quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

CONTO: TRAGÉDIA CARIOCA - RAQUEL DE QUEIROZ - COM GABARITO

 Conto: TRAGÉDIA CARIOCA

              Raquel de Queiroz

        A menina vestia calças compridas e um casacão de malha, informe, de mangas arregaçadas. Sentou-se no sofá, cruzou as pernas longas, pediu licença para se servir um dos meus cigarros. O nariz arrebitado, a pele borrifada de sardas, o cabelo curto de rapazinho dão-lhe um ar de grande imaturidade – quinze, dezesseis anos não mais. Ela diz que tem dezessete e está grávida. Meu Deus, como é que estão casando meninas assim tão novas? Mas olhando a mão esquerda da moça, não lhe vejo aliança. E, antes que eu possa fazer qualquer pergunta, ela é que vai explicando:

        -- A senhora já ouviu falar em transviada? Pois está aqui uma. Pelo menos até o carnaval deste ano eu era das péssimas. Doida por garupa de lambreta, anarquia em inferninho, cuba livre, bolinha, camisa de homem...

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        Meteu-se com uma turma forte que o pessoal do quarteirão chamava o “jardim-de-infância”... mas cada jardim-de-infância! Depois, fez par com um garoto da idade dela, um cretininho de cabeça de peruca, dizia que tinha vindo dos Estados Unidos mas nem falar inglês não sabia, só dizer “oh boy let’s go, golly”, essas besteiras, inglês mesmo de conversar com americano ele não pesca tusta. E nem lambreta dele mesmo tinha, era emprestada; bem, propriamente emprestada não, de condomínio; todo o grupo pagava um rateio e cada um tinha o seu horário de usar a máquina. O dele caía de tarde, na hora do rush, quando Copacabana fica infecta pra lambreta, então procuravam esses lugares mais desertos onde se pode dar uma chispada. E a gente andando assim os dois sozinhos, às vezes encosta a máquina, tem cada lugar lindo de floresta e montanha, não é mesmo? Este Rio de Janeiro não é à toa que se chama Cidade Maravilhosa. E depois com essa balda de geração em revolta, educação sexual, ninguém se lembra que pode vir criança. Pois foi logo o que apareceu.

        -- O povo lá em casa recebeu como se fosse o fim do mundo – quero dizer minha mãe porque a irmã não liga mesmo e pai não tenho mais. agora me diga, a gente é mulher, e para uma mulher ter um filho é fim de mundo? Minha mãe foi logo avisar ao pai dele que ia dar queixa na polícia, mas o pai dele tem um irmão que trabalha no Fórum e ele explicou para minha mãe que se nós déssemos queixa do garoto eles davam queixa de mim – que ele também sendo menor o crime é recíproco. A senhora sabia que nesses casos tem crime recíproco? Pois é.

        Aí minha mãe ficou com medo, quem sabe me mandavam para o presídio, aquele em que botam as moças-mães do SAM, que saiu a reportagem na revista, uma coisa pavorosa. O garoto diz que não precisa fazer show, que ele casa e pronto. Isso ele queria! Mas eu que não quero. Que é que eu ganho casando com aquele boboca? A senhora me diga, eu posso ter algum futuro? O cara ainda não fez nem dezoito, se sabe ler esconde, quanto mais ganhar a vida direitinho, está bem? Eu quero ser aeromoça ou modelo, mas casada não posso ser nada disso, em qualquer dessas profissões não permite casamento. A senhora me vendo agora não diz, mas tenho mesmo todas as medidas de manequim – altura 1,68, cintura 56, 80 de quadril e 81 de busto. Já disse pra minha mãe aguentar a mão até a criança nascer, depois a gente resolve. E ela aí me enche de tapa, diz que estou completamente perdida, que aquele cara ou casa comigo ou casa com o juiz de menores. Imagine tanta loucura!

        Sei que a senhora não tem nada com isso, mas não podia dar um conselho? Não falo pra mim, mas para minha mãe, que ela disse que ia telefonar à senhora, pedindo para botar uma reportagem contando como é que está sendo esse caso de mocidade transviada e que a filha dela é uma vítima da dissolução da família. Mas o que ela quer mesmo é o casamento, e eu já disse pra ela que se fizer o casamento vai ver – tem que sustentar a mim, à criança e ao mustafá do genro. Louco pra isso está mesmo ele! Eu, hein?

        Mas minha mãe diz que prefere, contanto que eu fique com o nome limpo. A senhora acha que ser esposa de um tipinho cafajeste daqueles é ter nome limpo? Ah, eu não entendo a minha mãe! Parece uma criança, o que o pessoal diz pra ela logo ela acredita.

        Eu vim na frente pra pedir à senhora que explique a ela, porque eu dizer não adianta. Que esse negócio de casar pro bem da honra foi no tempo do Dom João Charuto. Ela aguenta a mão agora, depois eu fico emancipada, e se a profissão de modelo não der certo sempre posso tentar o rebolado.

        E, por favor, não bote essa reportagem que ela quer, a turma até pode achar ruim, desacatar a velha, eles são loucos – imagina se acontece aí um acidente, atropelam a minha mãe, quero ver se eu tenho a culpa!

        Ai, quanto problema nesta vida, a senhora vê, eu estou só com dezessete anos, mas me parece que já vivi foi uns cento e sete! E com essa mãe que eu tenho – me dá licença pra tirar outro cigarro?

In: A palavra é... mulher. São Paulo: Scipione, 1990, p. 86-89.

