quinta-feira, 3 de julho de 2025

CONTO: A ARANHA - ÓRIGENES LESSA - COM GABARITO

 Conto: A ARANHA

           Orígenes Lessa

        -- Quer assunto para um conto? – perguntou o Eneias, cercando-me no corredor.

        Sorri.

        -- Não, obrigado.

        -- Mas é assunto ótimo, verdadeiro, vivido, acontecido, interessantíssimo!

        -- Não, não é preciso... Fica para outra vez...

        -- Você está com pressa?

        -- Muita!


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        -- Bem, de outra vez será. Dá um conto estupendo. E com esta vantagem: aconteceu... É só florear um pouco.

        -- Está bem... Então... até logo... Tenho que apanhar o elevador...

        Quando me despedia, surge um terceiro. Prendendo-me à prosa. Desmoralizando-me a pressa.

        -- Então, que há de novo?

        -- Estávamos batendo papo... Eu estava cedendo, de graça, um assunto notável para um conto. Tão bom, que até comecei a esboçá-lo, há tempos. Mas conto não é gênero meu – continuou o Eneias, os olhos muito azuis transbordando de generosidade.

        -- Sobre o quê? – perguntou o outro.

        Eu estava frio. Não havia remédio. Tinha que ouvir, mais uma vez, o assunto.

        -- Um caso passado. Conheceu o Melo, que foi dono de uma grande torrefação aqui em São Paulo, e tinha uma ou várias fazendas pelo interior?

        Pergunta dirigida a mim. Era mais fácil concordar:

        -- Conheci.

        -- Pois olhe. Foi com o Melo. Quem contou foi ele. Esse é o maior interesse do fato. Coisa vivida. Batata! Sem literatura. É só utilizar o material, e acrescentar uns floreios, para encher, ou para dar mais efeito. Eu ouvi a história, dele mesmo, certa noite, em casa do velho. Não sei se você sabe que o Melo é um violinista famoso. Um artista. Tenho conhecido poucos violões tão bem tocados quanto o dele. Só que ele não é profissional nem fez nunca muita questão de aparecer. Deve ter tocado em público poucas vezes. Uma ou duas, até, se não me engano, no Municipal. Mas o homem é um colosso. O filho está aí, confirmando o sangue... fazendo sucesso.

        -- Bem... eu vou indo... Tenho encontro marcado. Fica a história para outra ocasião. Não leve a mal.

        -- Você sabe: eu sou escravo.

        -- Ora essa! Claro! Até logo.

        Palmadinha no ombro dele. Palmadinha no meu. Chamei o elevador.

        -- É um caso único no gênero – continuou Eneias para o companheiro. – O Melo tinha uma fazenda, creio que na Alta Paulista. Passava lá enormes temporadas, sozinho, num casarão desolador. Era um verdadeiro deserto. E como era natural, distração dele era o violão velho de guerra. Hora livre, pinho no braço, dedada nas cordas. No fundo, um romântico, um sentimental. O pinho dele soluça mesmo. Geme de doer. Corta a alma. É contagiante, envolvente, de machucar. Ouvi-o tocar várias vezes. “A Madrugada que Passou”, “O Luar do Sertão”, e tudo quanto é modinha sentida que há por aí tira até lágrima da gente, quando o Melo toca...

        -- Completo! – gritou o ascensorista, de dentro do elevador, que não parou, carregado com gente que vinha do décimo andar, acotovelando-se de fome.

        Apertei três ou quatro vezes a campainha, para assegurar o meu direito à viagem seguinte.

        Enéias continuava:

        -- E não é só modinha... Os clássicos. Música no duro... Ele tira Chopin e até Beethoven. A “Tarantela” de Liszt é qualquer coisa, interpretada pelo Melo... Pois bem... (Isto foi contado por ele, hein! Não estou inventando. Eu passo a coisa como recebi.) Uma noite, sozinho na sala de jantar, Melo puxou o violão, meio triste, e começou a tocar. Tocou sei lá o quê. Qualquer coisa. Sei que era uma toada melancólica. Acho que havia luar, ele não disse. Mas quem fizer o conto pode pôr luar. Carregando, mesmo. Sempre dá mais efeito. Dá ambiente.

        O elevador abriu-se. Quis entrar.

        -- Sobe!

        Recuei.

        -- Você sabe: nessa história de literatura, o que dá vida é o enchimento, a paisagem. Um tostão de lua, duzentão de palmeira, quatrocentos de vento sibilando na copa das árvores, é barato e agrada sempre... De modo que quem fizer o conto deve botar um pouco de tudo isso. Eu dou só o esqueleto. Quem quiser que aproveite...

        -- O Melo estava tocando. Luz, isso ele contou, fraca. Produzida na própria fazenda. Você conhece iluminação de motor. Pisca-pisca. Luz alaranjada.

        -- A luz alaranjada não é do motor, é do...

        -- Bem, isso não vem ao caso... Luz vagabunda. Fraquinha...

        -- Desce!

        Dois sujeitos, que esperavam também, precipitaram-se para o elevador.

        -- Completo!

        -- O Melo estava tocando... Inteiramente longe da vida. De repente, olhou para o chão. Poucos passos adiante, enorme, cabeluda, uma aranha caranguejeira. Ele sentiu um arrepio. Era um bicho horrível. Parou o violão para dar um golpe na bruta. Mal parou, porém, a aranha, com uma rapidez incrível, fugiu, penetrando numa frincha da parede, entre o rodapé e o soalho. O Melo ficou frio de horror. Nunca tinha visto aranha tão grande, tão monstruosa. Encostou o violão. Procurou um pau, para maior garantia, e ficou esperando. Nada. A bicha não saía. Armou-se de coragem. Aproximou-se da parede, meio de lado, começou a bater na entrada da fresta, para ver se atraía a bichona. Era preciso matá-la. Mas a danada era sabida. Não saiu. Esperou ainda uns quinze minutos. Como não vinha mesmo, voltou para a rede, pôs-se a tocar outra vez a mesma toada triste. Não demorou, a pernona cabeluda da aranha apontou na frincha...

        O elevador abriu-se com violência, despejando três ou quatro passageiros, fechou-se outra vez, subiu.

        O Enéias continuava.

        -- Apareceu a pernona, a bruta foi chegando. Veio vindo. O Melo parou o violão, para novo golpe. Mas a aranha, depois de uma ligeira hesitação, antes que o homem se aproximasse, afundou outra vez no buraco. “Ora essa!” Ele ficou intrigado. Esperou mais um pouco, recomeçou a tocar. E quatro ou cinco minutos depois, a cena se repetiu. Timidamente, devargazinho, a aranha apontou, foi saindo da fresta. Avançava lentamente, como fascinada. Apesar de enorme e cabeluda, tinha um ar pacífico, familiar. O Melo teve uma ideia. “Será por causa da música?” Parou, espreitou. A aranha avançaria uns dois palmos...

        -- Desce!

        -- Eu vou na outra viagem.

        -- Dito e feito... – continuou Enéias. – A bicha ficou titubeante, como tonta. Depois, moveu-se lentamente, indo se esconder outra vez. Quando ele recomeçou a tocar, já foi com intuito de experiência. Para ver se ela voltava. E voltou. No duro. Três ou quatro vezes a cena se repetiu. A aranha vinha, a aranha voltava. Três ou mais vezes. Até que ele resolveu ir dormir, não sei com que estranha coragem, porque um sujeito saber que tem dentro de casa um bicho desses, venenoso e agressivo, sem procurar liquidá-lo, é preciso ter sangue! No dia seguinte, passou o dia inteiro excitadíssimo. Isto sim, dava um capítulo formidável. Naquela angústia, naquela preocupação. “Será que a aranha volta? Não seria tudo pura coincidência?” Ele estava ocupadíssimo com a colheita. Só à noite voltaria para o casarão da fazenda. Teve que almoçar com os colonos, no cafezal. Andou a cavalo o dia inteiro. E sempre pensando na aranha. O sujeito que fizer o conto pode tecer uma porção de coisas em torno dessa expectativa. À noite, quando se viu livre, voltou para casa. Jantou às pressas. Foi correndo buscar o violão. Estava nervoso. “Será que a bicha vem?” Nem por sombras pensou no perigo que havia ter em casa um animal daqueles. Queria saber se “ela” voltava. Começou a tocar como quem se apresenta em público pela primeira vez. Coração batendo. Tocou. O olho na fresta. Qual não foi a alegria dele quando, quinze ou vinte minutos depois, como um viajante que avista terra, depois de uma longa viagem, percebeu que era ela... o pernão cabeludo, o vulto escuro no canto mal iluminado.

        -- Desce!

        -- Sobe!

        -- Desce!

        -- Sobe!

        -- A aranha surgiu de todo. O mesmo jeito estonteado, hesitante, o mesmo ar arrastado. Parou a meia distância. Estava escutando. Evidentemente, estava. Aí, ele quis completar a experiência. Deixou de tocar. E como na véspera, quando o silêncio se prolongou, a caranguejeira começou a se mover pouco a pouco, como quem se desencanta, para se esconder novamente. É escusado dizer que a cena se repetiu nesse mesmo ritmo uma porção de vezes. E para encurtar a história, a aranha ficou famosa. O Melo passou o caso adiante. Começou a vir gente da vizinhança, para ver a aranha amiga da música. Todas as noites era aquela romaria. Amigos, empregados, o administrador, gente da cidade, todos queriam conhecer a cabeluda fã de “O Luar do Sertão”, e de outras modinhas. E até de música boa. Chopin... Eu não sei qual é... Mas havia um noturno de Chopin que era infalível. Mesmo depois de acabado, ele ainda ficava como que amolentada, ouvindo ainda. E tinha uma predileção especial pela “Gavota”, ela surgia. O curioso é que o Melo tocava todas as noites. Havia ocasiões em que custava a aparecer. Mas era só tocar a “Gavota”, ela surgia. O curioso é que o Melo se tomou de amores pela aranha. Ficou sendo a distração, a companheira e Ela, com E grande. Chegou até a pôr-lhe nome, não me lembro qual. E ele conta que, desde então, não sentiu mais a solidão incrível da fazenda. Os dois se compreendiam, se irmanavam. Ele sentia quais as músicas que mais tocavam a sensibilidade “dela”... E insistia, nessas, para agradar a inesperada companheira de noitadas. Chegou mesmo a dizer que, após dois ou três meses daquela comunhão – o caso já não despertava interesse, os amigos já haviam desertado – ele começava a pensar, com pena, que tinha de voltar para São Paulo. Como ficaria a coitada? Que seria dela, sem o seu violão? Como abandonar uma companheira tão fiel? Sim, porque trazê-la para São Paulo, isso não seria fácil!... Pois bem, uma noite, apareceu um camarada de fora, que não sabia da história. Creio que um viajante, um representante qualquer de uma casa comissária de Santos. Hospedou-se com ele. Cheio de prosa, de novidades. Os dois ficaram conversando longamente, inesperada palestra de cidade naqueles fundos de sertão. Negócios, safras, cotações, mexericos. Às tantas, esquecido até da velha amiga, o Melo tomou do violão, velho hábito que era um prolongamento de sua vida. Começou a tocar, distraído. Não se lembrou de avisar o amigo. A aranha quotidiana apareceu. O amigo escutava. De repente, seus olhos a viram. Arrepiou-se de espanto. E, num salto violento, sem perceber o grito desesperado com que o procurava deter o hospedeiro, caiu sobre a aranha, esmagando-a com o sapatão cheio de lama. O Melo soltou um grito de dor. O rapaz olhou-o. Sem compreender, comentou:

        -- Que perigo, hein?

        O outro não respondeu logo. Estava pálido, numa angústia mortal nos olhos.

        -- E justamente quando eu tocava a “Gavota de Tárrega”, a que ela preferia, coitadinha...

        -- Mas o que há? Eu não compreendo...

        E vocês não imaginam o desapontamento, a humilhação com que ele ouviu toda essa história que eu contei agora...

        -- Desce!

        Desci.

Para gostar de ler. São Paulo, Ática, 1991, p. 16-22.

Entendendo o conto:

01 – Qual é a situação inicial do narrador e por que ele reluta em ouvir a história de Eneias?

      No início do conto, o narrador está com muita pressa e tenta a todo custo evitar Eneias, que insiste em lhe contar uma história para um conto. Ele reluta porque tem um encontro marcado e não quer se demorar.

02 – Quem é o personagem central da história que Eneias quer contar, e qual é a sua principal característica além de ser empresário?

      O personagem central da história é Melo, um antigo dono de torrefação em São Paulo e fazendeiro. Sua principal característica, além de empresário, é ser um violinista famoso e um artista talentoso, embora não profissional.

03 – Onde e como Melo passa suas temporadas, e qual é sua principal distração nesse local?

      Melo passa enormes temporadas sozinho em uma fazenda na Alta Paulista, em um "casarão desolador", que ele descreve como um "verdadeiro deserto". Sua principal distração e companheira nesse ambiente solitário é o seu violão velho de guerra.

04 – Qual é o primeiro encontro de Melo com a aranha caranguejeira e como ele reage?

      Melo está tocando violão uma noite quando vê uma enorme e cabeluda aranha caranguejeira no chão. Ele sente um arrepio e para de tocar para tentar matá-la. No entanto, a aranha foge para uma frincha na parede. Melo, assustado, procura um pau e tenta atraí-la para fora, mas ela não sai.

05 – Como Melo descobre a "relação" da aranha com a música?

      Melo resolve voltar a tocar a toada triste depois que a aranha não sai da fresta. Não demora muito, a aranha reaparece. Ele percebe que ao parar de tocar, ela se esconde novamente, e ao recomeçar, ela volta. Ele testa essa hipótese várias vezes, confirmando que a aranha era atraída pela música do violão.

06 – Que tipo de música a aranha demonstrava apreciar, segundo Eneias?

      A aranha demonstrava apreciar tanto, modinhas sentidas (como "A Madrugada que Passou" e "O Luar do Sertão") quanto música clássica, incluindo peças de Chopin (especialmente um noturno que era "infalível") e a "Gavota", que a fazia surgir sempre que era tocada.

07 – Como a relação de Melo com a aranha evolui ao longo do tempo?

      Melo se "tomou de amores" pela aranha, que se tornou sua distração e companheira, aliviando a solidão da fazenda. Ele a via como "Ela, com E grande", e até lhe deu um nome (não lembrado no conto). Eles pareciam se compreender, e Melo buscava tocar as músicas que mais a agradavam.

08 – Qual é o dilema de Melo ao pensar em voltar para São Paulo?

      O dilema de Melo era como abandonar a aranha ao voltar para São Paulo. Ele sentia pena dela, preocupado com o que seria da "coitada" sem seu violão e como ele poderia deixar uma companheira "tão fiel", uma vez que levá-la para a cidade não seria fácil.

09 – Quem é o personagem que acidentalmente mata a aranha e como Melo reage a isso?

      A aranha é acidentalmente morta por um viajante/representante de Santos que se hospeda com Melo. O homem, sem saber da relação entre Melo e a aranha, a vê e, assustado, a esmagada com o sapatão. Melo solta um grito de dor e fica pálido, com uma angústia mortal nos olhos, evidenciando seu profundo desapontamento e sofrimento pela perda.

10 – Qual é o sentimento final de Melo e como isso é interpretado pelo narrador?

      Melo expressa sua dor ao dizer que a aranha foi morta justamente quando ele tocava a "Gavota de Tárrega", a que ela preferia. O narrador finaliza o conto descrevendo o "desapontamento" e a "humilhação" com que Melo ouviu a história que ele próprio havia contado, sublinhando a tragédia e o impacto emocional da perda daquela companheira inusitada.

 

POEMA: A CIDADE - DONIZETE GALVÃO - COM GABARITO

 Poema: A cidade

            Donizete Galvão

Por mais que insistas em recusar,

está é, sim, a tua cidade concreta

onde tantos te ofereceram amizade

e o amigo partiu pela porta secreta.

 

Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiWr6t3ee0SjQYM20lVesmyeKQLQCgyp2RUCGoWvQPmZDpcRFEqBScsVc224OM5JlInp3Fr9FQCnmP4C5IdcIPAqzgu6B2w19sZvH8AHOcXPg2k4URQWrJZdBzLJNof7msQZ9Sb9SV5QOeam6sro1LzEtTWXgvTwEkfzYmm-C2EMT-mtp8EKPzQMapczsQ/s320/buser_buser_image_990.jpeg

Andaste cabisbaixo pelas calçadas

remoendo as humilhações do trabalho.

Marcaste este chão com teus passos,

dores recolhidas como um rebotalho.

 

Aqui nasceram os filhos, a epifania

das infâncias que sumiram passageiras.

Abriste envelopes com muito medo,

receoso daquelas notícias derradeiras.

 

Tu que amas a simetria permanente

viste a barriga da cidade arregaçada.

Como nas telas de Anselm Kiefer,

tens nela tuas perplexidades retratadas.

Donizete Galvão. O homem inacabado. São Paulo: Portal, 2010. p. 59.

Fonte: Livro – Português: Linguagens, 3ª Série – Ensino Médio – William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães, 9ª ed. – São Paulo: Saraiva Editora, 2013. p. 372.

Entendendo o poema: 

01 – Como o poema descreve a relação do eu-lírico com a cidade?

      O poema descreve uma relação intrínseca e inegável do eu-lírico com a cidade, mesmo que ele tente recusá-la. A cidade é apresentada como um espaço de experiências profundas e contrastantes: de amizades e perdas, de humilhações e nascimentos, de medos e de epifanias. Ela é uma parte indelével da sua existência.

02 – Quais eventos da vida do eu-lírico estão explicitamente ligados à cidade?

      Diversos eventos marcantes da vida do eu-lírico estão ligados à cidade, como a oferta de amizade e a partida de um amigo, as humilhações sofridas no trabalho (que marcaram o chão com seus passos), o nascimento dos filhos e as "epifanias das infâncias", e o receio de notícias derradeiras ao abrir envelopes.

03 – O que a expressão "barriga da cidade arregaçada" sugere sobre a percepção do eu-lírico em relação ao lugar?

      A expressão "barriga da cidade arregaçada" sugere uma visão de desordem, ferida ou exposição da cidade, que contrasta diretamente com o amor do eu-lírico pela "simetria permanente". Essa imagem pode indicar a violência, a decadência ou a revelação de aspectos cruéis e caóticos do ambiente urbano, que abalam suas expectativas de ordem.

04 – De que forma as "dores recolhidas como um rebotalho" se manifestam no poema?

      As "dores recolhidas como um rebotalho" manifestam-se através do ato de andar cabisbaixo pelas calçadas, remoendo as humilhações do trabalho. O "rebotalho" sugere algo descartado, sem valor, indicando como as dores foram acumuladas e sentidas, como se fossem resíduos desprezíveis, mas que ainda assim marcam profundamente o eu-lírico e o chão da cidade.

05 – Qual a relevância da citação a Anselm Kiefer no final do poema?

      A citação a Anselm Kiefer, conhecido por suas obras que abordam temas de ruína, história, memória e destruição, sugere que as "perplexidades" do eu-lírico em relação à cidade são tão profundas e complexas quanto as representadas nas telas do artista. A cidade, assim como a arte de Kiefer, se torna um espelho das dores, da destruição e das questões existenciais do eu-lírico, com uma beleza melancólica e impactante.

POEMA: O ENCANTADOR DE SERPENTES - PAULO HENRIQUES BRITTO - COM GABARITO

 Poema: O encantador de serpentes

             Paulo Henriques Britto

Por entre as linhas incautas da leitura

Ideia insidiosa se insinua,

 

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjyxIU7CALSk0p7A_FnkTX8KvmmNjrFCYBayM92YHq20UseBnJ4cTMeu9nylgk8gChqxIrAwmT0ZLh26oYuvKqdjY0giuS91HQhe2eDaofw9im5-SW6kHQbnURdr2oTmuI3JWgQsSgQ0O1qFo2LSPLSPxmrrVAY_gnTvoLu-JlODZnEB9cRmD0a55rdcek/s320/istockphoto-466301478-612x612.jpg

Como se sugerisse um outro texto

Mais vivo, extremo, e verdadeiro

 

De uma verdade esguia e peçonhenta

A recobrir de visgo tua página

 

Já quase impenetrável –

felizmente

 

resta o recuo derradeiro:

para. Volta atrás. Faz do palimpsesto

 

papel vulgar. Agora continua.

Retoma a doce flauta da literatura.

Paulo Henriques Britto. Trovar claro. São Paulo: Cia. das Letras, 2006. p. 13.

