Miniconto: Declaração de Amor
Clarice
Lispector
Esta é uma confissão de amor: amo a
língua portuguesa.
Ela não é fácil. Não é maleável. E, como não foi profundamente trabalhada pelo pensamento, a sua tendência é a de não ter sutilezas e de reagir às vezes com um verdadeiro pontapé contra os que temerariamente ousam transformá-la numa linguagem de sentimento e de alerteza. E de amor. A língua portuguesa é um verdadeiro desafio para quem escreve. Sobretudo para quem escreve tirando das coisas e das pessoas a primeira capa de superficialismo.

Às vezes ela reage diante de um pensamento mais complicado. Às vezes se assusta com o imprevisível de uma frase. Eu gosto de manejá-la — como gostava de estar montada num cavalo e guiá-lo pelas rédeas, às vezes lentamente, às vezes a galope.
Eu queria que a língua portuguesa chegasse ao máximo nas minhas mãos. E esse desejo todos os que escrevem têm. Um Camões e outros iguais não bastaram para nos dar para sempre uma herança de língua já feita. Todos nós que escrevemos estamos fazendo do túmulo do pensamento alguma coisa que lhe dê vida.
Essas dificuldades, nós as temos. Mas não falei do encantamento de lidar com uma língua que não foi aprofundada. O que recebi de herança não me chega.
Se eu fosse muda, e também não pudesse
escrever, e me perguntassem a que língua eu queria pertencer, eu diria: inglês,
que é preciso e belo. Mas como não nasci muda e pude escrever, tornou-se
absolutamente claro para mim que eu queria mesmo era escrever em português. Eu
até queria não ter aprendido outras línguas: só para que a minha abordagem do
português fosse virgem e límpida.
Antologia universitária, vol. I. Universidade de Taubaté, 1980.
Fonte: Português – 1º
grau – Descobrindo a gramática 8. Gilio Giacomozzi; Gildete Valério; Cláudia
Reda Fenga. São Paulo. FTD, 1992. p. 34.
Entendendo o miniconto:
01 – Qual é a "confissão
de amor" feita pela autora no início do texto?
A autora confessa
o seu amor pela língua portuguesa.
02 – Quais são as principais
dificuldades da língua portuguesa apontadas pela autora?
A autora descreve
a língua portuguesa como não sendo fácil e nem maleável. Ela aponta que a
língua não foi profundamente trabalhada pelo pensamento e que às vezes reage
com um "pontapé" quando usada para expressar sutilezas ou pensamentos
complexos.
03 – No texto, a autora faz
uma analogia para descrever como gosta de "manejar" a língua
portuguesa. Qual é essa analogia?
Ela compara o ato
de manejar a língua com a experiência de estar montada num cavalo e guiá-lo
pelas rédeas, ora lentamente, ora a galope.
04 – Segundo Clarice, por que a
herança deixada por grandes escritores como Camões não é suficiente para os
autores atuais?
A autora afirma
que a herança de Camões e outros não é suficiente porque a língua precisa ser
constantemente trabalhada e renovada. Para ela, todos que escrevem estão
"fazendo do túmulo do pensamento alguma coisa que lhe dê vida".
05 – No final do texto, a
autora faz uma escolha entre línguas. Se fosse muda e não pudesse escrever,
qual língua ela escolheria? E por que ela, de fato, escolhe o português?
Se fosse muda, ela escolheria o inglês, que considera preciso
e belo. No entanto, como pode escrever, ela se dá conta de que sua única e
verdadeira vontade é escrever em português, e chega a desejar não ter aprendido
outras línguas para que sua abordagem ao português fosse "virgem e
límpida".
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