Fonte: Livro – Português: Linguagens, Vol. Único. William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães. Ensino Médio, 1ª ed. 4ª reimpressão – São Paulo: ed. Atual, 2003. p. 397-398.

Entendendo o conto:

01 – Qual é o tema central do conto?

      O conto aborda a gravidez precoce e suas consequências na vida de uma jovem carioca de 17 anos. Através da narrativa da personagem principal, o texto discute temas como a irresponsabilidade dos jovens, a falta de educação sexual, a dissolução familiar e a busca por soluções para os problemas decorrentes da gravidez.

02 – Quem é a personagem principal do conto?

      A personagem principal é uma jovem de 17 anos que engravida após se envolver com um rapaz irresponsável. Ela é descrita como uma menina com aparência imatura, mas que demonstra ter uma visão pragmática da situação.

03 – Qual é o conflito central do conto?

      O conflito central do conto é a decisão da jovem sobre o que fazer com a gravidez. Ela se recusa a casar com o pai da criança, pois não acredita que ele tenha condições de sustentar a família. Ao mesmo tempo, ela enfrenta a pressão da mãe para se casar e "limpar seu nome".

04 – Quais são os principais personagens do conto, além da protagonista?

      Mãe da jovem: Uma mulher preocupada com a reputação da filha e que pressiona-a para se casar.

      Pai do bebê: Um rapaz irresponsável que não tem condições de sustentar a família.

      Irmã da jovem: Uma pessoa que não se importa com a situação da irmã.

      Pai da jovem: Já falecido.

      Pai do rapaz: Um homem influente que tenta evitar que o filho seja processado.

      Irmão do pai do rapaz: Um advogado que ajuda o pai do bebê a evitar o processo.

05 – Qual é o papel da mãe da jovem no conto?

      A mãe da jovem representa a figura materna tradicional, preocupada com a honra da família e com o que os outros vão pensar. Ela pressiona a filha para se casar, mesmo que isso signifique se unir a um homem irresponsável e sem futuro.

06 – Qual é a crítica social presente no conto?

      O conto faz uma crítica social à falta de educação sexual e à irresponsabilidade dos jovens, que muitas vezes não têm consciência das consequências de seus atos. Além disso, o texto também critica a pressão social para que as jovens se casem, mesmo que não queiram, apenas para "limpar seus nomes".

07 – Qual é o desfecho do conto?

      O conto termina sem um desfecho definitivo. A jovem decide esperar o bebê nascer para tomar uma decisão sobre o que fazer. Ela demonstra ter uma visão pragmática da situação e não se deixa levar pela pressão da mãe para se casar. O futuro da jovem e do bebê fica em aberto, deixando o leitor com uma reflexão sobre os desafios da maternidade precoce.

 

domingo, 16 de fevereiro de 2025

ROMANCE: SOLFIERI - CAP. II - (FRAGMENTO) - ÁLVARES DE AZEVEDO - COM GABARITO

 Romance: Solfieri cap. II – Fragmento

                  Álvares de Azevedo

        Sabei-o. Roma e a cidade do fanatismo e da perdição: na alcova do sacerdote dorme a gosto a amásia, no leito da vendida se pendura o Crucifixo lívido. É um requintar de gozo blasfemo que mescla o sacrilégio a convulsão do amor, o beijo lascivo a embriaguez da crença!

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        Era em Roma. [...]. A noite ia bela. Eu passeava a sós pela ponte de... As luzes se apagaram uma por uma nos palácios, as ruas se fazias ermas, e a lua de sonolenta se escondia no leito de nuvens. Uma sombra de mulher apareceu numa janela solitária e escura. Era uma forma branca. A face daquela mulher era como a de uma estátua pálida a lua. Pelas faces dela, como gotas de uma taça caída, rolavam fios de lágrimas.

        Eu me encostei a aresta de um palácio. A visão desapareceu no escuro da janela... e daí um canto se derramava. Não era só uma voz melodiosa: havia naquele cantar um como choro de frenesi, um como gemer de insânia: aquela voz era sombria como a do vento a noite nos cemitérios cantando a nênia das flores murchas da morte.

        Depois o canto calou-se. A mulher apareceu na porta. Parecia espreitar se havia alguém nas ruas. Não viu ninguém: saiu. Eu segui-a.

        [...]

        Andamos longo tempo pelo labirinto das ruas: enfim ela parou: estávamos num campo.

        Aqui, ali, além eram cruzes que se erguiam de entre o ervaçal. Ela ajoelhou-se. Parecia soluçar: em torno dela passavam as aves da noite.

        Não sei se adormeci: sei apenas que quando amanheceu achei-me a sós no cemitério. Contudo a criatura pálida não fora uma ilusão; as urzes, as cicutas do campo-santo estavam quebradas junto a uma cruz.

        O frio da noite, aquele sono dormido a chuva, causaram-me uma febre. No meu delírio passava e repassava aquela brancura de mulher, gemiam aqueles soluços e todo aquele devaneio se perdia num canto suavíssimo...

        Um ano depois voltei a Roma. Nos beijos das mulheres nada me saciava: no sono da saciedade me vinha aquela visão...

        Uma noite, e após uma orgia, eu deixara dormida no leito dela a condessa Barbara. Dei um último olhar àquela forma nua e adormecida com a febre nas faces e a lascívia nos lábios úmidos, gemendo ainda nos sonhos como na agonia volutuosa do amor. Saí. Não sei se a noite era límpida ou negra; sei apenas que a cabeça me escaldava de embriaguez. As taças tinham ficado vazias na mesa: aos lábios daquela criatura eu bebera até a última gota o vinho do deleite...

        Quando dei acordo de mim estava num lugar escuro: as estrelas passavam seus raios brancos entre as vidraças de um templo. As luzes de quatro círios batiam num caixão entreaberto. Abri-o: era o de uma moça. Aquele branco da mortalha, as grinaldas da morte na fronte dela, naquela tez lívida e embaçada, o vidrento dos olhos mal apertados... Era uma defunta! ... e aqueles traços todos me lembraram uma ideia perdida... Era o anjo do cemitério? Cerrei as portas da igreja, que, ignoro por que, eu achara abertas. Tomei o cadáver nos meus braços para fora do caixão. Pesava como chumbo. [...]. Tomei-a no colo. Preguei-lhe mil beijos nos lábios. Ela era bela assim: rasguei-lhe o sudário, despi-lhe o véu e a capela como o noivo os despe a noiva. [...]. O gozo foi fervoroso — cevei em perdição aquela vigília. A madrugada passava já frouxa nas janelas. Àquele calor de meu peito, a febre de meus lábios, a convulsão de meu amor, a donzela pálida parecia reanimar-se. Súbito abriu os olhos empanados [...]. Não era já a morte; era um desmaio. [...]

        [...] Nunca ouvistes falar da catalepsia? E um pesadelo horrível aquele que gira ao acordado que emparedam num sepulcro; sonho gelado em que se sentem os membros tolhidos, e as faces banhadas de lágrimas alheias, sem poder revelar a vida!

        A moça revivia a pouco e pouco. Ao acordar desmaiara. Embucei-me na capa e tomei-a nos braços coberta com seu sudário como uma criança. Ao aproximar-me da porta topei num corpo, abaixei-me, olhei: era algum coveiro do cemitério da igreja que aí dormia de ébrio, esquecido de fechar a porta...

        [...]

        Caminhei. Estava cansado. Custava a carregar o meu fardo: e eu sentia que a moça ia despertar. Temeroso de que ouvissem-na gritar e acudissem, corri com mais esforço...

        [...] Dois dias e duas noites levou ela de febre assim... Não houve sanar-lhe aquele delírio, nem o rir do frenesi. Morreu depois de duas noites e dois dias de delírio.

        A noite saí; fui ter com um estatuário que trabalhava perfeitamente em cera, e paguei-lhe uma estátua dessa virgem.

        Quando o escultor saiu, levantei os tijolos de mármore do meu quarto, e com as mãos cavei aí um túmulo. Tomei-a então pela última vez nos braços, apertei-a a meu peito muda e fria, beijei-a e cobri-a adormecida do sono eterno com o lençol de seu leito. Fechei-a no seu túmulo e estendi meu leito sobre ele.

        Um ano — noite a noite — dormi sobre as lajes que a cobriam... Um dia o estatuário me trouxe a sua obra. Peguei-lha e paguei o segredo...

        — Não te lembras, Bertram, de uma forma branca de mulher que entreviste pelo véu do meu cortinado? Não te lembras que eu te respondi que era uma virgem que dormia?

        — E quem era essa mulher, Solfieri?

        — Quem era? seu nome?

        — Quem se importa com uma palavra quando sente que o vinho queima assaz os lábios? Quem pergunta o nome da prostituta com quem dormiu e sentiu morrer a seus beijos, quando nem há dele mister por escrever-lho na lousa?

        Solfieri encheu uma taça e Bebeu-a. Ia erguer-se da mesa quando um dos convivas tomou-o pelo braço.

        — Solfieri, não é um conto isso tudo?

        — Pelo inferno que não! Por meu pai que era conde e bandido, por minha mãe que era a bela Messalina das ruas, pela perdição que não! Desde que eu próprio calquei aquela mulher com meus pés na sua cova de terra, eu vo-lo juro! — guardei-lhe como amuleto a capela de defunta. Ei-la!

        Abriu a camisa, e viram-lhe ao pescoço uma grinalda de flores mirradas.

        — Vede-a? Murcha e seca como o crânio dela!

Noite na taverna, São Paulo: Martins, 1965, p. 39.

Fonte: Livro – Português: Linguagens, Vol. Único. William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães. Ensino Médio, 1ª ed. 4ª reimpressão – São Paulo: ed. Atual, 2003. p. 227-228.

Entendendo o romance:

01 – Qual é o cenário inicial do fragmento e o que ele revela sobre a atmosfera da narrativa?

      O cenário inicial é Roma, descrita como uma cidade de "fanatismo e perdição", onde a religião e a libertinagem se misturam. Essa descrição estabelece uma atmosfera de mistério, pecado e erotismo, que permeia toda a narrativa.

02 – Quem é o narrador do fragmento e qual é sua relação com os acontecimentos narrados?

      O narrador é Solfieri, um personagem que relata suas próprias experiências em Roma. Ele se apresenta como um homem atormentado por fantasmas do passado, buscando redenção ou expiação através de sua narrativa.

03 – Qual é a primeira visão que Solfieri tem da mulher misteriosa e o que essa visão evoca?

      Solfieri avista uma mulher pálida e solitária em uma janela, com lágrimas escorrendo pelo rosto. Essa visão evoca mistério, melancolia e sofrimento, despertando a curiosidade do narrador.

04 – O que acontece quando Solfieri segue a mulher misteriosa pelas ruas de Roma?

      Solfieri segue a mulher até um cemitério, onde ela se ajoelha e parece soluçar. Ele tem um sono misterioso e, ao acordar, encontra sinais de que a mulher esteve ali, mas ela desapareceu.

05 – Qual é o efeito que o encontro com a mulher misteriosa tem sobre Solfieri?

      O encontro com a mulher misteriosa deixa Solfieri perturbado e febril. Ele é atormentado por lembranças e delírios, nos quais a imagem da mulher se mistura com um canto melancólico.

06 – O que Solfieri faz um ano após seu encontro com a mulher misteriosa?

      Um ano depois, Solfieri retorna a Roma e se entrega a uma vida de libertinagem, buscando em vão saciar o vazio que sente. Ele se envolve com a condessa Barbara, mas nem mesmo os prazeres carnais conseguem apagar a imagem da mulher misteriosa de sua memória.

07 – O que acontece quando Solfieri encontra um cadáver em uma igreja?

      Após uma noite de orgia, Solfieri encontra o cadáver de uma jovem em uma igreja. Ele tem a impressão de reconhecer a mulher misteriosa do cemitério e, em um momento de delírio, remove o corpo do caixão e o leva para seu quarto.

08 – Qual é a reação de Solfieri ao perceber que a mulher não está morta, mas sim em estado de catalepsia?

      Ao perceber que a mulher está viva, Solfieri a leva para seu quarto e cuida dela até que ela se recupere. Ele demonstra um misto de obsessão, amor e arrependimento, revelando a complexidade de seus sentimentos.

09 – O que acontece com a mulher após ser levada para o quarto de Solfieri?

      A mulher tem um período de delírio e febre, durante o qual Solfieri cuida dela. No entanto, ela não resiste e acaba morrendo. Solfieri, então, manda fazer uma estátua de cera da mulher e a coloca em um túmulo que ele mesmo cava em seu quarto.

10 – Qual é a revelação final de Solfieri sobre a mulher misteriosa?

      No final da narrativa, Solfieri revela que a mulher misteriosa era uma virgem que dormia e que ele a amava obsessivamente. Ele guarda a grinalda de flores da mulher como um amuleto, simbolizando seu amor e sua culpa.

 

POEMA: À BEM-AMADA - JORGE DE LIMA - COM GABARITO

 POEMA: À BEM-AMADA

               Jorge de Lima

Amada, não penses,

escutemos a chuva que o inverno chegou. 

Sejamos as árvores que Deus semeou 

sem nunca O ouvir, sem nunca O olhar 

serenos, morramos sem nos separar.

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Renunciemos, amada, os vãos pensamentos, 

cumpramos apenas a lei do Senhor 

sem nunca O ouvir, sem nunca O tocar, 

sem nunca duvidar, duvidar, duvidar.

 

Soframos, amada, sem nos lamentar. 

Sejamos as árvores que Deus esqueceu, 

que o vento abalou e o raio abateu.

 

Amada! Amada!

Bem-aventurado quem já morreu. 

Escutemos a chuva, 

que a chuva é de Deus!

LIMA, Jorge de. Poemas Negros. Rio de Janeiro: Alfaguará, 2016, p. 158.

Entendendo o poema:

01 – Qual é o tema central do poema "À Bem-Amada"?

      O poema reflete sobre a aceitação do destino e a entrega à vontade divina, mesmo diante do sofrimento e da incerteza. Através da metáfora das árvores, o poeta expressa a ideia de uma existência passiva e resignada, que se cumpre sem questionamentos.

02 – Qual o significado da repetição do verso "sem nunca O ouvir, sem nunca O olhar"?

      A repetição enfatiza a ideia de uma fé cega, desprovida de contato ou compreensão. As árvores, que servem de metáfora para o casal, representam a crença sem questionamentos, a aceitação do destino sem a necessidade de entender os desígnios divinos.

03 – Que papel a natureza desempenha no poema?

      A natureza, representada pela chuva, pelas árvores, pelo vento e pelo raio, assume um papel central no poema. Ela simboliza tanto a força implacável do destino quanto a presença divina. A chuva, em particular, é vista como uma manifestação de Deus.

04 – Qual a importância da figura da "Bem-Amada" no poema?

      A "Bem-Amada" é a interlocutora do poeta, a quem ele dirige suas reflexões sobre a vida, a fé e o sofrimento. Ela representa a companheira ideal para compartilhar a jornada de aceitação e entrega ao destino.

05 – Qual o tom geral do poema "À Bem-Amada"?

      O poema possui um tom de resignação e entrega. O poeta convida a amada a aceitar o destino com serenidade, sem lamentações, assim como as árvores que "morrem sem se separar". Há, no entanto, um vislumbre de esperança na crença de que a chuva é uma manifestação divina.

 

ROMANCE: O CORTIÇO, CAP. III - (FRAGMENTO) - ALUÍSIO AZEVEDO - COM GABARITO

 Romance: O cortiço, cap. III – Fragmento

                 Aluísio Azevedo

        Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava, abrindo, não os olhos, mas a sua infinidade de portas e janelas alinhadas.

        Um acordar alegre e farto de quem dormiu de uma assentada sete horas de chumbo. Como que se sentiam ainda na indolência de neblina as derradeiras notas da ultima guitarra da noite antecedente, dissolvendo-se à luz loura e tenra da aurora, que nem um suspiro de saudade perdido em terra alheia.