Fonte: Livro – Português: Linguagens, 3ª Série – Ensino Médio – William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães, 9ª ed. – São Paulo: Saraiva Editora, 2013. p. 372.

Entendendo o poema:

01 – Qual é o "encantador de serpentes" no contexto do poema?

      O "encantador de serpentes" no poema não é uma figura literal, mas sim a ideia insidiosa que se insinua na leitura. Essa ideia age como um encantador, atraindo e dominando a atenção do leitor, assim como um encantador de serpentes domina as cobras.

02 – O que a "ideia insidiosa" representa e qual é o seu efeito na leitura?

      A "ideia insidiosa" representa uma interpretação ou um subtexto oculto que é mais "vivo, extremo, e verdadeiro" do que o texto superficial. Ela tem o efeito de "recobrir de visgo" a página, tornando-a "quase impenetrável" e distorcendo a leitura original, quase como uma tentação para desviar-se do caminho esperado.

03 – A que se refere o "palimpsesto" no poema e qual a instrução dada em relação a ele?

      O "palimpsesto" refere-se à página que foi sobreposta por essa nova e "peçonhenta" verdade. A instrução dada é para "fazer do palimpsesto papel vulgar", ou seja, ignorar essa camada insidiosa e retorná-la ao seu estado original, sem a influência da ideia tentadora.

04 – Qual é a "verdade esguia e peçonhenta" mencionada no poema?

      A "verdade esguia e peçonhenta" é a natureza dessa ideia insidiosa, que, embora sedutora, pode ser perigosa ou enganosa. Ela é descrita como "esguia" por ser sutil e de difícil apreensão, e "peçonhenta" por sua capacidade de corromper ou desvirtuar a percepção do leitor.

05 – O que o verso final "Retoma a doce flauta da literatura" sugere ao leitor?

      O verso final sugere um retorno à leitura pura e prazerosa da literatura, sem as distorções ou as "verdades" ocultas e perigosas que a "ideia insidiosa" tenta impor. A "doce flauta" simboliza a beleza, a harmonia e o propósito original da literatura, que deve ser apreciada sem as armadilhas de interpretações distorcidas.

 

 

TEXTO: GRAMÁTICA, VARIAÇÃO E NORMAS - CALLOU, D. - COM GABARITO

 Texto: Gramática, variação e normas

        Há certos usos consagrados na fala, e até mesmo na escrita, que, a depender do estrato social e do nível de escolaridade do falante, são, sem dúvida, previsíveis. Ocorrem até mesmo em falantes que dominam a variedade padrão, pois, na verdade, revelam tendências existentes na língua em seu processo de mudança que não podem ser bloqueadas em nome de um “ideal linguístico” que estaria representado pelas regras da gramática normativa.

Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh8hGRzSJAR0B90ta7Bpm8FGCBXcKrcZIHjlMLvR6sBvwdLwdZ-G7RewqBRCn-PGE6Pk1tWPB9BpfIqgXanAbsMyAn3G8O0kXPFs5v0l1_z_HGdPJDr_wH5p7GFYwud0ediCKjkMe1Q8oFAR0zX8wcJuBQIMHRXLR3bv9Bn5qGTzsTfWhsf5iV4npypZ6s/s1600/images.jpg
 

Usos como ter por haver em construções existenciais (tem muitos livros na estante), o do pronome objeto na posição de sujeito (para mim fazer o trabalho), a não-concordância das passivas com se (aluga-se casas) são indícios da existência, não de uma norma única, mas de uma pluralidade de normas, entendida, mais uma vez, norma como conjunto de hábitos linguísticos, sem implicar juízo de valor.

CALLOU, D. Gramática, variação e normas. In: VIEIRA, S. R.; BRANDÃO, S. (orgs). Ensino de gramática: descrição e uso. São Paulo: Contexto, 2007 (fragmento).

Fonte: Livro – Português: Linguagens, 3ª Série – Ensino Médio – William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães, 9ª ed. – São Paulo: Saraiva Editora, 2013. p. 389.

Entendendo o texto:

01 – Qual é a principal ideia defendida pelo texto em relação aos usos da língua?

      O texto defende que existem usos da língua que são previsíveis e consagrados na fala e na escrita, dependendo do estrato social e nível de escolaridade do falante. Esses usos não são erros, mas sim tendências naturais de mudança da língua, que não devem ser ignoradas em nome de um "ideal linguístico" da gramática normativa.

02 – O que o texto entende por "ideal linguístico" e como ele se contrapõe a esse ideal?

      O "ideal linguístico" é entendido como as regras da gramática normativa, que tentam bloquear as mudanças e variações da língua. O texto se contrapõe a esse ideal ao afirmar que as tendências de mudança da língua são inerentes e não podem ser simplesmente impedidas por essas regras, indicando que a realidade linguística é mais complexa do que uma norma única.

03 – Quais exemplos de usos da língua são citados para ilustrar a variação linguística?

      O texto cita três exemplos principais: o uso de "ter por haver" em construções existenciais (Ex.: "tem muitos livros na estante"), o uso do "pronome objeto na posição de sujeito" (Ex.: "para mim fazer o trabalho"), e a "não-concordância das passivas com 'se'" (Ex.: "aluga-se casas").

04 – O que esses exemplos demonstram sobre a norma linguística, segundo o autor?

      Esses exemplos demonstram a existência, não de uma norma única, mas sim de uma pluralidade de normas. O autor reitera que a norma deve ser entendida como um conjunto de hábitos linguísticos, sem que isso implique qualquer tipo de juízo de valor sobre a correção ou incorreção desses usos.

05 – De que forma o domínio da variedade padrão por um falante se relaciona com os usos considerados variantes?

      O texto afirma que, mesmo falantes que dominam a variedade padrão, utilizam os usos considerados variantes. Isso ocorre porque esses usos são tendências de mudança da língua que não podem ser bloqueadas. Isso sugere que a coexistência de diferentes normas é uma realidade, mesmo entre aqueles que dominam a norma culta.

 

 

POESIA: POEMA DE AMOR - FABRÍCIO CORSALETTI - COM GABARITO

 Poesia: Poema de amor

             Fabrício Corsaletti

Agora o meu amor envolve o seu rosto.
Você projeta a cidade de homens livres.
Tento aproximá-la do pássaro branco.
Você só quer que eu me concentre.

Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjCwCpOm5VPmTm8SYCd9EcwPc8X8GFHwb-DgILr0Dy6SEsRJddSjjSq8YTBi5a7dbnRGZImRKXwmVzcYEvTf8D8qOi4huju4DXbX9K2ofrJcZeKTGuz4YcMLrBRzGG9Wgdib3ZSVAeeoFI6ItSV34cH1H7l6PnVKL97s6GciIJTJRcHmunJXwyeE8X6IRM/s1600/images.jpg

Percebo a cidade de homens livres.
Começo a existir e a você me dirijo.
Meus poemas fazem você nascer mais um pouco.
Mas você abandona a cidade de homens livres;
Em direção à porta de saída,
Seu passo aperfeiçoa o amor.

