domingo, 16 de fevereiro de 2025

CONTO: ZEFA LAVADEIRA - TRECHO DE A MULHER OBSCURA (FRAGMENTO) - JORGE LIMA - COM GABARITO

 Conto: ZEFA LAVADEIRATrecho de A mulher obscura – Fragmento

           Jorge Lima

        [...]

        Uma trouxa de roupa é um mundo animado de anáguas, de corpinhos, de fronhas, de lençóis e toalhas servis; em resumo: dos homens e suas preocupações.

        E qual é a maior força desse mundo? Onde o segredo das suas atividades?

        — Olha o amor, Zefa, — olha os lençóis — torna-nos semelhantes aos deuses, faz vibrar em nós o poema dos plasmas que neles se geraram. Por eles, retrocedendo pelo caminho de certas memórias obscuras, voltamos às Formas primeiras, às Energias inteligentes.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgwS8jB2q8oxKdTP4yUu1k1joRFVZEAi3t6f7oVZ_UYSm7PpHt_uH01ykHUan0wjBC-7xa_QItq9II9lbZPkk2mygXLe-6jCFGyI7dqAZDuoeF-XSqEBlaXIy1rJxdWUaJjc4x9VgdDT5EzUu5ZqoOSxrQCGoT-rmdDc8G_noSQoBSDOrrIAd_vPv8MD1M/s1600/lavadeiras%205.jpg


        E desfazendo aquela trouxa de roupa com o desembaraço de Jeová, compondo e recompondo um caos, mostra-me peça por peça, todas aquelas forças mencionadas, lodos genésicos, ou salivas do Espírito que adejou sobre as águas.

        Mas Zefa deu um muxoxo, arrepanhando as fraldas, arrastando os pés. Zefa não tinha antenas para a torrente declamatória interior de minha juventude em dias de convalescença.

        Pela vereda que vinha do rio, surgiu cantarolando uma cafuza nova, com o pote à cabeça, o braço direito erguido, segurando a rodilha.

        E senti-a em tudo, — na algazarra dos ramos, na toada das águas despenhadas, nos vegetais variegados como arraiais, no tumulto dos seres que sofrem, amam e se perpetuam correndo a vida.

        Josefa — lavadeira, porque se julga a sós, vai despindo as belezas selvagens de ninfa cafuza.

        No remanso em que bate a roupa, há bambus e ingazeiros pelas margens. Josefa entra o caudal até as coxas morenas, a camisa arregaçada, o cabeção de crochê impelido pelos seios duros, tostados de soalheiras.

        O braço valente arroja o pano contra a pedra de bater, e a axila cobre-se e descobre-se, piscando a tentação de arrochos e rendições cheias de saciedades. Aqui, toda lavadeira de roupa é boa cantaderia. A cantiga é uma corruptela de velhas toadas num tom languoroso, alimentado de sofreguidões, de desejos incontidos, e de lamentações incorrespondidas.

        Depois de lavar a roupa dos outros, Zefa lava a roupa que a cobre no momento. Depois, deixa-se corando sobre o capim. Então Zefa lavadeira ensaboa o seu próprio corpo, vestido do manto de pele negra com que nasceu. Outras Zefas, outras negras vêm lavar-se no rio. Eu estou ouvindo tudo, eu estou enxergando tudo. Eu estou relembrando a minha infância. A água, levada nas cuias, começa o ensaboamento; desce em regatos de espuma pelo dorso, e some-se entre as nádegas rijas. As negras aparam a espuma grossa, com as mãos em concha, esmagam-na contra os seios pontudos, transportam-na com agilidade de símios, para os sovacos, para os flancos; quando a pasta branca de sabão se despenha pelas coxas, as mãos côncavas esperam a fugidia espuma nas pernas, para conduzi-la aos sexos em que a África parece dormir o sono temeroso de Cam.

        [...]

Jorge de Lima. © by Editora Nova Aguilar S.A. Rua Dona Mariana, 250, casa I — Botafogo CEP: 22280-020 – Rio de Janeiro, RJ.

Entendendo o conto:

01 – Qual é a principal metáfora utilizada no início do conto?

      A principal metáfora é a da trouxa de roupa como um "mundo animado" que representa as preocupações e a vida dos homens.

02 – O que os lençóis simbolizam, de acordo com o narrador?

      Os lençóis simbolizam o amor e a ligação com as "Formas primeiras" e "Energias inteligentes", remetendo a memórias obscuras e à origem da vida.

03 – Como Zefa reage à reflexão poética do narrador sobre a roupa?

      Zefa reage com um "muxoxo", demonstrando que não compreende ou não se interessa pela reflexão poética do narrador. Ela está mais preocupada com o trabalho de lavar roupa.

04 – Quem é a cafuza que surge cantando pela vereda?

      A cafuza que surge é uma jovem mulher, provavelmente uma trabalhadora rural, que vem do rio com um pote na cabeça. Sua presença e seu canto contrastam com a reflexão introspectiva do narrador.

05 – O que o narrador sente ao ver a cafuza e a natureza ao redor?

      O narrador sente uma conexão profunda com a natureza e com a força da vida. Ele percebe a presença da cafuza em tudo ao seu redor, desde os ramos das árvores até as águas do rio.

06 – Como Zefa é descrita enquanto lava roupa no rio?

      Zefa é descrita como uma "ninfa cafuza" que se despe de suas "belezas selvagens" para lavar a roupa. Ela entra no rio com a camisa arregaçada e o corpo exposto, demonstrando sua força e sensualidade.

07 – O que o narrador observa ao ver outras negras se lavando no rio?

      O narrador observa o ritual de lavagem do corpo das negras, destacando a agilidade com que elas ensaboam e enxaguam a pele. Ele faz uma conexão com a África, como se estivesse testemunhando um ritual ancestral de purificação.

