domingo, 21 de junho de 2020

CRÔNICA: A CESTA - PAULO MENDES CAMPOS - COM GABARITO

Crônica: A cesta           

                Paulo Mendes Campos

        Quando a cesta chegou, o dono não estava. Embevecida, a mulher recebeu o presente. Procurou logo o cartão, leu a dedicatória destinada ao marido, uma frase ao mesmo tempo amável e respeitosa.

        Quem seria? Que amigo seria aquele que estimava tanto o marido dela? Aquele cesta, sem dúvida nenhuma, mesmo a uma olhada de relance, custava um dinheirão. Como é que ela nunca tivera notícia daquele nome? Ricos presentes só as pessoas ricas recebem. Eles eram remediados, viviam de salários, sempre inferiores ao custo das coisas. Sim, o marido, com o protesto dela, gostava de bons vinhos e boa mesa, mas isso com o sacrifício das verbas reservadas a outras utilidades.

        De qualquer forma, aquela cesta monumental chegava em cima da hora. E se fosse um engano? Não, felizmente o nome e o sobrenome do marido estavam escritos com toda a clareza e o endereço estava certo.

        Alvoroçada, examinou uma a uma as peças de envoltas em flores e serpentinas de papel colorido. Garrafas de uísque escocês, champanha francês, conhaque, vinhos europeus, patê, licores, caviar, salmão, champignon, uma lata de caranguejos japoneses ... Tudo do melhor. Mulher prudente, surrupiou umas garrafas e escondeu-as nas gavetas femininas do armário. Conhecia de sobra a generosidade do marido: à vista daquela cesta farta, iria convidar todo o mundo para um devastador banquete. Isso não tinha nem conversa, era tão certo quanto dois e dois são quatro. Mas quem seria o amigo? Esperou o regresso do marido, morrendo de curiosidade.

        E ei-lo que chega, ao cair da noite, cansado, sobraçando duas garrafas de vinho espanhol, uma garrafa de uísque engarrafado no Brasil, um modesto embrulho de salgadinhos. Caiu das nuvens ao deparar com a gigantesca cesta. Pálido de espanto, não tanto pelo material do presente (era um sentimental), mas pelo valor afetivo que o mesmo significava, começou a ler o cartão que a mulher lhe estendia. Houve um longo minuto de densa expectativa, quando, terminada a leitura, ele enrugou a testa e se concentrou no esforço de recordar. A mulher perguntava aflita:

        -- Quem é?

        Mais da metade da esperança dela desabou com a desolada resposta.

        -- Esta cesta não é pra mim.

        -- Como assim? Você anda ultimamente precisando de fósforo.

        -- Não é minha.

        -- Mas olhe o endereço: é o nosso! O nome é o seu.

        -- O meu nome não é só meu. Há um banqueiro que tem o nome o igualzinho. Está na cara que isso é cesta pra banqueiro.

        -- Mas, o endereço?

        -- Deve ter sido procurado na lista telefônica.

        Ela não queria, nem podia, acreditar na possibilidade do equívoco.

        -- Mas faça um esforço.

        -- Não conheço quem mandou a cesta.

        -- Talvez um amigo que você não vê há muito tempo.

        -- Não adianta.

        -- Você não teve um colega que era muito rico?

        -- O nome dele é completamente diferente. E ficou pobre!

        -- Pense um pouco mais, meu bem.

        Novo esforço foi feito, mas a recordação não veio. Ela apelou para a hipótese de um admirador. Afinal, ele era um grande escritor, autor de um romance que fizera sucesso e de um livro para crianças, que comovera grandes e pequenos.

        -- Um fã, quem sabe é um fã?

        -- Mulher, deixa de bobagens... Que fã coisa nenhuma!

        -- Pode ser sim! Você é muito querido pelos leitores.

