terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

ROMANCE: MEMORIAL DO CONVENTO - CAP.I - (FRAGMENTO) - JOSÉ SARAMAGO - COM GABARITO

 Romance: MEMORIAL DO CONVENTO Cap. I – Fragmento

                  José Saramago

        D. João, quinto do nome na tabela real, irá esta noite ao quarto de sua mulher, D. Maria Ana Josefa, que chegou há mais de dois anos da Áustria para dar infantes à coroa portuguesa e até hoje ainda não emprenhou. Já se murmura na corte, dentro e fora do palácio, que a rainha, provavelmente, tem a madre seca, insinuação muito resguardada de orelhas e bocas delatoras e que só entre íntimos se confia. Que caiba a culpa ao rei, nem pensar, primeiro porque a esterilidade não é mal dos homens, das mulheres sim, por isso são repudiadas tantas vezes, e segundo, material prova, se necessária ela fosse, porque abundam no reino bastardos da real semente e ainda agora a procissão vai na praça. Além disso, quem se extenua a implorar ao céu um filho não é o rei, mas a rainha, e também por duas razões. A primeira razão é que um rei, e ainda mais se de Portugal for, não pede o que unicamente está em seu poder dar, a segunda razão porque sendo a mulher, naturalmente, vaso de receber, há de ser naturalmente suplicante, tanto em novenas organizadas como em orações ocasionais. 

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEigvhq74ZSMuS_-Lga6a7bTUL0DQKCsDindrSwrcGf93Se_z4MSZtKzpPu5gi28fUimQYKwjG0wUfeYaIySXtltiNVsBjSJkYcGyNDoxAq0zRZ9I4WPuHqq7MpQK3ZcY1oYysRDDWpLAmCuEALWHdFu0BNZWaPDT2rxT84UrO0Emj_lmf6E36mBiWVJLoc/s320/MEMORIAL.jpg


Mas nem a persistência do rei, que, salvo dificultação canónica ou impedimento fisiológico, duas vezes por semana cumpre vigorosamente o seu dever real e conjugal, nem a paciência e humildade da rainha que, a mais das preces, se sacrifica a uma imobilidade total depois de retirar-se de si e da cama o esposo, para que se não perturbem em seu gerativo acomodamento os líquidos comuns, escassos os seus por falta de estímulo e tempo, e cristianíssima retenção moral, pródigos os do soberano, como se espera de um homem que ainda não fez vinte e dois anos, nem isto nem aquilo fizeram inchar até hoje a barriga de D. Maria Ana. Mas Deus é grande.

        [...]

        Por enquanto, ainda el-rei está a preparar-se para a noite. Despiram-no os camaristas, vestiram-no com o trajo da função e do estilo, passadas as roupas de mão em mão tão reverentemente como relíquias de santas que tivessem trespassado donzelas, e isto se passa na presença de outros criados e pajens, este que abre o gavetão, aquele que afasta a cortina, um que levanta a luz, outro que lhe modera o brilho, dois que não se movem, dois que imitam estes, mais uns tantos que não se sabe o que fazem nem por que estão. Enfim, de tanto se esforçarem todos ficou preparado el-rei, um dos fidalgos retifica a prega final, outro ajusta o cabeção bordado, já não tarda um minuto que D. João v se encaminhe ao quarto da rainha. O cântaro está à espera da fonte.  

        Mas vem agora entrando D. Nuno da Cunha, que é o bispo inquisidor, e traz consigo um franciscano velho. Entre passar adiante e dizer o recado há vénias complicadas, floreios de aproximação, pausas e recuos, que são as fórmulas de acesso à vizinhança do rei, e a tudo isto teremos de dar por feito e explicado, vista a pressa que traz o bispo e considerando o tremor inspirado do frade. Retiram-se a uma parte D. João v e o inquisidor, e este diz, Aquele que além está é frei António de S. José, a quem falando-lhe eu sobre a tristeza de vossa majestade por lhe não dar filhos a rainha nossa senhora, pedi que encomendasse vossa majestade a Deus para que lhe desse sucessão, e ele me respondeu que vossa majestade terá filhos se quiser, e então perguntei-lhe que queria ele significar com tão obscuras palavras, porquanto é sabido que filhos quer vossa majestade ter, e ele respondeu-me, palavras enfim muito claras, que se vossa majestade prometesse levantar um convento na vila de Mafra, Deus lhe daria sucessão, e tendo declarado isto, calou-se D. Nuno e fez um aceno ao arrábido.  

        Perguntou el-rei, É verdade o que acaba de dizer-me sua eminência, que se eu prometer levantar um convento em Mafra terei filhos, e o frade respondeu, Verdade é, senhor, porém só se o convento for franciscano, e tornou el-rei, Como sabeis, e frei António disse, Sei, não sei como vim a saber, eu sou apenas a boca de que a verdade se serve para falar, a fé não tem mais que responder, construa vossa majestade o convento e terá brevemente sucessão, não o construa e Deus decidirá. Com um gesto mandou el-rei ao arrábido que se retirasse, e depois perguntou a D. Nuno da Cunha. É virtuoso este frade, e o bispo respondeu. Não há outro que mais o seja na sua ordem. Então D. João, o quinto do seu nome, assim assegurado sobre o mérito do empenho, levantou a voz para que claramente o ouvisse quem estava e o soubessem amanhã cidade e reino, Prometo, pela minha palavra real, que farei construir um convento de franciscanos na vila de Mafra se a rainha me der um filho no prazo de um ano a contar deste dia em que estamos, e todos disseram, Deus ouça vossa majestade, e ninguém ali sabia quem iria ser posto à prova, se o mesmo Deus, se a virtude de frei António, se a potência do rei, ou, finalmente, a fertilidade dificultosa da rainha.

        [...]

SARAMAGO, José. Memorial do convento. 27. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002, p. 11-13.

