segunda-feira, 16 de março de 2020

CRÔNICA: A FALTA QUE ELA ME FAZ - FERNANDO SABINO - COM GABARITO


Crônica: A falta que ela me faz   

                 FERNANDO SABINO

        Como bom patrão, resolvi, num momento de insensatez, dar um mês de férias à empregada. No princípio achei até bom ficar completamente sozinho dentro de casa o dia inteiro. Podia andar para lá e para cá sem encontrar ninguém varrendo o chão ou espanando os móveis, sair do banheiro apenas de chinelos, trocar de roupa com a porta aberta, falar sozinho sem passar por maluco.
        Na cozinha, enquanto houvesse xícara limpa e não faltassem os ingredientes necessários, preparava eu mesmo o meu café. Aprendi a apanhar o pão que o padeiro deixava na área " tendo o cuidado de me vestir antes, não fosse a porta se fechar comigo do lado de fora, como na história do homem nu. Esticar a roupa da cama não era tarefa assim tão complicada: além do mais, não precisava também ficar uma perfeição, já que à noite voltaria a desarrumá-la. Fazia as refeições na rua, às vezes filava o jantar de algum amigo e, assim, ia me aguentando, enquanto a empregada não voltasse.
        Aos poucos, porém, passei a desejar ardentemente essa volta. O apartamento, ao fim de alguns dias, ganhava um aspecto lúgubre de navio abandonado. A geladeira começou a fazer gelo por todos os lados " só não tinha água gelada, pois não me lembrara de encher as garrafas. E agora, ao tentar fazê-lo, verificava que não havia mais água dentro da talha. Não podia abrir a torneira do filtro, já que não estaria em casa na hora de fechá-la, e com isso acabaria inundando a cozinha. A um canto do quarto um monte de roupas crescia assustadoramente. A roupa suja lava-se em casa – bem, mas como? Não sabia sequer o nome da lavanderia onde, pela mão da empregada, tinham ido parar meus ternos, provavelmente para sempre.
        E como batiam na porta! O movimento dela lá na cozinha, eu descobria agora, era muito maior do que o meu cá na frente: vendedores de muamba, passadores de rifa, cobradores de prestação, outras empregadas perguntando por ela. Um dia surgiu um indivíduo trazendo uma fotografia dela que, segundo me informou, merecera um "tratamento artístico": fora colorida à mão e colocada num desses medalhões de latão que se veem no cemitério.
        --- Falta pagar a última prestação – disse o homem.
        Paguei o que faltava, que remédio? Sem ao menos ficar sabendo o quanto o pobre já havia pago. E por pouco não entronizei o retrato na cabeceira de minha cama, como lembrança daquela sem a qual eu simplesmente não sabia viver.
        Verdadeiro agravo para a minha solidão era a fina camada de poeira que cobria tudo: não podia mais nem retirar um livro da estante sem dar logo dois espirros. Os jornais continuavam chegando e já havia jornal velho para todo lado, sem que eu soubesse como pôr a funcionar o mecanismo que os fazia desaparecer. Descobri também, para meu espanto, que o apartamento não tinha lata de lixo, a toda hora eu tinha de ir lá fora, na área, para jogar na caixa coletora um pedacinho de papel ou esvaziar um cinzeiro.
        Havia outros problemas difíceis de enfrentar. Um dos piores era o do pão: todas as manhãs, enquanto eu dormia, o padeiro deixava à porta um pão quilométrico, do qual eu comia apenas uma pontinha – e na cozinha já se juntava uma quantidade de pão que daria para alimentar um exército, não sabia como fazer parar. Nem só de pão vive o homem.
        Eu poderia enfrentar tudo, mas estar ensaboado debaixo do chuveiro e ouvir lá na sala o telefonema esperado, sem que houvesse ninguém para atender, era demais para a minha aflição.
        Até que um dia, como uma projeção do estado de sinistro abandono em que me via atirado, comecei a sentir no ar um vago mau cheiro. Intrigado, olhei as solas dos sapatos, para ver se havia pisado em alguma coisa lá na rua. Depois saí farejando o ar aqui e ali como um perdigueiro, e acabei sendo conduzido à cozinha, onde ultimamente já não ousava entrar.
        No que abri a porta, o mau cheiro me atingiu como uma bofetada. Vinha do fogão, certamente. Aproximei-me, protegendo o nariz com uma das mãos, enquanto me curvava e com a outra abria o forno.
        --- Oh não! – recuei horrorizado.
        Na panela, a carne assada, que a empregada gentilmente deixara preparada para mim antes de partir, se decompunha num asqueroso caldo putrefato, onde pequenas formas brancas se agitavam.
        Mudei-me no mesmo dia para um hotel.
          As Melhores Crônicas de Fernando Sabino. Rio de Janeiro, Record, 1986.
                             Fonte: Português – Linguagem & Participação, 5ª Série – MESQUITA, Roberto Melo/Martos, Cloder Rivas – Ed. Saraiva, 1999, p. 194-6.
Entendendo a crônica:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:

·        Insensatez: falta de senso, demência.
·        Lúgubre: fúnebre, triste, funesto.
·        Talha: vaso de barro, de grande bojo; pote.
·        Muamba: fraude, roubo, contrabando.
·        Entronizar: elevar ao trono; exaltar, elevar muito.
·        Agravo: ofensa, motivo grave de queixa, injúria.
·        Asqueroso: nojento, que causa asco.
·        Putrefato: que apodreceu.

02 – Que tipo de foco narrativo aparece no texto? É uma narração em primeira ou em segunda pessoa?
      No texto aparece a narração na primeira pessoa do singular.

03 – Em que parágrafo(s) o narrador se mostra satisfeito com a ausência da empregada?
      Nos dois primeiros parágrafos.

04 – Em que parágrafo o narrador começa a revelar a insatisfação com a ausência da empregada?
      No terceiro parágrafo.

05 – Encontre no texto o sexo, o estado civil e a situação econômica do narrador.
      Sexo – masculino; Estado civil – solteiro; situação econômica – boa.

06 – O texto apresenta uma descoberta do narrador. Qual é ela?
      “A falta que ela me faz”, já demonstrada no título.

07 – Faça um resumo do texto. Considere quando, onde, quem descobre o quê, como termina.
      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Um homem dá férias à empregada e fica sozinho por um mês em sua casa. Só então percebe a falta que ela faz e, enquanto ela não volta, após algumas situações engraçadas, que mostram como ele depende da empregada, vai morar em um hotel.

08 –Quem cuida do espaço em que você vive? Você acredita que o trabalho dessa pessoa é reconhecido?
      Resposta pessoal do aluno.

09 – Assim com o narrador, você gosta de ficar sozinho? Faça um comentário a esse respeito.
      Resposta pessoal do aluno.

10 – Qual é o fato mais importante no texto?
      É a saída da empregada em férias.

11 – Os ditados populares são frases que ensinam lições de moral para as pessoas. Muitas vezes são repetidas, mas nem sempre se sabe o que realmente significam. Escreva o que os ditados abaixo significam:
a)   Nem só de pão vive o homem.
O ser humano precisa fazer também coisas que lhe deem prazer espiritual como ouvir boa música, descansar, conversar, dançar, etc.

b)   Em casa de ferreiro, o espeto é de pau.
Nem sempre aquele que desempenha bem algo fora de casa consegue também fazê-lo bem dentro de casa.

c)   Em terra de cego, quem tem olho é rei.
Num lugar onde muitas pessoas sabem muito pouco, aquele que sabe um pouco mais é considerado superior.

d)   Quem vê cara não vê coração.
Nem sempre o interior das pessoas corresponde ao que aparentam. Assim, uma pessoa de bela aparência pode ser feia por dentro e vice-versa.

