sábado, 23 de junho de 2018

CONTO: UNS BRAÇOS - MACHADO DE ASSIS - COM GABARITO

Conto: UNS BRAÇOS
             Machado de Assis


     Inácio estremeceu, ouvindo os gritos do solicitador, recebeu o prato que este lhe apresentava e tratou de comer, debaixo de uma trovoada de nomes, malandro, cabeça de vento, estúpido, maluco.
        - Onde anda que nunca ouve o que lhe digo? Hei de contar tudo a seu pai, para que lhe sacuda a preguiça do corpo com uma boa vara de marmelo, ou um pau; sim, ainda pode apanhar, não pense que não. Estúpido! maluco!
        - Olhe que lá fora é isto mesmo que você vê aqui, continuou, voltando-se para D. Severina, senhora que vivia com ele maritalmente, há anos. Confunde-me os papéis todos, erra as casas, vai a um escrivão em vez de ir a outro, troca os advogados: é o diabo! É o tal sono pesado e contínuo. De manhã é o que se vê; primeiro que acorde é preciso quebrar-lhe os ossos... Deixe; amanhã hei de acordá-lo a pau de vassoura!
        D. Severina tocou-lhe no pé, como pedindo que acabasse. Borges espeitorou ainda alguns impropérios, e ficou em paz com Deus e os homens.
        Não digo que ficou em paz com os meninos, porque o nosso Inácio não era propriamente menino. Tinha quinze anos feitos e bem feitos. Cabeça inculta, mas bela, olhos de rapaz que sonha, que adivinha, que indaga, que quer saber e não acaba de saber nada. Tudo isso posto sobre um corpo não destituído de graça, ainda que mal vestido. O pai é barbeiro na Cidade Nova, e pô-lo de agente, escrevente, ou que quer que era, do solicitador Borges, com esperança de vê-lo no foro, porque lhe parecia que os procuradores de causas ganhavam muito. Passava-se isto na Rua da Lapa, em 1870.
        Durante alguns minutos não se ouviu mais que o tinir dos talheres e o ruído da mastigação. Borges abarrotava-se de alface e vaca; interrompia-se para virgular a oração com um golpe de vinho e continuava logo calado.
        Inácio ia comendo devagarinho, não ousando levantar os olhos do prato, nem para colocá-los onde eles estavam no momento em que o terrível Borges o descompôs. Verdade é que seria agora muito arriscado. Nunca ele pôs os olhos nos braços de D. Severina que se não esquecesse de si e de tudo.
        Também a culpa era antes de D. Severina em trazê-los assim nus, constantemente. Usava mangas curtas em todos os vestidos de casa, meio palmo abaixo do ombro; dali em diante ficavam-lhe os braços à mostra. Na verdade, eram belos e cheios, em harmonia com a dona, que era antes grossa que fina, e não perdiam a cor nem a maciez por viverem ao ar; mas é justo explicar que ela os não trazia assim por faceira, senão porque já gastara todos os vestidos de mangas compridas. De pé, era muito vistosa; andando, tinha meneios engraçados; ele, entretanto, quase que só a via à mesa, onde, além dos braços, mal poderia mirar-lhe o busto. Não se pode dizer que era bonita; mas também não era feia. Nenhum adorno; o próprio penteado consta de mui pouco; alisou os cabelos, apanhou-os, atou-os e fixou-os no alto da cabeça com o pente de tartaruga que a mãe lhe deixou. Ao pescoço, um lenço escuro, nas orelhas, nada. Tudo isso com vinte e sete anos floridos e sólidos.
        Acabaram de jantar. Borges, vindo o café, tirou quatro charutos da algibeira, comparou-os, apertou-os entre os dedos, escolheu um e guardou os restantes. Aceso o charuto, fincou os cotovelos na mesa e falou a D. Severina de trinta mil coisas que não interessavam nada ao nosso Inácio; mas enquanto falava, não o descompunha e ele podia devanear à larga.
        Inácio demorou o café o mais que pôde. Entre um e outro gole alisava a toalha, arrancava dos dedos pedacinhos de pele imaginários ou passava os olhos pelos quadros da sala de jantar, que eram dois, um S. Pedro e um S. João, registros trazidos de festas encaixilhados em casa. Vá que disfarçasse com S. João, cuja cabeça moça alegra as imaginações católicas, mas com o austero S. Pedro era demais. A única defesa do moço Inácio é que ele não via nem um nem outro; passava os olhos por ali como por nada. Via só os braços de D. Severina, - ou porque sorrateiramente olhasse para eles, ou porque andasse com eles impressos na memória.
        - Homem, você não acaba mais? bradou de repente o solicitador.
       Não havia remédio; Inácio bebeu a última gota, já fria, e retirou-se, como de costume, para o seu quarto, nos fundos da casa. Entrando, fez um gesto de zanga e desespero e foi depois encostar-se a uma das duas janelas que davam para o mar. Cinco minutos depois, a vista das águas próximas e das montanhas ao longe restituía-lhe o sentimento confuso, vago, inquieto, que lhe doía e fazia bem, alguma coisa que deve sentir a planta, quando abotoa a primeira flor. Tinha vontade de ir embora e de ficar. Havia cinco semanas que ali morava, e a vida era sempre a mesma, sair de manhã com o Borges, andar por audiências e cartórios, correndo, levando papéis ao selo, ao distribuidor, aos escrivães, aos oficiais de justiça. Voltava à tarde, jantava e recolhia-se ao quarto, até a hora da ceia; ceava e ia dormir. Borges não lhe dava intimidade na família, que se compunha apenas de D. Severina, nem Inácio a via mais de três vezes por dia, durante as refeições. Cinco semanas de solidão, de trabalho sem gosto, longe da mãe e das irmãs; cinco semanas de silêncio, porque ele só falava uma ou outra vez na rua; em casa, nada.
        - Deixe estar, - pensou ele um dia - fujo daqui e não volto mais.
        Não foi; sentiu-se agarrado e acorrentado pelos braços de D. Severina. Nunca vira outros tão bonitos e tão frescos. A educação que tivera não lhe permitia encará-los logo abertamente, parece até que a princípio afastava os olhos, vexado. Encarou-os pouco a pouco, ao ver que eles não tinham outras mangas, e assim os foi descobrindo, mirando e amando. No fim de três semanas eram eles, moralmente falando, as suas tendas de repouso. Agüentava toda a trabalheira de fora toda a melancolia da solidão e do silêncio, toda a grosseria do patrão, pela única paga de ver, três vezes por dia, o famoso par de braços.
        Naquele dia, enquanto a noite ia caindo e Inácio estirava-se na rede (não tinha ali outra cama), D. Severina, na sala da frente, recapitulava o episódio do jantar e, pela primeira vez, desconfiou alguma coisa Rejeitou a ideia logo, uma criança! Mas há ideias que são da família das moscas teimosas: por mais que a gente as sacuda, elas tornam e pousam. Criança? Tinha quinze anos; e ela advertiu que entre o nariz e a boca do rapaz havia um princípio de rascunho de buço. Que admira que começasse a amar? E não era ela bonita? Esta outra ideia não foi rejeitada, antes afagada e beijada. E recordou então os modos dele, os esquecimentos, as distrações, e mais um incidente, e mais outro, tudo eram sintomas, e concluiu que sim.
        - Que é que você tem? disse-lhe o solicitador, estirado no canapé, ao cabo de alguns minutos de pausa.
        - Não tenho nada.
        - Nada? Parece que cá em casa anda tudo dormindo! Deixem estar, que eu sei de um bom remédio para tirar o sono aos dorminhocos...
        E foi por ali, no mesmo tom zangado, fuzilando ameaças, mas realmente incapaz de as cumprir, pois era antes grosseiro que mau. D. Severina interrompia-o que não, que era engano, não estava dormindo, estava pensando na comadre Fortunata. Não a visitavam desde o Natal; por que não iriam lá uma daquelas noites? Borges redarguia que andava cansado, trabalhava como um negro, não estava para visitas de parola, e descompôs a comadre, descompôs o compadre, descompôs o afilhado, que não ia ao colégio, com dez anos! Ele, Borges, com dez anos, já sabia ler, escrever e contar, não muito bem, é certo, mas sabia. Dez anos! Havia de ter um bonito fim: - vadio, e o côvado e meio nas costas. A tarimba é que viria ensiná-lo.
        D. Severina apaziguava-o com desculpas, a pobreza da comadre, o caiporismo do compadre, e fazia-lhe carinhos, a medo, que eles podiam irritá-lo mais. A noite caíra de todo; ela ouviu o tlic do lampião do gás da rua, que acabavam de acender, e viu o clarão dele nas janelas da casa fronteira. Borges, cansado do dia, pois era realmente um trabalhador de primeira ordem, foi fechando os olhos e pegando no sono, e deixou-a só na sala, às escuras, consigo e com a descoberta que acaba de fazer.
        Tudo parecia dizer à dama que era verdade; mas essa verdade, desfeita a impressão do assombro, trouxe-lhe uma complicação moral que ela só conheceu pelos efeitos, não achando meio de discernir o que era. Não podia entender-se nem equilibrar-se, chegou a pensar em dizer tudo ao solicitador, e ele que mandasse embora o fedelho. Mas que era tudo? Aqui estacou: realmente, não havia mais que suposição, coincidência e possivelmente ilusão. Não, não, ilusão não era. E logo recolhia os indícios vagos, as atitudes do mocinho, o acanhamento, as distrações, para rejeitar a ideia de estar enganada. Daí a pouco, (capciosa natureza!) refletindo que seria mau acusá-lo sem fundamento, admitiu que se iludisse, para o único fim de observá-lo melhor e averiguar bem a realidade das coisas.