Fonte: livro Português: Língua e Cultura – Carlos Alberto Faraco – vol. único – Ensino Médio – 1ª edição – Base Editora – Curitiba, 2003. p. 544-545.

Entendendo o romance:

01 – Qual é o principal problema que D. João V enfrenta no início do romance?

      O rei D. João V enfrenta o problema de não ter um herdeiro varão, apesar de estar casado com D. Maria Ana Josefa há mais de dois anos. A rainha ainda não engravidou, e há rumores na corte de que ela pode ser estéril.

02 – Como a corte e o povo reagem à falta de um herdeiro?

      A corte e o povo murmuram sobre a possibilidade de a rainha ter a "madre seca", e alguns até insinuam que a culpa pode ser do rei, apesar de haver muitos bastardos da "real semente" no reino. A rainha é vista como a suplicante, tanto em novenas organizadas quanto em orações ocasionais.

03 – Qual é a rotina do rei em relação a tentar ter um filho?

      D. João V cumpre seu "dever real e conjugal" duas vezes por semana, a menos que haja alguma "dificultação canónica ou impedimento fisiológico". Ele se prepara para as noites com a rainha com a ajuda de seus camaristas, que o vestem com trajes especiais para a ocasião.

04 – Quem são D. Nuno da Cunha e frei António de S. José?

      D. Nuno da Cunha é o bispo inquisidor, e frei António de S. José é um frade franciscano velho. Eles têm um papel importante na história, pois trazem uma mensagem ao rei que pode resolver o problema da falta de um herdeiro.

05 – Qual é a mensagem que frei António de S. José traz ao rei?

      Frei António de S. José diz ao rei que ele terá filhos se prometer levantar um convento na vila de Mafra. O frade afirma que é apenas a "boca de que a verdade se serve para falar" e que a fé não tem mais que responder.

06 – Qual é a reação de D. João V à mensagem do frade?

      D. João V pergunta ao bispo se o frade é virtuoso e, ao receber uma resposta afirmativa, promete construir um convento de franciscanos em Mafra se a rainha lhe der um filho no prazo de um ano.

07 – Qual é a grande questão que fica no ar após a promessa do rei?

      A grande questão é quem será posto à prova: Deus, a virtude de frei António, a potência do rei ou a fertilidade da rainha. Ninguém sabe ao certo o que irá acontecer, mas a promessa do rei cria uma grande expectativa em todo o reino.

 

ROMANCE: AS AVENTURAS DE NGUNGA - FRAGMENTO - PEPETELA - COM GABARITO

 Romance: AS AVENTURAS DE NGUNGA – Fragmento

                 Pepetela

        A vida de Ngunga continuou assim por certo tempo. Gostava era de passear, de fala às árvores e aos pássaros. Tomar banho nas lagoas, descobrir novos caminhos na mata. Subir às árvores para apanhar um ninho ou mel de abelhas. Era isso que ele gostava.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg_4OF4UJ9DDvOPsIUiOzBI39xylxCNv4HFfmmPSc63qjma2R9ichtnaL8u-9JcJCB-miq3SQ23K-kEvVnxoXJATNJ-6EPgM8Qo3yG0fBcAcHlW48cyjruxk4GBYQCrVbALNOW_sgdrCleqKkXfedFey9TrFAdXiXctEAHuwrA02Yji6kAaBd_ktkEtA5s/s320/Kimbo-Angola-As-aventuras-de-Ngunga.png


        Só aceitara ficar e trabalhar porque o velho Kafuxi lhe falara. O velho convenceu-o com a sua conversa sobre a comida dos guerrilheiros. Kafuxi era o Presidente, quer dizer, era o responsável da população de uma série de aldeias. Ele devia organizar e
resolver os problemas do povo. Ele devia organizar o reabastecimento dos guerrilheiros.

        Mas, depois da conversa que tinha ouvido. Ngunga ficou a pensar. Afinal o velho estava a aproveitar. Era mais rico que os outros, pois tinha mais mulheres. Além disso, tinha Ngunga, que trabalhava todo o dia e só comia um pouco. Uma parte do seu trabalho, uma canequita talvez, ia para os guerrilheiros. Algumas canecas iam para a alimentação. E o resto? As quindas de fubá que ele ajudava a produzir, o peixe que pescava no Kuanda, o mel que tirava dos cortiços? Tudo isso ia para o velho, que guardava para
trocar com pano.

        Quando chegava um grupo de guerrilheiros ao kimbo, Kafuxi mandava esconder a fubá. Dizia às visitas que não tinham comida quase nenhuma. Se alguma visita trouxesse tecido, então ele propunha a troca. Sempre se lamentando que essa era a última quinda de fubá que possuía. Se a visita não tivesse nada para trocar, então partia do kimbo com a fome que trouxera.

        Ngunga pensava, pensava. Todos os adultos eram assim egoístas? Ele, Ngunga, nada possuía. Não, tinha uma coisa, era essa força dos bracitos. E essa força ele oferecia aos outros, trabalhando na lavra, para arranjar a comida dos guerrilheiros. O que ele tinha,
oferecia. Era generoso. Mas os adultos? Só pensavam neles. Até mesmo um chefe do povo, escolhido pelo Movimento para dirigir o povo. Estava certo?

        E, um dia em que apareceu o Comandante do Esquadrão com três guerrilheiros, aconteceu o que tinha de acontecer.

        O velho lamentou-se da fome, dos celeiros vazios. Mandou trazer um pratinho de pirão para o Comandante. Para os outros nada havia. O Comandante teve de dar dois metros de pano e outro pratinho apareceu.

        Ngunga não falou. Começava a perceber que as palavras nada valiam. Foi ao celeiro, encheu uma quinda grande com fubá, mais um cesto. Trouxe tudo para o sitio onde estavam as visitas e o Presidente Kafuxi. Sem uma palavra, pousou a comida no chão. Depois foi à cubata arrumar as suas coisas.