        A ideia o afagou. Bem, era possível. Mas, em hipótese nenhuma, ficaria com aquela cesta, caso não estivesse absolutamente certo de que o prêmio lhe pertencia.

        -- Sou um homem de bem!

        Era um homem de bem. Pegou o catálogo, procurou o telefone do homônimo banqueiro, falou diretamente com ele depois de alguma demora: não é muito fácil um desconhecido falar a um banqueiro.

        Aí, a mulher ouviu com os olhos arregalados e marejados:

        -- Pode mandar buscar a cesta imediatamente. O senhor queira desculpar se minha mulher desarrumou um pouco a decoração. Mas não falta nada.

        A mulher foi lá dentro, quase chorando, e voltou com umas garrafas nas mãos:

        -- Eu já tinha escondido estas.

        -- Você é de morte. Coloque as garrafas na cesta.

        Vinte minutos depois, um carro enorme parava à porta, subindo um motorista de uniforme. A cesta engalanada cruzou a rua e sumiu dentro do automóvel. Ele sorria, filosoficamente. Dos olhos da mulher já agora corriam lágrimas francas. Quando o carro desapareceu na esquina, ele passou o braço em torno do pescoço da mulher:

        -- Que papelão, meu bem! Você ficou olhando aquela cesta como se estivesse assistindo à saída de meu enterro.

        E ela, passando um lenço nos olhos:

        -- Às vezes é duro ser casada com um homem de bem.

Paulo Mendes Campos. Supermercado.

Entendendo a crônica:

01 – Vocábulo – pesquise e responda:

·        Embevecida: estática.

·        Estimava: gostava.

·        De relance: rapidamente.

·        Remediado: sem muitos recursos financeiros.

·        Verbas: quantias.

·        Monumental: grandiosa.

02 – Nessa crônica a mulher fica admirada com a entrega de uma cesta de vinhos ao marido. Apesar de o nome e o endereço estarem completos e corretos, era apenas uma coincidência:

a)   Quais foram os argumentos usados pelo marido para convencer a mulher de que a cesta não era para ele?

-- Que existia um banqueiro com o mesmo nome que o dele.

-- Não conhecia quem mandou a cesta.

-- Tinha um amigo rico, mas ficou pobre.

b)   A mulher tentou convencer o marido de todas as formas a ficar com a cesta, porém não conseguiu. Ele afirmou ser um homem de bem e decidiu devolvê-la. Comente o que ele fez para entrega-la.

Ele procurou na lista telefônica o telefone do verdadeiro dono da cesta, o banqueiro, e pediu para buscar a cesta que havia sido entregue por engano em sua casa.

03 – Que tema é abordado na crônica?

      O tema é o consumismo.

04 – Que fato desencadeou os acontecimentos narrados na crônica?

      A chegada de uma cesta de vinho.

05 – no texto estudado predomina a ação ou a reflexão? Comente.

      Predomina a ação, desde o momento que a mulher recebe a cesta até o final, quando o marido devolve a cesta para o verdadeiro dono.

06 – O que tinha na cesta?

      Flores, serpentinas de papel colorido, garrafas de uísque escocês, champanha francês, conhaque, vinhos europeus, patê, licores, caviar, salmão, champignon, uma lata de caranguejos japoneses.

 


POEMA: PARA SEMPRE - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - COM GABARITO

Poema: Para Sempre

            Carlos Drummond de Andrade

Por que Deus permite 
que as mães vão-se embora? 
Mãe não tem limite, 
é tempo sem hora, 
luz que não apaga 
quando sopra o vento 
e chuva desaba, 
veludo escondido 
na pele enrugada, 
água pura, ar puro, 
puro pensamento. 
Morrer acontece 
com o que é breve e passa 
sem deixar vestígio. 
Mãe, na sua graça, 
é eternidade. 
Por que Deus se lembra 
— mistério profundo — 
de tirá-la um dia? 
Fosse eu Rei do Mundo, 
baixava uma lei: 
Mãe não morre nunca, 
mãe ficará sempre 
junto de seu filho 
e ele, velho embora, 
será pequenino 
feito grão de milho. 