       Já nessa noite, D. Severina mirava por baixo dos olhos os gestos de Inácio; não chegou a achar nada, porque o tempo do chá era curto e o rapazinho não tirou os olhos da xícara. No dia seguinte pôde observar melhor, e nos outros otimamente. Percebeu que sim, que era amada e temida, amor adolescente e virgem, retido pelos liames sociais e por um sentimento de inferioridade que o impedia de reconhecer-se a si mesmo. D. Severina compreendeu que não havia recear nenhum desacato, e concluiu que o melhor era não dizer nada ao solicitador; poupava-lhe um desgosto, e outro à pobre criança. Já se persuadia bem que ele era criança, e assentou de o tratar tão secamente como até ali, ou ainda mais. E assim fez; Inácio começou a sentir que ela fugia com os olhos, ou falava áspero, quase tanto como o próprio Borges. De outras vezes, é verdade que o tom da voz saía brando e até meigo, muito meigo; assim como o olhar geralmente esquivo, tanto errava por outras partes, que, para descansar, vinha pousar na cabeça dele; mas tudo isso era curto.
        - Vou-me embora, repetia ele na rua como nos primeiros dias.
        Chegava a casa e não se ia embora. Os braços de D. Severina fechavam-lhe um parêntesis no meio do longo e fastidioso período da vida que levava, e essa oração intercalada trazia uma ideia original e profunda, inventada pelo céu unicamente para ele. Deixava-se estar e ia andando. Afinal, porém, teve de sair, e para nunca mais; eis aqui como e porquê.
      D. Severina tratava-o desde alguns dias com benignidade. A rudeza da voz parecia acabada, e havia mais do que brandura, havia desvelo e carinho. Um dia recomendava-lhe que não apanhasse ar, outro que não bebesse água fria depois do café quente, conselhos, lembranças, cuidados de amiga e mãe, que lhe lançaram na alma ainda maior inquietação e confusão. Inácio chegou ao extremo de confiança de rir um dia à mesa, coisa que jamais fizera; e o solicitador não o tratou mal dessa vez, porque era ele que contava um caso engraçado, e ninguém pune a outro pelo aplauso que recebe. Foi então que D. Severina viu que a boca do mocinho, graciosa estando calada, não o era menos quando ria.
     A agitação de Inácio ia crescendo, sem que ele pudesse acalmar-se nem entender-se. Não estava bem em parte nenhuma. Acordava de noite, pensando em D. Severina. Na rua, trocava de esquinas, errava as portas, muito mais que dantes, e não via mulher, ao longe ou ao perto, que lhe não trouxesse à memória. Ao entrar no corredor da casa, voltando do trabalho, sentia sempre algum alvoroço, às vezes grande, quando dava com ela no topo da escada, olhando através das grades de pau da cancela, como tendo acudido a ver quem era.
        Um domingo, - nunca ele esqueceu esse domingo, - estava só no quarto, à janela, virado para o mar, que lhe falava a mesma linguagem obscura e nova de D. Severina. Divertia-se em olhar para as gaivotas, que faziam grandes giros no ar, ou pairavam em cima d'água, ou avoaçavam somente. O dia estava lindíssimo. Não era só um domingo cristão; era um imenso domingo universal.
        Inácio passava-os todos ali no quarto ou à janela, ou relendo um dos três folhetos que trouxera consigo, contos de outros tempos, comprados a tostão, debaixo do passadiço do Largo do Paço. Eram duas horas da tarde. Estava cansado, dormira mal a noite, depois de haver andado muito na véspera; estirou-se na rede, pegou em um dos folhetos, a Princesa Magalona, e começou a ler. Nunca pôde entender por que é que todas as heroínas dessas velhas histórias tinham a mesma cara e talhe de D. Severina, mas a verdade é que os tinham. Ao cabo de meia hora, deixou cair o folheto e pôs os olhos na parede, donde, cinco minutos depois, viu sair a dama dos seus cuidados. O natural era que se espantasse; mas não se espantou. Embora com as pálpebras cerradas viu-a desprender-se de todo, parar, sorrir e andar para a rede. Era ela mesma, eram os seus mesmos braços.
        É certo, porém, que D. Severina, tanto não podia sair da parede, dado que houvesse ali porta ou rasgão, que estava justamente na sala da frente ouvindo os passos do solicitador que descia as escadas. Ouviu-o descer; foi à janela vê-lo sair e só se recolheu quando ele se perdeu ao longe, no caminho da Rua das Mangueiras. Então entrou e foi sentar-se no canapé. Parecia fora do natural, inquieta, quase maluca; levantando-se, foi pegar na jarra que estava em cima do aparador e deixou-a no mesmo lugar; depois caminhou até à porta, deteve-se e voltou, ao que parece, sem plano. Sentou-se outra vez cinco ou dez minutos. De repente, lembrou-se que Inácio comera pouco ao almoço e tinha o ar abatido, e advertiu que podia estar doente; podia ser até que estivesse muito mal.
        Saiu da sala, atravessou rasgadamente o corredor e foi até o quarto do mocinho, cuja porta achou escancarada. D. Severina parou, espiou, deu com ele na rede, dormindo, com o braço para fora e o folheto caído no chão. A cabeça inclinava-se um pouco do lado da porta, deixando ver os olhos fechados, os cabelos revoltos e um grande ar de riso e de beatitude.
        D. Severina sentiu bater-lhe o coração com veemência e recuou. Sonhara de noite com ele; pode ser que ele estivesse sonhando com ela. Desde madrugada que a figura do mocinho andava-lhe diante dos olhos como uma tentação diabólica. Recuou ainda, depois voltou, olhou dois, três, cinco minutos, ou mais. Parece que o sono dava à adolescência de Inácio uma expressão mais acentuada, quase feminina, quase pueril. Uma criança! disse ela a si mesma, naquela língua sem palavras que todos trazemos conosco. E esta ideia abateu-lhe o alvoroço do sangue e dissipou-lhe em parte a turvação dos sentidos.
        - Uma criança!
        E mirou-o lentamente, fartou-se de vê-lo, com a cabeça inclinada, o braço caído; mas, ao mesmo tempo que o achava criança, achava-o bonito, muito mais bonito que acordado, e uma dessas ideias corrigia ou corrompia a outra. De repente estremeceu e recuou assustada: ouvira um ruído ao pé, na saleta do engomado; foi ver, era um gato que deitara uma tigela ao chão. Voltando devagarinho a espiá-lo, viu que dormia profundamente. Tinha o sono duro a criança! O rumor que a abalara tanto, não o fez sequer mudar de posição. E ela continuou a vê-lo dormir, - dormir e talvez sonhar.
        Que não possamos ver os sonhos uns dos outros! D. Severina ter-se-ia visto a si mesma na imaginação do rapaz; ter-se-ia visto diante da rede, risonha e parada; depois inclinar-se, pegar-lhe nas mãos, levá-las ao peito, cruzando ali os braços, os famosos braços. Inácio, namorado deles, ainda assim ouvia as palavras dela, que eram lindas cálidas, principalmente novas, - ou, pelo menos, pertenciam a algum idioma que ele não conhecia, posto que o entendesse. Duas três e quatro vezes a figura esvaía-se, para tornar logo, vindo do mar ou de outra parte, entre gaivotas, ou atravessando o corredor com toda a graça robusta de que era capaz. E tornando, inclinava-se, pegava-lhe outra vez das mãos e cruzava ao peito os braços, até que inclinando-se, ainda mais, muito mais, abrochou os lábios e deixou-lhe um beijo na boca.
        Aqui o sonho coincidiu com a realidade, e as mesmas bocas uniram-se na imaginação e fora dela. A diferença é que a visão não recuou, e a pessoa real tão depressa cumprira o gesto, como fugiu até à porta, vexada e medrosa. Dali passou à sala da frente, aturdida do que fizera, sem olhar fixamente para nada. Afiava o ouvido, ia até o fim do corredor, a ver se escutava algum rumor que lhe dissesse que ele acordara, e só depois de muito tempo é que o medo foi passando. Na verdade, a criança tinha o sono duro; nada lhe abria os olhos, nem os fracassos contíguos, nem os beijos de verdade. Mas, se o medo foi passando, o vexame ficou e cresceu. D. Severina não acabava de crer que fizesse aquilo; parece que embrulhara os seus desejos na ideia de que era uma criança namorada que ali estava sem consciência nem imputação; e, meia mãe, meia amiga, inclinara-se e beijara-o. Fosse como fosse, estava confusa, irritada, aborrecida mal consigo e mal com ele. O medo de que ele podia estar fingindo que dormia apontou-lhe na alma e deu-lhe um calafrio.
        Mas a verdade é que dormiu ainda muito, e só acordou para jantar. Sentou-se à mesa lépido. Conquanto achasse D. Severina calada e severa e o solicitador tão ríspido como nos outros dias, nem a rispidez de um, nem a severidade da outra podiam dissipar-lhe a visão graciosa que ainda trazia consigo, ou amortecer-lhe a sensação do beijo. Não reparou que D. Severina tinha um xale que lhe cobria os braços; reparou depois, na segunda-feira, e na terça-feira, também, e até sábado, que foi o dia em que Borges mandou dizer ao pai que não podia ficar com ele; e não o fez zangado, porque o tratou relativamente bem e ainda lhe disse à saída:
        - Quando precisar de mim para alguma coisa, procure-me.
        - Sim, senhor. A Sra. D. Severina...
        - Está lá para o quarto, com muita dor de cabeça. Venha amanhã ou depois despedir-se dela.
        Inácio saiu sem entender nada. Não entendia a despedida, nem a completa mudança de D. Severina, em relação a ele, nem o xale, nem nada. Estava tão bem! falava-lhe com tanta amizade! Como é que, de repente... Tanto pensou que acabou supondo de sua parte algum olhar indiscreto, alguma distração que a ofendera, não era outra coisa; e daqui a cara fechada e o xale que cobria os braços tão bonitos... Não importa; levava consigo o sabor do sonho. E através dos anos, por meio de outros amores, mais efetivos e longos, nenhuma sensação achou nunca igual à daquele domingo, na Rua da Lapa, quando ele tinha quinze anos. Ele mesmo exclama às vezes, sem saber que se engana:
        - E foi um sonho! um simples sonho!