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        A roupa lavada, que ficara de véspera nos coradouros, umedecia o ar e punha-lhe um farto acre de sabão ordinário. As pedras do chão, esbranquiçadas no lugar da lavagem e em alguns pontos azuladas pelo anil, mostravam uma palidez grisalha e triste, feita de acumulações de espumas secas.

        Entretanto, das portas surgiam cabeças congestionadas de sono; ouviam-se amplos bocejos, fortes como o marulhar das ondas; pigarreava-se grosso por toda a parte; começavam as xícaras a tilintar; o cheiro quente do café aquecia, suplantando todos os outros; trocavam-se de janela para janela as primeiras palavras, os bons-dias; reatavam-se conversas interrompidas à noite; a pequenada cá fora traquinava já, e lá dentro das casas vinham choros abafados de crianças que ainda não andam. No confuso rumor que se formava, destacavam-se risos, sons de vozes que altercavam, sem se saber onde, grasnar de marrecos, cantar de galos, cacarejar de galinhas. De alguns quartos saiam mulheres que vinham pendurar cá fora, na parede, a gaiola do papagaio, e os louros, à semelhança dos donos, cumprimentavam-se ruidosamente, espanejando-se à luz nova do dia.

        Daí a pouco, em volta das bicas era um zunzum crescente; uma aglomeração tumultuosa de machos e fêmeas. Uns, após outros, lavavam a cara, incomodamente, debaixo do fio de água que escorria da altura de uns cinco palmos. O chão inundava-se. As mulheres precisavam já prender as saias entre as coxas para não as molhar; via-se-lhes a tostada nudez dos braços e do pescoço, que elas despiam, suspendendo o cabelo todo para o alto do casco; os homens, esses não se preocupavam em não molhar o pêlo, ao contrário metiam a cabeça bem debaixo da água e esfregavam com força as ventas e as barbas, fossando e fungando contra as palmas da mão. As portas das latrinas não descansavam, era um abrir e fechar de cada instante, um entrar e sair sem tréguas. Não se demoravam lá dentro e vinham ainda amarrando as calças ou as saias; as crianças não se davam ao trabalho de lá ir, despachavam-se ali mesmo, no capinzal dos fundos, por detrás da estalagem ou no recanto das hortas.

        O rumor crescia, condensando-se; o zunzum de todos os dias acentuava-se; já se não destacavam vozes dispersas, mas um só ruído compacto que enchia todo o cortiço. Começavam a fazer compras na venda; ensarilhavam-se discussões e resingas; ouviam-se gargalhadas e pragas; já se não falava, gritava-se. Sentia-se naquela fermentação sangüínea, naquela gula viçosa de plantas rasteiras que mergulham os pés vigorosos na lama preta e nutriente da vida, o prazer animal de existir, a triunfante satisfação de respirar sobre a terra.

        [...]

9. ed. São Paulo: Ática, 1970. p. 28-29.

Fonte: Livro – Português: Linguagens, Vol. Único. William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães. Ensino Médio, 1ª ed. 4ª reimpressão – São Paulo: ed. Atual, 2003. p. 255.

Entendendo o romance:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:

     - De uma assentada: de uma só vez.

     - Altercar: discutir com ardor.

     - Latrina: recinto da casa com vaso sanitário ou escavação para receber dejetos.

     - Indolência: preguiça.

     - Coradouro: o mesmo que quaradouro; lugar onde se põe a roupa para corar ou quarar.

     - Ensarilhar: emaranhar. Enredar.

     - Rezinga: discussão, rixa.

     - Fartum: mau cheiro.

02 – Qual é o principal foco do fragmento do Capítulo III de "O Cortiço"?

      O foco principal do fragmento é a descrição do despertar do cortiço e da vida de seus moradores. Aluísio Azevedo retrata o cotidiano do local, desde o momento em que os primeiros raios de sol surgem até o início das atividades diárias. O cortiço é apresentado como um organismo vivo, com suas próprias características e ritmos.

03 – Que elementos sensoriais são destacados na descrição do cortiço?

      O autor explora diversos elementos sensoriais para descrever o ambiente do cortiço. São mencionados os cheiros de café, sabão e umidade, os sons de vozes, risos, cantos de animais e o tilintar de xícaras. A descrição também inclui detalhes visuais, como a roupa lavada nos coradouros, as pedras do chão e a nudez dos corpos.

04 – Como Aluísio Azevedo caracteriza os moradores do cortiço?

      Os moradores do cortiço são apresentados como pessoas simples e trabalhadoras, que compartilham um espaço comum e uma rotina coletiva. Há uma diversidade de tipos humanos, desde os mais jovens até os mais velhos, e cada um contribui para a atmosfera vibrante e dinâmica do local.

05 – Qual é a importância da água na descrição do cortiço?

      A água é um elemento central na descrição do cortiço, presente na roupa lavada, nas bicas onde os moradores se lavam e no chão que se inunda. A água simboliza a vida que pulsa no cortiço, a energia e a força da natureza que se manifestam naquele ambiente.

06 – Como o autor descreve o crescimento do "rumor" no cortiço?

      O autor descreve o crescimento do "rumor" no cortiço como um processo gradual e contínuo. No início, são apenas vozes isoladas, risos e cantos de animais. Com o passar do tempo, esses sons se intensificam e se misturam, formando um ruído compacto que envolve todo o cortiço.

07 – Qual é o significado da expressão "gula viçosa de plantas rasteiras" no contexto do fragmento?

