quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

CRÔNICA: NÓS VAMOS DE TREM - WANDER PIROLI - COM QUESTÕES GABARITADAS


CRÔNICA: Nós vamos de trem
         
   Wander Piroli

        O homem veio da área de serviço com a capanga de pescaria e sentou-se do outro lado da mesa, em frente do menino. Antes de abri-la, deu uma boa bicada na batida de limão.
        -- Oba – exclamou o menino, fechando o caderno. – Nós vamos, pai?
        -- Estou pensando, Bumba – disse o homem.
        -- Pompéu?
        -- Pompéu é longe pra um dia só.
        -- Paraopeba.
        -- É outro rio.
        -- Eu conheço?
        -- Acho que não.
        -- Que rio que é pai?
        -- Você já ouviu falar no Rio das Velhas?
        O menino riu. A mulher entrava na casa.
        -- Olha, mãe. Nós vamos no Rio das Velhas.
        -- Uai, querido – disse a mulher para o homem – você resolveu?
        -- Ainda não.
        -- Ô, pai – o menino protestou.
        -- Bumba, você já acabou o “para-casa”?
        -- Tô no fim, mãe. Nós vamos, não vamos, pai?
        -- Ele agora só pensa nisso – disse a mulher.
        -- O que você acha, nega? – disse o homem.
        -- A padaria deve estar fechando – lembrou a mulher.
        -- Fala que nós vamos, pai – insistiu o menino.
        O homem sorriu. O menino deu um salto da cadeira.
        -- Aonde é que você pensa que vai?
        -- Vou arrumar minhas coisas, mãe.
        A mulher fez o menino sentar-se novamente.
        -- É amanhã, Bumba – disse o homem.
        -- Vamos hoje, pai.
        -- Está vendo? – disse a mulher.
        -- O trem sai de madrugada – disse o homem.
        -- Trem – exaltou-se o menino. – Mãe, nós vamos de trem.
        -- Bumba não vai gostar – observou a mulher.
        -- Eu sei – disse o homem.
        -- Pai – disse o menino – por que mamãe tá falando que eu não vou gostar?
        -- Lá não temais peixe – disse a mulher.
        -- No duro, pai?
        -- Parece que sim.
        -- Então vamos no Areião – propôs o menino.
        -- Bumba – disse a mulher – seu pai está querendo ir num lugar onde ele ia com o seu avô. Seu pai era do seu tamanho e era lá que eles iam.
        -- Você pegava peixe, pai?
        -- Todo mundo pegava.
        -- Mas do que em Pompéu?
        -- Quase igual. E tinha a vantagem de ser perto. E a gente ia de trem. Saía domingo de madrugada e voltava de noitinha. A gente não gastava quase nada e trazia uma porção de peixe no cambão.
        -- O que é cambão, pai?
        -- Você sabe.
        -- Querido – interrompeu a mulher –, se vocês vão mesmo, Bumba precisa dormir mais cedo.
        -- Tem razão – disse o homem. – Vamos, filho, acaba logo com isso.
        -- Eu vou na padaria – disse a mulher –, e quando voltar quero te ver na cama.
        A mulher dirigiu-se para a área de serviço e logo em seguida a sineta da porta repercutiu na casa em silêncio.
        -- Cambão, pai – cobrou o menino.
        O homem virou o resto da batida e acendeu um cigarro:
        -- É uma varinha que a gente cortava no mato pra enfiar os peixes.
        -- Mamãe falou que lá não tem mais peixe. Por quê, hem, pai?
        -- Você não vai entender – disse o homem.
        -- Eu entendo.
        -- Então termina primeiro o seu dever.
        -- Já acabei.
        -- Você sabe o que é poluição?
        -- Saco fácil, pai.
        -- Vamos ver.
        -- Poluição é fumaça.
        O homem riu.
        -- Não é, pai?
        -- A professora falou isso?
        -- Falou.
        -- O que mais?
        -- Ela falou que a fumaça tá envenenando a gente. Que venenava peixe ela não falou não.
        -- Ela deve ter esquecido.
        -- Como é que a fumaça entra dentro d’água?
        -- Amanhã eu explico.
        -- Eu queria saber, pai.
        -- Primeiro guarda o caderno, lava os pés e cai na cama. Se sua mãe te pegar acordado, adeus pescaria.
        O menino levantou-se correndo.
        O homem ouviu durante algum tempo o ruído da água e do chuveiro elétrico. Depois houve silêncio, e o menino chamou:
        -- Pai.
        Encontrou-o debaixo das cobertas. Sentou-se na cama e tentou explicar o que está sendo feito para matar o peixes e acabar com os próprios rios. Falou das indústrias que jogam veneno nos rios e o que acontece com os peixes. Falou da derrubada de matas e como isso é bom para secar as nascentes e os córregos que abastecem os rios. O homem foi falando, como se estivesse falando sozinho, o menino dormiu logo.
              Os rios morrem de sede. Wander Piroli.
                        Fonte: Livro – Encontro e Reencontro em Língua Portuguesa – 5ª Série – Marilda Prates – Ed. Moderna, 2005 – p.152-5.
Entendendo o texto:
01 – “-- Oba – exclamou o menino, fechando o caderno. – Nós vamos, pai?”
a)   Por que o menino achou que ele e o pai iam pescar?
Porque o pai abriu a capanga de pescaria.

b)   O que podemos concluir dessa sequência?
Que, às vezes, a comunicação é possível sem palavras.

02 – O texto “Nós vamos de trem, exaltou-se o menino” é uma narração. O narrador é personagem? Justifique sua resposta.
      Não. O texto foi narrado em terceira pessoa.

03 – Por que o pai do menino queria leva-lo para o Rio das Velhas se lá não havia mais peixes?
      Para matar a saudade do passado.





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