terça-feira, 3 de dezembro de 2019

CONTO: O ALFAIATE VALENTÃO - JACOB E WILHELM GRIM - COM GABARITO

Conto: O alfaiate valentão
           Jacob e Wilhelm Grim

        Era uma vez um alfaiate que estava sentado à janela da sua casa, costurando um paletó. Nisto ouviu uma vendedora de doces que passava gritando: “Doces! Pudim especial!”
        O alfaiate espichou a cabeça para fora da janela e chamou-a. A mulher subiu os três degraus da casa do homenzinho e descobriu o tabuleiro para que ele se servisse à vontade.
        -- Quero cinquenta gramas deste pudim, disse o alfaiate.
        A mulher pesou os cinquenta gramas, recebeu o dinheiro e lá se foi a resmungar por ter perdido tempo com um freguês tão miserável.
        -- Agora, exclamou o alfaiate lambendo os beiços, vou regalar-me. Comerei este pudim com pão, para render, mas primeiro tenho que acabar este paletó.
        Assim dizendo colocou o pedacinho de pudim ao ado do pão e pôs-se a costurar com tamanha pressa que os pontos até pareciam alinhavo. Enquanto isso o cheiro do pudim atraiu um bom número de moscas que vieram sentar-se nele, muito gulosas.
        -- Fora daqui, gatuninhas! – Gritou o alfaiate ao percebe-las. Ninguém as convidou para este banquete.
        As moscas fugiram, mas logo depois voltaram e em maior número. Danado da vida, o alfaiate deu com a costura em cima delas matando sete.
        -- Sim, senhor! Exclamou ele para si próprio, admirado da sua bravura. Sou um valente sem igual Duma só pancada mato sete! Vou escrever numa faixa de pano e andar com ela pela rua. Toda a gente vai tremer de medo de mim.
        Escreveu estas palavras na faixa: MATO SETE DUMA VEZ, atou a faixa à cintura e preparou-se para correr mundo. Um homem valente como ele, que matava sete duma vez, não podia continuar o humilde alfaiate que tinha sido até ali. [...].
        [...] Andou, andou até que foi parar no parque dum palácio real e, como estivesse cansado da caminhada, resolveu deitar-se na grama. Enquanto dormia, várias pessoas apareceram por ali e leram os dizeres da faixa: “Sete duma vez”. Deve ser um grande herói, pensaram consigo, e foram correndo contar o caso ao rei. Seria um aliado precioso nas guerras. O rei ouviu o caso, pensou uns instantes e por fim mandou que seus ministros convidassem o herói para ficar a serviço do reino. Os ministros esperaram com todo o respeito que ele acordasse e então fizeram o convite.
        -- Pois foi para isso mesmo que cheguei até aqui, respondeu o alfaiate. Vim oferecer meus préstimos a este poderoso rei. Diga que aceito a proposta com muito gosto.
        O rei mostrou-se muito contente. Deu-lhe uma das mais belas casas do reino para morar e ofereceu-lhe uma grande festa.
        Isto encheu de inveja os ministros – inveja e medo.
        -- Muito perigoso este homem aqui, disseram entre si. Caso brigue conosco, que será de nós, já que ele mata sete duma vez? E foram queixar-se ao rei.
        -- Majestade, disseram os ministros, não podemos viver na companhia dum homem tão perigoso. O vosso ministério é composto de sete ministros e como ele mata sete duma só pancada, poderá dar cabo de todo o ministério num instantinho.
       O rei ficou muito triste. Não queria perder os seus ministros, mas também não tinha coragem de demitir o alfaiate, pois quem mata sete de uma pancada pode matar sete mais um e esse um pode ser um rei. Em vista disso começou a pensar no meio de se livrar dum homem tão perigoso. Por fim mandou chama-lo e disse:
        -- Já que você é tão valente quero que me faça uma coisa. Na floresta existem dois gigantes que cometem os maiores horrores, roubando, matando e incendiando tudo quanto querem sem que meus soldados tenham ânimo de enfrenta-los. Se conseguir libertar o reino desses monstros darei a você a minha filha em casamento e, como dote, metade dos meus domínios. Cem homens a cavalo irão com você atacar os gigantes.
        -- Dispenso os cem homens a cavalo, respondeu o alfaiate, contentíssimo por ter uma grande façanha a realizar. Eu mato sete duma só pancada. Os gigantes são dois. Logo para dar cabo deles só preciso de meia pancada. Os homens a cavalo poderão acompanhar-me apenas para assistir à matança dos gigantes.