 

POEMA: NORDESTE - JORGE LIMA - COM GABARITO

 Poema: NORDESTE

             Jorge Lima

Nordeste, terra de São Sol!                                    

Irmã enchente, vamos dar graças a Nosso Senhor,

que a minha madrasta Seca torrou seus anjinhos

para os comer.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhjFlp7QwJsOk7fxzhkpwJCKPrv6WUexpf6VA2wF-mMzb2JucVGRTnFuzvm-ju9Cse5hVxemwfnWzjpdPlAd-NMG2kSAbfLnX48zkarCZqcSLKXdnUyvZteayfkigOHjQaRirf_8rOorGmYOWEmlWj7Z0KVh4iHMASYHOQxGu7WWOsOArw0rOXd1flbwEA/s320/NORDESTE.jpg


São Tomás passou por aqui?

Passou, sim senhor!

Pajeú! Pajeú!

Vamos lavar Pedra Bonita, meus irmãos,

com o sangue de mil meninos, amém!

D. Sebastião ressuscitou!

S. Tomé passou por aqui?

Passou, sim senhor.

Terra de Deus! Terra de minha bisavó

que dançou uma valsa com D. Pedro II.

São Tomé passou por aqui?

Tranca a porta, gente, Cabeleira aí vem!

Sertão! Pedra Bonita!

Tragam uma virgem para D. Lampião!

Jorge de Lima. Obra poética. EDITORA: GETULIO COSTA. Caixa Postal – 1829 – Rio de Janeiro.

Entendendo o poema:

01 – Qual é o principal tema abordado no poema "Nordeste" de Jorge Lima?

      O poema aborda a complexa e multifacetada realidade do Nordeste brasileiro, expondo tanto a beleza e a riqueza cultural da região ("Nordeste, terra de São Sol!") quanto os seus problemas sociais, como a seca ("madrasta Seca") e a violência ("Cabeleira aí vem!").

02 – Que figuras históricas e religiosas são mencionadas no poema e qual o seu significado?

      O poema faz referência a diversas figuras, como São Tomás, D. Sebastião, D. Pedro II, Lampião e o Pajeú. São Tomás representa a fé e a religiosidade presentes na cultura nordestina. D. Sebastião, figura lendária da história portuguesa, simboliza a esperança e a crença em um futuro melhor. D. Pedro II, último imperador do Brasil, evoca um tempo de mudanças e transformações. Lampião, cangaceiro famoso, representa a força e a rebeldia do povo sertanejo. O Pajeú, figura mítica da cultura popular, é invocado como um guia espiritual.

03 – Qual é o tom geral do poema: de celebração, de denúncia ou de uma mistura dos dois?

      O poema apresenta um tom ambivalente, que mistura celebração e denúncia. Ao mesmo tempo em que exalta a beleza e a cultura do Nordeste, o poema também critica a miséria, a violência e a opressão presentes na região.

04 – Que imagens e símbolos são utilizados no poema para representar o Nordeste?

      O poema utiliza uma variedade de imagens e símbolos para representar o Nordeste, como o sol ("terra de São Sol"), a seca ("madrasta Seca"), a enchente ("Irmã enchente"), o sangue ("sangue de mil meninos"), a valsa ("valsa com D. Pedro II") e o cangaço ("Cabeleira aí vem!"). Esses elementos evocam tanto a riqueza natural e cultural da região quanto os seus problemas sociais e históricos.

05 – Qual é a importância do poema "Nordeste" de Jorge Lima para a literatura brasileira?

      O poema "Nordeste" é importante por sua força expressiva, por sua capacidade de retratar a complexidade da realidade nordestina e por sua inovação estética. Jorge Lima utiliza uma linguagem poética original e ousada, que combina elementos da tradição oral e da literatura erudita, para criar um retrato vívido e impactante do Nordeste brasileiro.

 

POEMA: DO NADADOR - JORGE DE LIMA - COM GABARITO

 Poema: Do nadador

             Jorge de Lima

A água é falsa, a água é boa.
Nada, nadador!
A água é mansa, a água é doida,
aqui é fria, ali é morna,
a água e fêmea.
Nada, nadador!
A água sobe, a água desce,
a água é mansa, a água é doida.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgoamsAmGoyliZUX8041AeAtRH9YDdXaX0_gpSmiQGC8z4Eg-NhTXkc1HKvCeMjpCsX95wrGhNy1h11B7VtsbChHaqd7JrcQ3GvsgheZo_JRkCDDcSkOFdOCifpalQ0rVz3VRWSGQZg4yJw76_2JwoOGjoXdQgZfPGVDgu6F2Sq0luppgGXg8OadGwPJj0/s320/AGUA.jpg


Nada, nadador!
A água te lambe, a água te abraça
a água te leva, a água te mata.
Nada, nadador!
Senão, que restara de ti, nadador?
Nada, nadador.

Jorge de Lima. Do livro: "Poemas – Jorge de Lima" [Seleção de Gilberto Mendonca Teles]. Global Editora e Distr. Ltda, 1994, SP.

Entendendo o poema:

01 – Qual é a principal metáfora presente no poema "Do Nadador"?

      A principal metáfora do poema é a da água como representação da vida. A água, com suas características ambíguas (falsa e boa, mansa e doida, fria e morna), simboliza a complexidade e a imprevisibilidade da existência.

02 – Qual é o significado do imperativo "Nada, nadador!" que se repete ao longo do poema?

      O imperativo "Nada, nadador!" funciona como um chamado à ação, um incentivo para que o indivíduo enfrente os desafios e as incertezas da vida. O nadador representa o ser humano que precisa seguir em frente, apesar dos obstáculos e das dificuldades.

