quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

REPORTAGEM: GAROTAS RETOMAM HÁBITO DE ESCREVER DIÁRIOS - GABRIELA CARELLI - COM GABARITO

 Reportagem: Garotas retomam hábito de escrever diários

                    Tido como ultrapassado, “amigo” foi resgatado e já aparece até em novela de TV

Gabriela Carelli

        A rotina repete-se todas as noites. Antes de dormir, com a porta do quarto trancada e longe de pais, mães e irmãos curiosos, milhares de jovens escrevem sobre suas frustações e alegrias. O velho diário, um tanto esquecido nos últimos tempos, voltou à moda. “É um desabafo”, diz a estudante Catarina Rodrigues Papa, de 18 anos, que mantém anotações há mais de três anos.

        A mania, tida havia pouco tempo como ultrapassada, já está sendo citada até em novelas. A personagem da atriz Gabriela Duarte na novela Por Amor, da Rede Globo, não dispensa as confissões ao diário. Outra atriz, Mylla Christie, declarou à imprensa que começou a escrever um durante a viagem recente à Inglaterra na qual posou para a revista Playboy. “Não há nada melhor para esclarecer períodos conturbados.”

        Monique de Godoy Fróes, de 13 anos, foi uma das que aderiram ao diário por causa da novela. “Tinha um há muito tempo, mas depois de ver a Gabriela fazendo anotações, me deu vontade de continuar escrevendo”. No Colégio Elvira Brandão, zona sul, onde ela estuda, os caderninhos de anotações viraram uma febre.

        Reflexão – Para a terapeuta Priscila Derdyk, o diário é uma forma eficaz de as pessoas liberarem sentimentos. “Escrever exige reflexão”. Ela acredita que os adolescentes são os que mais se beneficiam com a mania. “Muitas vezes eles têm medo de expor o que pensam para parentes e amigos.”

      A estudante Marcella Rapolli, de 16 anos, começou a escrever seu diário aos 13 anos. Hoje, ela tem uma gaveta com todos eles guardados. “É muito bom”, conta. “Posso rever tudo por que passei.” Aluna do Colégio Dante Alighieri, nos Jardins, Marcella conta que, no início, só relatava passagens de sua vida. “Este ano comecei a escrever o que sinto”, diz. “Em dias em que tudo dá errado, queimo a beirada da página; em dias bons, colo adesivos e pinto com canetinhas.”

        Apesar da pouca idade, Anna Carolina Junqueira, de 12 anos, diz ter notado um amadurecimento quando compara anotações antigas às atuais. Ao contrário de algumas colegas, que começaram a escrever diários recentemente, Anna tem os seus desde os 66 anos. “Minhas histórias do primário eram cheias de erros de português”, lembra. “E o assunto principal eram os presentes.”

        Namoros – Na adolescência, os interesses mudam. “De cada dez páginas, nove falam sobre o namorado ou mal de alguém”, diz Sofia Cardoso Pereira, de 13 anos.

        Assuntos tão confidenciais exigem segurança total. “A chave da gaveta onde guardo os diários fica escondida”, conta Renata Jensen, de 18 anos. “Assim, fica mais difícil minha mãe descobrir o que não deve”.

        Alguns modelos de diário já vêm equipados com chaves e cadeados. Mas o medo de que alguém descubra segredos faz com que as meninas adotem táticas especiais. Juliana de Carvalho Nogueira, de 14 anos, criou uma linguagem em código. “Mesmo quando meus irmãos conseguem roubar o diário, não entendem nada”, vangloria-se.

O Estado de São Paulo, 27 nov. 1997.

           Fonte: Português – Linguagem & Participação, 8ª Série – MESQUITA, Roberto Melo / Martos, Cloder Rivas – 2ª edição – 1999 – Ed. Saraiva, p. 197-8.

Fonte da imagem: https://www.google.com/url?sa=i&url=https%3A%2F%2Fwww.mensagenscomamor.com%2Ffrases-sobre-diarios&psig=AOvVaw0HhWkmvHP_6bMQ1hm5QwNe&ust=1608334769588000&source=images&cd=vfe&ved=0CAIQjRxqFwoTCMiXkoqY1u0CFQAAAAAdAAAAABAD

Entendendo a reportagem:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:

·        Frustações: decepções, desilusões.

·        Confidenciais: ditos em segredos; secretos.

