Entrevista: O Rap na cultura brasileira. Entrevista especial com Tito Cavalcanti – Fragmento
Apesar da febre que o Rap causou nos
jovens brasileiros no final da década de 1990, esse movimento ainda vem se
inserindo dentro da cultura brasileira, primeiramente como movimento em
prol dos injustiçados e depois como entretenimento da periferia. “A paixão
marginal – O RAP precisa de passagem” foi o tema da palestra que o
psiquiatra Tito Cavalcanti apresentou no início deste mês na Livraria
Cultura – Paulista, em São Paulo. No evento, Tito desvenda a origem e
autores desse movimento e responde a questões como: O Rap pode ser considerado
música brasileira? A partir desta discussão, Tito fala sobre a complexidade
emocional das relações humanas nas grandes cidades.
Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhOZog8YNDfx-ljcxExS6CMV3DPJ2gMMs48hqJYpAAUA04lWYNgxYJAzAcojvMRsIYyWQvlXbFZo-gNNo9BYa4DktNeIfm2RDTQ94m58Fq-QaZDcdTfq8WltOZ75TqFebJAxUo3BKxp2JISV4GG3-4Wg0-DG5oer8VMy2-xA-i8AbAJHTeq3AIem3_h1NQ/s320/hIP.jpg [...]
Tito Cavalcanti é médico
psiquiatra e analista junguiano pela Sociedade Brasileira de Psicologia
Analítica. [...]
IHU On-Line – O Rap vem de uma
cultura marginal que canta e reivindica os direitos e a cidadania de um grupo
marginal. Como o senhor analisa o Rap dentro da cultura brasileira?
Tito Cavalcanti – Considero-o
como manifestação social e como música popular brasileira. O Rap, que junto com
o grafite (1) e a dança break (2), compõe o movimento Hip-Hop (3), começou nos
EUA e logo se tornou meio de reivindicações sociais, principalmente dos negros
deste país. Quando migrou para o resto do mundo, tornou-se porta voz de reivindicações
da população excluída de cada país. No Brasil, com a injustiça social
enorme que temos, o Rap foi logicamente encampado pela população negra das
periferias das grandes cidades. Assim, ele tornou-se porta-voz daquilo que
acontece nessas periferias e da luta por uma vida mais justa. Como a música
brasileira é muito boa e forte, o Rap feito no Brasil sofre grande influência
dos ritmos brasileiros. Acredito que já temos o samba rap, o repente (4) rap, a
embolada (5) rap.
[...]
IHU On-Line – O Rap, como outros
movimentos semelhantes, pode ser visto como marginal?
Tito Cavalcanti – Não sei
se concordo em chamar o Rap de movimento marginal. Ele, como outros movimentos,
não está localizado fora da cultura. Pelo contrário, os autores dos raps
demonstram estar bem informados sobre as questões brasileiras. Acredito que é
um movimento daqueles que são injustiçados.
IHU On-Line – Quais são os
caminhos que o Rap tem utilizado para se inserir na sociedade?
Tito Cavalcanti – Para
isso, vou te dar um exemplo: acredito que São Paulo possa ser dissociado em
dois universos: o da periferia e o do centro. Esses dois universos são tão
grandes que é preciso organizar um diálogo urgente. Nas letras de muitos raps,
pode-se vivenciar e empatizar o sofrimento humano dos que vivem nas
periferias pobres de grandes cidades. A poesia abre caminhos, pois desperta
sentimentos que temos em comum, independente de qualquer situação social ou cor
de pele.
IHU On-Line – O Rap seria um
movimento provindo daquilo que Freud chama de "mal-estar na
civilização"?
Tito Cavalcanti – O mal-estar
na civilização ocorre pela necessidade que temos de reprimir nossos instintos e
impulsos para podermos viver civilizadamente. Não tenho dúvidas de que o Rap é
um movimento que traz a discussão sobre a justiça, a dignidade do homem, e,
nesse sentido, procura conter impulsos primários do ser humano, tais como a
ganância e a violência da lei do mais forte. O Rapper, portanto, sente o
mal-estar daqueles que estão na civilização.
Notas:
(1) É a designação para a pinturas feitas em
muros e paredes na rua. O grafite salta aos olhos nos grandes centros urbanos.
É considerado por muitos como um ato de vandalismo. Está ligado a movimentos
como o movimento Hip-Hop.
(2) Break Dance é um tipo de dança
de originada na década de 1960, quando a onda de música negra assolou os
Estados Unidos. A população das grandes cidades sentiu, a partir desse
movimento, uma maior proximidade com os artistas produtores dessa cultura,
principalmente por sua maneira verdadeira de demonstrar a alma em suas canções.
