Crônica: Loucuras de Verão
Walcyr Carrasco
Há duas maneiras de conhecer bem uma pessoa. A primeira é casar. A segunda é viajar junto. Ou pelo menos observar seu comportamento nas férias. Todas as loucuras afloram como cogumelo. Um grupo de amigos trintões alugou uma casa em Camburi, no litoral norte. Arrumaram as malas inundados de felicidade. Pretendiam fortalecer a amizade de anos. Fizeram compras. Cada um levou ainda petiscos variados. O mais madrugador acordou com o canto do galo — sim, no litoral norte ainda há galo cantando, embora não se saiba por quanto tempo. Fez café. Abriu a geladeira, repleta. Escolheu um potinho de patê. Passou no pão e olhou pela janela para contemplar a natureza. Mordeu. O gosto era estranho. Nada que pudesse identificar. Tentou ler a embalagem, em inglês.
— É alguma espécie de creme. Mas do quê? —
preocupou-se.
Mordeu de novo. Ouviu-se um grito, Do alto da
escada Marcolino, um alto executivo, se desesperava:
-— Largue meu creme rejuvenescedor!
Fórmula importada, caríssima. O outro havia
passado quase o pote todo no pão. Um teve dor de estômago. O outro, no bolso.
Pior: a geladeira estava repleta de produtos de beleza, e a comida, de fora.
Até camarão estava estragando. Deu briga. O vaidoso mudou-se para um hotel. Nem
se falam mais.
Minha amiga Lalá é outra que sabe surpreender.
Passou meses planejando sua estada nas areias quentes. Quinze dias antes
iniciou um tratamento rejuvenescedor à base de ácido retinóico. Mal chegamos à
praia da Baleia, avisou:
— Não posso tomar sol.
— E a praia? E o mar?
— Estou gorda para pôr maio. Passear na praia,
só de chapéu e protetor solar 45.
Claro que no dia seguinte esqueceu chapéu e
protetor. Quinze minutos depois estourou uma bolha no rosto. Saiu correndo
antes que a pele derretesse como em um daqueles filmes de terror. A noite
parecia um torresmo.
— Por que começar um tratamento desses justamente
no verão?
— Você não compreende — ela rosnou.
Quem entende? É incrível o número de pessoas
que correm para a praia e passam o tempo todo se escondendo do sol.
Há um lado do paulistano que só surge no verão.
Ele se torna, por assim dizer, mais... carioca! Tão correto em sua agenda,
perde a exatidão nas férias. Como se o descompromisso fosse essencial nas
férias. Já não suporto mais quando telefonam:
— Olha, viemos fazer umas compras, depois vamos
comer alguma coisa e aí a gente passa na sua casa.
Observo o sol lá fora. O mar deve estar uma
delícia. Devo ficar de plantão?
— Mais ou menos a que horas?
— Lá pelas 4 ou 5. Talvez 6 ou 7.
Suspiro fundo. Pego um livro. Duas páginas
depois, adormeço. Acordo com a noite escura e o telefone chamando.
— Oi, tudo bem? O restaurante estava cheio,
ficamos exaustos. Voltamos para casa. Não vai dar mais para passar aí. Acho que
amanhã de manhã, lá pelas 10...
Começo a rugir. Meus amigos reclamam. Dizem que
ando mal-humorado. Mas há vantagens. Eu também me transformo quando vou ao
litoral. Viro um paranormal. Minha intuição fica exacerbada, principalmente no
tocante à comida. Tenho uma intuição precisa. Se vou visitar alguém, chego
sempre na hora do almoço. Em férias os hábitos mudam muito. Mesmo assim nunca
perco uma visita.
Bato na porta e sinto o aroma da carne
grelhada. Entro com ar surpreso.
— Ih... cheguei na hora certa!
As pessoas sorriem. Na praia ficam mais
hospitaleiras. Às vezes alguém comenta:
— Qualquer hora dessas a gente precisa ir
almoçar na sua casa.
Quase engasgo com uma folha de alface.
— E, sim. A gente marca.
Espeto o garfo numa fatia de picanha e mudo de
assunto.
Como disse, nada melhor para conhecer uma pessoa do que vê-la em férias. A praia faz aflorar, inevitavelmente, meu lado bicão.
Entendendo o texto
01. O que motivou os amigos trintões a alugarem uma
casa em Camburi?
a. Fortalecer
a amizade.
b. Fazer compras.
c. Evitar o sol.
d. Conhecer a região.
02. Qual foi a reação de Marcolino ao descobrir que seu
creme rejuvenescedor foi usado?
a. Ficou com dor de
estômago.
b. Mudou-se para
outro país.
c. Gritou
desesperadamente.
d. Ignorou o
acontecimento.
03. Por que Lalá não pôde aproveitar o sol na praia da
Baleia?
a. Estava chovendo.
b. Tinha medo do mar.
c. Estava
em tratamento rejuvenescedor.
d. Esqueceu o
protetor solar.
04. O que Lalá esqueceu no dia seguinte após avisar que
não podia tomar sol?
a. Óculos de sol.
b.
Protetor solar.
c. Bolsa de praia.
d. Toalha de banho.
05. Qual característica o autor atribui aos paulistanos
no verão? a. Tornam-se mais caseiros.
b. Ficam mais descontraídos.
c. Trabalham mais
horas.
d. Evitam atividades
ao ar livre.
06. O que o narrador acha do comportamento de seus
amigos quando marcam visitas durante as férias?
a. Acha divertido.
b. Fica
impaciente.
c. Admira a
organização deles.
d. Não se importa
com os atrasos.
07. Como o narrador descreve sua intuição em relação à
comida durante as férias?
a. Fica menos confiável.
b. Fica mais confiável.
c. Desaparece completamente.
d. Não faz diferença.
08. O que o narrador sente ao entrar na casa de amigos
na hora do almoço durante as férias?
a. Fome.
b. Felicidade.
c.
Surpresa.
d. Raiva.
09. O que o narrador sente ao ouvir alguém sugerir um
almoço em sua casa durante as férias?
a. Fica entusiasmado.
b. Fica
constrangido.
c. Fica indiferente.
d. Fica com medo.
10. Qual é o principal efeito das férias na
personalidade do narrador?
a. Fica mais tímido.
b. Torna-se
mais extrovertido.
c. Torna-se menos
comunicativo.
d. Fica mais
estressado.
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