·        Conturbados: agitados, com muitos problemas.

·        Tática: maneira hábil de encarar as coisas.

·        Eficaz: que funciona bem.

·        Código: conjunto de sinais.

·        Reflexão: pensamento profundo.

·        Vangloria-se: gaba-se.

02 – Qual o principal assunto do texto?

      Por influência de uma personagem de novela, adolescentes voltam à saudável prática de fazer anotações em diários.

03 – Encontre semelhanças entre as entrevistadas.

      Todas são adolescentes que estudam em bons colégios.

04 – Quais são os vilões dos escritores de diário?

      São os bisbilhoteiros dos textos alheios: pais, mães, irmãos.

05 – Como os escritores de diário enganam esses vilões?

        Eles usam códigos para produzir os textos.

06 – Qual é sua opinião sobre as pessoas que leem os diários alheios sem permissão?

      Resposta pessoal do aluno.

07 – Explique a diferença entre: “... só relatava passagens de sua vida” e “Este ano comecei a escrever o que sinto”.

      Com a prática, a garota passou a descrever, além de fatos, emoções e sentimentos.

08 – Como você entendeu as declarações da terapeuta Priscila Derdy?

      A prática de fazer anotações em diários é uma atividade excelente para o equilíbrio psíquico, pois, ao escrever, reflete-se sobre o que está sendo passado para o papel.

09 – “Muitas vezes [os adolescentes] eles têm medo de expor o que pensam para parentes e amigos”. Por que isso acontece? Esse tipo de atitude ocorre só com os adolescentes?

      Resposta pessoal do aluno.

REPORTAGEM: A VENDEDORA DE PEIXE E O CUSTO BRASIL - CLAUDIO DE MOURA CASTRO - COM GABARITO

 REPORTAGEM: A vendedora de peixe e o custo Brasil

         Claudio de Moura Castro – Ensaio

 Em países onde há solidariedade mais forte, o avanço é mais fácil. A esperteza brasileira sai muito cara

        Uma colega de trabalho aqui em Washington abriu uma microempresa para vender peixes do Pará, seu Estado natal. Não resisti a perguntar: Por que uma empresa nos Estados Unidos para vender peixe paraense, em tempos de DDD, fax e Internet à disposição de qualquer comerciante brasileiro de peixes, secos ou molhados? A resposta é simples, mas pouco edificante para as vaidades da pátria amada: americano não compra peixe de brasileiro. Não confia. Não está convencido de que será entregue na hora certa, de que não está podre ou mesmo de que foi pescado. E o pior é que isso não é superstição, preconceito ou má vontade. É algo aprendido à custa de prejuízos e dissabores.

        Já no tempo da borracha os seringueiros colocavam uma pedra na balança para pesar mais. Queixava-se um executivo de multinacional farmacêutica que seus fornecedores brasileiros nem sequer respondiam à correspondência. Um amigo do Espirito Santo, para conseguir exportar mármore, teve de lutar anos para convencer seus clientes americanos de que não era mais um a prometer e não cumprir. Custou aos exportadores de Petrolina entender que uma uvinha murcha escondida no fundo da caixa resultava no contêiner inteiro devolvido. Queixamo-nos dos estivadores, dos buracos nas estradas e dos impostos. É o custo Brasil, dizem todos, assim não podemos exportar! Porém, há outro custo Brasil, mais insidioso e não menos corrosivo: a falta de palavra e de cumprimento.

        Max Weber, em um trabalho clássico, mostra os benefícios que trazem ao comércio e à indústria as virtudes morais do protestantismo. Poder confiar no outro, manter a palavra ou não errar propositadamente no troco são fatores de desenvolvimento econômico tão poderosos quanto a força de trabalho e as maquinarias. Essa ideia antiga ganha roupagens novas nas teorias de Putnam sobre o capital social.

        Nas sociedades em que há forte solidariedade social, o desenvolvimento econômico é mais fácil. Todos jogam no mesmo time, não se dispersam forças defendendo-se das safadezas dos outros. As energias vão para as atividades produtivas, e não para assegurar-se dos direitos e interesses legítimos. Evita-se o custo de precaver-se para não ser passado para trás. Quando um não pode confiar na palavra do outro, multiplicam-se os formalismos legais para garantir o cumprimento. Ou se deixa de fazer o negócio se não há tempo, ou possibilidade, de estar protegido da safadeza do outro. O que podia ser resolvido pelo telefone requer uma visita e uma assinatura. Se o funcionário do banco não pode resolver sem a assinatura do seu chefe, são precisos muitos chefes para a infinidade de assinaturas requeridas em operações triviais. Quando o carro ou o televisor enguiça na garantia, o representante acha logo que tem safadeza do cliente e este que o fabricante vendeu propositadamente um produto defeituoso. O duelo inútil consome o tempo de todos.