        Partiu, sem se despedir de ninguém. O velho Kafuxi, furioso, envergonhado, só o mirava com olhos maus.

PEPETELA. As aventuras de Ngunga. 3. ed. São Paulo: Ática, 1983, p. 14-16.

Fonte: livro Português: Língua e Cultura – Carlos Alberto Faraco – vol. único – Ensino Médio – 1ª edição – Base Editora – Curitiba, 2003. p. 557-558.

Entendendo o romance:

01 – Qual é a principal atividade que Ngunga gosta de fazer?

      Ngunga gosta de passear, falar com as árvores e pássaros, nadar nas lagoas, descobrir novos caminhos na mata e subir em árvores para pegar ninhos ou mel de abelhas.

02 – Por que Ngunga decide ficar e trabalhar com o velho Kafuxi?

      Ngunga decide ficar e trabalhar porque o velho Kafuxi o convence com sua conversa sobre a comida dos guerrilheiros. Kafuxi é o responsável pela população de várias aldeias e precisa organizar o reabastecimento dos guerrilheiros.

03 – O que Ngunga percebe sobre o velho Kafuxi depois de um tempo?

      Ngunga percebe que o velho Kafuxi está se aproveitando da situação. Ele é mais rico que os outros, pois tem mais mulheres e Ngunga trabalha para ele o dia todo, recebendo apenas um pouco de comida. Ngunga percebe que parte do seu trabalho vai para os guerrilheiros, mas outra parte fica com Kafuxi, que guarda para trocar por pano.

04 – Como o velho Kafuxi age quando os guerrilheiros chegam ao kimbo?

      Quando um grupo de guerrilheiros chega ao kimbo, Kafuxi manda esconder a fubá e diz às visitas que não tem comida suficiente. Se a visita trouxer tecido, ele propõe a troca, lamentando que aquela seja a última quinda de fubá que ele possui. Se a visita não tiver nada para trocar, ela parte do kimbo com fome.

05 – O que Ngunga pensa sobre os adultos ao seu redor?

      Ngunga pensa se todos os adultos são egoístas como o velho Kafuxi. Ele se considera generoso por oferecer sua força de trabalho aos outros, enquanto os adultos parecem pensar apenas em si mesmos. Ele questiona se está certo um chefe do povo, escolhido pelo Movimento para dirigir o povo, agir dessa forma.

06 – O que acontece quando o Comandante do Esquadrão visita o kimbo?

      Quando o Comandante do Esquadrão visita o kimbo com três guerrilheiros, o velho Kafuxi se lamenta da fome e dos celeiros vazios. Ele oferece um prato de pirão para o Comandante, mas não oferece nada para os outros. O Comandante precisa dar dois metros de pano para que outro prato de pirão apareça.

07 – Qual é a atitude de Ngunga diante da situação com o Comandante e o velho Kafuxi?

      Ngunga não fala, mas começa a perceber que as palavras não valem nada. Ele vai ao celeiro, enche uma quinda grande com fubá e um cesto, e leva tudo para onde estão as visitas e o Presidente Kafuxi. Sem dizer nada, ele coloca a comida no chão e depois vai arrumar suas coisas para partir, sem se despedir de ninguém. O velho Kafuxi o observa com olhos maus, furioso e envergonhado.

 

 

POEMA: A FLOR E A NÁUSEA - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - COM GABARITO

 Poema: A flor e a náusea

             Carlos Drummond de Andrade

Preso à minha classe e a algumas roupas,
vou de branco pela rua cinzenta.
Melancolias, mercadorias espreitam-me.
Devo seguir até o enjoo?
Posso, sem armas, revoltar-me?

Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgLQVefUCbA_c5ANW9lwU96Sog8wD36jtUENdQ6tbsAkO6sCBdj0r0o1R86Xf407UTn2x60utGfv5o0gg9viCsk5jyZ3HX0BigrlI_iEjdX1SdYOyXcUju02mJX6uS2-jicUvjfV8Gv5cp4-oTc-Hxfc7OaJgbkEUuW5YV63B5lks_2aSXZT5NucpC1u3s/s320/FLOR.png

Olhos sujos no relógio da torre:
Não, o tempo não chegou de completa justiça.
O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.
O tempo pobre, o poeta pobre
fundem-se no mesmo impasse.

Em vão me tento explicar, os muros são surdos.
Sob a pele das palavras há cifras e códigos.
O sol consola os doentes e não os renova.
As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase.

Vomitar esse tédio sobre a cidade.
Quarenta anos e nenhum problema
resolvido, sequer colocado.
Nenhuma carta escrita nem recebida.
Todos os homens voltam para casa.
Estão menos livres mas levam jornais
e soletram o mundo, sabendo que o perdem.

Crimes da terra, como perdoá-los?
Tomei parte em muitos, outros escondi.
Alguns achei belos, foram publicados.
Crimes suaves, que ajudam a viver.
Ração diária de erro, distribuída em casa.
Os ferozes padeiros do mal.
Os ferozes leiteiros do mal.

Pôr fogo em tudo, inclusive em mim.
Ao menino de 1918 chamavam anarquista.
Porém meu ódio é o melhor de mim.
Com ele me salvo
e dou a poucos uma esperança mínima.

Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.

Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.

Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde
e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.

A flor e a náusea. Reunião. 10, ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1980, p. 78-79.

Fonte: Livro – Português: Linguagens, Vol. Único. William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães. Ensino Médio, 1ª ed. 4ª reimpressão – São Paulo: ed. Atual, 2003. p. 31.

Entendendo o poema:

01 – Qual é o sentimento predominante expresso no poema?

      O sentimento predominante é o de náusea, tédio e frustração diante da realidade social, política e existencial. O poeta expressa a sensação de impotência e desilusão com o mundo ao seu redor.

02 – Qual o significado da flor que nasce na rua?