terça-feira, 10 de março de 2020

CONTO: MARCUS ROBÔ - MARIA HELOÍSA PENTEADO - COM GABARITO

Conto: Marcus Robô
         
 Maria Heloísa Penteado

   Depois de enxuta e vestida, Maruca levou Marcus outra vez para o quarto e ficou a olhar os botões dele, sem saber qual apertar para fazê-lo arrumar a cama. Tentou decifrar o que estava escrito debaixo dos botõezinhos, mas era difícil porque ela ainda não conhecia bem as letras. Isso porque era uma grande preguiçosa. Seus coleguinhas de classe já estavam quase lendo e Maruca era uma das mais atrasadas. E de que outra forma podia ser, se ela não prestava atenção ao que a professora ensinava, e brincava e tagarelava o tempo todo?
        Maruca foi buscar a cartilha e ficou um tempão se esforçando para lembrar tudo o que aprendera na escola. Observou as letras, comparou-as com as letras na barriga do robô, e afinal descobriu que debaixo do botão 21, sem sombra de dúvida, estava escrita, entre outras palavras, a palavra “cama”.
        Até que enfim eu pesquei a palavra que eu queria! pensou satisfeita, apertando o botão 21.
        E foi outro susto. Marcus tornou a agarrar Maruca, tirou toda a roupa dela de novo. Será que ele vai me dar outro banho? pensou a menina, tentando se livrar dos braços metálicos e desligar o robô.
        O que ele fez foi vestir-lhe o pijama.
        -- Me larga, seu burro! Agora não é hora de vestir pijama!
        Mas o robô não obedecia e ela não conseguia desligá-lo de jeito nenhum. Agora estava sendo carregada novamente para o banheiro.
        Chi... Ele vai me dar outro banho frio, e agora vai ser de pijama... Esse robô é louco!
        -- Marcus, me solte, por favor! – Maruca pediu a chorar.
        Ele parecia surdo. Levou-a para a pia, abriu o armarinho, tirou de lá a escova de dentes e meteu-a com jeito na mão de Maruca que se sentiu bem aliviada. Não era banho de pijama, graças a Deus! O que o robô queria é que ela escovasse os dentes.
        -- Eu só escovo os dentes depois do café – informou a menina.
        Porém Marcus não quis saber de conversa. Escovou ele mesmo os dentes dela, e muito bem escovados. Quanto a isso Maruca não podia se queixar.
        Depois tornou a carrega-la para o quarto.
        -- O que você vai fazer comigo? – perguntou Maruca.
        Logo ficou sabendo. Ele meteu-a na cama, cobriu-a até o nariz e ficou ao lado dela trepidando, piscando os olhos vermelhos e cantarolando uma canção de ninar com uma voz muito rouca.
        -- Você acha que eu vou dormir, é? Não vê que é outro dia e que acordei agorinha mesmo? – Maruca pulou da cama, mas o robô agarrou-a ligeiro e tornou a metê-la embaixo dos lençóis.
        -- Agora não é hora de dormir, Marcus! Sai de perto de mim! – Maruca levantou-se de novo, mas de novo foi agarrada, colocada na cama e coberta com o lençol.
        Tentou mais uma vez, e de novo foi aquilo.
        Então, que remédio, ficou deitada, quietinha. Mas estava danada. Tenho que desligar esse sujeito de lata, pensou. Mas como? Virou-se devagarinho na cama. Sempre cantarolando, o robô vigilante inclinou-se e cobriu-a melhor.
        É uma perfeita babá. Mas quem está precisando de babá é o meu irmãozinho, não eu! Maruca fechou os olhos e fingiu que estava dormindo, mas espiava o robô entre as pestanas.
        Ele inclinou-se, ajeitou melhor o travesseiro dela e parou de cantar.
        Parou de cantar porque está acreditando que eu dormi, pensou amenina. Então viu o botãozinho verde bem perto do seu nariz e não perdeu tempo. Cric! apertou-o.
        Uf! Afinal conseguiu desligar aquela espécie de babá eletrônica. Marcus ficou parado, de braços caídos, muito quietinho. Só as luzinhas vermelhas continuavam piscando.
        -- Puxa! Você é uma bomba, hein Marcus! Sabe de uma coisa? Nõ estou gostando muito de você! – Maruca empurrou-o para um canto, vestiu-se e foi tomar café.
         Marcus Robô. São Paulo, Pioneira, 1978. p. 10-11.
                  Fonte: Português – Linguagem & Participação, 5ª Série – MESQUITA, Roberto Melo/Martos, Cloder Rivas – Ed. Saraiva, 1999, p. 206-8.
Entendendo o conto:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:
·        Decifrar: entender com esforço; descobrir o sentido.
·        Tagarelar: falar muito.
·        Metálico: feito de metal.
·        Trepidar: vibrar, tremer.
·        Danada: muito nervosa, furiosa.