        Assim foi feito. O alfaiate e os cem homens se dirigiram para a floresta. Lá chegados ficaram estes num certo ponto e o herói dirigiu-se sozinho para a caverna dos gigantes. Encontrou-os dormindo um ao lado do outro, debaixo duma grande árvore que existia na entrada da caverna. Sem ser pressentido, o alfaiate trepou à árvore e ficou bem escondidinho entre as folhas de modo que pudesse atirar pedras na cara dos dorminhocos. E começou a atirar uma por uma, com toda a força as pedras que levara num alforje. As primeiras não serviram nem para acordar os brutos, mas uma que acertou no olho dum deles o fez despertar.
        -- Não gosto de brincadeiras, ouviu? disse o gigante pegando um tapa no companheiro, certo de que fora este o autor da pedrada.
        -- Você está sonhando, disse o companheiro. Não toquei em você nem com a ponta do dedo.
        E ajeitaram-se ambos para continuar a soneca. Minutos depois o alfaiate arrumou-lhe nova pedra no olho com mais força ainda.
        -- Que significa isto? berrou o gigante furioso. Continua você a esbarrar em mim?
        -- Não esbarrei coisa nenhuma, respondeu o companheiro também danado. Não me aborreça.
        Dormiram novamente. O alfaiate, então, jogou a pedra maior de todas. Sentindo o choque, o gigante ergue-se, tomado dum acesso de cólera terrível, e certo de que o causador da brincadeira tinha sido o companheiro, atirou-se a ele de murros e pontapés. A luta foi tremenda. Várias árvores foram arrancadas para que os troncos servissem de armas. Depois de alguns minutos, os dois gigantes se haviam estraçalhado mutuamente. O alfaiate então desceu da árvore, enfiou a sua espada no peito de cada um e foi em procura dos cem cavaleiros.
        -- Pronto! disse ao chegar. Já liquidei com os dois malvados. A luta foi terrível. Eles chegaram a arrancar árvores para lutar comigo, como vocês poderão ver. Mas foi tudo inútil. Contra quem mata sete dum golpe, dois não podem...
        -- E nem sequer ficou ferido? perguntaram os cavaleiros, muitos espantados.
        -- Eles não puderam tocar em mim. Nem um arranhãozinho...
        Os cem cavaleiros verificaram com os seus próprios olhos que os gigantes estavam mortos e bem mortos, cada um deles com uma estocada no peito. E voltaram no galope para contar ao rei o grande acontecimento.
        O rei [...] não teve remédio: deu sua filha em casamento ao alfaiate, sem saber que ele era um simples alfaiate. Se o soubesse, com certeza mandaria que o matassem, porque era um rei muito orgulhoso.
        Houve grandes festas, sendo o feliz herói coroado rei de metade do velho reino. Tempos mais tarde a jovem rainha ouviu seu esposo falar enquanto dormia.
        -- Anda, rapaz! dizia ele tonto. Alinhava logo esse colete senão te prego com o metro na cabeça.
        Ficou desconfiada. Pensou muito naquilo e por fim convenceu-se de que se casara com um simples alfaiate. Foi correndo contar ao rei a sua descoberta. O rei danou com o desaforo e armou um plano.
        -- Deixe a porta aberta de noite, recomendou ele. Quando o patife estiver no melhor do sono, meus criados entrarão no quarto e o amarrarão com boas cordas. Em seguida o botaremos num navio que o vá soltar a mil léguas daqui.
        A rainha alegrou-se com o plano do rei e na sua alegria não percebeu que um pequeno pajem estava ouvindo a conversa. O diabinho correu logo a contar ao alfaiate toda a conversa pilhada.
        -- Não se assuste, disse o alfaiate. Eu darei uma lição a essa gente.
        Nessa mesma noite o alfaiate em vez de dormir fingiu que dormia e pode ver sua esposa erguer-se da cama, sem fazer o menor barulho, para ir destrancar a porta. Logo em seguida os criados do rei apareceram, na ponta dos pés.
        Assim que os viu dentro do quarto, o matreiro alfaiate fingiu que estava sonhado e murmurou de modo que todos ouvissem muito bem:
        -- Anda, rapaz! alinhava logo esse colete senão te dou com o metro na cabeça. Já matei sete duma vez, já dei cabo de dois monstruosos gigantes [...] e portanto não tenho medo nenhum dos que estão entrando neste quarto.
        Foi água na fervura. Os criados do rei ficaram com as pernas moles e trataram de retirar-se, bem na pontinha dos pés. A lição foi boa. Nunca mais o rei, nem a rainha, nem ninguém mexeu com o alfaiate, que pode reinar toda a sua vida no seu pedaço de reino e sonhar livremente com as antigas tesouras e metros e paletós e coletes, sem que ninguém se animasse a conspirar contra a vida dele.
          Contos de Grimm. Trad. e adapt. de Monteiro Lobato. São Paulo, Brasiliense, 1975.
Fonte: Livro – Ler, entender, criar – Português – 6ª Série – Ed. Ática, 2007 – p. 48-54.