03 – Que sensações a água provoca no nadador, de acordo com o poema?

      A água provoca diversas sensações no nadador, como ambiguidade (falsa e boa), imprevisibilidade (mansa e doida), variação (fria e morna), feminilidade (a água é fêmea), ameaça (a água te leva, a água te mata) e até mesmo carinho (a água te lambe, a água te abraça). Essas sensações mostram a relação complexa e multifacetada do ser humano com a vida.

04 – Qual é a reflexão central proposta pelo poema "Do Nadador"?

      A reflexão central do poema gira em torno da necessidade de o ser humano se adaptar e persistir diante das adversidades da vida. O nadador, ao ser confrontado com a natureza multifacetada da água, precisa aprender a nadar, ou seja, a viver, para não ser tragado por ela.

05 – Qual é a importância do poema "Do Nadador" de Jorge de Lima para a literatura brasileira?

      O poema "Do Nadador" é importante por sua concisão, por sua força metafórica e por sua capacidade de suscitar reflexões profundas sobre a condição humana. Jorge de Lima utiliza uma linguagem poética simples e direta para abordar temas universais como a vida, a morte, o medo e a superação.

 

 

MÚSICA(ATIVIDADES): ROCK DO DIABO - RAUL SEIXAS - COM GABARITO

 Música(Atividades): Rock do Diabo

                Raul Seixas

Me dê um porco vivo
Para eu encher minha pança
Três quilos de alcatra
Com muqueca de esperança...

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgcboQYevXerDrDgDCfw_c_S4GoTUz9yNppOxXK-mIOtwaaoxRMcZPulSZ_FyjcR2gfD-O0minE3Nc9Bn4H-Ta9LpnAcXDPAC3iVlDGPFvwxCW_NstDDqjhwHh94BMOBS2KQyP_UbVj7sWvTpk1scp6bWGMtdGIWnMq040VtubS4FBj6Il9kGeY8bO8Tkw/s320/RAUL.jpg


Diabo!
O diabo usa capote
É Rock! É Toque! É Forte!
Diabo!
Foi ele mesmo
Que me deu o toque...

Enquanto Freud
Explica as coisas
O diabo fica dando toque...

Existem dois diabos
Só que um parou na pista
Um deles é do toque
O outro é aquele do exorcista...

Diabo!
O diabo usa capote
É Rock! É Toque! É Forte!
Diabo!
Foi ele mesmo
Que me deu o toque
Huuuum!...

Enquanto Freud
Explica as coisas
O diabo fica dando os toque...

Mamãe disse a Zequinha
Nunca pule aquele muro
Zequinha respondeu
Mamãe aqui tá mais escuro...

Diabo!
O diabo usa capote
É Rock! É Toque! É Forte!
Diabo!
Foi ele mesmo que
Me deu o toque...

Enquanto Freud
Explica as coisas
O diabo fica dando os toque...

O diabo é o pai do rock!
O diabo é o pai do rock!
Então é very god rock!
O diabo é o pai do rock
Enquanto Freud explica
O diabo dá os toque...

Composição: Paulo Coelho / Raul Seixas. 

Fonte: Livro – Português: Linguagens, Vol. Único. William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães. Ensino Médio, 1ª ed. 4ª reimpressão – São Paulo: ed. Atual, 2003. p. 229.

Entendendo a música:

01 – Qual é a principal mensagem da música "Rock do Diabo"?

      A música "Rock do Diabo" de Raul Seixas aborda a dualidade entre o bem e o mal, o certo e o errado, utilizando a figura do diabo como uma metáfora para expressar a transgressão, a rebeldia e a quebra de paradigmas. A canção também faz referência à influência do rock'n'roll como uma força transgressora e inovadora na sociedade.

02 – Quem é o "diabo" mencionado na música?

      Na música, o "diabo" é usado metaforicamente para representar o lado transgressor e rebelde do ser humano, aquele que desafia as normas e convenções sociais. Não se trata necessariamente de uma figura religiosa, mas sim de uma força que impulsiona a mudança e a quebra de paradigmas.

03 – Qual é a relação entre o "diabo" e o rock'n'roll na música?

      A música estabelece uma relação entre o "diabo" e o rock'n'roll, afirmando que "o diabo é o pai do rock". Essa afirmação sugere que o rock'n'roll, assim como o "diabo", é uma força transgressora e inovadora que desafia as normas e convenções sociais.

04 – O que significa a frase "Enquanto Freud explica as coisas, o diabo fica dando os toque"?

      Essa frase faz uma crítica à tentativa de racionalizar e explicar tudo através da ciência e da psicanálise, representada por Freud. O "diabo", por sua vez, representa a intuição, a criatividade e a transgressão, elementos que não podem ser totalmente explicados pela razão.

05 – Qual é o significado da história de Zequinha e sua mãe na música?

      A história de Zequinha e sua mãe ilustra a ideia de que nem sempre o caminho mais seguro e convencional é o melhor. Zequinha escolhe pular o muro, mesmo com o aviso de sua mãe, e encontra algo que o agrada ("aqui tá mais escuro"). Essa passagem pode ser interpretada como uma metáfora para a busca por novas experiências e a quebra de barreiras.

06 – Qual é a importância da repetição do refrão na música?

      A repetição do refrão "Diabo! O diabo usa capote. É Rock! É Toque! É Forte! Diabo! Foi ele mesmo que me deu o toque" enfatiza a mensagem central da música, que é a exaltação da figura do "diabo" como uma força transgressora e inspiradora.

07 – Qual é a sua interpretação pessoal da música "Rock do Diabo"?

