sábado, 23 de novembro de 2019

ROMANCE: JECA TATU - FRAGMENTO - MONTEIRO LOBATO - COM GABARITO

ROMANCE: Jeca Tatu – Fragmento
           Monteiro Lobato

        Pobre Jeca Tatu! Como és bonito no romance e feio na realidade!
        Jeca mercador, Jeca lavrador, Jeca filósofo...
        Quando comparece às feiras, todo mundo logo adivinha o que ele traz: sempre coisas que a natureza derrama pelo mato e ao homem só custa o gesto de espichar a mão e colher (...) Nada mais.
        Seu grande cuidado é espremer todas as consequências da lei do menor esforço – e nisto vai longe.
        Começa na morada. Sua casa de sapé e lama faz sorrir aos bichos que moram em toca e gargalhar ao joão-de-barro. Pura biboca de bosquímano. Mobília, nenhuma. A cama é uma espipada esteira de peri posta sobre o chão batido.
        Às vezes se dá ao luxo de um banquinho de três pernas – para os hóspedes. Três pernas permitem equilíbrio; inútil, portando, meter a quarta, o que ainda o obrigaria a nivelar o chão. Para que assentos, se a natureza os dotou de sólidos, rachados calcanhares sobre os quais se sentam?
        Nenhum talher. Não é a munheca um talher completo – colher, garfo e faca a um tempo?
        Seus remotos avós não gozaram maiores comodidades. Seus netos não meterão quarta perna ao banco. Para quê? Vive-se bem sem isso.
        Se pelotas de barro caem, abrindo seteiras na parede, Jeca não se move a repô-las. Ficam pelo resto da vida os buracos abertos, a entremostrarem nesgas de céu.
        Quando a palha do teto, apodrecida, greta em fendas por onde pinga a chuva, Jeca, em vez de remendar a tortura, limita-se, cada vez que chove, a aparar numa gamelinha a água gotejante...
        Remendo... Para quê? Se uma casa dura dez anos e faltam “apenas” nove para que ele abandone aquela? Esta filosofia economiza reparos.

      LOBATO, Monteiro. Urupês. São Paulo, Brasiliense, 1948. p. 245-6.
Fonte: Livro- Português – Série – Novo Ensino Médio – Vol. único. Ed. Ática – 2000- p. 298-9.

Entendendo o texto:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:
·        Biboca: Casa humilde, com cobertura de palha.

·        Bosquímano: Indivíduo dos bosquímanos, povo sul-africano.

·        Espipar: Esticar, estender.

·        Peri (ou piri): Espécie de jungo do qual se fazem esteiras; piripiri.

·        Munheca: Mão.

·        Remoto: Antigo, distante.

·        Seteira: fresta.

·        Nesga: Pequeno espaço.

·        Gretar: Rasgar.

·        Gamela: Vasilha de madeira ou barro.

02 – O que podemos concluir ao compararmos a personagem de Monteiro Lobato com o índio Peri, de José de Alencar, e os bravos e orgulhosos caboclos dos romances regionalistas do mesmo período?
      Aquelas personagens eram idealizadas, enquanto o Jeca, de Monteiro Lobato, é real.

03 – Em Jeca Tatu, Monteiro Lobato investe contra a idealização do caboclo, apontando algumas das suas características negativas. Qual delas é a mais criticada no texto?
      A preguiça (relacionada ao conformismo).

04 – Jeca mercador, Jeca lavrador, Jeca filósofo...” Este parágrafo refere-se ao Jeca de Monteiro Lobato ou aos caboclos dos romances românticos?
      Aos caboclos dos romances românticos.

05 – Você crê que Monteiro Lobato queria chamar a atenção para uma realidade que deveria ser invertida ou pretendeu apenas ridicularizar o caboclo? Por quê?
      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: A intenção de Lobato de chamar a atenção de seus leitores para aspectos importantes da realidade brasileira.
     



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