sábado, 25 de abril de 2020

TEXTO: NÃO COMPLIQUEM O NOSSO IDIOMA - DAD SQUARISI - COM GABARITO

Texto: NÃO COMPLIQUEM O NOSSO IDIOMA
         
    Dad Squarisi

     Na bolsa, só cheque e cartão de crédito. Cadê dinheiro para pagar o estacionamento? Recorri ao personal banking. No drive thru, a primeira máquina estava out of order. Fui à segunda. Nada feito: sistema off line. Liguei para o hot line. Expliquei meu aperto à operadora. "Vamos estar providenciando o conserto do caixa. A senhora pode acessar sua conta em outro terminal. O mais próximo fica no shopping." Fui lá. O sistema estava on line. Embolsei R$ 100 cash.
        O inglês invadiu as instituições bancárias. Antes, timidamente. Restringia-se ao traveller’s check, ao Credicard e a aplicações inacessíveis aos comuns dos mortais. Depois, ficou atrevido. Foi deixando o português para trás. Para chegar lá, trilhou dois caminhos. Um cuidadosamente traçado pelo marketing. Os bancos passaram a oferecer produtos na linguagem do cliente. Ou melhor: na linguagem que impressiona o cliente. Embalar o serviço na língua do Tio Sam valoriza a oferta. Dá-lhe status. Telemarketing, personal manager, phone banking & cia. são filhotes dessa estratégia. 
        Deu a mão? A gringa avançou pro braço. Sem convite, foi além das meras palavras. Chegou à estrutura da língua. Fincou pé nos verbos. Exemplos não faltam. Um deles: substituir o futuro "providenciarei" pelo "vamos estar providenciando". Outro: trocar o pretérito "foi desligado" pelo "tem sido desligado". 
        De onde vêm os monstrengos? Das traduções malfeitas. O inglês tem muitas formas verbais compostas. É o caso do "I’ll be sending". Três verbos para dizer nosso simples "enviarei", traduzido por "vou estar enviando". Há também o past perfect. "The telephone has been desconected" quer dizer, simplesmente, "o telefone foi desligado". Não tem nada a ver com "tem sido desligado", que indica uma ação que começou no passado e continua no presente. Com o avanço da informática e do marketing a coisa piorou. A literatura dessas novidades é praticamente em língua inglesa. Nós consumimos as traduções. 
        Invasão de língua estrangeira tem várias razões. Uma é o prestígio. O inglês avançou nas nossas fronteiras porque é falado pela maior potência do planeta, que vende como ninguém sua música, seu cinema, sua televisão, sua literatura, sua tecnologia e o american way of life. Outra é a receptividade. Nós, já dizia Glauber Rocha, temos complexo de vira-lata. O que vem de fora é melhor. 
        O inglês deita e rola. O disque virou disk. Do disk-pizza. ao disk-entulho, passando pelo disk-sushi e disk-bombeiro. Liquidação é sale. Moda, fashion. Camiseta, t-shirts. Relatório, paper. Acampar, camping. Revisão médica, check-up. Por que os bancos ficariam pra trás? Fundo se naturalizou fund. Taxa de risco, spread. Loan, empréstimo.
        O inglês na vida tupiniquim não é novidade. Vem de longe. Mas se firmou graças a Hollywood, à Segunda Guerra Mundial e ao avanço tecnológico. Ava Garner, Greta Garbo, Clark Gable, Rodolfo Valentino, James Dean, Elvis Presley e cia. deram asas à imaginação deste país colonizado. Bom ser bonito e famoso como eles. Mascar chicletes, tomar Coca-Cola, fumar Camel e usar óculos Rayban viraram obsessão.
        A guerra trouxe os gringos até aqui. Vivíamos a política da boa vizinhança com os Estados Unidos. Natal, Recife, São Luís, Belém foram invadidas pelo povo do norte em nome da sagrada aliança contra Hitler, Mussolini e todas as forças do mal encarnadas no Eixo.
        Inventaram que aí nasceu a palavra forró. Os gringos promoviam festas para si. Eram privacy. Volta e meia, abriam. Aí era for all, para todos. Nossos caboclos, analfabetos em português e duplamente em inglês, simplificaram a pronúncia. For all virou o nordestíssimo forró. Puro folclore. Forró é redução de forrobodó. Mas a versão tem sido tão insistentemente repetida que virou verdade.
        A familiaridade com o inglês deixou-nos ousados. Hoje aportuguesamos termos que nem sonhavam figurar no Aurélio. Muito menos no Vocabulário Ortográfico. A informática serve de exemplo. Com ela, nossa criatividade alça vôos. E ultrapassa os limites da máquina. Deletar tomou a vez do velho apagar. Printar expulsou o imprimir. Startar cassou o começar.
        É isso. Quem não aderiu se tornou out. Que corra atrás do prejuízo. Peça help. E vire in.
               SQUARISI, Dad. Revista Exame, 18 nov. 1998. p. 170.
Fonte: Linguagem Nova. Faraco & Moura. Editora Ática. 8ª série. p. 136-40.
Entendendo o texto:

01 – O primeiro parágrafo do texto é predominantemente narrativo, dissertativo ou descritivo? justifique sua resposta.
      É predominantemente narrativo, pois a autora relata uma situação em que necessitava de dinheiro e como o conseguiu.

02 – Embora a situação exposta nesse primeiro parágrafo seja comum, cotidiano, é uma situação especial para o assunto que vai ser desenvolvido no texto. Por quê?
      Porque está relacionada aos serviços bancários, onde o inglês predomina. Esse fato permite à autora empregar inúmeros termos nessa língua e mostrar sua influência no português.

03 – “Embalar o serviço na língua do Tio Sam valoriza a oferta.” Tio Sam é referência a que país?
      Aos Estados Unidos.

04 – “Deu a mão? A gringa avançou pro braço.”
a)   Como a autora explica o “avançar para o braço”?
A influência do inglês não ficou só nas palavras; chegou à estrutura da língua.

b)   Que recurso ela usa no texto para provar essa afirmação?
A exemplificação.

05 – Você conhece pessoas que dizem: “vou estar enviando” em vez de “vou enviar” ou qualquer expressão similar? Procure observar, anote alguns exemplos e reescreva-os, empregando a forma verbal mais adequada. Em São Paulo, esse uso é bastante comum.
      Resposta pessoal do aluno.

06 – No quinto parágrafo, uma das razões apontadas para a invasão da língua estrangeira é que o inglês “é falado pela maior potência do planeta”. Relacione essa afirmação com os termos do inglês empregados nos dois primeiros parágrafos.
      Devido ao poder econômico dos Estados Unidos, “maior potência do planeta”; a influência do inglês se faz sentir grandemente na terminologia relativa aos serviços das instituições bancárias, guardiães da moeda.

07 – Na linha 17, que expressão a autora emprega em lugar de etc.? Explique esse emprego.
      A autora usa a expressão “& cia.”, que faz parte da linguagem comercial (= e companhia). Esse emprego reforça, no texto, de modo bem-humorado, a ideia do fator econômico como um determinante da invasão da língua inglesa.

08 – A influência do inglês no Brasil não é recente, tem raízes históricas, segundo a autora. Quais são essas raízes?
      Influência do cinema hollywoodiano, da Segunda Guerra Mundial – que trouxe norte-americanos para cá – e do avanço tecnológico.

09 – Que atitudes trazidas pelo cinema hollywoodiano foram identificadas, na imaginação dos brasileiros, ao american way os life, segundo o texto?
      Mascar chicletes, tomar Coca-Cola, fumar Camel e usar óculos Rayban.

10 – A autora afirma que a origem que se divulga da palavra forró como derivada do inglês é “invenção”, “puro folclore”. Por que, ao expor seus argumentos, ela usou o adjetivo nordeste no superlativo: nordestíssimo?
      Provavelmente, quis acentuar o absurdo de se atribuir uma palavra tão característica da cultura do Nordeste à influência americana.


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