quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

POEMA: O NAVIO NEGREIRO - (FRAGMENTO) - TRAGÉDIA NO MAR - CASTRO ALVES - COM GABARITO

Poema: O navio negreiro - Fragmento 

     Tragédia no mar – Castro Alves            

4ª Parte

Era um sonho dantesco... o tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho.
               Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros... estalar de açoite...
Legiões de homens negros como a noite,
               Horrendos a dançar...

Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
               Rega o sangue das mães:
Outras moças, mas nuas e espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
               Em ânsia e mágoa vãs!

E ri-se a orquestra irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
               Faz doudas espirais ...
Se o velho arqueja, se no chão resvala,
Ouvem-se gritos... o chicote estala.
               E voam mais e mais...

Presa nos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia,
               E chora e dança ali!
Um de raiva delira, outro enlouquece,
Outro, que martírios embrutece,
               Cantando, geme e ri!

No entanto o capitão manda a manobra,
E após fitando o céu que se desdobra,
               Tão puro sobre o mar,
Diz do fumo entre os densos nevoeiros:
"Vibrai rijo o chicote, marinheiros!
               Fazei-os mais dançar!..."

E ri-se a orquestra irônica, estridente. . .
E da ronda fantástica a serpente
               Faz doudas espirais...
Qual um sonho dantesco as sombras voam!...
Gritos, ais, maldições, preces ressoam!
               E ri-se Satanás!...

5ª Parte
Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus?!
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?...
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!

Quem são estes desgraçados
Que não encontram em vós
Mais que o rir calmo da turba
Que excita a fúria do algoz?
Quem são? Se a estrela se cala,
Se a vaga à pressa resvala
Como um cúmplice fugaz,
Perante a noite confusa...
Dize-o tu, severa Musa,
Musa libérrima, audaz!...

São os filhos do deserto,
Onde a terra esposa a luz.
Onde vive em campo aberto
A tribo dos homens nus...
São os guerreiros ousados
Que com os tigres mosqueados
Combatem na solidão.
Ontem simples, fortes, bravos.
Hoje míseros escravos,
Sem luz, sem ar, sem razão. . .
[...]

6ª Parte
Existe um povo que a bandeira empresta
P'ra cobrir tanta infâmia e cobardia!...
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!...
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,
Que impudente na gávea tripudia?
Silêncio. Musa... chora, e chora tanto
Que o pavilhão se lave no teu pranto! ...

Auriverde pendão de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra
E as promessas divinas da esperança...
Tu que, da liberdade após a guerra,
Foste hasteado dos heróis na lança
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!...

[...]

                                                       Castro Alves. “O navio negreiro”. In: Obra completa. 2. ed. Rio de Janeiro, Aguilar, 1966. p. 247-50.
Fonte: Livro- Português – Série – Novo Ensino Médio – Vol. único. Ed. Ática – 2000- p. 210-2.
Entendendo o poema:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:
·        Dantesco: Evocação das cenas horríveis do “Inferno” descritas por Dante Alighieri na Divina comédia.

·        Vaga: Tipo de onda.

·        Turba: Multidão.

·        Audaz: Corajosa, ousada.

·        Bacante: Devassa, libertina.

·        Luzernas: Clarões.

·        Gávea: Mastro suplementar.

02 – A que é comparado os movimentos dos negros no convés?
      A uma dança.

03 – Como são produzidos os sons dessa dança macabra?
      Pelo tinir dos ferros, pelo estalar do açoite, pelos gritos, choros, gemidos e risos.

04 – Apóstrofe é uma figura retórica que consiste em dirigir-se o orador a uma pessoa ou coisa real ou fictícia, solicitando uma intervenção. Transcreva algumas apóstrofes do início da 5ª parte.
      “Senhor Deus dos desgraçados!”; “Ó mar! por que não apagas...”; “Astros, noites! Tempestades!”

05 – O poeta dignifica os negros, descrevendo-os, no final da 5ª parte, como eram antes de serem escravizados. O que os caracterizava antes de se tornarem “míseros escravos”?
      Eram “guerreiros ousados”, “homens simples, fortes e bravos”.

06 – Qual o motivo da indignação do poeta expressa na 6ª parte?
      Ver a bandeira nacional tremular no mastro do navio negreiro.

07 – Transcreva o verso da última estrofe construído em aliteração.
      “Que a brisa do Brasil beija e balança”.

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