Fonte: Contos Consagrados - Machado de Assis –
Coleção Prestígio - Ediouro - s/d.
 Entendendo o conto:
Atividades:
01 – Qual é o foco narrativo do conto “Uns braços” de Machado de Assis?
      Narrador observador.

02 – Qual é o assunto do conto?
      O assunto do conto é sobre um rapaz chamado Inácio, que se apaixona por uma jovem muito bonita chamada Severina.

03 – Apresente os personagens contidos nessa narrativa e suas características físicas e psicológicas.
      Inácio: Cabeça inculta, mas bela, olhos de rapaz que sonha, que adivinha, que indaga, tudo isso posto sobre um corpo não destituído de graça, ainda que mal vestido.
      D. Severina: Usava mangas curtas em todos os vestidos de casa, meio palmo abaixo do ombro; dali em diante ficavam-lhe os braços à mostra. Na verdade, eram belos e cheios, em harmonia com a dona, que era antes grossa que fina, e não perdiam a cor nem a maciez por viverem ao ar. Não se pode dizer que era bonita; mas também não era feia. Nenhum adorno; o próprio penteado consta de muito pouco. Ao pescoço, um lenço escuro, nas orelhas, nada.
      Solicitador: Zangado, grosseiro, andava sempre cansado, trabalhava como um negro.