Carlos Drummond de Andrade, in 'Lição de Coisas' 

Entendendo o poema:

01 – Nos versos: “Luz que não se apaga”, “Quando sopra o vento”, “E chuva desaba”, o termo em negrito pode ser analisado como:

a)   Uma oposição de ideias.

b)   Uma explicação.

c)   Uma indicação de um acréscimo.

d)   Uma oferta de escolhas.

02 – A alternativa que melhor explica o título do poema é:

a)   A aceitação da morte da mãe pelo filho, na velhice.

b)   A tristeza e a indignação da morte da mãe.

c)   Que devia ser proibida a morte de uma mãe.

d)   Que mesmo morrendo ela sempre será a mãe do filho.

03 – É possível fazer uma reflexão com a leitura do poema. Você concorda com as afirmações feitas pelo eu lírico?

      Resposta pessoal do aluno.

04 – Transcreva o verso em que comprova o foco narrativo (narrador-personagem) em primeira pessoa.

      “Fosse eu rei do mundo...”.

 

 

 

 

 

 


POEMA: CONSOADA - MANUEL BANDEIRA - COM GABARITO

Poema: Consoada

              Manuel Bandeira

Quando a Indesejada das gentes chegar
(Não sei se dura ou caroável),
talvez eu tenha medo.
Talvez sorria, ou diga:
— Alô, iniludível!
O meu dia foi bom, pode a noite descer.
(A noite com os seus sortilégios.)
Encontrará lavrado o campo, a casa limpa,


A mesa posta,
Com cada coisa em seu lugar.

                                          Manuel Bandeira.

Glossário:

- Coroável: amável, afetuosa.

- Consoada: refeição noturna.

- Iniludível: à qual não se pode iludir, enganar.

- Sortilégios: encantamentos, magias.

Entendendo o poema:

01 – Quem é “A indesejada das gentes”? Que outros termos são usados no poema para também referir-se a ela?

      É a morte. São usados os termos “iniludível” e “noite”.

02 – Como pode ser entendido, no poema, o verso “O meu dia foi bom, pode a noite descer”?

      Esse verso pode ser entendido como A minha vida foi boa, pode a morte chegar.

03 – Que nome se dá a figura de linguagem que consiste na suavização da linguagem, evitando-se o emprego de palavras ou expressões ofensivas ou desagradáveis?

      Eufemismo.

04 – Nestes versos, o poeta revela:

a)   Sua convivência familiar com a morte em razão da tuberculose que o acompanhou desde a juventude.

b)   Seu desencanto diante da vida que não pôde viver normalmente por causa da doença.

c)   Seu sentimento de religiosidade e fé diante da vida e da morte.

d)   Seu inconformismo diante do destino que a vida lhe reservou.

e)   Sua tranquilidade diante da morte por haver cumprido seu papel na vida.

05 – Que outros eufemismos podem ser usados para amenizar a referência à morte?

      Algumas possibilidades: “descansar”; “fechar os olhos”; “partir”; “ir embora”.

 

06 – Para o poeta a palavra Indesejada se refere à:

a)   Amada.

b)   Visita.

c)   Monte.

d)   Noite.

07 – Por que o poeta cumprimenta a Indesejada das gentes, chamando-a de?

a)   Porque ela é fácil de se enganar.

b)   Porque não poupa ninguém.

c)   Porque aparece toda noite.

d)   Porque é amiga do poeta.

08 – Com relação à estrutura, o poema pode ser dividido em duas partes:

I – A primeira, que mostra incerteza do poeta, expressa pelos advérbios de negação e dúvida, e a segunda, que apresenta certeza expressa pelo tom afirmativo dos verbos.

II – A primeira, que revela segurança e certeza quanto ao futuro, e a segunda, que apresenta dúvida e descontrole emocional.