(3) O Hip-Hop emergiu no final da
década de 1960 nos subúrbios negros e latinos de Nova Iorque. Estes subúrbios
enfrentaram todo tipo de problemas: pobreza, violência racismo tráfico,
carências de infraestrutura, de educação etc. Os jovens encontravam na rua o
único espaço de lazer, e geralmente entravam num sistema de gangues, as quais
se confrontavam de maneira violenta na luta pelo domínio territorial.
(4) É uma tradição folclórica brasileira, cuja
origem remonta aos trovadores medievais. Especialmente forte no nordeste
brasileiro, é uma mescla entre poesia e música na qual predomina o improviso –
a criação de versos "de repente". O repente possui diversos modelos
de métrica e rima, e seu canto costuma ser acompanhado de instrumento musical –
normalmente o dedilhar de uma viola de sete ou dez cordas.
(5) Tipo de repente nordestino em que o cantador
toca pandeiro ou ganzá.
[...]
O Rap na cultura
brasileira. Entrevista especial com Tito Cavalcanti. Revista IHU On-Line, 25
maio 2007. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/159-noticia/entrevista/7315-o-rap-na-cultura-brasileira-entrevista-especial-com-tito-cavalcanti.
Acesso em: 21 set. 2020.
Fonte: Coleção Rotas.
Língua Portuguesa. Ensino fundamental. Anos finais. 8º ano/Sandra Moura
Severino (org.) – Brasília – Editora Edebê Brasil, 2020. p. 10-11.
Entendendo a entrevista:
01 – Qual foi a trajetória do
Rap no Brasil desde sua chegada até se firmar na cultura brasileira?
Segundo o texto,
o Rap inicialmente causou uma "febre" nos jovens brasileiros no final
da década de 1990. Sua inserção na cultura brasileira se deu, primeiramente,
como um movimento em prol dos injustiçados e, posteriormente, como
entretenimento da periferia.
02 – O que o psiquiatra Tito
Cavalcanti considera que o Rap representa dentro da cultura e música do Brasil?
Tito Cavalcanti
considera o Rap tanto uma manifestação social quanto uma forma de Música
Popular Brasileira (MPB). Ele destaca que, devido à forte e boa música
brasileira, o Rap feito no país sofre grande influência de ritmos locais, dando
origem a subgêneros como o samba rap, o repente rap e a embolada rap.
03 – Quais são os três
elementos, além do Rap, que compõem o movimento Hip-Hop?
O Rap, junto com
o grafite (1) e a dança break (2), compõe o movimento Hip-Hop (3).
04 – Como a migração do Rap
dos EUA para o Brasil afetou seu papel social?
Nos EUA, o Rap
começou como meio de reivindicações sociais, principalmente dos negros. Quando
migrou para o resto do mundo, tornou-se porta-voz das reivindicações da
população excluída de cada país. No Brasil, dada a "injustiça social
enorme", foi encampado pela população negra das periferias das grandes
cidades para lutar por uma vida mais justa.
05 – Por que Tito Cavalcanti
discorda da classificação do Rap como um movimento puramente
"marginal"?
Ele discorda
porque o Rap e movimentos semelhantes não estão localizados fora da cultura.
Pelo contrário, os autores dos raps demonstram estar bem informados sobre as
questões brasileiras. Ele defende que é um movimento daqueles que são
injustiçados, e não meramente marginal.
06 – Como as letras do Rap
funcionam como uma ponte ou caminho para a inserção do movimento na sociedade,
citando o exemplo de São Paulo?
Tito Cavalcanti
usa o exemplo da dissociação entre o centro e a periferia de São Paulo para
ilustrar a necessidade de um "diálogo urgente". Ele afirma que, nas
letras, pode-se vivenciar e empatizar o sofrimento humano dos que vivem nas
periferias, e que a poesia do Rap abre caminhos ao despertar sentimentos que
são comuns a todos, independentemente da situação social ou cor de pele.
07 – O Rap pode ser
relacionado ao conceito freudiano de "mal-estar na civilização"? Se
sim, de que forma?
Sim, Tito
Cavalcanti concorda com a relação. Ele explica que o Rap é um movimento que
traz a discussão sobre a justiça e a dignidade do homem, e, nesse sentido,
procura conter impulsos primários do ser humano (como a ganância e a violência
da lei do mais forte). Assim, o Rapper "sente o mal-estar daqueles que
estão na civilização".
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