Entendendo o conto:

01 – Você acha que histórias como a do alfaiate valentão foram feitas só para crianças? Ou será que os adultos também se divertem com elas?
      Resposta pessoal do aluno.

02 – Vamos pensar um pouco sobre a profissão de alfaiate: o que faz um alfaiate? O mesmo que um costureiro?
      O alfaiate confecciona roupas para homens. O costureiro faz roupas para mulheres.

03 – Localize no texto trechos que caracterizam o alfaiate, conforme os adjetivos dados:
a)   Pequeno: “A mulher subiu os três degraus da casa do homenzinho [...]”.

b)   Pobre: “[...] e lá se foi a resmungar por ter perdido tempo com um freguês tão miserável”. / “[...] não podia continuar o humilde alfaiate que tinha sido até ali”.

04 – Leia: “—Sim senhor! exclamou ele para si próprio, admirado da sua bravura. Sou um valente sem igual”.
a)   Para você, o que é um ato de bravura?
Resposta pessoal do aluno.

b)   Por que o alfaiate se julgava valente?
Ele se julgava valente porque matara sete moscas de uma vez.

c)   Ele de fato foi valente?
Não, matar sete moscas não pode ser considerado sinal de valentia. 

05 – Quando o alfaiate chegou ao reino, houve um mal-entendido. O que as pessoas pensaram ao ler na faixa “mato sete duma vez”?
      As pessoas pensaram que ele fosse um homem muito corajoso, que havia matado sete monstros, ou sete gigantes, ou sete bandidos de uma só vez, daí o mal-entendido.

06 – Por que o rei deu uma tarefa tão difícil ao alfaiate? Justifique com alguma passagem do texto.
      Porque ele pensava que o pequeno alfaiate era um homem muito perigoso, capaz de mata-lo. “[...] pois quem mata sete de uma pancada pode matar sete mais um e esse um pode ser um rei”. Em vista disso começou a pensar no meio de se livrar dum homem tão perigoso.

07 – Para entender melhor o texto, copie em seu caderno as frases abaixo, substituindo os termos destacados por outros de sentido semelhante. Faça as alterações necessárias e, se for precioso, use o dicionário.
a)   “Agora, exclamou o alfaiate lambendo os beiços, vou regalar-me”.
Lábios/sentir um grande prazer, alegrar-me.

b)   “Fora daqui, gatuninhas!”
Ladras, ladroninhas.

c)   “Vim oferecer meus préstimos a este poderoso rei”.
Serviços.
d)   “Sem ser pressentido, o alfaiate trepou à árvore e ficou bem escondidinho [...]”.
Visto, observado.

e)   “E começou a atirar uma por uma, com toda a força as pedras que levara num alforje”.
Saco duplo, espécie de sacola.

f)    “[...] os gigantes estavam mortos e bem mortos, cada um deles com uma estocada no peito [...]”.
Golpe com a ponta de uma espada.

g)   “O diabinho correu logo a contar ao alfaiate toda a conversa pilhada”.
Roubada, escutada às escondidas, apanhada de surpresa.

h)   “[...] o matreiro alfaiate fingiu que estava sonhando [...]”.
Astuto, sabido.

08 – Neste conto há muitos trechos típicos da linguagem formal.
a)   Retire do sexto parágrafo do texto expressões que você considera formais e copie-as no seu caderno.
“Pôs-se a costurar”, “tamanha pressa”, “vieram sentar-se nele”.

b)   Passe essas expressões para uma linguagem informal.
Começou a costurar, tanta (muita) pressa, vieram e se sentaram nele.

09 – Releia: “O diabinho correu logo a contar ao alfaiate toda a conversa pilhada”.
a)   Foi mesmo um diabinho que contou ao alfaiate toda a conversa do rei com a filha?
Não, foi um pajem.

b)   Como chamamos a figura de linguagem em que uma palavra não aparece no seu sentido original, mas sim num sentido figurado?
Metáfora.

10 – É possível dizer quando aconteceu a história do alfaiate  valentão? Há alguma expressão que marque o tempo?
      Não, o texto começa com “Era uma vez”, expressão que não delimita o tempo.

11 – Você acredita que existam gigantes e outros seres invencíveis?
      Resposta pessoal do aluno.

12 – Os contos populares apresentam características bem definidas. Veja algumas delas e responda às questões:
a)   O herói tem um objetivo a cumprir, chamado desígnio. Qual era o objetivo do alfaiate ao fazer a faixa com dizeres “Mato sete duma vez”?
Ele queria que todos o temessem, queria ser visto como herói.

b)   O rei faz uma viagem. Isso ocorre com o alfaiate?
Sim, o alfaiate resolveu correr o mundo.

c)   O herói tem obstáculos para superar ou tarefas para cumprir. Qual foi a tarefa do alfaiate?
Derrotar os gigantes.

d)   O herói sempre conta com a mediação, isto é, com algum tipo de ajuda, que pode vir do próprio homem, da natureza ou mesmo do sobrenatural. Quem ou o que colaborou para que o alfaiate vencesse todos os obstáculos?
Sua própria esperteza.

e)   O herói conquista seus objetivos. O alfaiate alcançou seu objetivo?
Sim, ele se tornou herói, casou-se com a princesa e virou rei.


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