        Quando todos são caretas e praticam no cotidiano as virtudes pequeno-burguesas, tudo é mais simples e mais barato, pois se economiza no controle, no vigia, no que vigia o vigia e assim por diante. Quando não confia no outro, a prestação do serviço e o pagamento são feitos cada um na hora mais conveniente para as partes. Mas, se há presunção de desonestidade, a operação parece troca de sequestrado pelo resgate, inconveniente para todos.

        Na verdade, há um círculo virtuoso ou vicioso nessa relação de confiança e desconfiança. Pesquisas demonstram: aqueles que confiam nos outros provocam nas pessoas com quem lidam um comportamento mais coreto. Isto é, quem confia é menos enganado pelo próximo do que os desconfiados, que geram nos outros comportamentos que confirmam as desconfianças. Quando todos são muito espertos, todos têm de gastar seu precioso tempo defendendo-se das espertezas dos outros. A celebrada esperteza brasileira é um dos mais horrendos custos Brasil.

      P.S.: Contou-me ontem a vendedora de peixe que acaba de levar calote de um dos seus fornecedores brasileiros.

                                   Veja, 30 jul. 1997.

          Fonte: Português – Linguagem & Participação, 8ª Série – MESQUITA, Roberto Melo / Martos, Cloder Rivas – 2ª edição – 1999 – Ed. Saraiva, p. 180-2.

Entendendo o texto:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:

·        Edificante: construtiva.

·        Precaver-se: acautelar-se, prevenir-se.

·        Superstição: crença falsa.

·        Formalismos: medidas que valorizam excessivamente as formalidades, o cumprimento de determinações e requisitos.

·        Preconceito: ideia que se forma antes de observada a realidade.

·        Dissabores: contrariedades.

·        Triviais: comuns, corriqueiras.

·        Contêiner: caixa de aço para transporte de mercadoria.

·        Pequeno-burguesas: próprias da classe média.

·        Insidioso: traiçoeiro.

·        Presunção: suspeita, suposição.

·        Corrosivo: destrutivo.

·        Celebrada: louvada, divulgada de forma positiva.

02 – Por que é difícil vender peixe brasileiro nos Estados Unidos?

      Americano não compra peixe de brasileiro porque não confia na qualidade do produto nem no cumprimento dos prazos de entrega.

03 – De que aspecto do comportamento do brasileiro o texto trata?

      O texto trata da suposta esperteza, da falta de compromisso, do não-cumprimento da palavra dada, do desrespeito aos compromissos assumidos.

04 – Quais são as ideias que o texto opõe ao comportamento do brasileiro?

      São as ideias das virtudes morais: honestidade, solidariedade, correção, confiança no semelhante.

05 – Qual a principal vantagem da honestidade?

      No caso de que trata o texto é a economia de energia, de tempo e de dinheiro.

06 – O texto apresenta uma solução para os problemas provocados por esse comportamento dos brasileiros. Qual seria essa solução?

     A superação do desejo de levar vantagem em tudo e a adoção da honestidade e da solidariedade nos atos do dia-a-dia.

07 – Como você entende: “Quando todos são muito espertos, todos têm de gastar seu precioso tempo defendendo-se das espertezas dos outros”?

      A esperteza geral não traz benefícios para ninguém, mas provoca uma desgastante perda de tempo com milhares de precauções, desconfianças, cuidados para não ser passado para trás.

08 – Quais são as consequências da “esperteza brasileira”?

      O aumento do custo Brasil e o prejuízo decorrente desse aumento para a imagem do país no exterior.

09 – Você já ouviu falar na famosa “lei de Gerson”? Em que consiste? De onde surgiu essa expressão?

      Essa expressão remete ao famoso “jeitinho” do brasileiro, que procura, em todos os momentos, levar vantagem em tudo. Surgiu de um comerciante em que um famoso jogador de futebol da época – Gerson – aconselhava o público a não se esquecer de procurar levar vantagem em tudo.