III – A primeira, que mostra coragem e segurança para enfrentar o desconhecido, e a segunda, que revela a felicidade de um dia de trabalho.

IV – A primeira, que mostra o poeta despreparado para o que lhe espera, e a segunda, que revela sua ousadia e destemor diante da vida.

O item que melhor caracteriza essa divisão é:

a)   I.

b)   II.

c)   III.

d)   IV.

09 – Que outros eufemismos podem ser usados para amenizar a referência à morte?

      Algumas possibilidades: “descansar”; “fechar os olhos”; “partir”; “ir embora”.

 


POEMA: GESSO - MANUEL BANDEIRA - COM GABARITO

Poema: GESSO

              Manuel Bandeira

Esta minha estatuazinha de gesso, quando nova
— O gesso muito branco, as linhas muito puras —
Mal sugeria imagem de vida
(embora a figura chorasse).
Há muitos anos tenho-a comigo.
O tempo envelheceu-a, carcomeu-a, manchou-a de pátina
[ amarelo-suja.
Os meus olhos de tanto a olharem,
Impregnaram-na da minha humanidade irônica de tísico.
Um dia mão estúpida
Inadvertidamente a derrubou e partiu.
Então ajoelhei com raiva, recolhi aqueles tristes fragmentos,
[ recompus a figurinha que chorava.
E o tempo sobre as feridas escureceu ainda mais o sujo
[ mordente de pátina…

Hoje esse gessozinho comercial
É tocante e vive, e me fez agora refletir
Que só é verdadeiramente vivo o que já sofreu.

Manuel Bandeira.

Entendendo o poema:

01 – A ação do tempo sobre a estátua de gesso é vista pelo poeta como:

a)   O que acabou por torna-la mais vivaz e expressiva, pelo menos até que um acidente a fizesse perder essa vivacidade.

b)   Responsável por danos que levaram uma obra de arte a perder sua pureza e vivacidade originais.

c)   Um elemento que, juntamente com os danos causados por um acidente, dá vida e singularidade ao que era inexpressivo e vulgar.

d)   O causador irremediável do envelhecimento das coisas e da consequente desvalorização dos objetos pessoais mais valiosos.

e)   Capaz de transformar um simples objeto comercial em uma obra de arte que parece ter sido criada por um escultor genial.

02 – “Mal sugeria imagem de vida

        (Embora a figura chorasse)”

        É CORRETO afirmar que a frase entre parênteses tem sentido:

a)   Adversativo.

b)   Concessivo.

c)   Conclusivo.

d)   Condicional.

e)   Temporal.

03 – “Um dia mão estúpida
         Inadvertidamente a derrubou e partiu.
         Então ajoelhei com raiva, recolhi aqueles tristes fragmentos,
         [ recompus a figurinha que chorava.
         E o tempo sobre as feridas escureceu ainda mais o sujo
         [ mordente de pátina…”

         Sobre os versos acima transcritos é INCORRETO afirmar:

a)   Mão estúpida pode ser alusão do poeta a si próprio e carregaria assim algum matiz da raiva que o teria acometido quando derrubou a estátua.

b)   Inadvertidamente tem o sentido de “De modo descuidado”, indicado o caráter acidental do episódio.

c)   Em recompus a figurinha que chorava, o poeta se vale de uma ambiguidade para sugerir o sofrimento da estátua com a queda.

d)   Com a alusão às feridas causadas à estátua, o poeta se refere aos sinais visíveis da junção dos pedaços dela depois de reconstituída.

e)   Com a expressão o sujo mordente da pátina, o poeta alude a transformação da estátua de sofredora em causadora de sofrimento.

