sexta-feira, 22 de novembro de 2019

ENTREVISTA: O CONTADOR DE HISTÓRIAS - ROBERTO CARLOS RAMOS - COM GABARITO

Entrevista: O CONTADOR DE HISTÓRIAS 

                    Roberto Carlos Ramos

        O pedagogo Roberto Carlos Ramos emergiu do submundo da violência e das drogas para uma carreira de sucesso. Ex-interno da Febem, ele ganha a vida contando a própria história em palestras para executivos.
        Mineiro de Belo Horizonte, Roberto Carlos Ramos não aceitou o destino que parecia estar reservado para ele. Negro, analfabeto até os 13 anos, drogado, envolvido com assaltos e protagonista de 132 fugas espetaculares da Febem, cansou de ouvir que seu caso era irrecuperável. O curso de sua vida começou a mudar quando foi adotado por uma francesa. Hoje, aos 35 anos, Roberto Carlos é uma prova de que é possível virar o jogo. Ele formou-se em Pedagogia, fez mestrado na Universidade Estadual de Campinas e pós-graduação em Literatura Infantil na França. Sua atividade profissional é contar histórias para crianças, gravadas também em CDs, e dar palestras a executivos das empresas Skol, Petrobras, Companhia Vale do Rio Doce, entre outras. Ele concedeu esta entrevista em Ibirité, região metropolitana de Belo Horizonte, onde divide um casarão inacabado com doze filhos adotivos e a enfermeira Marly, com quem está para se casar.

        CLAUDIA – Como você foi parar na Febem?

       ROBERTO CARLOS – Eu morava com minha família numa casa de dois cômodos na favela. Tínhamos uma vida simples, porém com comida na mesa. Até que meu pai ficou desempregado e começou a faltar tudo. Minha mãe ouviu falar que na Febem havia ensino de qualidade, pomar, piscina e esportes. Eu era o caçula e, como minha mãe trabalhava, não tinha com quem ficar. Aos 6 anos fui para lá.

        CLAUDIA – Como foi sua adaptação?

     ROBERTO CARLOS – Muito difícil, eu chorava sem parar. Ficava na creche, sem contato com os meninos maiores e com os infratores, mas era desprezado e maltratado. Fugi pela primeira vez aos 7 anos. Naquela época existia na TV o Programa da Tia Dulce. Ela era a Xuxa de Belo Horizonte. Prometeram que, no Dia das Crianças, ela faria um show para a gente na Febem. Passei noites em claro esperando. No dia aguardado, mandaram uma tia Dulce falsa. Re- solvi não continuar num lugar onde não me queriam e ainda por cima me enganavam.
        [...]
        "Sorte não existe. A pessoa tem de estar preparada para perceber as oportunidades e agarrá-Ias. Cada um faz a própria sorte. Eu fiz a minha"

          CLAUDIA – Você queria ser adotado?

        ROBERTO CARLOS – Apareciam alguns casais procurando meninos para adotar. Nós ficávamos enfileirados no pátio, ansiosos. Demorou, mas um casal me escolheu. A tia da Febem me disse que, se eu fosse bem-educado, não comesse muito e não fizesse coisa feia, teria chance de ser adotado. Fiquei três dias em jejum e sem fazer xixi e cocô. Me devolveram achando que eu estava doente. Cheguei a morar com outras famílias, mas não deu certo. Teve até um homem que tentou me estuprar. Depois disso, não quis mais ser adotado.

        CLAUDIA – Quando você teve o primeiro contato com as drogas?

        ROBERTO CARLOS – Aos 10 anos já usava cola de sapateiro. Depois, experimentei maconha e gostei. Passei a roubar cada vez mais para sustentar o vício.

        CLAUDIA – Algumas vezes você quis morrer?

     ROBERTO CARLOS – Sempre desejei fazer parte da turma do Cabelinho de Anjo, o cara mais temido da cidade. Fui procurá-lo. Para entrar no grupo, eu teria que passar por uma espécie de batismo de tortura. Eles me bateram até eu desmaiar. Quando acordei, ensanguentado, fui tomado por uma depressão tão profunda que decidi me matar. Deitei no trilho e fiquei esperando o trem. Mas ele passou ao lado.

        CLAUDIA – Quando você voltou a ter esperanças?

        ROBERTO CARLOS – Tinha 12 anos quando uma pedagoga francesa chamada Marguerit Duvas foi conhecer o trabalho da Febem. Ela ouviu alguém dizendo que eu era irrecuperável e quis conversar comigo. Enquanto falávamos, vi que ela usava uma correntinha no braço e pensei em roubá-Ia, mas em vez de esconder o ouro como todo mundo fazia, ela acariciou meu rosto e me convidou para passar uma temporada em sua casa. Achei que ela também ia querer transa r comigo. Aceitei pensando em roubar a casa e depois me mandar. Mas, conforme o tempo ia passando, ela se mostrava cada vez mais generosa. Acabei tirando a ideia da cabeça.