02 – Observe o seguinte trecho do texto: “Então, que remédio, ficou deitada, quietinha”. Passe-o para a primeira pessoa do singular. Explique em seguida a diferença que o uso da primeira pessoa provoca no texto.
      Então, que remédio, fiquei deitada, quietinha. Com a primeira pessoa o trecho parece ser um pensamento da própria Maruca.

03 – Leia esta oração: “Até que enfim eu pesquei a palavra que eu queria!” O que você entende por pescar a palavra?
      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: a expressão indica a ideia de entender, captar o sentido de uma palavra.

04 – Por que Maruca tem dificuldades em operar o robô?
      Porque ela não sabe ler e as ordens estão escritas debaixo dos botõezinhos, na barriga do robô.

05 – Qual foi o erro de Maruca?
      Ela apertou o botão errado.

06 – Quais as consequências do erro de Maruca?
      Ela não conseguiu mais controlar o robô.

07 – Como Maruca resolveu seu problema?
      Ela desligou o robô para evitar maiores confusões.

08 – Faça a caracterização da personagem Maruca.
      Maruca é uma menina preguiçosa, não presta atenção às aulas e é muito tagarela.

09 – Maruca diz que Marcus é “burro”, que ele é uma “bomba”, porque não faz as coisas direito. Você concorda com ela? Justifique sua resposta.
      Não. Ela é que não sabe programa-lo. Ele executa com exatidão as ordens que recebe.

10 – O narrador diz que Marcus não obedecia à Maruca, que parecia surdo. Ele está certo?
      Não. Ele não atende a uma ordem verbal e sim à programação de seus botões.

11 – O robô é perfeito, mas Maruca não consegue se entender com ele. O que a autora do texto quis sugerir com isso?
      Não adianta haver grandes avanços tecnológicos se o ser humano não sabe como utilizar essa tecnologia ou se a utiliza de forma inadequada.

CRÔNICA: EMERGÊNCIA - LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO - COM GABARITO