 

 


DIÁRIO: GENTE É BICHO E BICHO É GENTE - PEDRO ANTÔNIO OLIVEIRA - COM GABARITO

Texto: GENTE É BICHO E BICHO É GENTE

         Pedro Antônio Oliveira

   Querido Diário, não tenho mais dúvida de que este mundo está virado ao avesso! Fui ontem à cidade com minha mãe e você não faz ideia do que eu vi. Uma coisa horrível, horripilante, escabrosa, assustadora, triste, estranha, diferente, desumana... E eu fiquei chateada.

        Eu vi um homem, um ser humano, igual a nós, remexendo na lata de lixo. E sabe o que ele estava procurando? Ele buscava, no lixo, restos de alimento. Ele procurava comida!

        Querido Diário, como pode isso? Alguém revirando uma lata cheia de coisas imundas e retirar dela algo para comer? Pois foi assim mesmo, do jeitinho que estou contando. Ele colocou num saco de plástico enorme um montão de comida que um restaurante havia jogado fora. Aarghh!!! Devia estar horrível!

        Mas o homem parecia bastante satisfeito por ter encontrado aqueles restos. Na mesma hora, querido Diário, olhei assustadíssima para a mamãe. Ela compreendeu o meu assombro. Virei para ela e perguntei: “Mãe, aquele homem vai comer aquilo?” Mamãe fez um “sim” com a cabeça e, em seguida, continuou: “Viu, entende por que eu fico brava quando você reclama da comida?”.

        É verdade! Muitas vezes, eu me recuso a comer chuchu, quiabo, abobrinha e moranga. E larguei no prato, duas vezes, um montão de repolho, que eu odeio! Puxa vida! Eu me senti muito envergonhada!

        Vendo aquela cena, ainda me lembrei do Pó, nosso cachorro. Nem ele come uma comida igual àquela que o homem buscou do lixo. Engraçado, querido Diário, o nosso cão vive bem melhor do que aquele homem. Tem alguma coisa errada nessa história, você não acha?

        Como pode um ser humano comer comida do lixo e o meu cachorro comer comida limpinha? Como pode, querido Diário, bicho tratado como gente e gente vivendo como bicho? Naquela noite eu rezei, pedindo que Deus conserte logo este mundo. Ele nunca falha. E jamais deixa de atender os meus pedidos. Só assim, eu consegui adormecer um pouquinho mais feliz.

                          OLIVEIRA, Pedro Antônio. Gente é bicho e bicho é gente. Diário da Tarde. Belo Horizonte, 16 out. 1999.

Entendendo o texto:

01 – Esse texto faz parte de:

a)   Uma carta.

b)   Um livro.

c)   Uma crônica.

d)   Um diário.

02 – O objetivo desse tipo de texto é:

a)   Informar as pessoas o que acontece com muitos seres humanos com fome.

b)   Listar os tipos de legumes e verduras que as crianças devem comer.

c)   Relatar diariamente experiências e sentimentos de uma pessoa, bem como seus anseios pessoais.

d)   Narrar fatos cotidianos de uma cidade em relação ao destino do lixo.

03 – Esse texto é característico de:

a)   Cadernos e blogs pessoais.

b)   Correios eletrônicos.

c)   Jornais e revistas para adolescentes.

d)   Livros didáticos diversos.

04 – O texto: “Gente é bicho e bicho é gente” de Pedro Antônio de Oliveira é do gênero relato pessoal. As marcas que comprovam essa afirmativa são:

a)   Narrador em primeira pessoa, o tempo passado não é muito distante do tempo atual.

b)   Narrador em primeira pessoa, os fatos narrados aconteceram há muito tempo.

c)   Narrador em terceira pessoa, o tempo passado é próximo ao tempo presente.

d)   Narrador em terceira pessoa, os fatos narrados aconteceram há muito tempo.

05 – Qual o tema abordado nesse texto?

a)   A diferença de tratamento dado aos homens e aos cães.

b)   A importância de alimentos naturais na alimentação.

c)   A preocupação e a indignação com as ações desumanas na nossa sociedade.

d)   O valor da oração para adormecer um pouquinho mais feliz e tranquilo.