      A expressão "gula viçosa de plantas rasteiras" é utilizada para descrever a energia e a vitalidade dos moradores do cortiço. As plantas rasteiras, que se alimentam da "lama preta e nutriente da vida", simbolizam a força e a persistência do povo, que busca sobreviver e prosperar em meio às dificuldades.

08 – Que aspectos da sociedade brasileira são retratados no fragmento de "O Cortiço"?

      O fragmento de "O Cortiço" retrata diversos aspectos da sociedade brasileira do século XIX, como a pobreza, a desigualdade social, a vida em comunidade e a influência da natureza. O cortiço, com sua diversidade de personagens e costumes, representa um microcosmo da sociedade, onde se manifestam as contradições e os desafios da época.

 

 

POEMA: BICHO ENCANTADO - JORGE DE LIMA - COM GABARITO

 Poema: Bicho encantado

             Jorge de Lima

Este bicho é encantado:

não tem barriga,

não tem tripas,

não tem bofes,

não é maribondo,

não é mangangá,

não é caranguejeira.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjTUEOFwOK__slhWtHFm0LcmOLzMtGO9sxGrLRvd9oZtnNW4cufmm5Kk0IwvR0AV1wg597VtU_y7XLqVHVZsI2BpcyV0_nKXNUdLGD7bzrGu_CH7rDpbYgIOCzK5qEvUmWGVDRc3EwngmFq5wnovTbY1U54PPTxp4H74ktOsFHQX-WDq5M_q4o9z4K-UP8/s320/ESTRELA.jpg


Que é que é Janjão?

 

É a Estrela-do-mar que quer me levar.

 

Só tem olhos,

só tem sombra.

Babau!

Não é jimbo,

não é muçum,

não é sariema.

Que é que é Janjão?

 

É a Estrela-do-mar que quer me afogar.

 

Esse bicho é encantado:

não quer de-comer,

não quer munguzá,

não quer caruru,

não quer quigombô.

Só quer te comer.

Que é que é Janjão?

 

É a Estrela-do-mar que quer me esconder.

 

Babau!

Fonte: "Novos poemas; Poemas escolhidos; Poemas negros", Editora Lacerda, 1997.

Entendendo o poema:

01 – Qual é o mistério central apresentado no poema "Bicho Encantado"?

      O poema gira em torno da pergunta "Que é que é Janjão?". O leitor é convidado a decifrar a identidade desse bicho misterioso que possui características incomuns e aparentemente assustadoras.

02 – Que características do "bicho encantado" são apresentadas no poema?

      O poema descreve o "bicho encantado" como algo que não tem órgãos internos ("não tem barriga, não tem tripas, não tem bofes"), não é um inseto conhecido ("não é maribondo, não é mangangá, não é caranguejeira"), possui apenas olhos e sombra, não se alimenta como outros animais ("não quer de-comer, não quer mungunzá, não quer caruru, não quer quigombô") e tem a intenção de "comer", "levar", "afogar" ou "esconder" o eu lírico.

03 – Qual é a resposta para o enigma "Que é que é Janjão?" revelada no poema?

      A resposta para o enigma é revelada nos versos "É a Estrela-do-mar que quer me levar", "É a Estrela-do-mar que quer me afogar" e "É a Estrela-do-mar que quer me esconder". Janjão é, portanto, uma personificação da estrela-do-mar, um ser que habita o oceano e que representa um perigo para o eu lírico.

04 – Qual é o tom geral do poema "Bicho Encantado"?

      O poema apresenta um tom de mistério, suspense e até mesmo de certo medo. A repetição da pergunta "Que é que é Janjão?" e a descrição do bicho como algo que "quer me comer" criam uma atmosfera de apreensão e alerta.

05 – Qual é a importância do poema "Bicho Encantado" de Jorge de Lima para a literatura brasileira?

      O poema "Bicho Encantado" é importante por sua linguagem lúdica e criativa, por sua capacidade de despertar a curiosidade do leitor e por sua forma inovadora de abordar um tema aparentemente simples, como a natureza. Jorge de Lima utiliza elementos da cultura popular e da linguagem infantil para criar um poema original e expressivo.

 

POEMA: A UM POETA - ANTERO DE QUENTAL - COM GABARITO

 Poema: A um poeta

           Antero de Quental

Tu que dormes, espírito sereno,
Posto à sombra dos cedros seculares,
Como um levita à sombra dos altares,
Longe da luta e do fragor terreno.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiD7DZIgr7gArQcqbcUqJIrchzTQaleM-4P_9bhRySe_Xi8OQjD4Cww6qwblsaYVYloSHPcpdQ76n59uFyMiWZmJQo4pvYD87NVkYxO2NwJ1elmJuiw01GnncqUkOZz8eVhTkvym7PLr6nYJFdG-CCVtZUi__4Ff9MSOTvBNQEw4ICoLKTn322XLGPZIN8/s1600/SOL.jpg



Acorda! É tempo! O sol, já alto e pleno
Afugentou as larvas tumulares...
Para surgir do seio desses mares
Um mundo novo espera só um aceno...

Escuta! É a grande voz das multidões!
São teus irmãos, que se erguem! São canções...
Mas de guerra... e são vozes de rebate!

Ergue-te, pois, soldado do Futuro,
E dos raios de luz do sonho puro,
Sonhador, faze espada de combate!

Fonte: Livro – Português: Linguagens, Vol. Único. William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães. Ensino Médio, 1ª ed. 4ª reimpressão – São Paulo: ed. Atual, 2003. p. 246.