Crônica: Emergência
             
                  Luís Fernando Veríssimo

     É fácil identificar o passageiro de primeira viagem. É o que já entra no avião desconfiado. O cumprimento da aeromoça, na porta do avião, já é um desafio para a sua compreensão.
        – Bom-dia...
        – Como assim?
        Ele faz questão de sentar num banco de corredor, perto da porta. Para ser o primeiro a sair no caso de alguma coisa dar errado. Tem dificuldade com o cinto de segurança. Não consegue atá-lo. Confidencia para o passageiro ao seu lado:
        — Não encontro o buraquinho. Não tem buraquinho?
        Acaba esquecendo a fivela e dando um nó no cinto. Comenta, com um falso riso descontraído: "Até aqui, tudo bem." O passageiro ao lado explica que o avião ainda está parado, mas ele não ouve. A aeromoça vem lhe oferecer um jornal, mas ele recusa.
        — Obrigado. Não bebo.
        Quando o avião começa a correr pela pista antes de levantar voo, ele é aquele com os olhos arregalados e a expressão de Santa Mãe do Céu! no rosto. Com o avião no ar, dá uma espiada pela janela e se arrepende. É a última espiada que dará pela janela. Mas o pior está por vir. De repente, ele ouve uma misteriosa voz descarnada. Olha para todos os lados para descobrir de onde sai a voz. "Senhores passageiros, sua atenção, por favor. A seguir, nosso pessoal de bordo fará uma demonstração de rotina do sistema de segurança deste aparelho. Há saídas de emergência na frente, nos dois lados e atrás."
        — Emergência? Que emergência? Quando eu comprei a passagem ninguém falou nada em emergência. Olha, o meu é sem emergência.
        Uma das aeromoças, de pé ao seu lado, tenta acalmá-lo.
        – Isto é apenas rotina, cavalheiro.
        – Odeio a rotina. Aposto que você diz isso para todos. Ai, meu santo.
        "No caso de despressurização da cabina, máscaras de oxigênio cairão automaticamente de seus compartimentos."
        — Que história é essa? Que despressurização? Que cabina?
        "Puxe a máscara em sua direção. Isto acionará o suprimento de oxigênio. Coloque a máscara sobre o rosto e respire normalmente."
        — Respirar normalmente?! A cabina despressurizada, máscaras de oxigênio caindo sobre nossas cabeças — e ele quer que a gente respire normalmente.
        "Em caso de pouso forçado na água..."
        — O quê?!"
        ...os assentos de suas cadeiras são flutuantes e podem ser levados para fora do aparelho e..."
        — Essa não! Bancos flutuantes, não! Tudo, menos bancos flutuantes!
        – Calma, cavalheiro.
        – Eu desisto! Parem este troço que eu vou descer. Onde é a cordinha? Parem!
        – Cavalheiro, por favor. Fique calmo.
        – Eu estou calmo. Calmíssimo. Você é que está nervosa e, não sei por quê, está tentando arrancar as minhas mãos do pescoço deste cavalheiro ao meu lado. Que, aliás, também parece consternado e levemente azul.
        – Calma! Isso. Pronto. Fique tranquilo. Não vai acontecer nada.
        – Só não quero mais ouvir falar em banco flutuante.
        – Certo. Ninguém mais vai falar em banco flutuante.
       Ele se vira para o passageiro ao lado, que tenta desesperadamente recuperar a respiração, e pede desculpas. Perdeu a cabeça.
       — É que banco flutuante é demais. Imagine só. Todo mundo flutuando sentado. Fazendo sala no meio do oceano Atlântico!
        A aeromoça diz que vai lhe trazer um calmante e aí mesmo é que ele dá um pulo:
        — Calmante, por quê? O que é que está acontecendo? Vocês estão me escondendo alguma coisa!
       Finalmente, a muito custo, conseguem acalmá-lo. Ele fica rígido na cadeira. Recusa tudo que lhe é oferecido. Não quer o almoço. Pergunta se pode receber a sua comida em dinheiro. Deixa cair a cabeça para trás e tenta dormir. Mas, a cada sacudida do avião, abre os olhos e fica cuidando a portinha do compartimento sobre sua cabeça, de onde, a qualquer momento, pode pular uma máscara de oxigênio e matá-lo do coração. De repente, outra voz. Desta vez é a do comandante.
       — Senhores passageiros, aqui fala o comandante Araújo. Neste momento, à nossa direita, podemos ver a cidade de...
       Ele pula outra vez da cadeira e grita para a cabina do piloto:
       — Olha para a frente, Araújo! Olha para a frente!
                                  Para gostar de ler. São Paulo, Ática, 1982. v. 7. p. 52-4.
                             Fonte: Português – Linguagem & Participação, 5ª Série – MESQUITA, Roberto Melo/Martos, Cloder Rivas – Ed. Saraiva, 1999, p. 173-6.
Entendendo a crônica:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:
·        Identificar: reconhecer.
·        Desafio: provocação; estímulo.
·        Atar: prender, apertar.
·        Confidenciar: dizer em segredo.
·        Compartimento: repartição, divisão.
· Despressurização: perda da pressão atmosférica mantida artificialmente na cabine.
·        Suprimento: abastecimento.
·        Pouso: ato de descer à terra.
·        Consternado: aflito, horrorizado.