04 – Onde e quando se passa a história narrada?
      Rua da lapa, 1970.

05 – O trecho “Inácio estremeceu, ouvindo os gritos do solicitador, recebeu o prato que este lhe apresentava e tratou de comer, debaixo de uma trovoada de nomes, malandro, cabeça de vento, estúpido, maluco.” que inicia o conto, não nos aponta o motivo pelo qual o solicitador encontra-se tão nervoso com o personagem Inácio. No entanto, podemos verificar o porquê das “trovoadas de nomes” um pouco mais adiante no texto. Sendo assim, por que o solicitador estava tão bravo com Inácio?
      Borges estava bravo com Inácio porque ele era muito preguiçoso e estava dormindo ao invés de levantar para trabalhar.

06 – Em que parte do texto, verificamos uma justificativa para o título dado ao conto?
      “Sentiu-se agarrado e acorrentado pelos braços de D. Severina. Nunca vira outros tão bonitos e tão frescos.”

07 – De acordo com o texto, como pode ser caracterizada a relação do solicitador Borges com a esposa?
     Fuzilando ameaças, mas realmente incapaz de cumpri-las.

08 – Apesar de desejar e pensar várias vezes na ideia de deixar a casa do solicitador, Inácio não tem coragem e permanece ali. Por quê?
      Porque Inácio estava apaixonado pela D. Severina. 

09 – Qual é o momento de maior tensão na narrativa? Transcreva o trecho.
      Foi quando D. Severina beijou Inácio. ''...até que inclinando-se, ainda mais, muito mais, abrochou os lábios e deixou-lhe um beijo na boca...'' 

10 – Em relação ao beijo presente na história:
a) Para qual dos personagens, ele aconteceu apenas no sonho?
      Para Inácio foi apenas um sonho.

b) Para qual, ele aconteceu na realidade?
      Foi realidade para D. Severina.

11 – O narrador do conto é onisciente, isto é, domina o universo mental das personagens, sabendo a respeito delas mais do que elas podem compreender. Ao mesmo tempo, fornece a nós, leitores, indícios, pista sobre a história que vai contar: trata-se de uma história de amor e sedução.
a)   Em qual parágrafo percebemos a paixão de Inácio por D. Severina?
No sétimo parágrafo.

b)   Que relação há entre esse parágrafo e o título do conto?
Nesse parágrafo, ficamos sabendo que o título do conto refere-se aos braços de D. Severina, para os quais Inácio olha apaixonadamente.

c)   Como você explicaria a atenção que Inácio dedica aos braços de D. Severina?
Inácio não ousa mirar D. Severina nos olhos: acostuma-se, então, a espreita-la à mesa de olhos baixos. Assim, só consegue ver seus braços. Além disso, não era comum as mulheres trazerem os braços nus. Daí chamarem tanto a atenção do adolescente.

12 – Na sua opinião, é verdadeira a afirmação de que D. Severina é culpada da paixão de Inácio? Por quê?
      Não. D. Severina é simples, sem adornos, nem bonita nem feia, “antes grossa que fina”, seus braços andam nus não por faceirice, mas por falta de vestidos de manga comprida.

13 – Chama-se interpolação um comentário à margem do texto, geralmente colocado entre parênteses. No conto um exemplo de interpolação é a expressão “capciosa natureza!”, com a qual o narrador se refere a D. Severina. Na sua opinião, o que há de irônico nessa interpolação?
      Essa interpolação é irônica porque se refere à malícia de D. Severina ao lidar com a própria consciência, fingindo algo que não sentia para se eximir de denunciar o rapaz ao marido.

14 – Ao longo do desenvolvimento do enredo, vamos percebendo indícios de que D. Severina ao mesmo tempo rejeita e compartilha o desejo de que é objeto.
a)   Com que atitudes ela revela essa reação ambígua?
D. Severina revela essa reação ambígua ora sendo áspera ora sendo meiga com Inácio; ora esquivando-lhe os olhos; ora demorando-os nele.

     b) Dentre as atitudes contraditórias de D. Severina, predominam as de proximidade ou de afastamento? Justifique.
         Predominam as atitudes de proximidade, que assumem um modo maternal de expressão.

15 – O clímax ou ponto culminante da história acontece num “imenso domingo universal”.
a)   Que passagem indica que nesse conto há uma rememoração do passado no presente?
A passagem é “Nunca ele esqueceu esse domingo”.

b)   Como você interpreta a expressão: “Um imenso domingo universal”, tendo em vista os acontecimentos que se desencadeiam?
Domingo universal pode significar um tempo “fora do tempo”, um feriado, um momento absoluto em que um sonho de um adolescente se transforma em realidade.

16 – Para qual dos protagonistas o encontro foi real e para qual foi imaginário? Por quê?
      O encontro foi imaginário para Inácio, porque ele beijou em sonho S. Severina. Para ela, no entanto, foi um encontro real, já que beijou de fato o rapaz, enquanto esse dormia.




sexta-feira, 22 de junho de 2018

MÚSICA(ATIVIDADES): BALADA DO LOUCO - NEY MATOGROSSO - COM QUESTÕES GABARITADAS

Música(Atividades): Balada do louco

                                  NEY MATOGROSSO

Dizem que sou louco por pensar assim
Se eu sou muito louco por eu ser feliz
Mas louco é quem me diz
E não é feliz, não é feliz

Se eles são bonitos, sou Alain Delon
Se eles são famosos, sou Napoleão

Mas louco é quem me diz
E não é feliz, não é feliz
Eu juro que é melhor
Não ser o normal
Se eu posso pensar que Deus sou eu

Se eles têm três carros, eu posso voar
Se eles rezam muito, eu já estou no céu

Mas louco é quem me diz
E não é feliz, não é feliz
Eu…

Entendendo a canção:

01 – A canção é construída, fundamentalmente pela oposição entre:

a)   Felicidade / infelicidade.

b)   Fama / anonimato.

c)   Normalidade / anormalidade.

d)   Riqueza / pobreza.

e)   Religiosidade / santidade.

02 – As conjunções (por, e, se, mas) marcam respectivamente as seguintes relações de sentido:

a)    Finalidade, adição, causa, concessão.

b)   Causa, adição, condição, adversidade.

c)   Consequência, adição, proporção, conclusão.

d)   Explicação, adversidade, finalidade, concessão.

e)   Explicação, consequência, causa, adversidade.

03 – Qual é a concepção de loucura apresentada na canção?

      De acordo com a canção, a maior loucura seria “não ser feliz” e a loucura seria um ato de fuga com a finalidade de chegar a felicidade.

04 – Qual é a crítica presente na letra da canção?

      Crítica os padrões ditos normais.

