Crônica: Absurdos Natalinos
Walcyr Carrasco
MINHA
MÃE SEMPRE DIZIA, antes do Natal, aniversário ou Dia das Mães:
—
Este ano quero presente para mim, não para a casa! O Natal era a época
escolhida para a troca de geladeira. Comprar um aspirador de pó. Talheres,
pratos. Quando a tralha chegava, papai sorria:
— É para você!
Muitas
vezes surpreendi em minha mãe um olhar assassino. Para ela como, se todo mundo
ia desfrutar a água gelada? O sorvete? Servia, sim, para atrapalhar a vida da
velha.
—
Mãe, faz musse de maracujá?
—
Como? Você esqueceu de pôr o guaraná na geladeira?
-—
Cadê o gelo? Ninguém pôs água nas forminhas? É o fim! Ela sonhava com uma
viagem. Roupa nova. Algo que fosse só dela. Ano após ano, alguém aparecia com
um pacotinho.
—
Não sabia o que dar. E vinha um jogo de copos. Xícaras. Bules. Luvas térmicas.
Malintencionado, certa vez ofereci um livro de receitas.
— É
para você cozinhar melhor. Ela sorria. Aposto que teve vontade de atirar o Dona
Benta na minha cabeça. Mas o que pode fazer alguém senão sorrir diante de um
presente errado? Natal é uma época excelente para exercitar a hipocrisia. Certa
vez, em um Amigo secreto, recebi duas toalhinhas rendadas.
—
Não tive tempo de comprar coisa melhor. Sorri, como se estivesse diante do
enxoval de Cleópatra. Também é um susto ganhar enfeites.
—
Adooorei estes cavalinhos de barro. Trouxe dois para você. Sorri. Onde botar as
duas maravilhas? No nariz de quem trouxe? E quando o amigo é artista?!
—
Olha! Pintei em sua homenagem! Desembrulha a tela. No centro, um sujeito
gordinho, terno verde, com a cara semelhante a uma beterraba de óculos. Sorri
cautelosamente.
—
Quem é? O artista assumiu um ar de desapontamento.
—
Você!
—
Eu? Sorri, mas agora de susto! Era um bom momento para cortar relações. Mas
Natal não é época de fraternidade? Disfarcei a gafe. — Sim... agora estou
vendo... é a minha cara! Só não reconheci no primeiro olhar porque nunca boto
roupa verde.
—
Não? Ah... mas eu já vi você de verde, sim!
Será
que ele me confundiu com o Louro José? Suspiro.
—
Sim... pode ser... uma vez. Eu... eu vou dependurar.
—
Deixa que eu ajudo. Nada mais trágico do que acordar meses e meses encarando
minha versão artística! Quase perdi a compostura quando, em uma ceia, uma
conhecida chegou com um pacote gigantesco. Até estranhei, porque a dita-cuja
era conhecida como unha-de-fome. Abri e me deparei com um ursinho de pelúcia
cor-de-rosa! Ela se assustou quando encontrei um envelopinho com um cartão e
abri. Li uma mensagem delicada: "A você, querida, para fazer companhia nas
suas noites sem sono". Assinado por... um homem! : Ela ficou completamente
sem jeito. Era óbvio. Havia recebido o presente de alguém e, sem abrir, me
entregou. Só não imaginou que poderia haver um cartão dentro, e não fora, como
é hábito. Diante do meu espanto, riu:
—
Ih, acho que dei um fora! Deixa eu ver o cartãozinho!
—
Ah, mas você até acertou! Que incrível ganhar um ursinho de pelúcia
cor-de-rosa! Incrível! Dessa vez não ri.
Gargalhei. Quase cantamos Jingle Bells em dueto. Era isso ou atirar a árvore de
Natal em cima da malandra. Ela confessou:
—
Nunca compro nada. Passo para a frente os presentes que me dão! Presente virou
obrigação. Por isso, sempre acontece algum absurdo. Afinal, nem todo mundo
compartilha do tal espírito natalino! Posso odiar o que ganhei. Mesmo assim,
acho melhor sorrir. Ao menos, fico com a alma mais leve!
Entendendo
o texto
01. Por que a mãe do narrador
costumava pedir presentes para ela mesma antes do Natal, aniversário ou Dia das
Mães?
A) Porque ela gostava de ser egoísta.
B) Para garantir que os presentes não
fossem para a casa.
C) Porque ela não gostava de presentes.
D) Para surpreender o marido.
02.
Qual era a reação da mãe do narrador quando recebia presentes para a casa, como
geladeiras, aspiradores de pó, talheres, entre outros?
A) Ficava muito feliz e agradecida.
B) Ficava indiferente.
C) Mostrava um olhar assassino.
D) Sorria e agradecia.
03.
O que o narrador presenteou sua mãe de forma malintencionada?
A) Um livro de receitas.
B) Uma viagem.
C) Uma roupa nova.
D) Um jogo de copos.
04. O que aconteceu durante um
Amigo Secreto em que o narrador recebeu duas toalhinhas rendadas?
A) Reclamou e pediu outro presente.
B) Sorriu e agradeceu sinceramente.
C) Disse que não tinha tempo de comprar
coisa melhor.
D) Ficou triste e não disfarçou a
insatisfação.
05. Qual foi o presente
inusitado que o narrador ganhou em uma ceia e como reagiu a isso?
A) Um ursinho de pelúcia cor-de-rosa;
gargalhou.
B) Um livro de receitas; agradeceu
sinceramente.
C) Um sujeito gordinho pintado em uma tela;
ficou ofendido.
D) Duas toalhinhas rendadas; disse que era o
enxoval de Cleópatra.
06. O que a conhecida do
narrador confessou sobre os presentes que recebe e como lida com eles?
A) Ela sempre compra algo para si mesma.
B) Ela passa os presentes para frente.
C) Ela
odeia todos os presentes que recebe.
D) Ela guarda todos os presentes com carinho.
07. Por que o narrador afirma que o Natal é uma época excelente para
exercitar a hipocrisia?
A) Porque as pessoas realmente gostam dos
presentes que recebem.
B) Porque as pessoas são sempre sinceras
durante o Natal.
C) Porque as
pessoas precisam disfarçar suas reações aos presentes.
D) Porque o Natal não tem nada a ver com
hipocrisia.
08. O que a mãe do narrador sonhava ganhar como presente de Natal?
A) Livros.
B)
Viagem.
C) Roupas novas.
D) Utensílios de cozinha.
09. O narrador descreve uma vez
em que se surpreendeu ao abrir um presente. O que ele encontrou dentro do
pacote?
A) Um
livro de receitas.
B) Uma viagem.
C) Um ursinho de pelúcia cor-de-rosa.
D) Uma tela pintada.
10.
Qual é a conclusão do narrador sobre presentes de Natal, mesmo que não goste do
que recebe?
A) Sempre expressa sua insatisfação.
B) Sorri para manter a paz.
C) Recusa todos os presentes.
D) Ignora os presentes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário