POEMA: VERSOS À BOCA DA NOITE
Carlos
Drummond de Andrade
Sinto que o tempo sobre mim abate
sua mão pesada. Rugas, dentes, calva.
Uma aceitação maior de tudo,
e o medo de novas descobertas.
Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgeY6k-xBeoSdarQctVfx4EfNLq0QscDu3XcV-Q4KyyIAEMl9S0HGdXZIXNWBxtne7bz9FKcgXUf76oyRz97LkD7U3LuUDOIh53JpMTI8fC09d9JYHjtShed4Msg9WoYOcyEQvBQQOO-_05hxGxEf90TaavNVZD7BwlmKy67eihZtJDGvHzXOKquO72yLg/s320/boca-da-noite.jpg
Escreverei sonetos de madureza?
Darei aos outros a ilusão de calma?
Serei sempre louco? Sempre mentiroso?
Acreditarei em mitos? Zombarei do mundo?
Há muito suspeitei o velho em
mim.
Ainda criança, já me atormentava.
Hoje estou só. Nenhum menino salta
de minha vida, para restaurá-la.
Mas se eu pudesse recomeçar o
dia!
Usar de novo minha adoração,
meu grito, minha fome. Vejo tudo
impossível e nítido, no espaço.
Lá onde não chegou minha ironia,
entre ídolos de rosto carregado,
ficaste, explicação de minha vida,
como os objetos perdidos na rua.
As experiências se multiplicaram:
viagens, furtos, altas solidões,
o desespero, agora cristal frio,
a melancolia, amada e repelida,
E tanta indecisão entre dois
mares,
entre duas mulheres, duas roupas.
Toda essa mão para fazer um gesto
que de tão frágil nunca se modela,
E fica inerte, zona de desejo
selada por arbustos agressivos.
(Um homem se contempla sem amor,
se despe sem qualquer curiosidade.)
Mas vêm o tempo e a ideia de
passado
visitar-te na curva de um jardim.
Vem a recordação, e te penetra
dentro de um cinema, subitamente.
E as memórias escorrem do
pescoço,
do paletó, da guerra, do arco-íris;
enroscam-se no sonho e te perseguem,
à busca de pupila que as reflita.
E depois das memórias vem o tempo
trazer novo sortimento de memórias,
até que, fatigado, te recuses
e não saibas se a vida é ou foi.
Esta casa, que miras de passagem,
estará no Acre? na Argentina? Em ti?
Que palavra escutaste, e onde, quando?
Seria indiferente ou solidária?
Um pedaço de ti rompe a neblina,
voa talvez para a Bahia e deixa
outros pedaços, dissolvidos no atlas,
em País-do-Riso e em tua ama preta.
Que confusão de coisas ao
crepúsculo!
Que riqueza! Sem préstimo, é verdade.
Bom seria captá-las e compô-las
num todo sábio, posto que sensível:
uma ordem, uma luz, uma alegria
baixando sobre o peito despojado.
E já não era o furor dos vinte anos
nem a renúncia às coisas que elegeu,
Mas a penetração no lenho dócil,
um mergulho em piscina, sem esforço,
um achado sem dor, uma fusão,
tal uma inteligência do universo
comprada em sal, em rugas e cabelo.
ENTENDENDO O POEMA
01. Nos versos de Carlos Drummond de Andrade pode-se inferir que o
eu lírico trata do (as)
a) inquietações da juventude.
b) traquinagens da infância.
c) descobertas da adolescência.
d) transição da fase adulta para a velhice.
e) passagem da infância para a juventude.
02. Na frase “Sinto que o tempo sobre mim abate sua mão pesada”
encontra-se a figura de linguagem
a) eufemismo.
b) animismo.
c) hipérbole.
d) catacrese.
e) sinestesia.
03. Como o poeta descreveu sua
relação com o tempo no início do poema?
O poeta descreveu que o tempo diminui
sobre ele sua mão pesada, causando rugas, dentes e calva.
04.
Qual é o sentimento do poeta em relação à sua maturidade na segunda estrofe?
O poeta expressa uma
facilidade maior de tudo em relação à sua maturidade, mas também revela o medo
de novas descobertas.
05.
O poeta planeja escrever sonetos dessa fase da vida?
O poeta planeja escrever sonetos de
maturidade.
06.
O que o poeta questiona sobre si mesmo na terceira estrofe?
O poeta questiona
se ele será sempre louco, sempre mentiroso, se acreditará em mitos e zombará do
mundo.
07.
Qual é a sensação do poeta em relação à passagem do tempo e ao envelhecimento
em "Há muito suspeito o velho em mim"?
O poeta sente uma suspeita
de envelhecimento desde a infância, e agora, na solidão, reflete sobre essa
transformação.
08.
O que o poeta deseja poder fazer novamente em relação ao seu passado?
O poeta deseja
poder recomeçar o dia e usar novamente sua inspiração, grito e fome.
09.
Como o poeta descreve suas experiências ao longo da vida?
O poeta descreveu suas
experiências como multiplicadas, incluindo viagens, furtos, solidões,
desespero, melancolia e indecisões.
10.
O que o tempo traz consigo na segunda metade do poema?
O tempo traz consigo a
gravação e memórias que perseguem o poeta, até que ele se recusa a
reconhecê-las como parte de sua vida.
11.
Qual é o desejo final do poeta em relação às experiências e memórias da vida?
O desejo final do poeta é
capturar todas as experiências e memórias e compô-las em um todo sábio, uma
ordem, uma luz, uma alegria que desça sobre seu peito despojado.
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