06 – Releia este trecho do texto: “É verdade! Muitas vezes, eu me recuso a comer chuchu, quiabo, abobrinha e moranga. E larguei no prato, duas vezes, um montão de repolho, que eu odeio! Puxa vida! Eu me senti muito envergonhada!” Do que ela se envergonha?

a)   Em saber que seu cachorro come melhor do que alguns seres humanos.

b)   Em ver um ser humano, igual a ela, procurando o que comer na lata de lixo.

c)   Por conseguir adormecer mesmo sabendo que muitos não tem o que comer.

d)   Por recusar a comida oferecida pela mãe enquanto outros passam fome.

07 – No final do relato, a narradora deposita sua confiança no Ser Divino. Por que ela faz isso?

a)   Porque a coisa está horripilante, escabrosa, assustadora, desumana.

b)   Porque somente o Ser Divino poderia dar uma solução para uma situação tão degradante.

c)   Porque a situação de fome nas cidades é muito grande e causa morte.

d)   Porque os donos de restaurante colocam comida nas lixeiras para quem precisar.


NOTÍCIA: QUEM TEM O DIREITO DE FALAR? VLADIMIR SAFATLE - COM GABARITO

Notícia: Quem tem o direito de falar?

             VLADIMIR SAFATLE

     Estabelecer que minorias só podem falar dos problemas de seu grupo é uma forma astuta de silenciamento

     A política não é uma questão apenas de circulação de bens e riquezas. Ou seja, ela não se funda simplesmente em uma decisão a respeito de como as riquezas e os bens devem circular, como eles devem ser distribuídos.

        Embora essa seja uma questão central que mobiliza todos nós, ela não é tudo, nem é razão suficiente de todos os fenômenos internos ao campo que nomeamos "política". Na verdade, a política é também uma questão de circulação de afetos, da maneira com que eles irão criar vínculos sociais, afetando os que fazem parte destes vínculos.

        A maneira com que somos afetados define o que somos e o que não somos capazes de ver, o que somos e não somos capazes de sentir e perceber. Definido o que vejo, sinto e percebo, define-se o campo das minhas ações, a maneira com que julgarei, o que faz parte e o que está excluído do meu mundo.

        Percebam, por exemplo, como um dos maiores feitos políticos de 2015 foi a circulação de uma mera foto, a foto do menino sírio morto em um naufrágio no Mar Mediterrâneo.

        Nesse sentido, foi muito interessante pesquisar as reações de certos europeus que invadiram sites de notícias de seu continente com posts e comentários. Uma quantidade impressionante deles reclamava daqueles jornais que decidiram publicar a foto. Por trás de sofismas primários, eles diziam basicamente a mesma coisa: "parem de nos mostrar o que não queremos ver", "isto irá quebrar a força de nosso discurso".

        Pois eles sabiam que seu fascismo ordinário cresce à condição de administrar uma certa zona de invisibilidade. É necessário que certos afetos não circulem, que a humanização bruta produzida pela morte estúpida de um refugiado não nos afete. Todo fascismo ordinário é baseado em uma desafecção.

        Toda verdadeira luta política é baseada em uma mudança nos circuitos hegemônicos de afetos. Prova disso foi o fato de tal foto produzir o que vários discursos até então não haviam conseguido: a suspensão temporária da política criminosa de indiferença em relação à sorte dos refugiados.

        Mas essa quebra da invisibilidade também se dá de outras formas. De fato, sabemos como faz parte das dinâmicas do poder decidir qual sofrimento é visível e qual é invisível. Mas, para tanto, devemos antes decidir sobre quem fala e quem não fala, qual fala ouvirei e qual fala representará, para mim, apenas alguma forma de ressentimento.

