Texto: Por que no céu há tantas
estrelas?
Leonardo Boff
Esse índio Karajá amava a natureza e
mais que tudo os animais e os pássaros, com os quais falava, usando a linguagem
deles.
Certa manhã, olhando um bando de
papagaios que voava bem alto, se deu conta que o firmamento estava vazio.
Nenhum astro o embelezava.
O clarão do dia, especialmente sob a canícula,
tornava o céu cinzento.
-- Por que o céu é assim tão vazio? –
perguntou o Karajá aos pássaros que estavam na árvore próxima. Mas eles fingiram
que não entenderam sua pergunta, embora a voz lhes fosse tão familiar. O índio,
com voz forte e quase lancinante, perguntou de novo:
-- Por que o céu é assim tão vazio? –
respondam-me, por favor!
A raposa antecipou-se e disse, em tom
quase de acusação:
-- Foi o urubu-rei, rei das alturas,
que roubou as estrelas para enfeitar o penacho em sua cabeça e torná-lo assim
ainda mais resplendente.
Ao ouvir isto, o índio Karajá decidiu
tirar a limpo a questão com o urubu-rei. Tomou suas armas e procurou o refúgio
onde ele se aninhava. Ao vê-lo aproximar-se, disse logo o urubu-rei:
-- Você é quem veio desafiar-me? Você
não conhece, pequeno homem, a força de minhas garras e de meu bico. Em poucos
minutos, posso abrir suas veias e deixá-lo em pedaços.
O Karajá, que sempre mostrara coragem e
que, no fundo, amava os animais, deixou cair as armas. E avançou sobre o
urubu-rei. Houve uma luta longa e sanguinolenta. Se o urubu-rei tinha
força, o Karajá tinha habilidade para evitar os cortes profundos das garras e
das bicadas potentes. Depois de longa luta, rolando pelo chão entre penas e
gritos, ambos estavam extenuados. Até que o Karajá conseguiu imobilizar o
urubu-rei, prendendo-lhe as pernas e segurando-lhe, fechado, o bico.
- Se quiser recuperar a liberdade –
disse, triunfante, o Karajá – entregue a luz que escondeu em seu penacho na
cabeça e nas plumas do corpo. O criador colocou as estrelas no firmamento para
embelezar a noite e não para alimentar a sua vaidade.
Mas
o rei das alturas, que detinha também o segredo da eterna juventude, não quis
saber de renunciar às luzes que tornavam sua plumagem tão fascinante. De que
valeria ser eternamente jovem se continuasse sem atrativos e feio?
Cansado de esperar uma decisão do
urubu-rei, o Karajá começou a tirar as penas de sua cabeça. Cada pena que
lançava no ar se transformava numa estrela do firmamento.
Arrancou depois um chumaço e o lançou
ao alto e irromperam os astros que os Karajá chamam de “olhos espantados
do peru” – Alfa e Beta do Centauro. Com outro chumaço, os “sete papagaios” – as
Plêiades.
Com outro ainda, os “olhos dos homens”
– Alfa e Beta do Cruzeiro do Sul. Por fim, quando arrancou mais um monte
de penas e o lançou ao céu, apareceu “o caminho das estrelas” – a Via-Láctea.
Mas as penas mais brilhantes
permaneciam ainda na cabeça do urubu-rei. Quando o Karajá conseguiu tirá-las e
lançá-las ao alto, o céu se encheu de um brilho terno e doce. Era a lua
cheia. Logo depois se acendeu um grande tição de fogo, que iluminou todo o
céu e esquentou os dias. Nascia o sol.
Mas, considerando aquele grande
esplendor, o índio Karajá disse de si para consigo:
-- Bom seria se o sol, por respeito ao
brilho tênue das estrelas e à timidez da lua, se escondesse um pouco.
O sol ouviu este sussurro do Karajá e
lhe atendeu o desejo. Por isso, à noite ele se esconde. Assim, as estrelas
podem mostrar a beleza de seu brilho e a lua revelar a suavidade de sua luz.
O urubu-rei, com a chegada da noite,
aproveitou para fugir. Agora não ostentava mais, como nos tempos remotos, um
penacho brilhante e um pescoço luzidio. Sua cabeça parecia uma casca de laranja
cortada e seu pescoço um ramo seco.
Mas ao fugir, gritou, em tom de
deboche, ao karajá:
-- Você me tirou as penas, mas conservo
ainda o segredo da eterna juventude.