      A flor que nasce na rua, apesar de ser "feia" e não ter nome, representa um símbolo de esperança e resistência em meio à desesperança e ao caos. Ela surge no asfalto, um ambiente hostil, e rompe com o tédio e o ódio, representando a possibilidade de beleza e renovação em um mundo árido.

03 – O que representa a expressão "o tempo é ainda de fezes"?

      A expressão "o tempo é ainda de fezes" é uma metáfora para a corrupção, a injustiça e a miséria que permeiam a sociedade. O tempo presente é marcado por mazelas e desigualdades, o que causa náusea e indignação no poeta.

04 – Qual a crítica social presente no poema?

      O poema critica a alienação, a desigualdade social, a corrupção e a falta de perspectivas na sociedade. O poeta denuncia a passividade das pessoas diante dos problemas e a dificuldade de encontrar sentido na vida.

05 – Qual o papel do poeta no poema?

      O poeta se coloca como um observador crítico da realidade, que sente na própria pele o peso do tédio e da desesperança. Ele expressa sua revolta e indignação através da poesia, buscando dar voz aos sentimentos de muitos.

06 – O que significa a afirmação "meu ódio é o melhor de mim"?

      A afirmação "meu ódio é o melhor de mim" expressa a revolta do poeta contra a injustiça e a opressão. O ódio, nesse contexto, não é um sentimento destrutivo, mas sim uma força motriz que o impulsiona a lutar por um mundo melhor.

07 – Qual a importância do título "A Flor e a Náusea"?

      O título "A Flor e a Náusea" sintetiza a dualidade presente no poema. A náusea representa o sentimento de repulsa e frustração diante da realidade, enquanto a flor simboliza a esperança e a possibilidade de renovação. O poema mostra a tensão entre esses dois polos, o pessimismo e a crença na capacidade de transformação.

 

PEÇA TEATRAL: GOTA D'ÁGUA - (FRAGMENTO) - CHICO BUARQUE E PAULO PONTES - COM GABARITO

 Peça teatral: Gota d’Água – Fragmento  

                       Chico Buarque e Paulo Pontes

        [...]

        JOANA — Cê lembra de mim, Jasão?

                          Ainda lembra?...

        JASÃO — O que é que eu falei?...

        JOANA — Lembra, não.

                          Cê gosta da filha do Creonte, Jasão?

        JASÃO — Não quero falar nisso agora...

        JOANA — Gosta não.

                          Tá só perturbado, né? Responde pra mim...

        JASÃO — Tava falando, deixa eu continuar, sim?

        JOANA — Responde duma vez, homem, toma coragem.

                          Você gosta mesmo da moça?...

Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjB1lV43gIzBzTyYy63uusI69ARR_5XOtvgrAT871ftwI0m6GnOguE6ZulkhfLzZXjK-rJLlN2RT5gTrt3w42Z3KfdlgBSWyy-5kP29-998lLdjEksCoNOQbvodVOaULkaqdFsVJaadPThS8rLP3WfV5VRALkmYgCwvPcGiJIr4W02xMmrHkhbCYMd-BPY/s320/GOTA.jpg 


        JASÃO — (Gritando:)

                          Mulher, para,

                          deixa eu falar... (Tempo.) Você sabe...

                          eu não tenho cara pra chutar vocês pra córner...

                          É sacanagem 

                          que eu não vou fazer. Mas também veja o meu lado.

                          Cedo ou tarde a gente ia ter que separar.

                          Quando eu te conheci, tava pra completar 

                          vinte anos, não foi? Eu nem tinha completado 

                          Você tinha trinta e quatro mas era bem 

                          conservada, a carroceria, bom molejo 

                          e a bateria carregada de desejo.

                          Então não queria saber de idade, e nem 

                          quero saber, por que pra mim quem gosta gosta

                          e o amor não vê documento nem certidão.

                          Só que dez anos se passaram desde então 

                          e a diferença, que mal nem se via, a bosta 

                          do tempo só fez aumentar. Vou completar 

                          trinta e você tá com quarenta e quatro, agora.

                          É claro que, daqui pra frente, cada hora 

                          do dia só vai servir pra nos separar.

                          E quando eu estiver apenas com quarenta 

                          e cinco anos, na força do homem, seguro 

                          de mim, vendendo saúde, moço e maduro;

                          você vai ter seus cinquenta e nove, sessenta,

                          exausta, do reumatismo, da menopausa, 

                          da vida. E vai controlar ciúme, rancor, 

                          vai aguentar a dor de corno, o mau humor? 

                          Ou quer que eu também fique velho, só por causa

                          da tua velhice?... Acho melhor procurar

                          uma pessoa na mesma faixa de idade... 

                          Quero dizer...

                          JOANA — Jasão, pega a tua mocidade

                          e enfia...

                          [...]

CÍRCULO DO LIVRO S.A. Caixa postal 7413 São Paulo, Brasil.

Fonte: Livro – Português: Linguagens, Vol. Único. William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães. Ensino Médio, 1ª ed. 4ª reimpressão – São Paulo: ed. Atual, 2003. p. 36-37.

Entendendo a peça teatral:

01 – Qual é o tema central do diálogo apresentado no fragmento?

      O fragmento gira em torno do término do relacionamento entre Joana e Jasão. Jasão busca justificar sua decisão de se separar, enquanto Joana tenta fazê-lo confessar que está interessado em outra mulher, a filha de Creonte.

02 – Qual é a principal alegação de Jasão para justificar a separação?

      Jasão alega que a diferença de idade entre eles se tornou um problema com o passar dos anos. Ele argumenta que Joana está envelhecendo e que ele, por sua vez, ainda está na juventude e precisa seguir em frente com sua vida.

03 – Como Joana reage às justificativas de Jasão?

      Joana demonstra indignação e desprezo pelas justificativas de Jasão. Ela o acusa de ser hipócrita e de usar a diferença de idade como desculpa para se afastar dela.