02 – Algumas palavras e expressões do texto descrevem o passageiro em detalhes, revelando seu pavor. Quais são elas?
      Desconfiado, desafio, confidência, falso riso descontraído, olhos arregalados, a expressão de Santa Mãe do Céu! no rosto.

03 – Que tipo de narrador, temos na crônica Emergência?
      Narrador em terceira pessoa, alguém que observa os fatos, sem adivinhar o que as personagens estão pensando.

04 – Qual o traço básico do comportamento da personagem principal?
      É o medo de avião.

05 – Como é o voo do avião para todos os passageiros e a tripulação?
      O voo é muito tranquilo, nada acontece de assustador.

06 – Como se comporta o passageiro durante o voo?
      O passageiro se comporta de modo diferente: não aceita nada da aeromoça, desconfia de tudo, reclama, desespera-se por qualquer motivo.

07 – Durante o voo, o passageiro permanece muito nervoso, havendo um momento em que ele perde o controle. Qual é esse momento?
      Quando ele tenta estrangular o passageiro sentado ao lado dele.

08 – Você achou o texto engraçado? Por quê?
      Resposta pessoal do aluno.


HISTÓRIA: O LIMOEIRO E AS LAGARTAS - NEUZA PEREIRA RODRIGUES - COM GABARITO


História: O limoeiro e as lagartas
        
     Neuza Pereira Rodrigues

  A balança, o brinquedo favorito da menina, ficava num limoeiro que foi tomado por lagartas. Assustada, ela primeiro fugiu, mas aprendeu depois a compartilhar seu espaço com as visitantes

   Quando era menina, por volta dos 6 anos, morava num bairro simples da periferia de São Paulo. Meus irmãos e eu íamos a pé para a escola sozinhos e minha mãe ficava tranquila de que nada nos aconteceria porque sabia que, ao longo da caminhada de 1 quilômetro, encontraríamos muitos conhecidos.
        Não havia como não se sentir bem ali no bairro, pois todas as famílias eram amigas. Meu pai trabalhava numa indústria de vidros e minha mãe era doméstica na casa da dona do empório da esquina. Como o salário deles dava apenas para as despesas com comida – não sobrava para comprar brinquedos –, nós nos contentávamos em brincar de corda, de roda e de passa anel.
        Minha irmã, a quem chamávamos de Dinda, tinha 8 anos. Um pouco retraída, nunca revelava seus sonhos ou suas preferências. Lembro apenas que, às vezes, disputávamos o brinquedo de que eu mais gostava: a balança feita com um pedaço de corda que a patroa da minha mãe dera para esse fim. Meu pai a amarrara num dos galhos do limoeiro do nosso quintal. Mas nós duas não brigávamos pela balança. Eu apenas tinha de esperar minha irmã se balançar: ela logo se cansava e, então, eu podia aproveitar.
        Todas as manhãs, sem exceção, eu ia me balançar. O vento batia em meu rosto e eu, intrigada, tentava entender como de um pé de limão, que dava frutos tão azedos, podiam nascer flores com um perfume tão doce. Muitas vezes, nem sequer notava que o pedaço de tábua ou almofada, que eu colocava para não machucar a perna, tinha caído. Eu já não trocava minha balança por nada. Não entendia como minha irmã podia preferir brincar de casinha, e meu irmão, de bolinha de gude.
        Numa certa manhã, corri para a minha balança. Lembro-me de que chovera na noite anterior e a corda, ainda molhada, deixava marcas na minha roupa. Depois de duas ou três balançadas saltei, espantada, para trás, ao perceber que o tronco do limoeiro estava repleto de lagartas. Fiquei indignada! Aquele era o meu limoeiro! Como aquelas lagartas tinham aparecido? Quando iriam embora? E se uma delas pulasse em cima de mim?
        Senti que perdera meu brinquedo favorito e que meu doce limoeiro me traíra, dando abrigo àqueles vermes. Passei três dias observando, de longe, o que acontecia. As lagartas eram feias, moles, passavam umas por cima das outras mas pareciam nem se importar comigo. Tentei brincar de casinha, assistir à TV, mas nada se comparava à minha balança, onde eu flutuava e me divertia com as dezenas de personagens criadas pela minha imaginação.
        Concluí, então, que eu podia dividir com as lagartas o meu limoeiro porque, se estavam ali, havia alguma razão que só a natureza conhecia. Elas não iriam me expulsar, me fazer abrir mão do único brinquedo que me proporcionava infinitas horas de sonho e prazer. Hoje, trinta anos depois, ainda me lembro com saudades daquele limoeiro e também de suas lagartas, que todos os anos surgiam e com as quais aprendi a compartilhar um precioso espaço da infância.
              Depoimento de Neuza Pereira Rodrigues, São Paulo (SP)
             Revista Cláudia, São Paulo, Abril, 1996.
                            Fonte: Português – Linguagem & Participação, 5ª Série – MESQUITA, Roberto Melo/Martos, Cloder Rivas – Ed. Saraiva, 1999, p. 163-5.
Entendendo a história:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:
·        Periferia: região distante do centro da cidade.

