sábado, 11 de maio de 2024

CRÔNICA: ELEGÂNCIA ESCALDANTE - WALCYR CARRASCO - COM GABARITO

 Crônica: Elegância Escaldante

              Walcyr Carrasco

        Boto meu novo paletó de lã. É marrom, com um corte superlegal. Enfio as calças cinza, também de lã. Completo o traje com um par de meias bem quentes. Ponho os sapatos e me admiro no espelho. Em dois segundos começo a suar como se estivesse em uma sauna. Disfarço. Existem ocasiões em que a gente tenta se enganar. Como agora. Comprei todas as roupas novas para aproveitar a liquidação. Cinquenta por cento, de uma grife sensacional. 

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjZc1Y4sg6P0zi0q3KOEqZJVp3znCCzAdZ5kfssy7WZn4OBWb3_6SsIk6ybwILsxng2K47SkIY_fgrZWYO84fBqol_NPJgCB2_q6m5DvFtgUdGNoyZewdFyFlAeoEcf2CdJNg-HYOghZ4B64yARoXnDQ3g0Dl070NKU4p6jxjg7Lf7NjpvVOVn1W1elSJc/s320/agasalhado.png


Pensei que o inverno fosse durar mais um pouquinho. Não devia ter pensado. Vivo dizendo que "pensar que...", "achar que...", "deduzir que..." são expressões que levam ao precipício. Sempre que a gente "pensa que", alguma coisa dá errado. Deixei as calças para fazer a barra e o paletó para encurtar as mangas. Sina de quem tem barriga: quando o paletó abotoa, a manga fica comprida. Uma tragédia. Quando comprei, fazia um friozinho. Eu me achei muito esperto por aproveitar a liquidação. Devia saber. Espertos são os donos de loja, capazes de farejar a onda de calor com muito mais precisão do que a moça do tempo. Quando entregaram, havia acabado o frio. Abro a janela. Faço esforço para sentir a friagem. Um amigo chega para me dar carona.

        — Você vai de paletó de Iã? 

        — Achei que pudesse esfriar... — digo, à espera de que ele me elogie o traje.

        O elogio não vem. Apenas um olhar de esguelha. Peço para ligar o ar do carro. 

         — Não é melhor você tirar o paletó?

     Estou quase sufocado, mas faço que não. Não vou levar um paletó daqueles, com aquela grife, pendurado nas costas. Talvez ainda faça frio. Senti uma aragem. Nunca se sabe. As calças de lã me pinicam. Chegamos ao Teatro Municipal. Enquanto ele discute o preço com um flanelinha — que exige o mesmo valor do ingresso do concerto —, fujo do carro. Preciso de ar. Talvez desmaie. Mas não tiro o paletó.

         Entramos, finalmente. Um sujeito de camiseta me observa surpreso. Será minha elegância? Vejo uma conhecida com um casaco de pele. De longe, parece uma ratazana branca. Qualquer dia desses será atacada com um spray. Nós nos cumprimentamos como cúmplices. Afinal, ambos havíamos percebido que naquela noite fazia frio, ao contrário do que diziam os termômetros. Ela deve ter posto cola na maquiagem. Pois, apesar dos riachos que descem pela testa, o rimei continua intato. O amigo que me deu carona se aproxima. Nós o contemplamos com desprezo. Camisa de mangas curtas, coitado! Entramos. A jovem senta-se algumas fileiras à frente. Mal começa o concerto, despe a pele, irritando todos ao lado. Aproveito e tiro o casaco. Um alívio. Se pudesse, arrancava as calças também.

         É o mal desta cidade. Não se pode confiar no clima. Muitas vezes de manhã faz frio. Saio para trabalhar de suéter. No meio do dia começa o strip-tease. À tarde chego em casa com a aparência de quem dormiu vestido. Calças amassadas, gravata torta, suéter e paletó na mão, os cabelos idênticos a uma vassoura de piaçaba. Vejo as mulheres. Retocam a maquiagem a cada dez minutos. O penteado despenca. Mas o contrário também acontece. Às vezes o dia está lindo. Saio com roupa de verão. Dali a pouco começa um ventinho. Finjo que não é nada. O ventinho me corta os ossos. Continuo fingindo que não é nada. Passo dois dias de cama com gripe. Dizem que é culpa da poluição. Na televisão, falam em frente fria que não chega por causa de uns ventos que vieram da Argentina. Então é culpa dos argentinos? Ou será o contrário? O caso se repete todo ano. Tempo de seca. Todos ansiamos por chuva, para refrescar (e para usar as roupas de liquidação). Quando a chuva vem, parece o dilúvio. Suspiramos pela seca.

         Mesmo agora, quando estou escrevendo, temo que o tempo me engane. Pode haver outra virada. Todo mundo estará batendo os dentes de frio, sem entender por que falo de calor. Que coisa, hein? Decidi pendurar meu paletó de inverno no armário, para um longo período de hibernação. No ano que vem, é capaz de estar fora de moda. Com um tempo tão volúvel, é difícil até aproveitar uma boa liquidação.

 Entendendo a crônica:

01 – Por que o narrador comprou um novo paletó e calças de lã?

a)   Porque estavam em promoção.

b)   Porque estava muito frio na época da compra.

c)   Porque ele sempre quis ter uma roupa de grife.

d)   Porque queria se preparar para o inverno iminente.

02 – Qual foi o problema enfrentado pelo narrador com o paletó e as calças comprados na liquidação?

a)   As roupas eram de má qualidade.

b)   As roupas não serviam direito.

c)   As roupas eram caras demais.

d)   As roupas eram de uma grife desconhecida.

03 – Como o narrador se sentiu ao usar o paletó de lã quando já não fazia mais frio?

a)   Confortável e fresco.

b)   Desconfortável e suado.

c)   Satisfeito com seu estilo.

d)   Arrependido da compra.

04 – Por que o narrador não tirou o paletó mesmo sentindo calor?

a)   Porque queria mostrar sua elegância.

b)   Porque estava esperando que esfriasse novamente.

c)   Porque tinha medo de estragar o paletó.

d)   Porque estava esperando elogios.

05 – Como o narrador descreveu uma conhecida que estava usando um casaco de pele?

a)   Como uma ratazana branca.

b)   Como uma rainha elegante.

c)   Como uma pessoa desinformada.

d)   Como uma celebridade de cinema.

06 – O que o narrador acha ser o "mal desta cidade"?

a)   O excesso de calor.

b)   A imprevisibilidade do clima.

c)   A falta de liquidações.

d)   O comportamento das pessoas nos eventos.

07 – Por que o narrador se refere às mulheres retocando a maquiagem constantemente?

a)   Porque elas querem parecer bonitas o tempo todo.

b)   Porque o clima faz a maquiagem derreter.

c)   Porque elas estão sempre se divertindo.

d)   Porque elas não têm o que fazer.

08 – O que acontece com a roupa do narrador quando o tempo muda abruptamente?

a)   Ela se encaixa perfeitamente.

b)   Ela precisa ser trocada no meio do dia.

c)   Ela fica mais bonita.

d)   Ela nunca se adapta ao clima.

09 – Por que o narrador decide pendurar seu paletó no armário?

a)   Porque ele está fora de moda.

b)   Porque ele quer hibernar.

c)   Porque o clima está muito quente.

d)   Porque ele não gosta mais da roupa.

10 – Qual é a principal crítica do narrador em relação ao clima e à moda?

a)   A moda é sempre muito cara.

b)   O clima nunca é favorável para usar as roupas compradas.

c)   As lojas não oferecem liquidações suficientes.

d)   O clima e a moda nunca combinam.

 

 

 

 

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