        CLAUDIA – Como era a sua relação com Marguerit?

     ROBERTO CARLOS – Ela era carinhosa, mas rígida, impunha limites. Queria que eu fosse alguém na vida. Contratou dois professores particulares e em seis meses eu aprendi a ler e a escrever em francês e em português. Fiz o Primeiro Grau numa escola particular e o Segundo em Marselha, na França. Sempre discutíamos os meus objetivos, a curto e a longo prazo. Pela primeira vez, tinha uma perspectiva de futuro. Voltei para prestar vestibular para Pedagogia.

        CLAUDIA – Qual foi a maior lição que aprendeu com Marguerit?

       ROBERTO CARLOS – Estávamos de férias e ela disse que eu tinha que experimentar as fantásticas uvas de uma região da França. Antes, viajamos pela Europa, nos divertimos como nunca. Mas eu não tirava as uvas da cabeça. Até que chegamos no tal vinhedo e, finalmente, coloquei um bago na boca. Fiquei muito decepcionado. Marguerit perguntou: "Você não gostou?" E eu: "Ah... gostei, só que são iguais às do Brasil". Ela me disse que naquele momento eu tinha entendido a essência da vida. Que a felicidade nem sempre está em alcançar um objetivo, e sim no caminho da conquista.
        [...] ·
          "Não sentia prazer algum em roubar as pessoas. Pelo contrário. Mas, como me negavam, me ignoravam, me desprezavam, achava justo tirar à força"

        CLAUDIA – Logo depois de se formar você foi estagiar na Febem. Por quê?

        ROBERTO CARLOS – Para provar que o menino irrecuperável tinha vencido.

        CLAUDIA – Foi ali que resolveu iniciar seu trabalho com crianças?

        ROBERTO CARLOS – Depois do expediente, estava saindo da Febem quando um garoto de 9 anos, que roubava, cheirava cola e cocaína, me pediu dinheiro. Não dei. Ele perguntou: “Já aconteceu de você falar com alguém na rua e a pessoa fingir que você não existe?" Me lembrei do quanto doía quando isso ocorria. Convidei o menino para passar uns dias lá em casa. Ele ficou para sempre. Depois dele, vieram outros onze.
          "O brasileiro adora vender uma imagem de coitado. Por melhor que ele seja, se sente inferior, subestima sua capacidade e suas qualidades. Isso é cultural"

        CLAUDIA – Os seus filhos adotivos são adolescentes. Como lida om eles?

      ROBERTO CARLOS – Eles me chamam de velho e me respeitam muito. Eu imponho limites, mas dou amor e carinho. Claro que eles passam pelos problemas típicos da adolescência, mas a gente supera conversando. Todos têm responsabilidades em casa, são obrigados a estudar e os mais velhos a trabalhar. O salário de cada um é dividido: 30% para as despesas pessoais, 30% para terminar a construção da nossa casa, 30% para alimentação e 10% para um projeto de vida (viagens, cursos, auto-escola).
        [...]

        CLAUDIA – O que você diria para aqueles que têm preconceito de adotar crianças mais velhas?

        ROBERTO CARLOS – Existem casais que passam meses, até anos, esperando por um bebê com a cara da família. E eles não Se dão conta de que, às vezes, o filho tão esperado, que trará muita alegria, está pronto há seis anos, aguardando para ser adotado.

        CLAUDIA – A criminalidade está aumentando na classe média. Por que isso está ocorrendo?

       ROBERTO CARLOS – Os jovens têm estudo, internet, carro, roupas caras, carinho dos pais, mas falta perspectiva de vida. As famílias querem proporcionar tudo aos filhos e acabam tolhendo o direito de lutar para conquistar algo. O resultado é a total desmotivação. O que sobra é o desejo de se aventurar, de se drogar, de consumir coisas caras. Isso é um atalho para a criminalidade.
          "Ninguém deve tentar chegar rapidamente ao seu objetivo. Quando se escolhe o caminho mais longo, sobra tempo para refletir e até mudar de rota"

        CLAUDIA – Quando surgiu sua habilidade para contar histórias?

        ROBERTO CARLOS - Cresci inventando várias histórias. Era uma forma de fugir da realidade, de ser aceito na turma. Percebi que podia ser um profissional quando conheci uma espanhola que contou um caso sobre Napoleão e me mostrou um lindo pote que havia pertencido a ele. Ofereci 20 francos pela relíquia. Depois, vi que ela tinha dezenas de potes iguais. Logo falei: "Você me enganou". Ela respondeu: "Não, você acabou de comprar uma boa história". Estudei formas de fazer narrativas interessantes e me apresentava a amigos. Veio o primeiro convite para trabalhar numa festa. A fama se espalhou e eu não parei mais.

        CLAUDIA – E as palestras, de onde veio a ideia?