05 – Você concorda com o trecho da canção: “Eu juro que é melhor não ser o normal”? De acordo com a canção, o que seria ser normal?

      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: O normal é você não ousar ser diferente do padrão social estabelecido, querer a aprovação dos outros.

06 – Explique os seguintes versos da canção: “Sim sou muito louco, não vou me curar / Já não sou o único que encontrou a paz”.

      Nestes versos o eu lírico afirma ser a loucura uma forma de atingir a felicidade, de ter poder.

07 – De acordo com a canção, o que é ser louco? Você conhece alguém que seja / pensa assim?

      A canção mostra a loucura de acordo com o “eu lírico” de um louco, ou seja, a questão “ser louco” é definida pelo discurso de um louco. Resposta pessoal do aluno.

08 – Você considera que os loucos sejam felizes, como diz a canção? Justifique.

      Resposta pessoal do aluno.

09 – A “Balada do Louco” nos revela que questões?

      A questão da discriminação, sobretudo com deficientes mentais.

10 – Ela nos faz refletir sobre o quê?

      Que precisamos evoluir no quesito respeito às diferenças, principalmente pessoas preconceituosas que definem padrões e condenam as diferenças que expõem pessoas fora dos limites desses padrões.

11 – Por que o eu lírico afirma que é feliz?

      De acordo com a música, a maior loucura seria “não ser feliz” e a loucura seria um ato de fuga com a finalidade de chegar à felicidade.

12 – O eu lírico se considera “louco”? Justifique sua resposta com versos da canção.

      Sim. “Sim sou muito louco, não vou me curar”.

13 – Na sua opinião, o que é pensar como louco?

      Resposta pessoal do aluno.

14 – Uma pessoa pode considerar-se louco e feliz ao mesmo tempo? Justifique sua resposta.

      Sim. Num mundo onde existe tanta diversidade, de raça, religião, cultura, nível social, econômico, é um crime rotular como “diferentes” pessoas que apresentam alguma deficiência ou necessidade de cuidados especiais como infelizes.

 

 

 


FILME(ATIVIDADES): FRIDA - JULIE TAYMOR - SINOPSE E QUESTÕES GABARITADAS

Filme(ATIVIDADES): FRIDA

Data de lançamento 4 de abril de 2003 (2h 00min)
Direção: Julie Taymor
Gêneros BiografiaDrama
Nacionalidades EUACanadáMéxico

SINOPSE E DETALHES
        Frida Kahlo (Salma Hayek) foi um dos principais nomes da história artística do México. Conceituada e aclamada como pintora, ele teve um agitado casamento aberto com Diego Rivera (Alfred Molina), seu companheiro também nas artes, e ainda um controverso caso com o político Leon Trostky (Geoffrey Rush), além de várias outras mulheres.

Entendendo o filme:

01 – A autora desse comentário sobre o filme Frida mostra-se impressionada com o fato de a pintora:
a)   Ter uma aparência exótica.
b)   Vender bem a sua imagem.
c)   Ter grande poder de sedução.
d)   Assumir sua beleza singular.
e)   Recriar-se por meio da pintura.

02 – Quem é Frida Kahlo?
      Uma pintora mexicana de renome na história da arte.

03 – O filme perpassa a vida de Kahlo desde quando?
      Desde a sua adolescência até o ano de sua morte.

04 – Podemos ver no filme que cenas importantíssimas da vida de Frida?
      O momento em que ela foi acometida pelo trágico acidente; seu relacionamento com o pintor mexicano Diego Rivera; suas viagens pelo mundo; seu amor natural pelos animais; seus momentos boêmios; suas opções políticas; quando ela hospedou Trotsky em sua casa; e diversos outros instantes.

05 – Cite três momentos que você considera mais importante no filme?
      Primeiro: O acidente de ônibus sofrido pela pintora, no início de sua juventude;
      Segundo: Ela sofrendo um aborto espontâneo e pintando esse momento;
      Terceiro: O fim de seu casamento, em que ela corta os cabelos e aparece na tela com uma tesoura nas mãos vestida de homem.

06 – Os alunos com um dos artístico podem criar cartazes que se aproximam da abordagem autobiográfico de Kahlo.
      Resposta pessoal do aluno.


TEXTO: AVE MENSAGEIRA - MARINA MOTOMURA - COM INTERPRETAÇÃO/GABARITO


Texto: Ave Mensageira
          Por que a pomba branca é o símbolo da paz?
      
                                                 Marina Motomura


        A alegoria da pomba branca como mensageira da paz está em passagens da Bíblia. Um desses episódios é narrado no capítulo 8 do Gênesis, primeiro livro do Velho Testamento. Noé, que esperava na arca o fim do dilúvio, mandou um animal mensageiro para ver se as águas haviam baixado.
        O primeiro escolhido foi o corvo, que ficou voando para lá e para cá – e perdeu a oportunidade de ganhar a simpatia da humanidade. Então Noé enviou uma pomba. Na primeira viagem, ela não encontrou nenhum lugar para pousar. Sete dias depois, foi novamente solta e retornou com um ramo de oliveira no bico. Isso, de acordo com a narrativa bíblica, simbolizava a paz entre Deus e os homens. "Além disso, o ramo de oliveira significava também garantia de alimento, de remédio e da bênção divina", diz o teólogo Tércio Machado Siqueira, da Universidade Metodista de São Paulo. Há também citações à pomba nos Evangelhos. Assim que Jesus foi batizado, o espírito de Deus desceu sobre ele em forma de uma pomba. Desde então, a pomba é associada ao Espírito Santo. Apesar de não haver menção da cor dessas pombas na Bíblia, os costumes da época explicam porque, nas representações, elas sempre são brancas.
        "A pomba era muito usada por judeus pobres em sacrifícios. O animal não poderia ser pintado ou doente, deveria ser branco", afirma Siqueira.


Entendendo o texto:
01 – Segundo o texto, por que a pomba foi o animal escolhido para representar a paz?
      Porque quando Noé a enviou lá fora para ver se as águas haviam baixado, ela retornou com um ramo de oliveira no bico, e de acordo com a narrativa Bíblica, simbolizava a paz entre Deus e os homens.

02 – E por que essa pomba geralmente é branca?
      Segundo a Bíblia, assim que Jesus foi batizado, o espírito de Deus desceu sobre ele em forma de uma pomba, apesar de não haver menção da cor, nas representações, elas são brancas.

03 – Analisando o texto, por que a pomba da paz está no divã?
      Porque o mundo está em guerra sem saber a causa, há um massacre entre gente que não se conhece, para proveito de pessoas que se conhecem, mas que não se massacram.

04 – Analise a expressão fisionômica da pomba da paz. Qual o sentimento transmitido pela expressão dela? Justifique.
      Ela simboliza pureza, simplicidade, harmonia, esperança e felicidade reencontrada.
      Representa, portanto, aquilo que o homem possui de imperecível e impalpável, um princípio vital, a alma, a essência do amor. É o símbolo do amor.