10 – Como você entende: “... se há presunção de desonestidade, a operação parece troca de sequestrado pelo resgate, inconveniente para todos”?

      Resposta pessoal do aluno.

11 – O que você pensa sobre as afirmações contidas no texto?

      Resposta pessoal do aluno.

 

 

 

CONTO: BONITOS, RICOS E MALVADOS - CARLOS DIAS - COM GABARITO

 CONTO: Bonitos, ricos e malvados

            Individualistas e arrogantes, adolescentes da chamada elite ignoram valores éticos e desprezam as normas mais elementares de cidadania

          Carlos Dias

        Aquela quinta-feira tinha tudo para terminar tão bem quanto qualquer outra das mais de setecentas quintas-feiras anteriores na vida do motorista do Gol verde. Ao lado da namorada, ele dirigia tranquilo para casa depois de um programa de lazer tipicamente paulista – cineminha seguido de uma parada num restaurante. Faltava pouco para a meia-noite. O trânsito fluía bem na avenida Rebouças, uma das mais movimentadas de São Paulo. A cor da luz do semáforo era verde.

        Aquela quinta-feira também tinha tudo para ser igual a qualquer terça, segunda ou sexta-feira na vida do motorista do Chevette branco. Ao lado de amigos, ele dirigia à vontade em meio ao estrepitar quase imperceptível dos pneus de centenas de carros deslizando simultaneamente pela avenida Henrique Schumman. A profusão de luzes dos automóveis e letreiros inundava de cores os olhos do rapaz. A cor da luz do semáforo era vermelha.

        Aquela quinta-feira, no entanto, terminou antes da hora, de repente, no cruzamento das duas avenidas, no encontro inesperado entre os dois carros. O guinchar dos discos de freio, a fumaça branca dos pneus pretos raspando no asfalto e o cheiro da borracha queimada se misturaram com o ruído do aço se retorcendo, se retraindo. Apesar da violência do choque, ninguém sofreu um único arranhão. Prejuízo material e susto foram as únicas consequências do acidente – nada que não pudesse ser resolvido civilizadamente. Afinal, eles pertenciam ao que se costuma chamar de elite, embora a simplicidade dos automóveis não denunciasse isso.

        O que se viu a seguir, no entanto, foi uma cena de pura barbárie. O motorista do Chevette branco e seus comparsas resolveram pôr fim à pequena pendenga de trânsito com tacos de beisebol. Não importava que eles tivessem passado o sinal vermelho. O fato de o motorista ser menor de idade e, portanto, não ter carteira de habilitação, era também apenas um detalhe. Nada parecia ter importância, a não ser eles mesmos. Enquanto um segurava a namorada, os outros quatro passaram a espancar o motorista do Gol verde. Golpe a golpe. O ruído seco da madeira contra os ossos do rapaz encheu o ar de horror e de gritos de dor. Enquanto um braço erguia um taco no ar para ganhar impulso, outra mão descia para bater com mais força. Não havia trégua. Só pararam quando a sua vítima começou a convulsionar no chão.

        Histórias como essa vêm se repetindo com frequência cada vez maior entre os adolescentes da chamada elite brasileira – esse segmento da sociedade frequentemente identificado como modelo de cidadania e guardião da moral e dos bons costumes, seja lá o que tudo isso signifique para eles. Nem todas essas histórias chegam às páginas dos jornais, como a do índio pataxó queimado vivo em abril passado. Nem todas chegam às barras da Justiça, como a dos trogloditas dos tacos de beisebol. Nem todas são tão violentas ou têm final tão trágico. O que todas têm em comum, no entanto, é o alto grau de sordidez, de desprezo e indiferença às normas mais elementares de civilidade e cidadania.

        Boné de boiola – “Há poucos anos, eu ainda me preocupava com o planeta que íamos deixar para nossos filhos”, diz a dramaturga Maria Adelaide Amaral. “Hoje, me preocupa nas mãos de quem vamos deixar o planeta”. A preocupação não é para menos. Essa linhagem parece só reconhecer como espaço aquele identificado na escritura em nome da família. Emporcalham praias e avenidas, estacionam sobre calçadas e atiram latas de cerveja pela janela do carro como se o mundo fora de seus condomínios fechados fosse uma grande lata de lixo. Evidentemente, não se pode generalizar. Mas também não se pode negar que basta uma minoria barulhenta para conspurcar a maioria silenciosa e civilizada.