·        Empório: tipo de comercio de gêneros alimentícios e materiais de limpeza.

·        Retraída: tímida.

·        Proporcionar: oferecer.

·        Infinitas: sem fim.

·        Compartilhar: dividir.

02 – Situe a ação do texto no tempo e no espaço.
      A ação do texto acontece na infância da narradora, na periferia de São Paulo.

03 – Como vimos, uma história pode ser contada das seguintes maneiras: Em primeira pessoa do singular, na segunda pessoa do singular ou na terceira pessoa do singular. Depois de ter lido o texto “O limoeiro e as lagartas”, como você o classificaria quanto ao ponto de vista do narrador?
      É narrado em primeira pessoa pela personagem principal da história.

04 – Por que as crianças se contentavam em brincar de corda, de roda e de passa anel?
      Porque os pais não dispunham de dinheiro para comprar brinquedos.

05 – A balança era o brinquedo preferido da narradora. Quais eram os dos seus irmãos?
      A irmã gostava de brincar de casinha e o irmão, de bolinha de gude.

06 – Como se sente a menina no balanço?
      Ela se sentia muito feliz e nele vivia momentos de encantamento.

07 – Por que as lagartas atrapalhavam a brincadeira da menina?
      A menina sentia ciúmes da árvore e não queria dividir àquele espaço mágico com as lagartas.

08 – Como a menina resolveu o problema das lagartas?
      Ela aprendeu a dividir o limoeiro com as lagartas, pois concluiu que elas faziam parte da natureza.

09 – Como você entendeu: “... ainda me lembro com saudades daquele limoeiro e também de suas lagartas, que todos os anos surgiam e com as quais aprendi a compartilhar um precioso espaço da infância”?
      Resposta pessoal do aluno.

10 – Copie em seu caderno as afirmações verdadeiras em relação ao texto:
a)   A narradora teve uma infância triste porque sua família era pobre.
b)   A narradora cresceu em ótimo ambiente, protegida pelos amigos e pelos pais.
c)   A irmã da narradora era muito tímida.
d)   A narradora aprendeu a conviver com a natureza.
e)   Havia oito crianças na numerosa família da narradora.
f)    Enquanto se balançava, a narradora criava personagens com a imaginação.

11 – A narradora do texto é uma garotinha bastante observadora. Que observações ela demonstra ter feito a respeito da natureza enquanto brincava?
      Sentia o cheiro das flores do limoeiro e se questionava como um pé de frutas tão azedas podia das flores com um perfume tão doce. Percebe que chovera na noite anterior por encontrar as cordas molhadas do balanço. Verifica que o tronco do limoeiro estava repleto de lagartas.