Entendendo o poema:

01 – De acordo com o poema, qual o significado das palavras abaixo:

·        Cedros: árvores de grande porte.

·        Levita: sacerdote da antiga Jerusalém.

02 – Qual é o tema central do poema "A um Poeta"?

      O tema central do poema é o papel do poeta na sociedade. Antero de Quental convoca o poeta a despertar do seu sono e a assumir uma postura ativa, engajando-se na luta social e utilizando sua arte como arma de combate em prol de um "mundo novo".

03 – Qual é o significado da metáfora do "espírito sereno" que dorme "à sombra dos cedros seculares"?

      Essa metáfora representa o poeta alienado da realidade, que se refugia em um mundo de conforto e contemplação, distante dos problemas e das injustiças sociais. O "espírito sereno" simboliza a passividade e a falta de compromisso do poeta com a transformação da sociedade.

04 – Por que o poeta é chamado de "soldado do Futuro"?

      O poeta é chamado de "soldado do Futuro" porque ele é visto como um agente de mudança, capaz de inspirar e mobilizar as pessoas na luta por um futuro melhor. Sua arma não é a espada, mas sim a palavra, a poesia, que tem o poder de despertar consciências e transformar a realidade.

05 – Qual é o significado da expressão "faze espada de combate" no último verso do poema?

       Essa expressão significa que o poeta deve transformar seus sonhos e ideais em ação, utilizando sua arte como instrumento de luta contra a opressão e a injustiça. A "espada de combate" representa o poder da palavra para denunciar, mobilizar e transformar a sociedade.

06 – Qual é a mensagem principal que Antero de Quental transmite no poema "A um Poeta"?

      A mensagem principal do poema é que o poeta não pode se alienar da realidade social, mas sim assumir um papel ativo na luta por um mundo mais justo e igualitário. Ele deve despertar do seu sono, abandonar a passividade e utilizar sua arte como arma de combate em prol da transformação social.

 

 

 

POEMA: QUICHIMBI SEREIA NEGRA - JORGE DE LIMA - COM GABARITO

 Poema: Quichimbi Sereia Negra

              Jorge de Lima

Quichimbi sereia negra
bonita como os amores
que tem partes de chigonga
não tem cabelos no corpo,
é lisa que nem muçum,
é ligeira que nem buru
não tem matungo e é donzela,
ao mesmo tempo pariu
jurará sem urucaia.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiB2Kr16xyVR4_bsGOGQw42uuWzgrGhBm8uAQ_xs3T3SXfKQbEfUcC0W_4wm8XjJns21pQFRALUh2W7Wm0nQ7P3y1H972KyYfCWIxYaTdtYn6z8fffIJKdbin8kwQ5Z__OnYyd9W52ujsRhsyeKJtsC5TYp5vkkEvSS1K10hw0RCByHBM2vKp7PIRqAOmY/s320/SEREIA.png


Quichimbi vive nas ondas
coberta de espuma branca,
dormindo com o boto azul,
conservando a virgindade
tão difícil de sofrer.
Quichimbi segue nas ondas
dez mil anos caminhando,
dez mil anos assistindo
as terras mudar de dono,
o mar servindo de escravo
ao homem branco das terras.
Quichimbi sereia negra
bonita como os amores
dormindo com o boto azul,
não sabe de nada, não.

Jorge de Lima. Fonte: "Novos poemas; Poemas escolhidos; Poemas negros", Editora Lacerda, 1997.

Entendendo o poema:

01 – Quem é Quichimbi e quais são suas características principais, de acordo com o poema?

      Quichimbi é uma sereia negra, descrita como bonita como os amores. Ela possui características peculiares, como ter "partes de chigonga" (possivelmente uma referência à sua origem africana ou a alguma divindade), não ter cabelos no corpo, ser lisa como um muçum e ligeira como um buru (tipo de peixe). Apesar de ser donzela, ela também "pariu", numa aparente contradição que pode simbolizar a fertilidade e a força da natureza.

02 – Qual é o significado da afirmação de que Quichimbi "jurará sem urucaia"?

      A "urucaia" é uma semente utilizada em jogos de adivinhação e feitiçaria. A afirmação de que Quichimbi jurará sem urucaia sugere que sua palavra é verdadeira e confiável, não necessitando de artifícios ou subterfúgios.

03 – Onde Quichimbi vive e o que ela faz, segundo o poema?

      Quichimbi vive nas ondas do mar, coberta de espuma branca. Ela dorme com o boto azul, um símbolo de sedução e mistério, mas conserva sua virgindade, o que é descrito como algo difícil de alcançar.

04 – Qual é a relação de Quichimbi com o tempo e com a história, conforme expresso no poema?

      Quichimbi é apresentada como uma figura atemporal, que "segue nas ondas dez mil anos caminhando" e "dez mil anos assistindo" às mudanças na terra e no domínio do mar. Ela testemunha a passagem do tempo e as transformações da humanidade, mas permanece alheia a elas, como se estivesse em um plano diferente da realidade.

05 – Qual é o tom geral do poema "Quichimbi Sereia Negra"?

      O poema apresenta um tom de encantamento e mistério, com elementos da cultura afro-brasileira e da mitologia. Quichimbi é uma figura enigmática, que representa a força da natureza, a beleza e a sabedoria ancestral. O poema celebra a figura da sereia negra como um símbolo de resistência e de conexão com o divino.

