Crônica: Velhos Amigos
Walcyr Carrasco
RECEBO O CONVITE DE casamento de um amigo.
Espanto-me. É o quinto enlace do rapaz. O convite faz menção a uma cerimônia
religiosa. Na primeira vez, a noiva deslizou pela nave de véu e grinalda. Ainda
está viva. O que ele terá feito para obter a dispensa? Arquivo o mistério para
resolver depois. Pego o cartãozinho da lista de presentes. Suspiro. Será o
quinto presente. A continuar assim, ele devia abrir um crediário para os
convidados.
Loja chique. A noiva deve ser descendente do
rei Midas. Tudo que escolheu vale o peso em ouro. Penso em fugir e mandar um
livro de culinária vegetariana. Seria original. Decido-me por um cinzeirinho
que não está na lista, mas é lindo. . Lembro que ele parou de fumar. Decido
esquecer. Qualquer comentário, farei um oh! de surpresa:
— Oh, você parou de fumar? Bem... deixe o
cinzeirinho para as visitas!
Retiro meu terno do armário. Boto a gravata.
Torço para que a comida seja boa. Gosto de me empanturrar de bem-casados e, se
der, ainda levar alguns para casa, escondido. Há esperança. A cerimônia é em um
bufê. Mal entro, ouço um grito do fundo.
—Você!
Casamentos são ideais para encontrar velhos
amigos. Pessoas que dez ou vinte quilos atrás foram íntimas, ressurgem com um
sorriso atarraxado no rosto. É leve a sensação do reencontro. Parece que nunca
nos separamos!
Meu filho vai prestar vestibular, acredita?
— Sabe aquele livro que comecei há dez anos?
Estou quase terminando!
— E sua filha, como vai?
— Um pouco nervosa. Casei com a melhor amiga
dela.
No ar fica a pergunta. Por que nunca mais nos
vimos? Não existiu uma briga definitiva. Apenas, um dia, não telefonei para
marcar o programa de fim de semana. Duas semanas depois eles ligaram, mas eu
não podia. Quando liguei, tinham ido viajar. Os meses foram passando. Os
encontros rareando. Dois aniversários depois, não me chamaram. Não nos vimos no
final do ano. De vez em quando, uma notícia. Aquele separou, aquela
desencarnou. Contemplo os rostos. Se continuasse na mesma turma, minha vida
seria diferente? Dá saudade dos bons momentos que poderíamos ter tido. Em
seguida, todos agitam canetas, papeizinhos e cartões.
— Dá o Seu telefone. A gente precisa se ver.
— Pega meu cartão. Olha, vou anotar o número do
celular e o e-mail.
— Que tal almoçar a semana que vem?
— Ih, a semana que vem não sei se vai dar. Quem
sabe na outra.
— Na outra eu é que não posso. E à noite?
— Isso. Talvez à noite. A gente se liga para
combinar!
Afundo o cartão no bolso. Viro-me. Sorrio e
pego um novo cartão. Continuamos chilreando como beija-flores. Só nos calamos
aos acordes da marcha nupcial. Lá vem a noiva de véu e grinalda, de braços com
o pai orgulhosíssimo. Todos se olham, constrangidos. Afinal, como ele está
casando no religioso? E o divórcio, já saiu?
Abraço os noivos, desejo felicidades. Consigo
me empanturrar de picadinho de frango afogado em um molho exótico. Devoro a
sobremesa duas vezes. No fim, agarro o noivo.
— Vem cá, você já não era casado no religioso?
— Ah, essa cerimônia foi só para contentar os
pais dela. É de uma outra igreja, dissidente. .
— E o cartório?
— Não casamos no civil, porque meus papéis
estavam enrolados. Mas os velhos pensam que foi hoje de tarde.
— Então eu vim em um casamento que não foi
casamento? E ainda dei presente? Tem pai que é cego!
O noivo funga, ofendido. Despeço-me dos velhos amigos. Todos prometem se ver, se ver, se ver... mas, é claro, não vai dar certo. Até o próximo casamento. Quem sabe com o mesmo noivo!
Entendendo o texto
01. Quantos casamentos o amigo do autor já teve até o
momento descrito na crônica?
a) 1.
b) 3.
c) 5.
d) 7.
02. O que o autor
decide fazer quando vê a lista de presentes na loja chique?
a) Comprar um livro de culinária
vegetariana.
b) Escolher um presente não listado.
c)
Comprar um cinzeirinho.
d)
Fugir e não levar presente.
03. Por que o autor
decide esquecer o cinzeirinho ao perceber que o amigo parou de fumar?
a) Porque a noiva não gosta de cinzeiros.
b) Porque ele mudou de ideia sobre o
presente.
c) Porque é um presente inapropriado.
d)
Porque o amigo voltou a fumar.
04. Onde acontece a
cerimônia de casamento na crônica?
a) Igreja.
b)
Casa do noivo.
c)
Bufê.
d)
Clube.
05. O que acontece
quando o autor entra no bufê?
a) Ele encontra um antigo amigo.
b)
Ele encontra a noiva.
c) Ele ouve um grito do fundo.
d)
Ele percebe que está no lugar errado.
06. Como o autor
descreve a sensação de reencontrar velhos amigos em casamentos?
a) Desconfortável.
b)
Pesada.
c)
Leve.
d) Incompreensível.
07. Por que o autor
não se encontrou com seus antigos amigos nos últimos meses?
a) Brigou com eles.
b) Esqueceu de marcar programas.
c) Estava ocupado viajando.
d) Não tinha telefone.
08. O que acontece
quando os velhos amigos decidem se encontrar novamente?
a) Comemoram.
b) Trocam cartões e números de telefone.
c) Brigam.
d) Ignoram uns aos outros.
09. Por que o autor
questiona o noivo sobre o casamento no religioso?
a) Ele é contra casamentos religiosos.
b) Ele está curioso sobre a cerimônia.
c) Ele acha que o noivo já era casado no
religioso.
d) Ele não gosta do pai da noiva.
10. Qual é a
conclusão do autor sobre os reencontros com velhos amigos no final da crônica?
a) Eles sempre se veem como prometem.
b) Eles se veem apenas em casamentos.
c) É difícil manter a promessa de se
encontrar.
d) Eles se veem frequentemente em festas.