04 – Qual é a importância da personagem Creonte na trama?

      Creonte é o pai da nova mulher que Jasão deseja. Sua importância reside no fato de que ele representa a possibilidade de ascensão social para Jasão, já que o casamento com a filha de Creonte lhe traria benefícios e poder.

05 – Qual é o tom geral do diálogo entre Joana e Jasão?

      O diálogo é marcado por tensão, acusações e mágoa. Joana se sente traída e abandonada, enquanto Jasão tenta se justificar de forma racional, mas demonstra insensibilidade e falta de empatia com os sentimentos de Joana.

 

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

ARTIGO DE OPINIÃO: CULTURA BRASILEIRA E CULTURAS BRASILEIRAS - ALFREDO BOSI - COM GABARITO

 Artigo de opinião: CULTURA BRASILEIRA E CULTURAS BRASILEIRAS

                   Alfredo Bosi

        DO SINGULAR AO PLURAL

        Estamos acostumados a falar em cultura brasileira, assim, no singular, como se existisse uma unidade prévia que aglutinasse todas as manifestações materiais e espirituais do povo brasileiro. Mas é claro que uma tal unidade ou uniformidade parece não existir em sociedade moderna alguma e, menos ainda, em uma sociedade de classes. Talvez se possa falar em cultura bororo ou cultura nhambiquara tendo por referente a vida material e simbólica desses grupos antes de sofrerem a invasão e aculturação do branco. Mas depois, e na medida em que há frações do interior do grupo, a cultura tende também a rachar-se, a criar tensões, a perder a sua primitiva fisionomia que, ao menos para nós, parecia homogênea.

 
 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhRBGk4xlvm5RLuwiprgI34KMzjvHYB9O1vWqewYBYK6ROK_cfZdIly6mI4FbHz9lON88eNT8GZ548CEjkwCk2Foo_8agalh4jsfwz9m4h-0yLTpduKvD_WYF7bV6AkrgZfNu9gr2ozMJ9n8S7vh0gOIx606OsA-xyQnIS43OFDex9h7p14BluSbyY_eW4/s320/BORORO.jpg



        A tradição da nossa Antropologia Cultural já fazia uma repartição do Brasil em culturas aplicando-lhes um critério racial: cultura indígena, cultura negra, cultura branca, culturas mestiças. Uma obra excelente, e ainda hoje útil como informação e método, a Introdução à antropologia brasileira, de Arthur Ramos, terminada em 1943, divide-se em capítulos sistemáticos sobre as culturas não européias (culturas indígenas, culturas negras, tudo no plural) e culturas européias (culturas portuguesa, italiana, alemã...), fechando-se pelo exame dos contatos raciais e culturais.

        Os critérios podem e devem mudar. Pode-se passar da raça para nação, e da nação para a classe social (cultura do rico, cultura do pobre, cultura burguesa, cultura operária), mas, de qualquer modo, o reconhecimento do plural é essencial.

        A proposta de compreensão que se faz aqui tem um alcance analítico inicial; e poderá ter (oxalá tenha) um horizonte dialético final.

        Se pelo termo cultura entendemos uma herança de valores e objetos compartilhada por um grupo humano relativamente coeso, poderíamos falar em uma cultura erudita brasileira, centralizada no sistema educacional (e principalmente nas universidades), e uma cultura popular, basicamente iletrada, que corresponde aos mores materiais e simbólicos do homem rústico, sertanejo ou interiorano, e do homem pobre suburbano ainda não de todo assimilado pelas estruturas simbólicas da cidade moderna.

        A essas duas faixas extremas bem marcadas (no limite: Academia e Folclore) poderíamos acrescentar outras duas que o desenvolvimento da sociedade urbano-capitalista foi alargando. A cultura criadora individualizada de escritores, compositores, artistas plásticos, dramaturgos, cineastas, enfim, intelectuais que não vivem dentro da Universidade, e que, agrupados ou não, formariam, para quem olha de fora, um sistema cultural alto, independentemente dos motivos ideológicos particulares que animam este ou aquele escritor, este ou aquele artista. Enfim, a cultura de massas, que, pela sua íntima imbricação com os sistemas de produção e mercado de bens de consumo, acabou sendo chamada pelos intérpretes da Escola de Frankfurt, indústria cultural, cultura de consumo.

        Teríamos em registro analítico: cultura universitária, cultura criadora extra-universitária, indústria cultural e cultura popular. Do ponto de vista do sistema capitalista tecnoburocrático, um arranjo possível é colocar do lado das instituições a Universidade e os meios de comunicação de massa; e situar fora das instituições a cultura criadora individualizadas e a cultura popular. 

        É claro que esse esquema espacial de fora e dentro deve ser relativizado, pois enrijece o termo instituição, definindo-o sempre em termos de organização própria das classes dominantes. Na verdade, matizando a questão: um fenômeno típico de cultura popular como a procissão do Senhor Morto na Semana Santa é também uma instituição, em sentido paralelo ao da instituição do candomblé ou de um rito indígena. Ou, falando da cultura criadora personalizada, uma obra teatral é um gênero público instituído, queira ou não o seu autor. Mas, se usássemos desse critério sociológico, tudo viraria instituição, tudo codificação social coercitiva e borraríamos anti-historicamente a nossa primeira distinção: sistemas culturais organizados para funcionar sempre como instituições (a Escola, uma Empresa de Televisão, por exemplo) e manifestações mais rentes à vida subjetiva ou grupal: um poema; uma roda de samba; um mutirão...

BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. p. 308-310.

Fonte: livro Português: Língua e Cultura – Carlos Alberto Faraco – vol. único – Ensino Médio – 1ª edição – Base Editora – Curitiba, 2003. p. 507-508.

Entendendo o artigo:

01 – Qual é a principal questão que Alfredo Bosi levanta sobre a cultura brasileira?