        Arrogantes e presunçosos, esses moleques bem-nascidos e malcriados estão crescendo encastelados num mundo de faz-de-conta. No planeta em que eles acham que vivem, o idioma não inclui palavras como por favor ou obrigado, com licença ou sinto muito. Seres humanos são apenas aqueles de pele branca que dirigem carros novos, de preferência importados. Para eles, civilidade é comer com o talher certo em restaurantes de Miami e cidadania é o direito de usar o telefone celular onde bem entender. Seu contato com o mundo real se dá por meio de uma asséptica forma de ficção quase científica: a televisão. “A maioria dos meus amigos não perde o 190 Urgente”, diz um desses garotos.

        As cenas de miséria e violência no país são vistas, no entanto, com o distanciamento de quem assiste a um documentário, por exemplo, sobre a longínqua Quirguízia. Não existe, enfim, vida inteligente fora do condomínio. Ou melhor: não existe vida. E ponto. Presos a estereótipos, julgam outros adolescentes e a si próprios pelas grifes que usam, que têm de ser norte-americanas legítimas, é claro. Calvin Klein, Gap e Guess estão entre as preferidas. Nem o boné escapa. Tem de ser Polo by Ralph Lauren, usado obrigatoriamente com a aba encurvada. “Só boiola usa com a aba reta”, diz o menino. Para essa geração, porém, os símbolos de status não se limitam a grifes. Eles incorporaram as ambições materiais de seus pais e se preocupam cada vez mais com coisas como viagens de compras aos Estados Unidos ou casa na praia.

           Revista Educação. São Paulo, Editora Segmento, out. 1997, n. 19.

        Fonte: Português – Linguagem & Participação, 8ª Série – MESQUITA, Roberto Melo / Martos, Cloder Rivas – 2ª edição – 1999 – Ed. Saraiva, p. 140-2.

Entendendo o texto:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:

·        Imperceptível: que não se percebe.

·        Sordidez: baixaria.

·        Simultaneamente: ao mesmo tempo.

·        Linhagem: origem, família.

·        Profusão: quantidade.

·        Conspurcar: sujar.

·        Retrair: recuar, fechar.

·        Civilidade: educação.

·        Barbárie: selvageria.

·        Asséptica: limpa.

·        Segmento: parte.

·        Estereótipo: tipo padronizado, que não varia.

02 – Localize o acidente mencionado no início do texto no tempo e no espaço.

      O acidente ocorreu em São Paulo, no cruzamento entre as avenidas Rebouças e Henrique Schaumman, pouco antes da meia-noite de uma quinta-feira.

03 – Identifique e qualifique os dois grupos envolvidos no acidente.

      No Chevette branco, estava um grupo de adolescentes de classe média alta e no Gol verde, um casal também de classe média alta.

04 – Como os adolescentes “resolveram” o problema da batida? O que eles revelaram nessa solução?

      Eles “resolveram” o problema espancando o motorista do Gol. Revelaram agressividade, nenhuma educação, desprezo e indiferença às normas mais elementares de civilidade e cidadania.

05 – Uma das partes envolvidas tinha razão no acidente? Por quê?

      O motorista do Gol estava certo. O motorista do Chevette era menor de idade, não possuía habilitação e passou o sinal vermelho.

06 – Como você entende: “O que todas têm em comum, no entanto, é o alto grau de sordidez, de desprezo e indiferença às normas mais elementares de civilidade e cidadania.”?

      Resposta pessoal do aluno.

07 – A verdadeira personagem deste texto é toda uma fatia de uma geração. Como os membros desse segmento veem:

a)   A ecologia?

Algo sem importância alguma.

b)   A boa educação?

Desconsideram.

c)   A realidade?

Algo distante, conhecido apenas por meio da televisão.

d)   A cortesia?

Nenhuma importância.

e)   O respeito humano?

Nenhuma preocupação.

08 – Por meio de que critérios esses adolescentes julgam seus semelhantes?

      Eles o fazem pelas roupas de grife que usam.

09 – Quais são os valores desses adolescentes?

      São os valores materiais herdados dos pais.

10 – O texto é dissertativo, mas apresenta também uma parte narrativa. Identifique onde começa e onde termina o trecho narrativo.