      A música "Rock do Diabo" de Raul Seixas pode ser interpretada como uma celebração da liberdade, da criatividade e da quebra de convenções sociais. A figura do "diabo" é utilizada como uma metáfora para expressar a rebeldia e a ousadia, características que são valorizadas na música.

 

 

POEMA: BOA NOITE - CASTRO ALVES - COM GABARITO

 Poema: Boa Noite

              Castro Alves

Boa noite, Maria! Eu vou-me embora.
A lua nas janelas bate em cheio.
Boa noite, Maria! É tarde... é tarde. .
Não me apertes assim contra teu seio.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi-0LhyphenhyphenoV3qeLPeWkSbIq6IzX0k-J4dwUrwPS3X1VQaxVNj28bComTcIPBa5tceHIA0hIxHSxXfdWP7sb15b4rhd-3slOC_9RFG2aJwKkiLUm7SGEUbeugdeXbP5NTsQJ07LV_iXHUUUjFNPv43-6tczZZeWHE46kYgkMtB43MPouoie6Ho10AAgJbchZI/s1600/JANELA.jpg



Boa noite! ... E tu dizes - Boa noite.
Mas não digas assim por entre beijos...
Mas não mo digas descobrindo o peito,
— Mar de amor onde vagam meus desejos!

Julieta do céu! Ouve... a calhandra
já rumoreja o canto da matina.
Tu dizes que eu menti? ... pois foi mentira...
Quem cantou foi teu hálito, divina!

Se a estrela-d'alva os derradeiros raios
Derrama nos jardins do Capuleto,
Eu direi, me esquecendo d'alvorada:
"É noite ainda em teu cabelo preto..."

É noite ainda! Brilha na cambraia
— Desmanchado o roupão, a espádua nua
O globo de teu peito entre os arminhos
Como entre as névoas se balouça a lua. . .

É noite, pois! Durmamos, Julieta!
Recende a alcova ao trescalar das flores.
Fechemos sobre nós estas cortinas...
— São as asas do arcanjo dos amores.

A frouxa luz da alabastrina lâmpada
Lambe voluptuosa os teus contornos...
Oh! Deixa-me aquecer teus pés divinos
Ao doudo afago de meus lábios mornos.

Mulher do meu amor! Quando aos meus beijos
Treme tua alma, como a lira ao vento,
Das teclas de teu seio que harmonias,
Que escalas de suspiros, bebo atento!

Ai! Canta a cavatina do delírio,
Ri, suspira, soluça, anseia e chora. . .
Marion! Marion!... É noite ainda.
Que importa os raios de uma nova aurora?!...

Como um negro e sombrio firmamento,
Sobre mim desenrola teu cabelo...
E deixa-me dormir balbuciando:
— Boa noite! — formosa Consuelo.

ALVES, C. Espumas Flutuantes, 1870.

Fonte: Livro – Português: Linguagens, Vol. Único. William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães. Ensino Médio, 1ª ed. 4ª reimpressão – São Paulo: ed. Atual, 2003. p. 192.

Entendendo o poema:

01 – Qual é o tema central do poema "Boa Noite"?

      O tema central do poema é o amor e o desejo, expressos através da despedida de um amante e sua amada. À noite, com sua atmosfera romântica e sensual, serve de cenário para a paixão dos dois.

02 – Quem são os personagens principais do poema?

      Os personagens principais são o amante, que se dirige à amada, chamada Maria, Consuelo ou Julieta, e a própria amada, que responde com um "Boa noite" carregado de emoção.

03 – Qual é o tom predominante do poema?

      O tom predominante do poema é apaixonado e sensual. O amante expressa seu amor e desejo de forma intensa, utilizando metáforas e comparações para descrever a beleza e o encanto da amada.

04 – Que recursos poéticos Castro Alves utiliza para expressar a intensidade do amor no poema?

      Castro Alves utiliza diversos recursos poéticos, como metáforas ("Mar de amor onde vagam meus desejos"), comparações ("Como entre as névoas se balouça a lua"), exclamações ("Julieta do céu!"), interrogações retóricas ("Que importa os raios de uma nova aurora?!"), aliterações ("frouxa luz da alabastrina lâmpada") e assonâncias ("Ri, suspira, soluça, anseia e chora").

05 – Qual é o significado do verso "É noite ainda em teu cabelo preto..."?

      Esse verso expressa o desejo do amante de que a noite e o momento de amor não terminem. Ele se encanta com a beleza da amada e quer prolongar a experiência, mesmo que o dia já esteja amanhecendo.

06 – Por que a amada é chamada de Julieta no poema?

      A amada é chamada de Julieta em referência à personagem da tragédia de Shakespeare, "Romeu e Julieta". Essa comparação sugere um amor intenso e proibido, que enfrenta obstáculos e desafios.

07 – Qual é a importância do título "Boa Noite" para o poema?

      O título "Boa Noite" é irônico, já que o poema não se limita a uma simples saudação noturna. Ele representa o início de um diálogo amoroso e apaixonado, que se desenrola durante a noite e se estende até o amanhecer. À noite, no poema, é um espaço de intimidade, amor e desejo.

 

 

ROMANCE: INOCÊNCIA - (FRAGMENTO) - VISCONDE DE TAUNAY - COM GABARITO

 Romance: Inocência – Fragmento

                 Visconde de Taunay

        Estava Cirino fazendo o inventário da sua roupa e já começava a anoitecer, quando Pereira novamente a ele se chegou.

        -- Doutor, disse o mineiro, pode agora mecê entrar para ver a pequena. Está com o pulso que nem um fio, mas não tem febre de qualidade nenhuma.