      Bosi questiona a ideia de uma cultura brasileira singular e homogênea, argumentando que a diversidade e a pluralidade são características mais precisas da realidade cultural do país.

02 – Por que Bosi considera inadequado falar em "cultura brasileira" no singular?

      Bosi argumenta que a sociedade brasileira é complexa e dividida em classes, o que impede a existência de uma cultura única e uniforme. Ele propõe que a cultura seja entendida como um conjunto de manifestações plurais e multifacetadas.

03 – Quais são os critérios que Bosi aponta como relevantes para analisar a cultura brasileira?

      Bosi menciona critérios como raça, nação e classe social como importantes para entender as diferentes manifestações culturais no Brasil. Ele também destaca a importância de considerar a cultura tanto em sua dimensão material quanto simbólica.

04 – Quais são as quatro faixas culturais que Bosi identifica na sociedade brasileira?

      Bosi identifica quatro faixas culturais principais: a cultura erudita (ligada ao sistema educacional), a cultura popular (expressão do homem comum), a cultura criadora individualizada (de artistas e intelectuais) e a cultura de massas (indústria cultural).

05 – Como Bosi relaciona as faixas culturais com o sistema capitalista tecnoburocrático?

      Bosi sugere que a cultura universitária e a indústria cultural estão mais ligadas às instituições do sistema capitalista, enquanto a cultura criadora individualizada e a cultura popular se situam mais fora dessas instituições.

06 – Por que Bosi relativiza a distinção entre "dentro" e "fora" das instituições?

      Bosi reconhece que mesmo manifestações culturais como a procissão do Senhor Morto ou uma obra teatral podem ser consideradas instituições em um sentido mais amplo, pois carregam códigos sociais e são reconhecidas e compartilhadas por grupos.

07 – Qual é a proposta de Bosi para compreender a cultura brasileira?

      Bosi propõe uma abordagem analítica inicial que reconheça a pluralidade de culturas no Brasil, com a possibilidade de alcançar uma compreensão dialética que relacione as diversas manifestações culturais com seus contextos históricos e sociais.

 

POESIA: PREGUNTAR-VOS QUERO, POR DEUS - D.DINIS - COM GABARITO

 Poesia: Preguntar-Vos Quero, Por Deus

            D. Dinis

Preguntar-vos quero, por Deus,
senhor fremosa, que vos fez
mesurada e de bom prez,
que pecados forom os meus
       que nunca tevestes por bem
       de nunca mi fazerdes bem.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhlNJ3KnMlZ3C5fOOJ-Wi773wt2Fe5qK-NYgT-g1j9dKSsL3wzW_sNwjHh8R2uXMllTVdd7RVZiK7qx_VUswRuRqrtYuAzYdCnDVz_GD1qUPBVHf1XCNbDTkpHLsyW-NaYEzBVtDhPgs-LKYrhuQ5j5nSO0K-3_wICMB6PWfUCYdq3jasJ7Xn2XRo5iyiU/s320/DINIS.jpg



Pero sempre vos soub'amar
des aquel dia que vos vi,
mais que os meus olhos em mi;
e assi o quis Deus guisar
       que nunca tevestes por bem
       de nunca mi fazerdes bem.

Des que vos vi, sempr'o maior
bem que vos podia querer,
vos quigi, a todo meu poder;
e pero quis Nostro Senhor
       que nunca tevestes por bem
       de nunca mi fazerdes bem.

Mais, senhor, a vida com bem
se cobraria: bem por bem.

In: Segismundo Spina. A lírica trovadoresca. Rio de Janeiro; São Paulo: Grifo; Edusp, 1972, p. 332.

Fonte: Livro – Português: Linguagens, Vol. Único. William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães. Ensino Médio, 1ª ed. 4ª reimpressão – São Paulo: ed. Atual, 2003. p. 52.

Entendendo a poesia:

01 – Qual é o tema central da cantiga?

      O tema central é o amor não correspondido e o sofrimento do trovador por não receber o amor da mulher amada. Ele questiona os motivos pelos quais ela não o ama, expressando sua frustração e tristeza.

02 – Qual é a principal pergunta que o trovador faz à sua senhora?

      A principal pergunta é sobre quais pecados ele cometeu para que a senhora nunca tenha lhe concedido seu amor. Ele busca entender o motivo de sua rejeição, já que sempre a amou e dedicou seus sentimentos a ela.

03 – Como o trovador descreve a beleza da mulher amada?

      O trovador descreve a mulher como "fremosa" (formosa), "mesurada" (virtuosa, discreta) e "de bom prez" (de boa reputação, valor). Ele a idealiza como uma mulher perfeita, tanto em beleza quanto em caráter.

04 – Que tipo de amor o trovador expressa na cantiga?

      O trovador expressa um amor cortês, um amor idealizado e submisso, típico da poesia trovadoresca. Ele se coloca como um servo da amada, disposto a amá-la e servi-la, mesmo sem receber seu amor em troca.

05 – Qual é o significado do verso "Mais, senhor, a vida com bem / se cobraria: bem por bem"?

      Esse verso final expressa a esperança do trovador de que a vida possa ser recompensada com o bem, ou seja, com o amor da senhora. Ele anseia por um final feliz, onde seu amor seja correspondido e ele possa finalmente ser feliz ao lado da mulher amada.

 

 

TEXTO: SERMÃO DA SEXAGÉSIMA CAP. III - (FRAGMENTO) - PADRE ANTÔNIO VIEIRA - COM GABARITO

 Texto: Sermão da Sexagésima cap. III – Fragmento

                Padre António Vieira

        [...]       