Fabrício Corsaletti. In: Estudos para seu corpo. São Paulo: Cia das Letras, 2007. p. 122.

Fonte: Livro – Português: Linguagens, 3ª Série – Ensino Médio – William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães, 9ª ed. – São Paulo: Saraiva Editora, 2013. p. 371.

Entendendo a poesia:

01 – Qual é o tema central do poema?

      O tema central do poema é a dinâmica de um relacionamento amoroso, onde o eu-lírico busca uma conexão profunda e a amada parece ter outros focos ou caminhos. Há uma exploração da tentativa de aproximação e da percepção de uma distância ou independência por parte da pessoa amada.

02 – Como o eu-lírico expressa seu amor e sua intenção em relação à pessoa amada no início do poema?

      No início do poema, o eu-lírico expressa seu amor de forma envolvente ("Agora o meu amor envolve o seu rosto") e revela sua intenção de aproximar a amada de algo puro e delicado ("Tento aproximá-la do pássaro branco"). Ele também demonstra a importância da amada para sua própria existência ("Começo a existir e a você me dirijo").

03 – O que a expressão "Você projeta a cidade de homens livres" sugere sobre a pessoa amada?

      Essa expressão sugere que a pessoa amada possui uma natureza independente e idealista. Ela parece estar ligada a conceitos de liberdade e autonomia, talvez construindo ou buscando um espaço onde haja essa liberdade, o que pode ser um contraste com o desejo do eu-lírico de envolvê-la em seu amor.

04 – Qual é a contradição percebida pelo eu-lírico em relação aos seus esforços poéticos?

      O eu-lírico percebe uma contradição porque, apesar de seus poemas fazerem a amada "nascer mais um pouco", ou seja, darem-lhe vida e forma através da arte, ela abandona o ideal de "cidade de homens livres" e se dirige à saída. Isso indica que, mesmo com a influência de sua poesia, a amada segue um caminho próprio, que pode ser de distanciamento.

05 – O que significa o verso "Seu passo aperfeiçoa o amor" no final do poema?

      Esse verso sugere que a ação da amada, mesmo que seja a de se afastar ou seguir um caminho próprio, de alguma forma contribui para a complexidade e a profundidade do amor para o eu-lírico. O afastamento ou a independência dela, paradoxalmente, "aperfeiçoam" a compreensão do amor, talvez ao revelar suas nuances, desafios ou a liberdade intrínseca a ele.

 

 

POEMA: ROEDOR - DONIZETE GALVÃO - COM GABARITO

 Poema: ROEDOR

             Donizete Galvão

Parado no trânsito da Marginal,

Vi você roendo as unhas com fúria.

Estava encostado no poste da esquina,

Ombros arqueados numa posição frouxa.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg8yqr8HtpGNDmnZJ0FO9G3Dqp4kBNcbbwar3T74-S1buUsTY3HFyv_Ep670rLku-gM89gPj8LRzUurA5xI0iXnz4LptFnEdNGJT7iwnIDHM0n7ZwzIJvOsS6_CGIaHuvGbPaJ-CPxmvnj1MWuucjasavCFUq-xyGsMyYS2Pwfj1pM9J7I7LDYRENc0Zk8/s1600/download.jpg


Você cuspia os tocos das unhas.

Arrancava lascas de carne dos dedos

E, depois, sugava o sangue dos cantos.

Ah, que triste figura você fazia, amigo!

Você era pouco mais que um rato.

GALVÃO, Donizete. A carne e o tempo. São Paulo: Nankin, 1997, p. 31.

Fonte: Livro – Português: Linguagens, 3ª Série – Ensino Médio – William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães, 9ª ed. – São Paulo: Saraiva Editora, 2013. p. 366.

Entendendo o poema:

01 – Onde e em que situação o eu lírico observa a pessoa que está roendo as unhas?

      O eu lírico observa a pessoa parado no trânsito da Marginal, com a pessoa encostada no poste da esquina.

02 – Quais são os detalhes visuais que o poema usa para descrever a ação de roer as unhas?

      O poema descreve a pessoa roendo as unhas com fúria, cuspindo os tocos, arrancando lascas de carne dos dedos e, em seguida, sugando o sangue dos cantos.

03 – Que estado emocional ou psicológico da pessoa é sugerido pela descrição de seus ombros "arqueados numa posição frouxa"?

      A posição dos ombros sugere um estado de tensão, ansiedade, fraqueza ou desânimo, indicando que a pessoa está abatida ou sob forte estresse.

04 – Qual a comparação final que o eu lírico faz com a pessoa que observa, e qual o impacto dessa comparação?

      O eu lírico compara a pessoa a "pouco mais que um rato". Essa comparação é impactante por ser pejorativa e desumanizante, enfatizando a degradação e o desespero da figura observada.

05 – Qual a principal atmosfera ou sentimento transmitido pelo poema "Roedor"?

      O poema transmite uma atmosfera de desespero, angústia e melancolia, destacando a vulnerabilidade e a impotência da figura humana diante de uma aflição interna tão intensa que a leva a se autoinfligir e a ser reduzida a uma condição quase animal.

 

POESIA: TUA SEDUÇÃO É MENOS DE MULHER DO QUE...- JOÃO CABRAL DE MELO NETO - COM GABARITO

 Poesia: Tua sedução é menos de mulher do que...

            João Cabral de Melo Neto

Tua sedução é menos
de mulher do que de casa:
pois vem de como é por dentro
ou por detrás da fachada.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjPHXA8lNTvvnqdMnV2nNPkRARNjHAx5A2Pb7xpMgHdoLGKP7xWcUnfP7gpi94oWG9bOiIt5PJ_sGmGzL5RZMAEbodaVZEysO5nbzx8Mjr3XEA80F_aHnjasvz1ZW65A3IBGwBvHJw0rIMRg7q5biqaZAAvieANitvuT9sIvKs5e5PQZl0RfqSP-9d1dEo/s320/SEDUCAAO.jpg



Mesmo quando ela possui
tua plácida elegância,
esse teu reboco claro,
riso franco de varandas,

uma casa não é nunca
só para ser contemplada;
melhor: somente por dentro
é possível contemplá-la.

Seduz pelo que é dentro,
ou será, quando se abra;
pelo que pode ser dentro
de suas paredes fechadas;

pelo que dentro fizeram
com seus vazios, com o nada;
pelos espaços de dentro,
não pelo que dentro guarda;

pelos espaços de dentro:
seus recintos, suas áreas,
organizando-se dentro
em corredores e salas,

os quais sugerindo ao homem
estâncias aconchegadas,
paredes bem revestidas
ou recessos bons de cavas,

exercem sobre esse homem
efeito igual ao que causas:
a vontade de corrê-la
por dentro, de visitá-la.

João Cabral de Melo Neto. Poesias completas. 3. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1979. p. 153.