        -- Assim é bem melhor, respondeu Cirino.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj_xysLzdNFlMUN9E9azv5H03MrIwg-JM8a-wddmFpXmGp3K3vCdJdNreNOyyvp6aq3iWz4dUwFW8jeSJlJ2fPrDPmV7fCL58lt0aL4ZVH7RcWMnBZs-wQBbgXoo9C9Ju-PY4CYnITav3hjB9Qib53ADkA94sOYt3qUH5DW2TrX3l19e15V_oihnZyTni4/s320/Inocencia-Visconde-de-Taunay-3a-Ed..jpg


        E, arranjando precipitadamente o que havia tirado da canastra, fechou-a e pôs-se de pé.

        Antes de sair da sala, deteve Pereira o hóspede com ar de quem precisava tocar em assunto de gravidade e ao mesmo tempo de difícil explicação.

        Afinal começou meio hesitante:

        -- Sr. Cirino, eu cá sou homem muito bom de gênio, muito amigo de todos, muito acomodado e que tenho o coração perto da boca, como vosmecê deve ter visto...

        -- Por certo, concordou o outro.

        -- Pois bem, mas... tenho um grande defeito; sou muito desconfiado. Vai o doutor entrar no interior da minha casa e... deve postar-se como...

        -- Oh, Sr. Pereira! Atalhou Cirino com animação, mas sem grande estranheza, pois conhecia o zelo com que os homens do sertão guardam da vista dos profanos os seus aposentos domésticos, posso gabar-me de ter sido recebido no seio de muita família honesta e sei proceder como devo.

        Expandiu-se um tanto o rosto do mineiro.

        -- Vejo, disse ele com algum acanhamento, que o doutor não é nenhum pé-rapado, mas nunca é bom facilitar... E já que não há outro remédio, vou dizer-lhe todos os meus segredos... não metem vergonha a ninguém, com o favor de Deus; mas negócios da minha casa não gosto de bater língua... Minha filha Nocência fez 18 anos pelo Natal, e é rapariga que pela feição parece moça de cidade, muito ariscazinha de modos, mas bonita e boa deveras... Coitada, foi criada sem mãe, e aqui nestes fundões.

        [...]

        -- Ora muito bem, continuou Pereira caindo aos poucos na habitual garrulice, quando vi a menina tomar corpo, tratei logo de casá-la.

        -- Ah! É casada? Perguntou Cirino.

        -- Isto é, é e não é. A coisa está apalavrada. Por aqui costuma labutar no costeio do gado para são Paulo um homem de mão-cheia, que talvez o Sr. Conheça... o Manecão Doca...

        [...]

        -- Esta obrigação de casar as mulheres é o diabo!... Se não tomam estado, ficam jururus e fanadinhas...; se casam podem cair nas mãos de algum marido malvado... E depois, as histórias!... Ih, meu Deus, mulheres numa casa, é coisa de meter medo... São redomas de vidro que tudo pode quebrar... Enfim, minha filha, enquanto solteira, honrou o nome de meus pais... O Manecão que se aguente, quando a tiver por sua... Com gente de saia não há que fiar... Cruz! Botam famílias inteira a perder, enquanto o demo esfrega um olho.

        Esta opinião injuriosa sobre as mulheres é, em geral, corrente nos sertões e traz como consequência imediata e prática, além da rigorosa clausura em que são mantidas, não só o casamento convencionado entre parentes muito chegados para filhos de menor idade, mas sobretudo os numerosos crimes cometidos, mal se suspeita possibilidade de qualquer intriga amorosa entre pessoa da família e algum estranho.

        [...]

        -- Sr. Pereira, replicou Cirino com calma, já lhe disse e torno a dizer que, como médico, estou há muito tempo acostumado a lidar com famílias e a respeitá-las. É este meu dever, e até hoje, graças a Deus, a minha fama é boa... Quanto às mulheres, não tenho as suas opiniões, nem as acho razoáveis nem de justiça. Entretanto, é inútil discutirmos porque sei que falou-me com toda franqueza, e também com franqueza quero responder. No meu parecer, as mulheres são tão boas como nós, se não melhores: não há, pois, motivo para tanto desconfiar delas e ter os homens em tão boa conta... Enfim, essas suas ideias podem quadrar-lhe à vontade, e é costume meu antigo a ninguém contrariar, para viver bem com todos e deles merecer o tratamento que julgo ter direito a receber. Cuide cada qual de si, olhe Deus para todos nós, e ninguém queira arvorar-se em palmatória do mundo.

        Tal profissão de fé, expedida em tom dogmático e superior, pareceu impressionar agradavelmente a Pereira, que fora aplaudido com expressivo movimento de cabeça a sensatez dos conceitos e a fluência da frase.

        [...]

6. ed. São Paulo: Ática, 1984. p. 29-32.

Fonte: Livro – Português: Linguagens, Vol. Único. William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães. Ensino Médio, 1ª ed. 4ª reimpressão – São Paulo: ed. Atual, 2003. p. 218-219.

Entendendo o romance:

01 – Qual é o contexto da cena apresentada no fragmento?

      O fragmento descreve o encontro entre Cirino, um médico, e Pereira, um homem do sertão. Pereira pede que Cirino examine sua filha, Inocência, que está doente. A conversa revela costumes e valores da sociedade sertaneja do século XIX, como a desconfiança em relação a estranhos e a visão tradicional sobre o papel das mulheres.

02 – Qual é a principal preocupação de Pereira ao receber Cirino em sua casa?

      Pereira demonstra grande preocupação com a privacidade de sua família, especialmente de sua filha Inocência. Ele expressa desconfiança em relação a Cirino, apesar de reconhecer sua profissão e boa fama, e teme que a presença do médico possa comprometer a honra da família.

03 – O que o diálogo entre Cirino e Pereira revela sobre a visão da sociedade sertaneja sobre as mulheres?