        Fazer pouco fruto a palavra de Deus no Mundo, pode proceder de um de três princípios: ou da parte do pregador, ou da parte do ouvinte, ou da parte de Deus. Para uma alma se converter por meio de um sermão, há de haver três concursos: há de concorrer o pregador com a doutrina, persuadindo; há de concorrer o ouvinte com o entendimento, percebendo; há de concorrer Deus com a graça, alumiando. Para um homem se ver a si mesmo, são necessárias três coisas: olhos, espelho e luz. Se tem espelho e é cego, não se pode ver por falta de olhos; se tem espelho e olhos, e é de noite, não se pode ver por falta de luz. 

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhm8aPHIgtVNE5OkpVsrG2x2A_40QYhNUjxJnLWmwmqtf80Z5UiNoGHZry3qmiiACIa-al-WCQsdJ0_dNo6IyuqteVZBho4LfVUtJpieqFGiT2mCdbpFWAjX84S8zT32bvteBU-uF26JoKu5jA6ayDWMbDc175wlRanoSmmM0gqtRLHasixPvbdc8IDqiE/s320/SERM%C3%83O.jpg


Logo, há mister luz, há mister espelho e há mister olhos. Que coisa é a conversão de uma alma, senão entrar um homem dentro em si e ver-se a si mesmo? Para esta vista são necessários olhos, e necessária luz e é necessário espelho. O pregador concorre com o espelho, que é a doutrina; Deus concorre com a luz, que é a graça; o homem concorre com os olhos, que é o conhecimento. Ora suposto que a conversão das almas por meio da pregação depende destes três concursos: de Deus, do pregador e do ouvinte, por qual deles devemos entender que falta? Por parte do ouvinte, ou por parte do pregador, ou por parte de Deus?

        Primeiramente, por parte de Deus, não falta nem pode faltar. Esta proposição é de fé, definida no Concílio Tridentino, e no nosso Evangelho a temos. [...]

        Sendo, pois, certo que a palavra divina não deixa de frutificar por parte de Deus, segue-se que ou é por falta do pregador ou por falta dos ouvintes. Por qual será? Os pregadores deitam a culpa aos ouvintes, mas não é assim. Se fora por parte dos ouvintes, não fizera a palavra de Deus muito grande fruto, mas não fazer nenhum fruto e nenhum efeito, não é por parte dos ouvintes. Provo.

        Os ouvintes, ou são maus ou são bons; se são bons, faz neles fruto a palavra de Deus; se são maus, ainda que não faça neles fruto, faz efeito. [...] a palavra de Deus é tão fecunda, que nos bons faz muito fruto e é tão eficaz que nos maus ainda que não faça fruto, faz efeito; lançada nos espinhos, não frutificou, mas nasceu até nos espinhos; lançada nas pedras, não frutificou, mas nasceu até nas pedras. Os piores ouvintes que há na Igreja de Deus, são as pedras e os espinhos. E porquê? -- Os espinhos por agudos, as pedras por duras. Ouvintes de entendimentos agudos e ouvintes de vontades endurecidas são os piores que há. Os ouvintes de entendimentos agudos são maus ouvintes, porque vêm só a ouvir sutilezas, a esperar galantarias, a avaliar pensamentos, e às vezes também a picar a quem os não pica. [...]

        Mas os de vontades endurecidas ainda são piores, porque um entendimento agudo pode ferir pelos mesmos fios, e vencer-se uma agudeza com outra maior; mas contra vontades endurecidas nenhuma coisa aproveita a agudeza, antes dana mais, porque quanto as setas são mais agudas, tanto mais facilmente se despontam na pedra. [...]

        [...] E com os ouvintes de entendimentos agudos e os ouvintes de vontades endurecidas serem os mais rebeldes, é tanta a força da divina palavra, que, apesar da agudeza, nasce nos espinhos, e apesar da dureza nasce nas pedras.

        Pudéramos arguir ao lavrador do Evangelho de não cortar os espinhos e de não arrancar as pedras antes de semear, mas de indústria deixou no campo as pedras e os espinhos, para que se visse a força do que semeava. E tanta a força da divina palavra, que, sem cortar nem despontar espinhos, nasce entre espinhos. É tanta a força da divina palavra, que, sem arrancar nem abrandar pedras, nasce nas pedras. [...] Tomai exemplo nessas mesmas pedras e nesses espinhos! Esses espinhos e essas pedras agora resistem ao semeador do Céu; mas virá tempo em que essas mesmas pedras o aclamem e esses mesmos espinhos o coroem.

        Quando o semeador do Céu deixou o campo, saindo deste Mundo, as pedras se quebraram para lhe fazerem aclamações, e os espinhos se teceram para lhe fazerem coroa. E se a palavra de Deus até dos espinhos e das pedras triunfa; se a palavra de Deus até nas pedras, até nos espinhos nasce; não triunfar dos alvedrios hoje a palavra de Deus, nem nascer nos corações, não é por culpa, nem por indisposição dos ouvintes.

        Supostas estas duas demonstrações; suposto que o fruto e efeitos da palavra de Deus, não fica, nem por parte de Deus, nem por parte dos ouvintes, segue-se por consequência clara, que fica por parte do pregador. E assim é. Sabeis, cristãos, porque não faz fruto a palavra de Deus? – Por culpa dos pregadores. Sabeis, pregadores, porque não faz fruto a palavra de Deus? – Por culpa nossa.

        [...]

In: Eugênio Gomes, org. Vieira – Sermões. 6. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1972. p. 94-99.

Fonte: Livro – Português: Linguagens, Vol. Único. William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães. Ensino Médio, 1ª ed. 4ª reimpressão – São Paulo: ed. Atual, 2003. p. 93-94.

Entendendo o texto:

01 – Quais são os três princípios que, segundo o Padre Vieira, podem impedir que a palavra de Deus frutifique no mundo?

      Os três princípios são: a falta de empenho do pregador, a falta de atenção e receptividade do ouvinte e a ausência da graça divina.

02 – Qual é a comparação utilizada pelo Padre Vieira para explicar a necessidade da ação conjunta do pregador, do ouvinte e de Deus na conversão de uma alma?