Fonte: Livro – Português: Linguagens, 3ª Série – Ensino Médio – William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães, 9ª ed. – São Paulo: Saraiva Editora, 2013. p. 343.

Entendendo a poesia:

01 – Qual a comparação inusitada que o poema estabelece para descrever a sedução?

      O poema compara a sedução da pessoa amada não tanto à de uma mulher, mas sim à de uma casa, explorando as similaridades entre ambas.

02 – De que forma a sedução, tanto da mulher quanto da casa, é descrita como vinda do "interior" e não da "fachada"?

      O poema sugere que a verdadeira sedução vem do que a casa "é por dentro" ou "por detrás da fachada", e do que "pode ser dentro de suas paredes fechadas", assim como a sedução da mulher não se limita à sua aparência externa ("reboco claro", "riso franco de varandas").

03 – Por que, segundo o poema, uma casa não deve ser "só para ser contemplada" de fora?

      O poema afirma que "somente por dentro é possível contemplá-la", ou seja, a verdadeira essência e o que há de mais sedutor em uma casa (e na mulher) só podem ser conhecidos e apreciados ao se explorar seu interior.

04 – Quais elementos internos de uma casa são utilizados para ilustrar essa sedução no poema?

      São usados elementos como os vazios, o nada, os espaços de dentro (recintos, áreas), e como eles se organizam em corredores e salas, sugerindo estâncias aconchegadas e recessos.

05 – O que significa a frase "pelo que dentro fizeram / com seus vazios, com o nada" no contexto da sedução da casa?

      Essa frase sugere que a sedução não está apenas no que a casa contém materialmente, mas na maneira como seus espaços foram concebidos e moldados, preenchendo o vazio e o "nada" para criar um ambiente acolhedor e convidativo.

06 – Que "efeito" a casa (e, por extensão, a mulher) exerce sobre o homem, de acordo com o poema?

      O efeito exercido é a "vontade de corrê-la / por dentro, de visitá-la", indicando o desejo de explorar, conhecer intimamente e se aprofundar na essência do que seduz.

07 – Qual a principal ideia que João Cabral de Melo Neto explora ao comparar a sedução feminina à de uma casa?

      A principal ideia é que a sedução autêntica reside na profundidade e no mistério do interior, seja de uma pessoa ou de um espaço. Não se trata de uma atração superficial, mas de um convite a explorar o que está além da superfície, o que é construído e organizado em seu âmago.

 

 

 

quarta-feira, 25 de junho de 2025

ARTIGO DE OPINIÃO: DORAS E CARMOSINAS - FERNANDA MONTENEGRO - COM GABARITO

 Artigo de opinião: Doras e Carmosinas

               Fernanda Montenegro

        Há momentos em que os anos vividos nos obrigam olhar em volta e fazer uma revisão das nossas perdas e dos nossos danos. Se hoje estou sendo agraciada com a mais alta condecoração de nosso país, é porque sou resultado de muitas influências e convivências. Centenas de companheiros e personagens me formaram, me educaram e estão comigo sempre. Não me refiro só a minha família de sangue, mas principalmente à minha família de opção…

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhldsP4kRtfBszIgeSCoGLyh0kBxPIJA2SVMjJSGWcfTU_XlicvaIoLSUAiuGbBA-8PljXjIRL1B84hLcT_r2EEvXWBr1Hv5P7mi0PXkjI2yhqJJ8yjIbqnzMVWH3P_b9irtWqzG_pzcmYA5-UY8ilo5qb3__YcyXVO2DT2jqIbKh5LhvmyW00bLA9wjeU/s320/1955-professoras-anos-50-a.jpg


        Mas existe o antes. A infância. E – por que não? – o período da minha educação primária. Acho que é aí que tudo começa. Ao trabalhar o mundo da professora Dora de Central do Brasil, lá na infância é que fui buscar, na minha memória, as primeiras professoras que me alfabetizaram. Credenciadas, respeitadas, prestigiadas professoras primárias da minha infância. Professoras de escolas públicas que eu frequentei, no subúrbio do Rio.

        Eu me lembro especialmente com muito carinho de Dona Carmosina Campos de Meneses, que me alfabetizou. E, mais do que isso, que me ensinou a ler, o que é um degrau acima da alfabetização. Naquele tempo, as professoras ainda se chamavam Carmosinas, Afonsinas, Ondinas. Busquei na memória a figura de Dona Carmosina para me aproximar da professora Dora (para mim, personagem não é ficção). E vi como seria trágico se a minha tão prestigiada e amada Dona Carmosina viesse a se transformar, por carências existenciais e sociais, numa endurecida e miserável Dora. Foi essa visão de tantas perdas que me deu o emocional da cena final do filme quando Dora escreve “tenho saudade de tudo”.

        Saudade é uma palavra forte e uma forma profunda de chamamento, de invocação. Entre Carmosina e Dora lá se vão sessenta anos. Penso que minha vocação de atriz foi sensibilizada a partir das leituras em voz alta, leituras muito exigidas, cuidadas, orgânicas, que nós alunos fazíamos usando os livros de português do antigo curso primário. As primeiras coisas que decorei na vida foram dois poemas que Dona Carmosina mandou (é essa a palavra: mandou) que decorássemos nas férias de dezembro: “Meus oito anos” de Casimiro de Abreu e “Canção do exílio” de Gonçalves Dias. Na volta das férias naquele ano de 1937, eu, mesmo tímida, envergonhada e encantada declamei: “Oh! Que saudades que eu tenho da aurora da minha vida, da minha infância querida que os anos não trazem mais. Que amor, que sonhos, que flores, naquelas tardes fagueiras, à sombra das bananeiras, debaixo dos laranjais”. Essas bananeiras e esses laranjais não eram licença poética. Os subúrbios de nossas cidades ainda não tinham sofrido essa degradação ambiental que infelizmente se fez presente com o passar dos anos. Vi muitos Brasis entre esses meus oito anos, os oito anos do poeta e essas duas mulheres: Carmosina e Dora. Vejo essa passagem de tempo, claro, com alegrias e ganhos, mas também com muitas perdas e dor. Sou atriz e confesso a minha deformação profissional: esse sentimento de perdas, essa nostalgia me ajudaram a resgatar o emocional dessa desprotegida e amarga Dora ao intuir que dentro dessas Doras desiludidas existe sempre uma Carmosina à espera de um ombro e de um socorro.