CONTO: MISSA DO GALO - MACHADO DE ASSIS - COM INTERPRETAÇÃO/GABARITO

Conto: MISSA DO GALO
         Machado de Assis


        NUNCA PUDE entender a conversação que tive com uma senhora, há muitos anos, contava eu dezessete, ela trinta. Era noite de Natal. Havendo ajustado com um vizinho irmos à missa do galo, preferi não dormir; combinei que eu iria acordá-lo à meia-noite. A casa em que eu estava hospedado era a do escrivão M da comborça; mas afinal, resignara-se, acostumara-se, e acabou achando que era muito direito.
        Boa Conceição! Chamavam-lhe "a santa", e fazia jus ao título, tão facilmente suportava os esquecimentos do marido. Em verdade, era um temperamento moderado, sem extremos, nem grandes lágrimas, nem grandes risos. No capítulo de que trato, dava para maometana; aceitaria um harém, com as aparências salvas. Deus me perdoe, se a julgo mal. Tudo nela era atenuado e passivo. O próprio rosto era mediano, nem bonito nem feio. Era o que chamamos uma pessoa simpática. Não dizia mal de ninguém, perdoava tudo. Não sabia odiar; pode ser até que não soubesse amar.
        Naquela noite de Natal foi o escrivão ao teatro. Era pelos anos de 1861 ou 1862. Eu já devia estar em Mangaratiba, em férias; mas fiquei até o Natal para ver "a missa do galo na Corte". A família recolheu-se à hora do costume; eu meti-me na sala da frente, vestido e pronto. Dali passaria ao corredor da entrada e sairia sem acordar ninguém. Tinha três chaves a porta; uma estava com o escrivão, eu levaria outra, a terceira ficava em casa.
        — Mas, Sr. Nogueira, que fará você todo esse tempo? perguntou-me a mãe de Conceição.
        — Leio, D. Inácia.
        Tinha comigo um romance, Os Três Mosqueteiros, velha tradução creio do Jornal do Comércio. Sentei-me à mesa que havia no centro da sala, e à luz de um candeeiro de querosene, enquanto a casa dormia, trepei ainda uma vez ao cavalo magro de D'Artagnan e fui-me às aventuras. Dentro em pouco estava completamente ébrio de Dumas. Os minutos voavam, ao contrário do que costumam fazer, quando são de espera; ouvi bater onze horas, mas quase sem dar por elas, um acaso. Entretanto, um pequeno rumor que ouvi dentro veio acordar-me da leitura. Eram uns passos no corredor que ia da sala de visitas à de jantar; levantei a cabeça; logo depois vi assomar à porta da sala o vulto de Conceição.
        — Ainda não foi? perguntou ela.
        — Não fui, parece que ainda não é meia-noite.
        — Que paciência!
        Conceição entrou na sala, arrastando as chinelinhas da alcova. Vestia um roupão branco, mal apanhado na cintura. Sendo magra, tinha um ar de visão romântica, não disparatada com o meu livro de aventuras. Fechei o livro, ela foi sentar-se na cadeira que ficava defronte de mim, perto do canapé. Como eu lhe perguntasse se a havia acordado, sem querer, fazendo barulho, respondeu com presteza:
        — Não! qual! Acordei por acordar.
        Fitei-a um pouco e duvidei da afirmativa. Os olhos não eram de pessoa que acabasse de dormir; pareciam não ter ainda pegado no sono. Essa observação, porém, que valeria alguma cousa em outro espírito, depressa a botei fora, sem advertir que talvez não dormisse justamente por minha causa, e mentisse para me não afligir ou aborrecer Já disse que ela era boa, muito boa.
        — Mas a hora já há de estar próxima, disse eu.
        — Que paciência a sua de esperar acordado, enquanto o vizinho dorme! E esperar sozinho!
        Não tem medo de almas do outro mundo? Eu cuidei que se assustasse quando me viu.
        — Quando ouvi os passos estranhei: mas a senhora apareceu logo.
        — Que é que estava lendo? Não diga, já sei, é o romance dos Mosqueteiros.
        — Justamente: é muito bonito.
        — Gosta de romances?
        — Gosto.
        — Já leu a Moreninha?
        — Do Dr. Macedo? Tenho lá em Mangaratiba.
        — Eu gosto muito de romances, mas leio pouco, por falta de tempo. Que romances é que você tem lido?
        Comecei a dizer-lhe os nomes de alguns. Conceição ouvia-me com a cabeça reclinada no espaldar, enfiando os olhos por entre as pálpebras meio-cerradas, sem os tirar de mim. De vez em quando passava a língua pelos beiços, para umedecê-los. Quando acabei de falar, não me disse nada; ficamos assim alguns segundos. Em seguida, vi-a endireitar a cabeça, cruzar os dedos e sobre eles pousar o queixo, tendo os cotovelos nos braços da cadeira, tudo sem desviar de mim os grandes olhos espertos.
        "Talvez esteja aborrecida", pensei eu.
        E logo alto:
        — D. Conceição, creio que vão sendo horas, e eu...
        — Não, não, ainda é cedo. Vi agora mesmo o relógio, são onze e meia. Tem tempo. Você, perdendo a noite, é capaz de não dormir de dia?
        — Já tenho feito isso.
        — Eu, não, perdendo uma noite, no outro dia estou que não posso, e, meia hora que seja, hei de passar pelo sono. Mas também estou ficando velha.
        — Que velha o que, D. Conceição?
        Tal foi o calor da minha palavra que a fez sorrir. De costume tinha os gestos demorados e as atitudes tranquilas; agora, porém, ergueu-se rapidamente, passou para o outro lado da sala e deu alguns passos, entre a janela da rua e a porta do gabinete do marido. Assim, com o desalinho honesto que trazia, dava-me uma impressão singular. Magra embora, tinha não sei que balanço no andar, como quem lhe custa levar o corpo; essa feição nunca me pareceu tão distinta como naquela noite. Parava algumas vezes, examinando um trecho de cortina ou concertando a posição de algum objeto no aparador; afinal deteve-se, ante mim, com a mesa de permeio. Estreito era o círculo das suas ideias; tornou ao espanto de me ver esperar acordado; eu repeti-lhe o que ela sabia, isto é, que nunca ouvira missa do galo na Corte, e não queria perdê-la.
        — É a mesma missa da roça; todas as missas se parecem.
        — Acredito; mas aqui há de haver mais luxo e mais gente também. Olhe, a semana santa na Corte é mais bonita que na roça. S. João não digo, nem Santo Antônio...
        Pouco a pouco, tinha-se reclinado; fincara os cotovelos no mármore da mesa e metera o rosto entre as mãos espalmadas. Não estando abotoadas as mangas, caíram naturalmente, e eu vi-lhe metade dos braços, muito claros, e menos magros do que se poderiam supor. A vista não era nova para mim, posto também não fosse comum; naquele momento, porém, a impressão que tive foi grande. As veias eram tão azuis, que apesar da pouca claridade, podia, contá-las do meu lugar. A presença de Conceição espertara-me ainda mais que o livro. Continuei a dizer o que pensava das festas da roça e da cidade, e de outras cousas que me iam vindo à boca. Falava emendando os assuntos, sem saber por que, variando deles ou tornando aos primeiros, e rindo para fazê-la sorrir e ver-lhe os dentes que luziam de brancos, todos iguaizinhos. Os olhos dela não eram bem negros, mas escuros; o nariz, seco e longo, um tantinho curvo, dava-lhe ao rosto um ar interrogativo. Quando eu alteava um pouco a voz, ela reprimia-me:
