sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

TEXTO: MARCO E OS ÍNDIOS DO ARAGUAIA - ODETTE DE BARROS MOTT - COM GABARITO

Texto: Marco e os índios do Araguaia
       
    Odette de Barros Mott

   Estávamos pousando no campo da aldeia dos Garotires.
    O campo era péssimo, até mamãe se assustou com os solavancos do avião.
    -- Por que você não põe os índios para aplainar o campo? – perguntou mamãe ao titio.
 -- Porque não são meus contratados, respondeu-lhe titio. Estamos aqui como “uma presença de civilização” de cultura branca e não para transformá-los no que desejamos, e julgamos ser melhor. O que é bom para nós, às vezes, é péssimo para eles. Esse foi o grande erro do passado, desculpável dentro da época, mas, atualmente, sem razão de ser. Devemos respeitá-los como portadores de sua própria cultura, não inferior à nossa, mas, simplesmente, diferente. Toda cultura é perfeita, preste atenção, Marco, na medida em que ela satisfaz as necessidades de um povo.
        Tudo isso me parece estanho, preciso dormir no assunto. Pensava de um modo diferente e até mesmo achava “ser bacana” o branco chegar, ensinar o que sabia e conhecia, levando presentes úteis; pratos, talheres, roupas... enfim que os brancos fossem os adultos e os índios, as crianças.
        -- Li há dias a respeito do relacionamento do índio com os brancos; até há pouco não foi feito numa base certa e positiva. Daí as lutas, vinganças e muito sangue, quando há uma aproximação nossa com tribos afastadas.
        No dia seguinte, a conversa foi somente sobre os índios...
        Mamãe perguntou ao titio:
        -- Ney, fiquei pensando por que vocês, vendo os índios lutarem com tantas dificuldades, não querem levar todos os confortos de nossa civilização para coloca-los ao alcance deles: panelas, pratos...
        -- E assim acabar com a vida própria deles? Você não ouviu ontem no avião nossa conversa a respeito? Por que deixariam os Tapirapés, habitantes da Ilha do Bananal, de fabricar cerâmica, belo trabalho de artesanato?
        -- Mas atrasados, disse mamãe; você não pode negar que os nossos pratos são mais bonitos que os deles.
        -- No seu ponto de vista de pintora de porcelana e de cerâmica nas horas vagas. Para um antropólogo, disse titio brincando, até que trabalham bem. Um antropólogo, mana, não trocaria uma tigela desbeiçada dos tapirapés por uma rica peça de Limoges.
        -- Não falo só do ponto de vista estético, mas penso se não seria bom, melhor para eles tão atrasados, a nossa civilização!
        -- Minha cara, o que você entende por civilização? Temos nossa cultura e a cultura é tudo aquilo que recebemos do passado e devemos legar ao futuro. Ora, nossa cultura é nossa cultura, a dos índios é a deles mesmos.
        -- Mas, argumentava mamãe, o processo, ou seja, a marcha da civilização não é irreversível? A civilização caminha para a frente abrindo estradas, aumentando seus meios de comunicações.
        -- Sim, está certo, é mesmo incontrolável, mas quero que você saiba distinguir entre civilização e cultura. Preste atenção, Marco, isso é importante! Temos a comunidade e a cidade. Não são estágios inferiores, são diferentes: a primeira é sempre simples, a segunda complexa. Nunca a cultura de uma comunidade pode ser chamada de atrasada, na medida em que satisfaça todas as necessidades do grupo. Ora, como você mesmo disse, a civilização caminha através de espaços até a lua... e nada mais a detém, gás poderoso que é em sua expansão. Então, como fazer, como proceder, uma vez que a sociedade primitiva também tem seu equilíbrio dinâmico, isso é, seu equilíbrio sempre para a frente?
        Eu não perdia um “til”, nem respirava, prestando atenção, com medo de não entender bem o que falavam.
        -- Vou dar-lhe um exemplo fácil de se entender. O contato entre índios e brancos, aqui no Brasil, tem sido feito na base de interesse econômico. As frentes pioneiras até agora não passaram de grupos de sertanejos, de estrangeiros, de classes dominadoras, que vieram com o fito de escravizar os índios nos seringais, no plantio de cacau.
        -- E, intrometeu-se papai, que voltava das consultas e lavava as mãos para o almoço... os efeitos surgidos pela relação entre os índios e brancos não são bons, para eles, têm consequências muito acentuadas. Os índios veem nos brancos seres privilegiados, que possuem mais conforto e bem-estar. Há uma grande competição e eles sentem-se vencidos. Sabem o que primeiro eles adotam? O fósforo, para não mais produzirem fogo com os métodos da raça. E, depois, quando falta fósforo?
        -- Não sabem e nem podem fabricá-lo e não querem mais o atrito dos paus, uns contra os outros...
        -- Difícil, não?! O índio tem desenvolvido em si grande sensibilidade para com a natureza. São gêmeos dela, amam a liberdade, gostam de ir e vir sem relógios para marcar ponto e nós somos escravos da hora. Naturalmente que na nossa civilização o relógio é necessário, mas lá na tribo, não é...
       Marco e os índios do Araguaia. Odette de Barros Mott.
                                   Fonte: Livro – Encontro e Reencontro em Língua Portuguesa – 5ª Série – Marilda Prates – Ed. Moderna, 2005 – p.170-3.
Entendendo o texto:
01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:
·        Antropófago: Que come carne humana.
· Antropólogo: Aquele que estuda as características biológicas e culturais do homem.
·        Aplainar: Alisar com plaina.
·        Artesanato: Confecção de objetos artísticos.
·        Civilização: Estado de progresso e cultura social.
·        Cultura: Saber, costumes e tradições.
·        Fito: Objetivo.
·        Irreversível: Que não pode voltar ao estado anterior.
·        Legar: Transmitir.
·        Pioneiro: O primeiro.
·        Portador: Que conduz.
· Limoges: Cidade francesa onde se produz uma das principais porcelanas do mundo.