        Senhor presidente, nesta nossa confraternização de artistas e autoridades como não lembrar o milagre que a educação e a cultura produzem em todo ser humano. É este, me parece, o espírito que nos une aqui, neste espaço, e por estarmos diante da mais alta autoridade do nosso país, que é Vossa Excelência, a herança cultural da reivindicação artística e social se apresenta… Mas, Vossa Excelência é um democrata e um professor, por isso peço a Vossa Excelência me dar o direito de não resistir, mesmo porque acredito que estamos numa concordância de vontades. Senhor presidente, precisamos urgentemente de muitas, muitas Carmosinas e, se possível, nenhuma Dora. Vossa Excelência tem poder para transformar as Doras em Carmosinas. O país lhe deu esse poder. Eu tenho um sonho que certamente é também um sonho de Vossa Excelência e de muitos, muitos, muitos brasileiros. Eu tenho um sonho (parodiando o notável reverendo americano) que um dia, realmente, todas as desesperadas Doras serão resgatadas desses ônibus perdidos que atravessam esse nosso sertão de miséria e que a elas será dado nem que seja uma parcela daquele reconhecimento e respeito social das professoras Carmosinas da minha infância. Doras com visão de futuro, com autoestima, economicamente ajustadas. Professoras Doras inventivas, confiantes, confiantes no seu magistério, para que possam ser amadas como seres humanos e (por que não?) como personagens também. Muito amadas e lembradas por todos os Vinícius e todos os Josués de nosso país. Mesmo assim prefiro as Carmosinas… Que Dora compreenda e me perdoe. Vale a troca. Para o fortalecimento da nossa educação, da nossa cultura, vale a pena, senhor presidente, se a nossa alma, isto é, se a realização do sonho de todos nós, se essa realização não for pequena. Faço de Dora e Carmosina minhas companheiras neste meu agradecimento. Ignorá-las seria desprezar a minha infância e a realidade da minha, não digo velhice, mas da minha madureza.

Transcrição do discurso feito pela atriz ao ser homenageada por sua indicação ao Oscar de melhor atriz estrangeira pelo desempenho no filme Central do Brasil.

Entendendo o artigo:

01 – Por que Fernanda Montenegro afirma que, ao ser agraciada com uma condecoração, ela é "resultado de muitas influências e convivências"?

      Ela afirma isso porque se sente formada e educada por centenas de companheiros e personagens, não apenas pela sua família de sangue, mas principalmente pela sua "família de opção" (colegas de profissão e os papéis que interpretou).

02 – Qual a importância da infância e da educação primária na formação da autora, segundo o texto?

      Fernanda Montenegro acredita que tudo começa na infância e na educação primária. Ela buscou suas primeiras professoras para construir a personagem Dora, percebendo a influência desses anos iniciais em sua formação.

03 – Quem foi Dona Carmosina Campos de Meneses e qual o seu significado para Fernanda Montenegro?

      Dona Carmosina foi a professora que alfabetizou Fernanda Montenegro e, mais do que isso, a ensinou a ler. Ela é uma figura de muito carinho e representou o prestígio e o respeito das professoras primárias da época.

04 – Como a figura de Dona Carmosina se relaciona com a personagem Dora, do filme "Central do Brasil"?

      Fernanda Montenegro buscou na memória a figura de Dona Carmosina para se aproximar da professora Dora. Ela imaginou o quão trágico seria se uma professora tão prestigiada como Carmosina se transformasse, por carências existenciais e sociais, na endurecida e miserável Dora.

05 – Que dois poemas Dona Carmosina "mandou" que os alunos decorassem nas férias de dezembro de 1937, e qual o impacto disso na autora?

      Os poemas foram "Meus oito anos" de Casimiro de Abreu e "Canção do exílio" de Gonçalves Dias. A autora destaca que a leitura em voz alta e a memorização desses poemas sensibilizaram sua vocação de atriz e a ajudaram a resgatar o emocional da personagem Dora.

06 – Qual o principal contraste que a autora estabelece entre as "Carmosinas" e as "Doras"?

      As Carmosinas representam as professoras prestigiadas, respeitadas, com autoestima e que inspiram a educação. As Doras, por sua vez, simbolizam as professoras desiludidas, amargas, que sofreram com a degradação social e a falta de reconhecimento, muitas vezes "perdidas" em um "sertão de miséria".

07 – Qual o apelo final de Fernanda Montenegro ao presidente, utilizando as figuras de Dora e Carmosina?

      Ela apela por "muitas, muitas Carmosinas e, se possível, nenhuma Dora". Pede ao presidente que utilize seu poder para transformar as Doras em Carmosinas, resgatando-as da miséria e oferecendo-lhes reconhecimento e respeito social para que sejam inventivas, confiantes e amadas.

 

POEMA: COMO UM RIO - THIAGO DE MELLO - COM GABARITO

 Poema: Como um rio

                     Thiago de Mello

Ser capaz, como um rio
que leva sozinho
a canoa que se cansa,
de servir de caminho
para a esperança.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEguX4q4vf6YoSFtLL958z93VR4yrE4xnervl7fLHxLPt8LykFjJsChxZy-K7l4fRL_nx1mFffo0QvKpPY9KVrd-FOSfLd6ivdJ1i-jDEswXd3LSuPGBn8r60sqmZuojlT1gS6TPNhGisYh3Y3fRor2guOYDhdiqaR13BnMUZ3shwmQDMmxfibSg6TOiFho/s320/1200px-Rio_Pardo_Aguas_de_Santa_Barbara.jpg


E de levar do límpido
a mágoa da mancha,
como o rio que leva
e lava.

Crescer para entregar
na distância calada
um poder de canção,
como o rio decifra
o segredo do chão.

Se tempo é de descer,
reter o dom da força
sem deixar de seguir.
E até mesmo sumir
para, subterrâneo,
aprender a voltar
e cumprir, no seu curso,
o ofício de amar.

Como um rio, aceitar
essas súbitas ondas
feitas de águas impuras
que afloram a escondida
verdade das funduras.

Como um rio, que nasce
de outros, sabe seguir
junto com outros sendo
e noutros se prolongando
e construir o encontro
com as águas grandes
do oceano sem fim.

Mudar em movimento,
mas sem deixar de ser
o mesmo ser que muda.
Como um rio.

Mormaço na floresta. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1983.

Entendendo o poema:

01 – Qual é a principal comparação que o poema faz ao longo de seus versos?

      O poema compara a existência e as ações humanas com as características e o fluxo de um rio, utilizando-o como uma metáfora para a vida.

02 – De que forma o rio, segundo o poema, serve como um "caminho para a esperança"?

      O rio serve como um caminho para a esperança ao ser capaz de levar e carregar o que está cansado ou pesado, assim como leva uma canoa, sugerindo a ideia de auxílio e continuidade.

03 – No poema, como o rio lida com as "águas impuras" e as "mágoas da mancha"?

      O rio "leva e lava" as mágoas da mancha e aceita as "súbitas ondas feitas de águas impuras", que revelam a "verdade das funduras". Isso sugere a capacidade de purificação, aceitação e superação das adversidades e impurezas da vida.

04 – O que significa a ideia de o rio "sumir para, subterrâneo, aprender a voltar"?

      Essa imagem sugere a capacidade de resiliência e renovação. Mesmo diante de momentos de recuo ou desaparecimento aparente (como um rio que se torna subterrâneo), ele se prepara para retornar e continuar seu propósito, que é "cumprir, no seu curso, o ofício de amar".

05 – Qual a mensagem final do poema sobre a identidade e a mudança, refletida na metáfora do rio?