      Vai do início até “... convulsionar no chão”.

11 – Com que objetivo o autor teria escrito o texto que analisamos?

      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: A necessidade de denunciar um tipo de comportamento, cada vez mais frequente, que se caracteriza pelo alto grau de sordidez, desprezo e falta de respeito ao ser humano.

 

segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

CONTO: VIDROS QUEBRADOS - MACHADO DE ASSIS - COM GABARITO

 Conto: Vidros quebrados - Machado de Assis

Texto-fonte:

 Obra Completa, Machado de Assis, vol. II,

Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994.

 

Publicado originalmente em Gazeta Literária, em 15/10/1883.

 

  

— Homem, cá para mim isto de casamentos são coisas talhadas no céu. É o que diz o povo, e diz bem. Não há acordo nem conveniência nem nada que faça um casamento, quando Deus não quer...

 

— Um casamento bom, emendou um dos interlocutores.

 

— Bom ou mau, insistiu o orador. Desde que é casamento é obra de Deus. Tenho em mim mesmo a prova. Se querem, conto-lhes... Ainda é cedo para o voltarete. Eu estou abarrotado...

 

Venâncio é o nome deste cavalheiro. Está abarrotado, porque ele e três amigos acabavam de jantar. As senhoras foram para a sala conversar do casamento de uma vizinha, moça teimosa como trinta diabos, que recusou todos os noivos que o pai lhe deu, e acabou desposando um namorado de cinco anos, escriturário no Tesouro. Foi à sobremesa que este negócio começou a ser objeto de palestra. Terminado o jantar, a companhia bifurcou-se; elas foram para a sala, eles para um gabinete, onde os esperava o voltarete habitual. Aí o Venâncio enunciou o princípio da origem divina dos matrimônios, princípio que o Leal, sócio da firma Leal & Cunha, corrigiu e limitou aos matrimônios bons. Os maus, segundo ele explicou daí a pouco, eram obra do diabo.

 

— Vou dar-lhes a prova, continuou o Venâncio, desabotoando o colete e encostando o braço no peitoril da janela que abria para o jardim. Foi no tempo da Campestre... Ah! os bailes da Campestre! Tinha eu então vinte e dois anos. Namorei-me ali de uma moça de vinte, linda como o sol, filha da viúva Faria. A própria viúva, apesar dos cinquenta feitos, ainda mostrava o que tinha sido. Vocês podem imaginar se me atirei ou não ao namoro...

 

— Com a mãe?

 

— Adeus! Se dizem tolices, calo-me. Atirei-me à filha; começamos o namoro logo na primeira noite; continuamos, correspondemo-nos; enfim, estávamos ali, estávamos apaixonados, em menos de quatro meses. Escrevi-lhe pedindo licença para falar à mãe; e, com efeito, dirigi uma carta à viúva, expondo os meus sentimentos, e dizendo que seria uma grande honra, se me admitisse na família. Respondeu-me oito dias depois que Cecília não podia casar tão cedo, mas que, ainda podendo, ela tinha outros projetos, e por isso sentia muito, e pedia-me desculpa. Imaginem como fiquei! Moço ainda, sangue na guelra, e demais apaixonado, quis ir à casa da viúva, fazer uma estralada, arrancar a moça, e fugir com ela. Afinal, sosseguei e escrevi a Cecília perguntando se consentia que a tirasse por justiça. Cecília respondeu-me que era bom ver primeiro se a mãe voltava atrás; não queria dar-lhe desgostos, mas jurava-me pela luz que a estava alumiando, que seria minha e só minha...

 

Fiquei contente com a carta, e continuamos a correspondência. A viúva, certa da paixão da filha, fez o diabo. Começou por não ir mais à Campestre; trancou as janelas, não ia a parte nenhuma; mas nós escrevíamos um ao outro, e isso bastava. No fim de algum tempo, arranjei meio de vê-la, à noite, no quintal da casa. Pulava o muro de uma chácara vizinha, ajudado por uma boa preta da casa. A primeira coisa que a preta fazia era prender o cachorro; depois, dava-me o sinal, e ficava de vigia. Uma noite, porém, o cachorro soltou-se e veio a mim. A viúva acordou com o barulho, foi à janela dos fundos, e viu-me saltar o muro, fugindo. Supôs naturalmente que era um ladrão; mas no dia seguinte, começou a desconfiar do caso, meteu a escrava em confissão, e o demônio da negra pôs tudo em pratos limpos. A viúva partiu para a filha:

 

— Cabeça de vento! peste! isto são coisas que se façam? foi isto que te ensinei? Deixa estar; tu me pagas, tão duro como osso! Peste! peste!