      O diálogo revela que a sociedade sertaneja da época tinha uma visão tradicional e, por vezes, preconceituosa sobre as mulheres. Pereira expressa a opinião de que as mulheres são "redomas de vidro" que podem "quebrar" a qualquer momento, causando problemas e "pondo famílias inteiras a perder". Essa visão reflete a desconfiança e o controle excessivo sobre as mulheres, que eram mantidas em clausura e tinham seus casamentos arranjados pelos pais.

04 – Qual é a opinião de Cirino sobre a visão de Pereira em relação às mulheres?

      Cirino discorda da visão de Pereira sobre as mulheres, defendendo que elas são "tão boas como nós, se não melhores". Ele argumenta que não há motivo para tanta desconfiança e que as mulheres merecem ser tratadas com respeito e igualdade.

05 – Como Cirino se comporta diante da desconfiança de Pereira?

      Cirino se mostra calmo e paciente diante da desconfiança de Pereira. Ele procura tranquilizá-lo, afirmando que tem experiência em lidar com famílias e que sempre respeitou a privacidade de seus pacientes. Ao mesmo tempo, Cirino não deixa de expressar sua opinião sobre a visão de Pereira em relação às mulheres, defendendo seus próprios valores com educação e respeito.

06 – Qual é o significado da expressão "mulheres numa casa, é coisa de meter medo"?

      Essa expressão reflete o medo e a desconfiança que muitos homens sertanejos sentiam em relação às mulheres. Acreditava-se que as mulheres eram frágeis, volúveis e capazes de causar grandes problemas para a família. Essa visão contribuiu para a criação de um ambiente de controle e opressão sobre as mulheres, que eram mantidas em clausura e tinham seus direitos limitados.

07 – O que o fragmento revela sobre os costumes e valores da sociedade sertaneja do século XIX?

      O fragmento revela que a sociedade sertaneja do século XIX era marcada por costumes e valores tradicionais, como a desconfiança em relação a estranhos, o controle excessivo sobre as mulheres e a importância da honra familiar. As mulheres eram vistas como seres frágeis e dependentes, que precisavam ser protegidas e controladas pelos homens da família. O casamento era arranjado pelos pais e as mulheres tinham pouca autonomia para tomar decisões sobre suas próprias vidas.

 

 

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

AUTOBIOGRAFIA: NASCE UM ESCRITOR - JORGE AMADO - COM GABARITO

 Autobiografia: Nasce um escritor

                       Jorge Amado

        O primeiro dever passado pelo novo professor de português foi uma descrição tendo o mar como tema. A classe inspirou, toda ela, nos encapelados mares de Camões, aqueles nunca dantes navegados, o episódio do Adamastor foi reescrito pela meninada. Prisioneiro no internato, eu vivia da saudade das praias do Pontal onde conhecera a liberdade e o sonho. O mar de Ilhéus foi o tema da minha descrição.

 
Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg-jSEi7WJT-KR7ZXmN-W7_VdCPrekj6TG2-lRLgttJb1a_p_45721NT3DU2iHpxJa1zy6pgumhBC4Bf-4MrPf4HicUA9TO83iPp9gtHfvWiCs1N7OAfFZ_-jTimLjEZdeKINMelNo2Pb4ZSQces22YQIp39VnlgcfdoAL47K9IU1l66XeyjZQcclrfEPs/s320/praia-de-mamoan.jpg



        Padre Cabral levara os deveres para corrigir em sua cela. Na aula seguinte, entre risonho e solene, anunciou a existência de uma vocação autêntica de escritor naquela sala de aula. Pediu que escutassem com atenção o dever que ia ler. Tinha certeza, afirmou, o autor daquela página seria no futuro um escritor conhecido. Não regateou elogios. Eu acabara de completar onze anos.

        Passei a ser uma personalidade, segundo os cânones do colégio, ao lado dos futebolistas, os campeões de matemática e de religião, dos que obtinham medalhas. Fui admitido numa espécie de Círculo Literário onde brilhavam alunos mais velhos. Nem assim deixei de me sentir prisioneiro, sensação permanente durante os dois anos em que estudei no colégio dos jesuítas.

        Houve, porém, sensível mudança na limitada vida do aluno interno: o padre Cabral tomou-me sob sua proteção e colocou em minhas mãos livros de sua estante. Primeiro “As viagens de Gulliver”, depois clássicos portugueses, traduções de ficcionistas ingleses e franceses. Data dessa época minha paixão por Charles Dickens. Demoraria ainda a conhecer Mark Twain, o norte-americano não figurava entre os prediletos do padre Cabral.

        Recordo com carinho a figura do jesuíta português erudito e amável. Menos por me haver anunciado escritor, sobretudo por me haver dado o amor aos livros, por me haver me revelado o mundo da criação literária. Ajudou-me a suportar aqueles dois anos de internato, a fazer mais leve a minha prisão, a minha primeira prisão.

Jorge Amado. “O menino Grapiúna”.  Rio de Janeiro: Record, 1987. p.117-120.

Fonte: livro Português: Língua e Cultura – Carlos Alberto Faraco – vol. único – Ensino Médio – 1ª edição – Base Editora – Curitiba, 2003. p. 245.

Entendendo a autobiografia:

01 – Qual foi o primeiro dever de português que Jorge Amado realizou e qual foi o tema?

      O primeiro dever de português passado pelo novo professor foi uma descrição tendo o mar como tema.

02 – Qual foi a reação do Padre Cabral ao ler a descrição de Jorge Amado?

      O Padre Cabral anunciou, risonho e solene, a existência de uma vocação autêntica de escritor naquela sala de aula. Afirmou que o autor daquela página seria no futuro um escritor conhecido e não regateou elogios.

03 – Como Jorge Amado se sentiu após o anúncio do Padre Cabral?