 



 

CONTO: O BANHO DAS NEGRAS - INÍCIO DE A MULHER OBSCURA - (FRAGMENTO) - JORGE DE LIMA - COM GABARITO

 Conto: O BANHO DAS NEGRAS – Início de A mulher obscura – Fragmento

        Em casa de Laécio não havia álbuns. A família de meu companheiro de infância parecia não ter tradição nem história. Lembro-me que um dia, perguntando-lhe como se chamava seu avô, ele me disse:

        — Morreu há muito tempo. Não me lembro como era, mas papai deve saber. Um dia pergunto.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhtKrFkkia2UsOe6nQutmhb9U6BtljLUGSkpy69VKVqHLnQKRhA2jVnZRtJ_GeLBc-q0At0yaYJIzK7NyjAPR_yJtwrob03eXO8y9OzmdhuKUWEowW1-RvBAjQXa4HGO6OkFK5WK9rHKjuZ0lJXYtmAbd2e827Zok7GR1zLIQKrdim05ElVGyinh_j8CWs/s1600/NEGRA.jpg


        Recordo, porém, que era, de todos os meus amigos, o que mais me atraía.

        Talvez não fosse o companheiro em si, em quem, já por aquele tempo, percebia uma capacidade de mentir maior que a de todos os meus outros camaradas, e uma grande habilidade de surripiar nossos objetos escolares, selos, estampas e brinquedos. Talvez o que me atraía para Laécio fosse a sua chácara, a sua grande chácara onde devia existir a Arvore do Bem e do Mal, chácara tão tentadora para mim.

        Os fundos davam para o rio. Um dia, Laécio me chamou para assistir o banho de umas negras. O espetáculo que se me oferecia não me deixou nenhuma impressão menos pura.

        As negras estavam ali tomando banho, negras novas do Caípe que se lavavam debaixo dos ramos das ingazeiras arriadas sobre as águas. Abriam bandós com os cacos de pente de chifre, e como não dispunham de espelhos, ajudavam-se na tualete.

        As molecas eram bonitas, ágeis e puras. Eu estava, apenas, encantado de ver corpos negros, tão diferentes dos brancos, embelezando-se ligeiros, antes de entrar n’água. Reparava que aquele banho era diferente do banho de umas parentas, que me deixaram uma vez esperando por elas, na beira do rio. As brancarronas se penteavam depois do banho, cuidadosas, com a toalha sobre os ombros, debaixo dos cabelos soltos. Mas as molecas podiam, com uma ligeireza espantosa, se coçar, espenujar, separar com os cacos de pente o cabelo lanzudo, mergulhar na água transparente e sair outra vez sem que o cabelo se desmanchasse; a água não lhes alterava a beleza. O contraste daqueles corpos pretos e luzidios sobre a areia das margens ou sob a espuma do sabão me impressionou bastante. Nunca tinha visto espuma sobressair tanto, correndo ligeira nas costas escuras ou descendo entre os seios espigados pelo ventre abaixo. Mais ligeiros que a espuma, eram os seus braços harmoniosos. Algumas com a cara ensaboada, sem abrir os olhos para evitar a espuma, aparavam-na antes que ela se perdesse no chão. A espuma grossa voltava outra vez para debaixo das axilas ou dos ombros, esmagada de novo pelas esguias mãos. Outras se ajudavam no ensaboamento esfregando as costas das companheiras ou os lugares que os braços não atingiam. Achei lindas as negras. Achei-as ágeis, diferentes. Mas Laécio me advertira que era proibido vê-las assim nuas; e se elas soubessem que nós as espreitávamos no banho, contariam a nossos pais e estes ralhariam conosco e seríamos castigados.

        [...]

Jorge de Lima. © by Editora Nova Aguilar S.A. Rua Dona Mariana, 250, casa I — Botafogo CEP: 22280-020 – Rio de Janeiro, RJ.

Entendendo o conto:

01 – Qual é a principal característica da família de Laécio, segundo o narrador?

      A família de Laécio é descrita como não tendo tradição nem história, evidenciada pela falta de álbuns de família e pela dificuldade de Laécio em se lembrar do nome de seu avô.

02 – O que mais atraía o narrador em Laécio?

      O que mais atraía o narrador em Laécio não era o amigo em si, que ele percebia como mentiroso e habilidoso em surripiar objetos, mas sim a sua chácara, com a possibilidade de existir a "Árvore do Bem e do Mal".

03 – Qual é o evento central narrado no fragmento do conto?

      O evento central é o banho das negras no rio, presenciado pelo narrador e por Laécio.

04 – Que impressão o banho das negras causou no narrador?

      O banho das negras causou uma impressão de pureza e encantamento no narrador. Ele se maravilha com a beleza, a agilidade e a diferença dos corpos negros em relação aos corpos brancos.

05 – Como o narrador descreve as negras que estão tomando banho?

      O narrador descreve as negras como "novas do Caípe", "bonitas, ágeis e puras". Ele destaca a forma como elas se embelezam com cacos de pente de chifre e a leveza com que se movem na água.

06 – Qual é a diferença entre o banho das negras e o banho de parentas do narrador?

      O banho das negras é descrito como rápido e prático, enquanto o banho das parentas do narrador é apresentado como demorado e cuidadoso. As negras se lavam com agilidade, sem se preocupar em arrumar os cabelos, enquanto as parentas se penteiam com cuidado após o banho.

07 – Que sentimento Laécio demonstra em relação ao banho das negras?

      Laécio demonstra um sentimento de apreensão e medo, pois adverte o narrador de que é proibido vê-las nuas e que eles podem ser castigados se forem descobertos espionando o banho.