 

A preta apanhou uma sova que não lhes digo nada: ficou em sangue. Que a tal mulherzinha era das arábias! Mandou chamar o irmão, que morava na Tijuca, um José Soares, que era então comandante do 6º batalhão da Guarda Nacional; mandou-o chamar, contou-lhe tudo, e pediu-lhe conselho. O irmão respondeu que o melhor era casar Cecília sem demora; mas a viúva observou que, antes de aparecer noivo, tinha medo que eu fizesse alguma, e por isso tencionava retirá-la de casa, e mandá-la para o convento da Ajuda; dava-se com as madres principais...

 

Três dias depois, Cecília foi convidada pela mãe a aprontar-se, porque iam passar duas semanas na Tijuca. Ela acreditou, e mandou-me dizer tudo pela mesma preta, a quem eu jurei que daria a liberdade, se chegasse a casar com a sinhá-moça. Vestiu-se, pôs a roupa necessária no baú, e entraram no carro que as esperava. Mal se passaram cinco minutos, a mãe revelou tudo à filha; não ia levá-la para a Tijuca, mas para o convento, de onde sairia quando fosse tempo de casar. Cecília ficou desesperada. Chorou de raiva, bateu o pé, gritou, quebrou os vidros do carro, fez uma algazarra de mil diabos. Era um escândalo nas ruas por onde o carro ia passando. A mãe já lhe pedia pelo amor de Deus que sossegasse; mas era inútil. Cecília bradava, jurava que era asneira arranjar noivos e conventos; e ameaçava a mãe, dava socos em si mesma... Podem imaginar o que seria.

 

Quando soube disto não fiquei menos desesperado. Mas, refletindo bem compreendi que a situação era melhor; Cecília não teria mais contemplação com a mãe, e eu podia tirá-la por justiça. Compreendi também que era negócio que não podia esfriar. Obtive o consentimento dela, e tratei dos papéis. Falei primeiro ao Desembargador João Regadas, pessoa muito de bem, e que me conhecia desde pequeno. Combinamos que a moça seria depositada na casa dele. Cecília era agora a mais apressada; tinha medo que a mãe a fosse buscar, com um noivo de encomenda; andava aterrada, pensava em mordaças, cordas... Queria sair quanto antes.

 

Tudo correu bem. Vocês não imaginam o furor da viúva, quando as freiras lhe mandaram dizer que Cecília tinha sido tirada por justiça. Correu à casa do desembargador, exigiu a filha, por bem ou por mal; era sua, ninguém tinha o direito de lhe botar a mão. A mulher do desembargador foi que a recebeu, e não sabia que dizer; o marido não estava em casa. Felizmente, chegaram os filhos, o Alberto, casado de dois meses, e o Jaime, viúvo, ambos advogados, que lhe fizeram ver a realidade das coisas; disseram-lhe que era tempo perdido, e que o melhor era consentir no casamento, e não armar escândalo. Fizeram-me boas ausências; tanto eles como a mãe afirmaram-lhe que eu, se não tinha posição nem família, era um rapaz sério e de futuro. Cecília foi chamada à sala, e não fraqueou: declarou que, ainda que o céu lhe caísse em cima, não cedia nada. A mãe saiu como uma cobra.

 

Marcamos o dia do casamento. Meu pai, que estava então em Santos, deu-me por carta o seu consentimento, mas acrescentou que, antes de casar, fosse vê-lo; podia ser até que ele viesse comigo. Fui a Santos. Meu pai era um bom velho, muito amigo dos filhos, e muito sisudo também. No dia seguinte ao da minha chegada, fez-me um longo interrogatório acerca da família da noiva. Depois confessou que desaprovava o meu procedimento.

 

— Andaste mal, Venâncio; nunca se deve desgostar uma mãe...

 

— Mas se ela não queria?