      Jorge Amado passou a ser uma personalidade no colégio, mas nem assim deixou de se sentir prisioneiro, sensação permanente durante os dois anos em que estudou no colégio dos jesuítas.

04 – Qual foi a principal mudança na vida de Jorge Amado após o anúncio do Padre Cabral?

      O Padre Cabral tomou-o sob sua proteção e colocou em suas mãos livros de sua estante, como "As viagens de Gulliver" e clássicos portugueses, o que despertou a paixão de Jorge Amado por Charles Dickens.

05 – Qual é a principal lembrança que Jorge Amado tem do Padre Cabral?

      Jorge Amado recorda com carinho a figura do jesuíta português erudito e amável, não apenas por tê-lo anunciado escritor, mas sobretudo por ter lhe dado o amor aos livros e revelado o mundo da criação literária, ajudando-o a suportar os dois anos de internato.

 

 

REPORTAGEM: A HORA DO LOBO - AFONSO CAPELAS JR. - COM GABARITO

 Reportagem: A hora do lobo

                      Afonso Capelas Jr.

        Ele está sendo visto cada vez com mais facilidade, em geral revirando latas de lixo em busca de comida. Há quem acredite que sua população está aumentando. Mas é possível que o lobo-guará ainda seja um de nossos bichos mais ameaçados. E, como tantos outros, esteja apenas brigando pela sobrevivência.

        O escuro da noite chega no alto do Parque Nacional da Serra da Canastra, em Minas Gerais, e de repente, atraído pelo cheiro de comida e pelo tilintar de talheres e panelas, um lobo-guará se aproxima do alojamento de funcionários do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente). O bicho vasculha avidamente a lixeira à procura de restos de comida, como se fosse um mero cachorro vira-lata. Seu apetite voraz faz com que mastigue e engula até mesmo embalagens de plástico e alumínio. A cena se repete cotidianamente e revela o drama do maior e mais belo canídeo da América do Sul, que já não consegue encontrar no cerrado – seu habitat cada vez mais devastado pela atividade humana – a quantidade suficiente de alimento de que precisa para sobreviver.

Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiQRMMY86ox2e14d77uzUOWCOMvXtJKpVc4aX93W4OWketMoHxw9nLTeci91zcHssnDub3zoaovPSCRPmkz5FcsrWCxv9BKywiZz0ze8ZcxQxLLQM1WLXnL2_9Zn2hobpfBrRfXFqj2RVgTybDm50HJ08HSYImZ_b90oibUjpw_TT3GRR4q1r6cXKkeaLc/s320/lobo.jpg 


        Alguns biólogos acreditam que as aparições cada vez mais frequentes de lobos-guará à procura de comida fácil em áreas habitadas pelo homem têm causado a falsa impressão de que a população da espécie está aumentando. Outros dizem que os lobos estão mesmo proliferando, mas de maneira perigosa, pois seus hábitos originais estão sendo alterados. A despeito das controvérsias, o Ibama acena com a hipótese de tirar o lobo-guará da lista de espécies ameaçadas de extinção, em que está incluído desde 1989. Uma nova relação está sendo preparada. Deverá ser divulgada ainda neste ano e já causa apreensão entre os pesquisadores. Muitos temem que o Ibama decida mesmo pela exclusão do lobo-guará da próxima lista negra, por considera-lo a salvo do desaparecimento. Mas julgam que ainda é muito cedo para tomar tal decisão.

        Dono de pernas compridas, andar elegante, corpo esguio recoberto fartamente de pelos avermelhados, o lobo-guará é um andarilho nato, capaz de percorrer muitos quilômetros por dia. Originalmente encontrado em regiões dominadas pelo cerrado brasileiro – em pontos esparsos desde a Bahia até o Rio Grande do Sul –, nosso lobo também já foi visto nas fronteiras com a Argentina, Paraguai, Peru, Bolívia e Uruguai. Adulto, chega a medir até 1,90m de comprimento e a pesar quase 25 quilos. Um casal de lobos-guará pode ocupar um território de até 30 quilômetros quadrados, devidamente demarcados por urina e fezes. Mesmo convivendo em um mesmo território, o casal mantém a sua sina solitária. Sempre caminhando distantes um do outro, macho e fêmea só se juntam na época do acasalamento, que resulta  em uma ninhada de três filhotes, em média.

        O lobo tem fome – Além de solitário, o lobo-guará é dono de uma fome incomparável. Gosta de caçar pequenos roedores e até insetos, mas também mantém uma dieta de vegetais – em especial o fruto de um arbusto conhecido como lobeira ou fruto-do-lobo, responsável por 50% de sua alimentação. Como o cerrado tem cedido lugar à agricultura, esse cardápio está cada vez mais raro. Sem outra alternativa, o lobo-guará vai chegando mais próximo das áreas habitadas pelos humanos. “Os lobos estão tentando se adequar ao progresso para sobreviver”, reconhece Rogério Cunha de Paula, biólogo da Associação Pró-Carnívoros que estuda os hábitos desses animais na Serra da Canastra e está preparando sua tese de mestrado sobre o assunto.

        Em sua pesquisa de campo, Rogério colocou brincos de plásticos nas orelhas de alguns lobos para monitorar seus passos e presenciou cenas inusitadas. Numas delas, viu a convivência pacífica de um lobo-guará com cães domésticos de uma fazenda. “Os cães podem contaminar os lobos com doenças fatais”, alerta. Em outra, observou a presença de até quatro lobos adultos juntos, perto do centro de visitação do Parque Nacional da Serra da Canastra, fato raro em se tratando de animais que, por natureza, prezam a solidão. “Essa proximidade facilita o cruzamento entre parentes, enfraquecendo geneticamente a espécie”, sugere Rogério. Por tudo isso, o biólogo pondera que, por enquanto, o lobo-guará não deveria sair da lista do Ibama. “É uma espécie que se vem adaptando relativamente bem, mas é inegável que ainda está perigosamente ameaçada”, observa.