      A mensagem final é que, assim como um rio, devemos ser capazes de "mudar em movimento, mas sem deixar de ser o mesmo ser que muda". Isso enfatiza a importância de se adaptar e evoluir com a vida, sem perder a própria essência ou propósito.

 

 

CONTO: FARINHA DE MANDIOCA - NINA HORTA - COM GABARITO

 Conto: Farinha de mandioca

           Nina Horta

        Que comida eu mais gosto… Que comida eu mais gosto?

        Fiquei com a pergunta na cabeça por uns dois meses. Qual a preferida, qual a mais digna de merecer a palavra saudade.

        Profunda, lúgubre, a toda hora me vinha à mente a feijoada, trançando o feijão, a linguiça, o paio, quiçá, o rabo, talvez, a orelhinha, ah, feijão-preto, o óbvio ululante.

Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEislmfgRaTrfvma8uOPPVWr5Qf3X4hR_seQk5FPZbEgsemOZyBh8FLU2PJU4N7NB9D-hcbVkHKeuVGFTbqLvlunXX4vG5i_R_eQ06aMsvB4W9VPfKmjlYAcCGPpV1NZr9hsHegEKTAUIoiEnqxtEKmYGy34Z101AuuNcWzhRzGGzEQemjrEO9MNHI3YHxs/s1600/images.jpg

        É, a feijoada resolveria. Só pode ser ela. Boa demais, brasileira com origens nobres de cassoulets, ela própria nascida no restaurante G. Lobo, carioca a mais não poder.

        Conheço uma autora de livros de comida que só escreve receitas que gostaria de comer todos os dias, se possível. Nada de excessos, novidades, exotismos. Só o que perdura e se repete. Concordo com ela. Neste caso a feijoada perderia pontos, barroca, exagerada.

        E o palmito? Só nosso. Quase só nosso, fruto da palmeira que anuncia nossa brasilidade, flor, folha, fruto, fresco, branco, macio, desmanchando na boca. Todo dia? Também não.

        O jeito é percorrer as raízes portuguesas, africanas e indígenas. Doces de ovos, o bacalhau ao azeite, as sardinhas fritas. Tudo delicioso, da pontinha, muito bom, pois, pois.

        Dos africanos, as papas, os mingaus, o dendê translúcido e dourado, comida baiana, vatapás, moquecas, carurus, acarajés. Comida de festa, comida de santo. Sai do rol das costumeiras.

        Dos índios, a farinha. Assim, curto e grosso. A mandioca ralada, espremida, trabalhada, transformada. Há para todo gosto.

        Na Amazônia pode quebrar a ponta do dente, desce o país em nuances de beijus, crocantes, etéreas, aéreas, embebem o feijão sem empapar, empapam-se de feijão.

        É de uma modéstia de coisa centrada, que sabe o seu lugar.

        Na Bahia conheço uma, macia como veludo e que escorre dos dedos como pó, massa saborosa que solta o sabor quando apertada contra o céu da boca com a língua. Tem um gosto decidido de mandioca.

        Em Paraty a granulada já se faz mais evidente, é comprada em casas de farinha pelos caboclos e trazida para casa em lombo de burro ou nas costas, mesmo, em sacos de aniagem alvejados, brancos, limpíssimos. Fazem isso uma vez por mês, num ritual, escolhem o produto, provam, comparam com o anterior, sentem pequenas diferenças de sabor, de ponto, de cor. Discutem sobre ela, conversam sobre ela com os amigos, eles que falam tão pouco. É que não há como comer nem feijão nem peixe frito sem ela, a companheira.

        É isso. Companheira. Acompanha sempre. Segura o melado, delimita o caldo grosso da galinha, corrige os exageros líquidos do feijão.

        Gosto dela em farofa e em pirão. Farofa mineira pura, sem ovo, sem bacon. Só a manteiga na frigideira ou o óleo. Passa-se rapidamente na gordura quente sem deixar queimar o fundo, o que seria um desastre. Vai se mexendo, mexendo, até que se tenha amalgamado na perfeição. E está pronta, quente, dando o crocante a tudo que é mole. Tem gente que gosta fria, gosto tão quente que faça tzzz na língua na hora de experimentar.

        Pirão em caldos de legume, pirão no peixe, farofa com lombo, com pernil e o vinagrete. Eu conheço e você conhece quem come arroz e macarrão com farofa, a companheira.

        Farofa, farinha, efes fricativos, tem que fechar os lábios senão pula fora, farofa, farinha, frigideira, frisada, frita, fritada, frugal, fúlvida, fundamental, fundadora.

Revista Ícaro Brasil, outubro de 1999. Nina Horta é jornalista, escritora, dona do bufê Ginger, autora do livro Não é sopa (Companhia das Letras) e colaboradora das páginas de gastronomia do jornal Folha de São Paulo.

Entendendo o conto:

01 – Qual foi a pergunta que a autora Nina Horta levou em mente por cerca de dois meses?

      A pergunta era: "Que comida eu mais gosto?", buscando a preferida, a mais digna de merecer a palavra saudade.

02 – Quais comidas brasileiras a autora considera e por que as descarta como sua preferida?

      Ela considera a feijoada, mas a descarta por ser "barroca, exagerada" para ser consumida todos os dias. Ela também pensa no palmito, mas decide que não é algo para comer diariamente. Por fim, menciona comidas africanas como vatapás e moquecas, classificando-as como "comida de festa", não "costumeira".

03 – De qual herança culinária a farinha de mandioca é destacada como vinda?

      A farinha de mandioca é destacada como vinda da herança indígena.

04 – Que qualidades a autora atribui à farinha de mandioca que a fazem ser a comida mais amada?

      Ela a descreve como "modesta", "centrada", que "sabe o seu lugar". É uma "companheira" que "acompanha sempre", segura o melado, delimita o caldo grosso e corrige os exageros líquidos do feijão.

05 – Como a autora descreve a farinha de mandioca encontrada na Bahia?

      Na Bahia, ela conhece uma farinha "macia como veludo" que "escorre dos dedos como pó", com uma "massa saborosa que solta o sabor quando apertada contra o céu da boca com a língua" e um "gosto decidido de mandioca".

06 – Qual o ritual de compra e importância da farinha para os caboclos de Paraty, segundo o texto?

      Em Paraty, a farinha granulada é comprada em casas de farinha uma vez por mês. Os caboclos a levam em lombo de burro ou nas costas, em sacos alvejados. Eles provam, comparam com a anterior, notam pequenas diferenças de sabor, ponto e cor, e discutem sobre ela, pois não conseguem comer feijão nem peixe frito sem ela.

07 – De que duas formas principais a autora gosta de consumir a farinha de mandioca e como descreve uma delas?

      A autora gosta da farinha em farofa e em pirão. Ela descreve a farofa mineira pura, sem ovo ou bacon, feita rapidamente na gordura quente, mexendo até "amalgamado na perfeição", resultando em algo "quente, dando o crocante a tudo que é mole".