    ROBERTO CARLOS – Estava contando histórias para crianças na Fundação Acesita, que mantém escolas em Timóteo (MG), quando fui convidado a falar aos funcionários da empresa. Eles achavam que minha experiência de vida ajudaria a aumentar a motivação pessoal e a produtividade. Funcionou. Hoje recebo vários convites para dar palestras em empresas.
        CLAUDIA – Você é feliz?

     ROBERTO CARLOS – Fui batalhando, correndo atrás de projetos durante anos e nunca havia parado para pensar nessa resposta. Uma rede de televisão da França veio ao Brasil para documentar o trabalho que faço. Quando vi o programa editado, não acreditei que o personagem daquele conto de fadas era eu. Claro que sou feliz ... mas quero muito mais.
                       Monica Gailewitch. Cláudia, nov. 2000.
Fonte: Livro- PORTUGUÊS: Linguagens – Willian R. Cereja/Thereza C. Magalhães – 6ª Série – Atual Editora -2002 – p. 165-8.
Entendendo a entrevista:
01 – O que significa a sigla Febem?
      Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor.

02 – Em linguagem jornalística, entrevista é o texto resultante de um encontro previamente marcado entre duas pessoas, em que uma interroga a outra sobre sua profissão, suas ações, suas ideias. O entrevistado é quase sempre uma figura de destaque num determinado campo da vida social e é ele quem autoriza ou não a publicação de suas declarações. Na entrevista em estudo:

a)   Quem é o entrevistador?
Monica Gailewltch, jornalista da revista Claudia.

b)   Em que se destaca o entrevistado Roberto Carlos Ramos?
O entrevistado é uma pessoa que conseguiu se destacar profissionalmente, depois de ter sido interno da Febem e de ter convivido com a violência e as drogas.

03 – Essa entrevista foi publicada numa revista cujo público é predominantemente feminino e adulto. O título da entrevista, "O contador de histórias", refere-se a uma habilidade do entrevistado. Levante hipóteses: Por que a jornalista teria escolhido esse título?
      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Para atrair a atenção de seu público leitor – mulheres, profissionais, donas de casa, mães – para o assunto da entrevista.

04 – Abaixo da fotografia do entrevistado, há um texto que se destaca, escrito com um tipo de letra em corpo maior. Que tipo de informação ele transmite?
      Uma síntese a respeito do entrevistado.

05 – Antes da entrevista propriamente dita, há um texto que a introduz. Qual é a finalidade desse texto introdutório?
      Fazer uma apresentação do entrevistado, dando, em linhas gerais, informações sobre sua vida pessoal e profissional, e do assunto que será tratado.

06 – Essa entrevista está sob a forma de perguntas e respostas, precedidas do nome do entrevistado e do nome da revista que o entrevistador representa. Observe as perguntas feitas ao entrevistado.
a)   As perguntas demonstram que elas foram previamente preparadas? Justifique sua resposta.
Sim, pois elas não se repetem e fazem referências à vida pessoal e profissional do entrevistado, o que mostra que a entrevistadora já tinha informações sobre o entrevistado.

b)   Com vistas a chamar a atenção do público leitor da revista – formado principalmente por mulheres adultas –, para que tipos de assunto as perguntas se direcionam?
Para assuntos como a criminalidade, a Febem, a adoção de crianças mais velhas, o trabalho voluntário com crianças, como lidar com adolescentes.

07 – Observe as respostas do entrevistado.
a)   Elas revelam que ele está à vontade diante da entrevistadora? Justifique sua resposta.
Sim, porque as respostas demonstram que o entrevistado tem conhecimento do assunto abordado, dá exemplos e opiniões sobre eles.

b)   O entrevistado tem filhos adotivos adolescentes. Em que se baseia o relacionamento entre o entrevistado e os adolescentes?
Na colocação de limites, no carinho e no amor, no diálogo, na cooperação mútua.

08 – Observe a linguagem empregada pela entrevistadora e pelo entrevistado. Que variedade linguística ele usam?
      A variedade padrão.

09 – Quando conversamos, é comum interrompermos o pensamento, deixando frases incompletas, empregarmos gestos no lugar de uma frase, usarmos palavras e expressões como , então, como eu disse, , etc. Nessa entrevista, não há marcas de informalidade desse tipo. Levante hipóteses: Por que você acha que elas não apareceram na entrevista escrita?
      Resposta pessoal do aluno.

10 – Reúna-se com seus colegas de grupo e concluam: Quais são as características da entrevista?
      Resposta pessoal do aluno.

4 comentários:

  1. Olá, estou precisando fazer contato com o contador Roberto Carlos. Podem me passar o contato? Agradecida, Rúbia Mara Castro.

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  2. Oiee Rubia, não tenho o contato. Tente as redes sociais.

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  3. Olá, boa tarde! Eu estava querendo contatar o Sr. Roberto, mas não acho nenhuma rede social dele. Por qual posso contatar? E qual nome está como do perfil dele?

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