        — Mais baixo! mamãe pode acordar.
        E não saía daquela posição, que me enchia de gosto, tão perto ficavam as nossas caras. Realmente, não era preciso falar alto para ser ouvido: cochichávamos os dois, eu mais que ela, porque falava mais; ela, às vezes, ficava séria, muito séria, com a testa um pouco franzida. Afinal, cansou, trocou de atitude e de lugar. Deu volta à mesa e veio sentar-se do meu lado, no canapé. Voltei-me e pude ver, a furto, o bico das chinelas; mas foi só o tempo que ela gastou em sentar-se, o roupão era comprido e cobriu-as logo. Recordo-me que eram pretas. Conceição disse baixinho:
        — Mamãe está longe, mas tem o sono muito leve, se acordasse agora, coitada, tão cedo não pegava no sono.
        — Eu também sou assim.
        — O quê? perguntou ela inclinando o corpo, para ouvir melhor.
        Fui sentar-me na cadeira que ficava ao lado do canapé e repeti-lhe a palavra. Riu-se da coincidência; também ela tinha o sono leve; éramos três sonos leves.
        — Há ocasiões em que sou como mamãe, acordando, custa-me dormir outra vez, rolo na cama, à toa, levanto-me, acendo vela, passeio, torno a deitar-me e nada.
        — Foi o que lhe aconteceu hoje.
        — Não, não, atalhou ela.
        Não entendi a negativa; ela pode ser que também não a entendesse Pegou das pontas do cinto e bateu com elas sobre os joelhos, isto é, o joelho direito, porque acabava de cruzar as pernas. Depois referiu uma história de sonhos, e afirmou-me que só tivera um pesadelo, em criança. Quis saber se eu os tinha. A conversa reatou-se assim lentamente, longamente, sem que eu desse pela hora nem pela missa Quando eu acabava uma narração ou uma explicação, ela inventava outra pergunta ou outra matéria e eu pegava novamente na palavra. De quando em quando, reprimia-me:
        — Mais baixo, mais baixo. . .
        Havia também umas pausas. Duas outras vezes, pareceu-me que a via dormir; mas os olhos, cerrados por um instante, abriam-se logo sem sono nem fadiga, como se ela os houvesse fechado para ver melhor. Uma dessas vezes creio que deu por mim embebido na sua pessoa, e lembra-me que os tornou a fechar, não sei se apressada ou vagarosamente. Há impressões dessa noite, que me aparecem truncadas ou confusas. Contradigo-me, atrapalho-me. Uma das que ainda tenho frescas é que em certa ocasião, ela, que era apenas simpática, ficou linda, ficou lindíssima. Estava de pé, os braços cruzados; eu, em respeito a ela, quis levantar-me; não consentiu, pôs uma das mãos no meu ombro, e obrigou-me a estar sentado. Cuidei que ia dizer alguma cousa; mas estremeceu, como se tivesse um arrepio de frio voltou as costas e foi sentar-se na cadeira, onde me achara lendo. Dali relanceou a vista pelo espelho, que ficava por cima do canapé, falou de duas gravuras que pendiam da parede.
        — Estes quadros estão ficando velhos. Já pedi a Chiquinho para comprar outros. Chiquinho era o marido. Os quadros falavam do principal negócio deste homem. Um representava "Cleópatra"; não me recordo o assunto do outro, mas eram mulheres. Vulgares ambos; naquele tempo não me pareciam feios.
        — São bonitos, disse eu.
        — Bonitos são; mas estão manchados. E depois francamente, eu preferia duas imagens, duas santas. Estas são mais próprias para sala de rapaz ou de barbeiro.
        — De barbeiro? A senhora nunca foi a casa de barbeiro.
        — Mas imagino que os fregueses, enquanto esperam, falam de moças e namoros, e naturalmente o dono da casa alegra a vista deles com figuras bonitas. Em casa de família é que não acho próprio. É o que eu penso, mas eu penso muita cousa assim esquisita. Seja o que for, não gosto dos quadros. Eu tenho uma Nossa Senhora da Conceição, minha madrinha, muito bonita; mas é de escultura, não se pode pôr na parede, nem eu quero. Está no meu oratório.
        A ideia do oratório trouxe-me a da missa, lembrou-me que podia ser tarde e quis dizê-lo. Penso que cheguei a abrir a boca, mas logo a fechei para ouvir o que ela contava, com doçura, com graça, com tal moleza que trazia preguiça à minha alma e fazia esquecer a missa e a igreja. Falava das suas devoções de menina e moça. Em seguida referia umas anedotas de baile, uns casos de passeio, reminiscências de Paquetá, tudo de mistura, quase sem interrupção. Quando cansou do passado, falou do presente, dos negócios da casa, das canseiras de família, que lhe diziam ser muitas, antes de casar, mas não eram nada. Não me contou, mas eu sabia que casara aos vinte e sete anos. Já agora não trocava de lugar, como a princípio, e quase não saíra da mesma atitude. Não tinha os grandes olhos compridos, e entrou a olhar à toa para as paredes.
        — Precisamos mudar o papel da sala, disse daí a pouco, como se falasse consigo.
        Concordei, para dizer alguma cousa, para sair da espécie de sono magnético, ou o que quer que era que me tolhia a língua e os sentidos. Queria e não queria acabar a conversação; fazia esforço para arredar os olhos dela, e arredava-os por um sentimento de respeito; mas a ideia de parecer que era aborrecimento, quando não era, levava-me os olhos outra vez para Conceição. A conversa ia morrendo. Na rua, o silêncio era completo.
        Chegamos a ficar por algum tempo, — não posso dizer quanto, — inteiramente calados. O rumor único e escasso, era um roer de camundongo no gabinete, que me acordou daquela espécie de sonolência; quis falar dele, mas não achei modo. Conceição parecia estar devaneando. Subitamente, ouvi uma pancada na janela, do lado de fora, e uma voz que bradava: "Missa do galo! missa do galo!"
        — Aí está o companheiro, disse ela levantando-se. Tem graça; você é que ficou de ir acordá-lo, ele é que vem acordar você. Vá, que hão de ser horas; adeus.
        — Já serão horas? perguntei.
        — Naturalmente.
        — Missa do galo! — repetiram de fora, batendo.
        — Vá, vá, não se faça esperar. A culpa foi minha. Adeus até amanhã.
        E com o mesmo balanço do corpo, Conceição enfiou pelo corredor dentro, pisando mansinho. Saí à rua e achei o vizinho que esperava. Guiamos dali para a igreja. Durante a missa, a figura de Conceição interpôs-se mais de uma vez, entre mim e o padre; fique isto à conta dos meus dezessete anos. Na manhã seguinte, ao almoço falei da missa do galo e da gente que estava na igreja sem excitar a curiosidade de Conceição. Durante o dia, achei-a como sempre, natural, benigna, sem nada que fizesse lembrar a conversação da véspera. Pelo Ano-Bom fui para Mangaratiba. Quando tornei ao Rio de Janeiro em março, o escrivão tinha morrido de apoplexia. Conceição morava no Engenho Novo, mas nem a visitei nem a encontrei. Ouvi mais tarde que casara com o escrevente juramentado do marido.
                                                                            Machado de Assis.
Texto proveniente de: A Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro.