        Há várias maneiras de silêncio. A mais comum é simplesmente calar quem não tem direito à voz. Isso é o que nos lembram todos aqueles que se engajaram na luta por grupos sociais vulneráveis e objetos de violência contínua (negros, homossexuais, mulheres, travestis, palestinos, entre tantos outros).

        Mas há ainda outra forma de silêncio. Ela consiste em limitar sua fala. Assim, um será a voz dos negros e pobres, já que o enunciador é negro e pobre. O outro será a voz das mulheres e lésbicas, já que o enunciador é mulher e lésbica. A princípio, isto pode parecer um ato de dar voz aos excluídos e subalternos, fazendo com que negros falem sobre os problemas dos negros, mulheres falem sobre os problemas das mulheres, e por aí vai.

        No entanto, essa é apenas uma forma astuta de silêncio, e deveríamos estar mais atentos a tal estratégia de silenciamento identitário. Ao final, ela quer nos levar a acreditar que negros devem apenas falar dos problemas dos negros, que mulheres devem apenas falar dos problemas das mulheres.

        Pensar a política como circuito de afetos significa compreender que sujeitos políticos são criados quando conseguem mudar a forma como o espaço comum é afetado.

        Posso dar visibilidade a sofrimentos que antes não circulavam, mas quando aceito limitar minha fala pela identidade que supostamente represento, não mudarei a forma de circulação de afetos, pois não conseguirei implicar quem não partilha minha identidade na narrativa do meu sofrimento. Minha produção de afecções continuará circulando em regime restrito, mesmo que agora codificada como região setorizada do espaço comum.

        Ser um sujeito político é conseguir enunciar proposições que implicam todo mundo, que podem implicar qualquer um, ou seja, que se dirigem a esta dimensão do "qualquer um" que faz parte de cada um de nós. É quando nos colocamos na posição de qualquer um que temos mais força de desestabilização de circuitos hegemônicos de afetos.

        O verdadeiro medo do poder é que você se coloque na posição de qualquer um.

     Adaptado de Folha de S. Paulo, 25/09/2015.

Entendendo a notícia:

01 – A tragédia com o menino sírio no Mar Mediterrâneo foi divulgada pela imprensa, assim como as reações de leitores sobre a notícia. De acordo com o texto, as reações contrárias à divulgação da foto do menino sírio representam uma postura de:

a)   Retaliação.

b)   Desrespeito.

c)   Insensibilidade.

d)   Sentimentalismo.

02 – No segundo parágrafo, observa-se a alternância no emprego da primeira pessoa do plural com a do singular. O emprego da primeira pessoa do singular estabelece o efeito de:

a)   Revelar uma culpa.

b)   Antecipar um preconceito.

c)   Interpretar uma individualidade.

d)   Reafirmar um posicionamento.

03 – “Essa dimensão do ‘qualquer um’ que faz parte de cada um de nós”. No parágrafo final, o uso da expressão indefinida destaca a seguinte tese presente na argumentação do autor:

a)   Crítica à polêmica entre concepções políticas.

b)   Recusa às interpretações dos veículos de média.

c)   Defesa da importância dos movimentos migratórios.

d)   Questionamento das fronteiras entre segmentos da população.

04 – Leia as questões:

I – Segundo o autor, grupos de minorias estão sendo silenciados, pois vivemos em um regime autoritário, não democrático.

II – O autor defende que os políticos sejam os legítimos representantes dos grupos minoritários, já que as minorias tendem a ser silenciadas na sociedade.

III – A publicação da foto do menino sírio, morto no naufrágio ao tentar chegar a Europa como imigrante foi, segundo o texto, uma forma de sensacionalismo da imprensa e, por isso, gerou conflitos políticos. Assinale a alternativa correta.

a)   Todas as afirmativas são corretas.

b)   Apenas as afirmativas I e II são corretas.

c)   Apenas as afirmativas II e III são corretas.

d)   Apenas a afirmativa III é correta.

e)   Nenhuma alternativa é correta.