 

— Havia de querer, se fosses com bons modos e alguns empenhos. Devias falar a pessoa de tua amizade e da amizade da família. Esse mesmo desembargador podia fazer muito. O que acontece é que vais casar contra a vontade da tua sogra, separas a mãe da filha, e ensinaste a tua mulher a desobedecer. Enfim, Deus te faça feliz. Ela é bonita?

 

— Muito bonita.

 

— Tanto melhor.

 

Pedi-lhe que viesse comigo, para assistir ao casamento. Relutou, mas acabou cedendo; impôs só a condição de esperar um mês. Escrevi para a Corte, e esperei as quatro mais longas semanas da minha vida. Afinal chegou o dia, mas veio um desastre, que me atrapalhou tudo. Minha mãe deu uma queda, e feriu-se gravemente; sobreveio erisipela, febre, mais um mês de demora, e que demora! Não morreu, felizmente; logo que pôde viemos todos juntos para a Corte, e hospedamo-nos no Hotel Pharoux; por sinal que assistiram, no mesmo dia, que era o 25 de março, à parada das tropas no Largo do Paço.

 

Eu é que não me pude ter, corri a ver Cecília. Estava doente, recolhida ao quarto; foi a mulher do desembargador que me recebeu, mas tão fria que desconfiei. Voltei no dia seguinte, e a recepção foi ainda mais gelada. No terceiro dia, não pude mais e perguntei se Cecília teria feito as pazes com a mãe, e queria desfazer o casamento. Mastigou e não respondeu nada. De volta ao hotel, escrevi uma longa carta a Cecília; depois, rasguei-a, e escrevi outra, seca, mas suplicante, que me dissesse se deveras estava doente, ou se não queria mais casar. Responderam-me vocês? Assim me respondeu ela.

 

— Tinha feito as pazes com a mãe?

 

— Qual! Ia casar com o filho viúvo do desembargador, o tal que morava com o pai. Digam-me, se não é mesmo obra talhada no céu?

 

— Mas as lágrimas, os vidros quebrados?...

 

— Os vidros quebrados ficaram quebrados. Ela é que casou com o filho do depositário, daí a seis semanas... Realmente, se os casamentos não fossem talhados no céu, como se explicaria que uma moça, de casamento pronto, vendo pela primeira vez outro sujeito, casasse com ele, assim de pé para mão? É o que lhes digo. São coisas arranjadas por Deus. Mal comparado, é como no voltarete: eu tinha licença em paus, mas o filho do desembargador, que tinha outra em copas, preferiu e levou o bolo.

 

— É boa! Vamos à espadilha.

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ENTENDENDO O CONTO


 1)   Qual é o tema tratado no conto?

    O poder e a interferência Divina sobre relações amorosas, que resultam em casamento, são maiores que o poder humano.


 2)   Como são apresentadas as personagens do conto? De forma leve ou são descritas de maneira mais profunda?

            São descritas de maneira mais profunda.

           Venâncio – homem apaixonado, determinado, sonhadora.

          Cecília – linda, apaixonada, obediente a sua mãe.

          Viúva – intolerante e dominadora.

 3)   Que tipo de texto predomina no conto (narrativo, descritivo, injuntivo, expositivo ou argumentativo)?

Narrativo-interpretativo, pois por intermédio do personagem Venâncio, analisa fatos e julga-os sob uma visão filosófica com amparo de um dito popular.

 4)   O que faz com que Cecília quebre o juramento e, ao invés de se casar com Venâncio, se casa com Jaime? Responda baseando-se em fatos do texto.

Ela tinha feito as pazes com sua mãe e casa-se com Jaime (o viúvo) filho de desembargador.

 5)   Como você explicaria o título do conto “Vidros quebrados”?

Resposta pessoal.

 6)   Venâncio coloca uma teoria no início do conto. Qual é?

Casamento é obra de Deus.

 7)   Ao final do conto, você acredita que Venâncio conseguiu comprovar sua teoria inicial? Você acredita que a teoria é verdadeira? Que na vida real, os casamentos só dão certo se forem “obra de Deus”? Justifique com exemplos de casos que você conhece.

Resposta pessoal.

8)   Que tipo de narrador aparece no conto?

Narrador-personagem, pois ele participa da história.

 9)   Que tipo de linguagem é empregada no conto? Formal ou informal? Aparecem gírias e expressões características da fala?

Informal, pois é aplicada quando os interlocutores são amigos ou familiares e em momentos de descontração, nesse caso logo após um jantar entre amigos.