02 – O que você entende por dormir no assunto? Forme uma frase com a expressão.
      Significa refletir sobre algo.

03 – Explique, com suas palavras, o que entendeu ao ler as frases:
a)   Estamos aqui como uma presença de civilização.
Estamos aqui presentes, trazendo nossa cultura.

b)   A marcha da civilização é irreversível.
O desenvolvimento não pode voltar ao seu estado primitivo.

c)   Eu não perdia um til.
Eu estava muito atento para não perder nada.

04 – Reescreva as frases, no seu caderno, substituindo as expressões destacadas por sinônimos correspondentes ao texto.
a)   Não falo só do ponto de vista estético.
Artístico ou da harmonia das formas.

b)   Quero que você saiba distinguir entre civilização e cultura.
Diferençar.

c)   Temos a comunidade e a cidade.
Sociedade (grupo social).

d)   Vieram com o fito de escravizar os índios nos seringais.
Oprimir.

05 – O texto apresenta duas culturas diferentes. Qual das duas alternativas a seguir define melhor o tema? Justifique sua escolha.
a)   As comunidades indígenas com suas estradas de chão batido e o desenvolvimento dos grandes centros.
b)   A cultura indígena e a cultura dos brancos.

06 – O texto faz alusão a duas tribos indígenas diferentes. Quais são elas?
      A aldeia dos Gorotires e os Tapirapés da Ilha do Bananal.

07 – O fato ocorre num dia apenas ou se estende a mais dias? Comprove com palavras do texto.
      A conversa se estende a mais dias. “No dia seguinte, a conversa foi somente sobre os índios...”; “Você não ouviu ontem no avião nossa conversa a respeito?”.

08 – Cite alguns personagens do texto.
      Marco, Ney (o tio), a mãe de Marco e o pai de Marco (médico).

09 – A personagem que narra a história participa da viagem? Quem é ela?
      Sim. É Marco.

10 – Com o que a personagem narradora estava preocupada?
      Em não perder um “til” de toda a conversa sobre os índios.

11 – Copie, em seu caderno, apenas os pensamentos corretos. A personagem narradora ficou preocupa:
a)   Porque nunca tinha visto índios.
b)   Porque tinha ideias diferentes sobre os índios e seu tio estava revelando coisas extraordinárias.
c)   Porque queria ajudar os índios.

12 – “Pensava de um modo diferente e até mesmo achava “ser bacana” o branco chegar, ensinar o que sabia e conhecia, levando presentes úteis...”
a)   Marco achava que os índios deviam ser vistos como crianças. Seria mais difícil vê-los como adultos? Por quê?
Porque a relação entre eles se tornaria de igual para igual. Teria que aprender a respeitar outra cultura e até a questionar a sua maneira de viver.

b)   A explicação que Ney deu à mãe de Marco fez com que o menino refletisse sobre sua maneira de pensar. Por quê?
Porque percebeu que os índios não eram um povo a ser melhorado, mas a ser respeitado.

13 – As classes dominadoras, ou seja, os grupos que detêm o poder econômico, escravizaram os índios. Escravizar pessoas de determinado grupo indica que esse grupo é considerado inferior, menos do que humano. Que ideia presente no texto poderia ter levado alguém a acreditar que índios podiam ser escravizados?
      A ideia de que a cultura do “homem branco” é mais adiantada, a certa, a correta.

14 – Que outro fator apresentado pelo texto, além do indicado acima, levou à escravização dos índios?
      O interesse econômico.

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