        O diretor do zoológico de Belo Horizonte, Carlyle Mendes Coelho, também não quer ver o lobo-guará fora da lista vermelha do Ibama. “Ainda não sabemos o suficiente sobre a espécie”, garante. De fato, os especialistas não se arriscam nem ao menos a estimar quantos exemplares existem na natureza. Carlyle Mendes coordena uma pesquisa com lobos-guará na região do Parque Natural do Caraça, em Minas Gerais – curiosamente próxima de um convento em que os padres alimentam alguns exemplares, atraindo visitantes de todo o país – e não acredita que a população da espécie esteja aumentando: “Com os desmatamentos e novos povoamentos em área de cerrado, o lobo tem sido visto com maior facilidade. Mas, na verdade, é o homem que se aproxima cada vez mais do território do lobo”.

        “Saindo ou não da lista do Ibama, nosso trabalho vai continuar”, garante Bruno Riffel, coordenador ambiental da Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração. Com sede no município mineiro de Araxá, a empresa mantém um criadouro de animais do cerrado, entre eles o lobo-guará. A finalidade é estudar todos os itens do comportamento da espécie, como alimentação, reprodução, imunologia e manejo em cativeiro. “Muitos exemplares nascidos aqui já foram doados a zoológicos e instituições de pesquisa do mundo inteiro”, orgulha-se Riffel. A companhia também desenvolve programas de educação ambiental para estudantes que visitam a empresa e têm a oportunidade de conhecer “Roxinha”, uma simpática fêmea reprodutora que recebe amigavelmente as pessoas com gemidos agudos.

        Mesmo com todas as pesquisas em andamento, ninguém se permite afirmar categoricamente que o belo lobo-guará está livre do estigma de bicho ameaçado de extinção. Por ora, permanecem as dúvidas: ele deve ou não sair da lista vermelha do Ibama? Sua digna reputação de animal selvagem estará a salvo ou, num futuro próximo, ele pode se transformar num reles vira-lata?

CAPELAS JR., Afonso. Terra, junho/2002, p. 73-76.

Fonte: livro Português: Língua e Cultura – Carlos Alberto Faraco – vol. único – Ensino Médio – 1ª edição – Base Editora – Curitiba, 2003. p. 218-220.

Entendendo a reportagem:

01 – Qual é o principal problema enfrentado pelo lobo-guará, de acordo com a reportagem?

      O principal problema é a perda de seu habitat natural, o cerrado, devido ao desmatamento e à expansão da atividade humana. Isso dificulta a sobrevivência, levando-o a se aproximar de áreas habitadas e a revirar lixões em busca de alimento.

02 – Por que alguns biólogos acreditam que a população de lobos-guará está aumentando?

      Acreditam que as aparições frequentes de lobos-guará em áreas habitadas, em busca de comida fácil, causam a falsa impressão de que a população da espécie está crescendo.

03 – Qual é a principal fonte de alimento do lobo-guará?

      Sua principal fonte de alimento é o fruto da lobeira, que corresponde a 50% de sua dieta. No entanto, com a destruição do cerrado, essa fonte de alimento está se tornando cada vez mais rara.

04 – O que o biólogo Rogério Cunha de Paula observou em sua pesquisa sobre os lobos-guará?

      Ele observou a convivência pacífica de um lobo-guará com cães domésticos, o que pode ser perigoso devido ao risco de transmissão de doenças. Além disso, ele flagrou a presença de até quatro lobos adultos juntos, um fato raro para uma espécie que preza a solidão.

05 – Qual é a opinião do diretor do zoológico de Belo Horizonte sobre a retirada do lobo-guará da lista de espécies ameaçadas de extinção?

      Ele é contra a retirada do lobo-guará da lista, pois acredita que ainda não se sabe o suficiente sobre a espécie e que a aproximação do homem ao seu território pode dar a falsa impressão de que sua população está aumentando.

06 – O que faz a Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração em seu criadouro de animais do cerrado?

      A empresa estuda o comportamento do lobo-guará em cativeiro, como sua alimentação, reprodução, imunologia e manejo. Muitos exemplares nascidos no criadouro são doados a zoológicos e instituições de pesquisa.

07 – Qual é a principal preocupação dos pesquisadores em relação à possível retirada do lobo-guará da lista de espécies ameaçadas?

      Eles temem que essa decisão seja prematura, já que a espécie ainda enfrenta diversas ameaças, como a perda de habitat e a alteração de seus hábitos naturais.

08 – O que significa a expressão "vira-lata" no contexto da reportagem?

       A expressão "vira-lata" é usada para se referir a cães sem raça definida, que vivem nas ruas e se alimentam de restos de comida. No contexto da reportagem, ela é usada para questionar se o lobo-guará, um animal selvagem, corre o risco de se tornar um animal dependente da presença humana para sobreviver.

09 – Qual é o principal motivo para o lobo-guará estar se aproximando cada vez mais das áreas habitadas por humanos?

      O principal motivo é a falta de alimento em seu habitat natural, o cerrado, que está sendo destruído pelo desmatamento e pela expansão da agricultura.

10 – Qual é a mensagem principal da reportagem sobre o futuro do lobo-guará?

      A reportagem levanta dúvidas sobre o futuro do lobo-guará, questionando se ele deve ou não sair da lista de espécies ameaçadas. A mensagem principal é que a espécie ainda enfrenta diversas ameaças e que é preciso mais pesquisa e estudo para garantir sua sobrevivência.