Entendendo o conto:
01 – A narrativa mostra a realidade social. Que realidade é esta?
      A realidade das relações de aparências, apresentar o casamento de fachada sem amor, aquele que é aprovado pela sociedade.

02 – Enfim, nada é revelado, os vazios vão se formando e mais uma vez o leitor participa. Isso é uma narrativa aberta. Explique.
      A narrativa é aberta porque o autor deixa a critério do leitor fazer suas próprias conclusões sobre o destino dos personagens envolvidos.

03 – O conto como podemos observar, se desenrola no nível do suspense. Há em primeiro momento, um adultério consentido. O escrivão Menezes sai de casa para ter um caso? Explique.
      Sim, o escrivão tem um caso extra conjugal, por isso, dorme fora de casa uma vez por semana dizendo que vai ao teatro.

04 – Sabe-se que na época em que Machado de Assis escreveu o conto A Missa do Galo, questões como adultério, ainda mereciam reflexões. Comente.
      O adultério sempre existiu e naquela época, casos de adultério por parte do homem era tolerado, já o da mulher era duramente reprimido pela sociedade.

05 – Considere as afirmações abaixo sobre o conto “A Missa do Galo”, de Machado de Assis.

I - Machado de Assis vale-se de um recurso muito presente na sua ficção, ou seja, a utilização de diversos pontos de vista e avaliações, deixando ao leitor o trabalho de interpretá-los.
II - A ambiguidade do discurso narrativo pode ser relacionada à imbricação de dois pontos de vista: o do adolescente Nogueira e do Nogueira maduro que avalia o passado.
III - Para o adolescente Nogueira, são transparentes os gestos e as palavras de Conceição, mas, por questões éticas, finge não os compreender.
Quais são corretas?
a) Apenas I.
b) Apenas III.
c) Apenas I e II.
d) Apenas I e III.
e) I, II e III.

06 – Nos contos de Missa do galo: variações sobre o mesmo tema, a imagem de Conceição como mulher submissa, fria e ‘santa’ só NÃO é revertida quando a narrativa se faz sob a perspectiva de:
a) Meneses
b) Conceição
c) Nogueira
d) D. Inácia

07 – Alguns dos contos de Missa do galo: variações sobre o mesmo tema possuem epígrafes, que, retiradas em Machado de Assis, estabelecem com o texto epigrafado diferentes relações.
        A opção em que se indica uma relação INADEQUADA entre a abordagem do conto e sua epígrafe é:
a)   Na versão de Autran Dourado, a epígrafe “Nunca pude entender a conversação que tive com uma senhora, há muitos anos.” sugere a perplexidade e o desapontamento de Távora quando, numa conversa, lhe é revelado por Conceição o jogo de sedução que se estabelecera entre ela e Nogueira na noite da missa do galo.

b)   Na versão de Osman Lins, a epígrafe “Nunca pude entender a conversação que tive com uma senhora, há muitos anos, contava eu dezessete, ela trinta” faz referência às dúvidas e ambiguidades que permeiam a aproximação, relembrada pelo narrador, entre ele e Conceição naquela noite de missa do galo.
c)   Na versão de Nélida Piñon, a epígrafe “Fartou-se de antemão do banquete da vida” remete à forma como Nogueira, ainda jovem, se aproveita sexualmente da aproximação com Conceição.
d)   Na versão de Julieta de Godoy Ladeira, a epígrafe “Boa Conceição! Chamavam-lhe ‘a santa’ e fazia jus ao título, tão facilmente suportava os esquecimentos do marido” refere-se ironicamente à imagem de Conceição, que aí revela seu lado de mulher sedutora, desejável e desejante.

08 – Sobre os contos reunidos em "Missa do galo: variações sobre o mesmo tema", é INCORRETO afirmar que:
a) na versão que toma Menezes como narrador, o episódio da aproximação entre Nogueira e Conceição, central no original machadiano, é apenas sugerido.
b) em algumas versões, adota-se o narrador de terceira pessoa, embora privilegiando-se o ponto de vista específico de um ou mais personagens.
c) a personagem de D. Inácia aparece, nos contos reescritos, ora como mãe de Menezes, ora como mãe de Conceição.
d) uma das versões concentra-se em fatos posteriores ao episódio da missa do galo, revelando o envolvimento entre o jovem Nogueira e Conceição após a morte de Meneses.



CONTO: O QUE SÃO DINOSSAUROS? COM INTERPRETAÇÃO/GABARITO

Conto: O que são dinossauros?

Muito tempo antes de o homem aparecer na terra, quem reinava no planeta eram os dinossauros.
               Esses grandes répteis, que viveram há 220 milhões de anos, tinham pele rígida e escamosa, garras poderosas e colocavam ovos para se reproduzir.
        Alguns cientistas acreditam que eles possuíam sangue quente. Ou seja, não dependiam do meio ambiente e do clima para ficarem aquecidos.
        Os dinossauros caminhavam com as patas embaixo do corpo, como mamíferos, sobre duas ou quatro patas. Alguns eram bem lentos, mas outros corriam bem rápido.
        Também se alimentavam de modo diferente: uns gostavam de plantas (os herbívoros), outros preferiam carne (os carnívoros) e um terceiro grupo, tanto de plantas quanto de carne (os onívoros).


                               Tudo sobre... dinossauros. São Paulo, dcl, 2006.


Entendendo o conto:

01 – Responda:

a) Que tipo de animal eram os dinossauros?
( ) mamíferos        ( ) anfíbios          (X) répteis.

b) Como eram os dinossauros?
     Tinham pele rígida e escamosa, garras poderosas e colocavam ovos para se reproduzir.

c) O que significa possuir “sangue quente”?
      Não dependiam do meio ambiente e do clima para ficarem aquecidos.

02 – Como se chamam os animais que se alimentam de:
·        Plantas: Os herbívoros.
·        Carne: Os carnívoros.
·        Plantas e carne: Os onívoros.

03 – Quantos parágrafos tem esse texto?
      Possui 05 parágrafos.

04 – Copie do texto a parte que informa o modo como os dinossauros caminhavam:
      Os dinossauros caminhavam com as patas embaixo do corpo, como mamíferos, sobre duas ou quatro patas. Alguns eram bem lentos, mas outros corriam bem rápido.