E para fazer raiva ao índio, pronunciou
o segredo com voz, sussurrante, imaginando que ninguém estivesse por perto para
ouvi-lo. Ocorre que o Karajá não ouviu direito, mas os pássaros e as árvores
ouviram as frases principais.
Por isso, eles aprenderam a conservar,
até os dias de hoje, o segredo da perene juventude: de tempos em tempos, as
aves do céu sempre renovam suas penas e as plantas, suas folhas.
E o índio Karajá continua sendo
lembrado quando a tribo, à noite, se reúne ao redor do fogo, para ouvir os
antigos contarem as estórias do céu e da terra, do sol e da lua, das estrelas e
do firmamento. E olham, deslumbrados, para a grandiosidade majestática do
céu estrelado. E quando o fogo se apaga, eles se calam reverentes. E um a um se
recolhem, calmamente, carregando o céu estrelado dentro de seu coração. Deitam-se
nas redes e dormem com grande serenidade.
Adaptado de:
BOFF, Leonardo. O casamento entre o céu e a terra.
Rio de Janeiro:
Salamandra, 2001. p. 15-7.
Entendendo o texto:
01 – Preencha o quadro a seguir com os elementos da
narrativa.
Personagens: O índio Karajá, o urubu-rei, a raposa e os outros animais.
Local em que ocorrem os
fatos principais: A mata onde vivia o índio Karajá.
Quando ocorrem os fatos
principais: No dia do combate final entre o índio
Karajá e o urubu-rei.
Tipo de narrador: Narrador observador.
02 – Qual o grande desejo de
Karajá?
Seu desejo era
ver o Sol, a Lua e as estrelas no céu.
03 – Quais das
características do índio Karajá, listadas abaixo, ajudaram-no a derrotar o
urubu-rei?
Coragem – Rapidez –
Juventude – Esperteza – Egoísmo – Medo.
Coragem; rapidez
e esperteza.
04 – Para atingir seu
objetivo, o Karajá agiu sozinho ou teve ajuda de alguém?
O Karajá teve
ajuda da raposa, que lhe contou que o urubu-rei roubara as estrelas para
enfeitar o penacho em sua cabeça.
05 – Complete o trecho
abaixo baseando-se no combate entre o Karajá e o urubu-rei:
a)
O índio Karajá decidiu tirar a limpo a
história do vazio firmamento. Tomou suas armas e procurou o refúgio onde o urubu-rei se aninhava.
b)
Mas o urubu-rei, desafiador, disse-lhe que em
poucos minutos podia abrir as veias do Karajá e deixa-lo
em pedaços.
c)
O Karajá, que sempre mostrara coragem e que,
no fundo, amava os animais, deixou cair as armas e
avançou sobre o urubu-rei.
d)
O urubu-rei tinha força, mas Karajá tinha
habilidade para evitar os cortes profundos das
garras e das bicadas potentes do adversário.
e)
Depois de longa luta, o Karajá conseguiu
imobilizar o urubu-rei, prendendo-lhe as pernas e
segurando-lhe, fechando, o bico.
06 – Depois de imobilizar o
urubu-rei, o que o Karajá fez?
Começou a
arrancar-lhe as penas, jogando-as no firmamento para que se transformassem em
astros outra vez.
07 – Numere os fatos abaixo,
colocando-os na mesma sequência em que aparecem na narrativa:
(6) As penas mais brilhantes ainda
permaneciam na cabeça do urubu-rei.
(3) O urubu-rei perguntou a Karajá se
ele tinha vindo desafiá-lo.
(5) Cansado de esperar uma decisão do
urubu-rei, o Karajá começou a tirar as penas de sua cabeça.
(4) O Karajá disse ao urubu-rei que
ele devia entregar a luz que escondeu em seu penacho na cabeça e nas plumas do
corpo.
(2) O índio Karajá decidiu tirar a
limpo a questão com o urubu-rei.
(7) Para fazer raiva ao índio, o
urubu-rei pronunciou seu grande segredo com voz sussurrante.
(1) Karajá se deu conta de que o
firmamento estava vazio.
08 – O desfecho da história
é de sucesso ou de fracasso? Explique sua resposta.
O desfecho é de
sucesso, porque o Karajá conseguiu devolver os astros ao firmamento, de onde
tinham sido tirados pelo urubu-rei.