      Ele compara a conversão de uma alma com a necessidade de olhos, espelho e luz para que um homem possa ver a si mesmo. O pregador seria o espelho (a doutrina), Deus seria a luz (a graça) e o ouvinte seriam os olhos (o conhecimento).

03 – Por que o Padre Vieira afirma que a palavra de Deus não deixa de frutificar por parte de Deus?

      Ele se baseia na fé e em ensinamentos bíblicos para afirmar que Deus sempre concede a graça necessária para a conversão, portanto, a falta de fruto não pode ser atribuída a Ele.

04 – Qual é o argumento utilizado pelo Padre Vieira para refutar a ideia de que a falta de fruto da palavra de Deus é culpa dos ouvintes?

      Ele argumenta que a palavra de Deus é tão poderosa que, mesmo em ouvintes maus (representados pelos espinhos e pelas pedras), ela produz algum efeito, seja nos bons, seja nos maus.

05 – Quem são os "ouvintes de entendimentos agudos" e os "ouvintes de vontades endurecidas" mencionados no texto?

      Os "ouvintes de entendimentos agudos" são aqueles que possuem grande capacidade de compreensão, mas que podem usar essa inteligência para questionar e criticar a palavra de Deus, em vez de acolhê-la. Já os "ouvintes de vontades endurecidas" são aqueles que se mostram resistentes à mensagem divina, mesmo que a compreendam.

06 – Que exemplo o Padre Vieira utiliza para ilustrar a força da palavra de Deus, mesmo diante da resistência dos ouvintes?

      Ele cita o exemplo das pedras e dos espinhos que, apesar de resistirem ao semeador (a palavra de Deus), um dia o aclamarão e o coroarão, simbolizando a conversão que pode ocorrer até nos corações mais endurecidos.

07 – Qual é a principal conclusão do Padre Vieira sobre a razão pela qual a palavra de Deus não frutifica como deveria?

      Ele conclui que a culpa é dos pregadores, que não estão cumprindo seu papel de transmitir a mensagem divina de forma eficaz e persuasiva.

 

 

CANTIGA DE MALDIZER: MARÍA PÉREZ SE MAENFESTOU - FERNÃO VELHO - COM GABARITO

 Cantiga de maldizer: María Pérez se maenfestou

                Fernão Velho

María Pérez se maenfestou
noutro día, ca por mui pecador
se sentiu, e log'a Nostro Senhor
pormeteu, polo mal en que andou,
que tevess'un clérig'a seu poder,
polos pecados que lhi faz fazer
o Demo, con que x'ela sempr'andou.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhQsdzywkJXdZxilQnUa1DVOGTOjLL7aCeiU6HhupxcAm0ijH176C9YDkOujBJG4GSCiaSDrKaqPpC0Fn_xqKoroubOwZFhn-oFsZ5a-oGw0y08HM-DhV-uibsqeIpeYn4rMGPS2bA3r_sCEe_Gs1PG-fkBcN_T2PU-wC81EuC4tktf-XQrXpu0Gjs3IiE/s320/Libro_de_los_Juegos,_Alfonso_X_y_su_corte.jpg



Maenfestou-se, ca diz que s'achou
pecador muit', e por én rogador
foi log'a Deus, ca teve por melhor
de guardar a el ca o que aguardou;
e, mentre viva, diz que quer teer
un clérigo con que se defender
possa do Demo, que sempre guardou.

E pois que ben seus pecados catou,
de sa morte houv'ela gran pavor
e d'esmolnar houv'ela gran sabor;
e logu'entón un clérigo filhou
e deu-lh'a cama en que sol jazer,
e diz que o terrá, mentre viver;
e est'afán todo por Deus filhou!

E pois que s'este preito começou
antr'eles ambos, houve grand'amor
antr'ela sempr'e o Demo maior,
ata que se Balteira confessou;
mais, pois que viu o clérigo caer
antr'eles ambos, houvi-a perder
o Demo, des que s'ela confessou.

In: Fernando V. Peixoto da Fonseca, org. Cantigas de escárnio e maldizer dos trovadores galego-portugueses. Lisboa: Livr. Clássica, 1961, p. 76.

Fonte: Livro – Português: Linguagens, Vol. Único. William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães. Ensino Médio, 1ª ed. 4ª reimpressão – São Paulo: ed. Atual, 2003. p. 54.

Entendendo a Cantiga:

01 – Qual é o tema central da cantiga?

      A cantiga satiriza a personagem María Pérez, que se arrepende de seus pecados e busca redenção através da religião. No entanto, a forma como ela faz isso, envolvendo um clérigo em sua vida, é alvo de crítica e ridicularização.

02 – Qual é a principal crítica direcionada a María Pérez?

      A principal crítica é a hipocrisia de María Pérez. Ela se diz arrependida de seus pecados e busca a Deus, mas ao mesmo tempo mantém um relacionamento com um clérigo, o que sugere uma falsa piedade e uma busca por status social.

03 – Qual é o papel do "Demo" na cantiga?

      O "Demo" representa as tentações e os pecados que María Pérez comete. A cantiga sugere que ela sempre esteve ligada ao Demônio, e mesmo após se confessar, não consegue se libertar completamente de sua influência.

04 – Qual é a intenção do trovador ao escrever essa cantiga?

      A intenção do trovador é provocar o riso através da sátira e da crítica social. Ele utiliza a figura de María Pérez para ridicularizar a hipocrisia e a falsa religiosidade, expondo os vícios e os costumes da sociedade da época.

05 – Quais são os elementos que caracterizam essa cantiga como uma "cantiga de maldizer"?

      Essa cantiga é classificada como "de maldizer" por conter críticas diretas e explícitas à personagem María Pérez. O trovador utiliza linguagem irônica e sarcástica para ridicularizar suas ações e comportamentos, expondo seus defeitos e contradições.