o texto afirma que a maioria situou o sucesso profissional fora do país.

04 – Observe os três parágrafos apresentados: profissões desejadas, aspirações, preocupações. Comente um a um.

      Resposta pessoal do aluno.

05 – Todos os jovens respondem positivamente, com indícios de conhecer direitos e deveres? Justifique.

      Sim. A justificativa para uma resposta positiva encontra-se, por exemplo, no seguinte trecho: “Para sobreviver, eles estão desenvolvendo anseios éticos: trabalho, fidelidade, dignidade, não-segregação.

06 – Algum depoimento o chocou? Por quê?

      Resposta pessoal do aluno.

07 – Em muitos momentos percebe-se a grande preocupação com a família. De que forma?

      “A família aparece como o grupo social mais importante, se não o único, dos pequenos redatores”. “Mostra a família como um centro de afeto e muitas vezes de sacrifícios para mantê-los”.

08 – Dentro das profissões, qual é a mais almejada? Você consegue entender a razão?

      A profissão de médico. Porque ganhar dinheiro vem antes da realização profissional.

09 – Nas aspirações, o que mais almeja o jovem? Que razões teria ele?

      Casar e ter filhos. Na visão de uma jovem, conforme seu depoimento, as crianças trazem alegria a uma casa.

10 – por que é grande a preocupação com a ecologia e, em particular, com a camada de ozônio?

      Provavelmente, por ser um assunto que ocupa espaço na mídia e está intimamente ligada à qualidade de vida no futuro.

11 – Como o texto é concluído? Você concorda com essa conclusão?

      O texto é concluído com a observação de que, no futuro, quando esses jovens estiverem no comando, a situação será bem melhor, por conta dos ideais elevados da geração que participou da pesquisa.

12 – Qual sua opinião sobre essa pesquisa? Conclua, ponderando e justificando.

      Resposta pessoal do aluno.