terça-feira, 18 de dezembro de 2018

CONTO: A TORRE - PAULINE ALPHEN - COM QUESTÕES GABARITADAS

Conto: A TORRE      

     Pauline Alphen

        Um dia entre os dias, numa manhã de sol e vento, investigando o labiríntico harém, a odalisquinha descobriu uma porta que nunca tinha visto. A porta era velha e reclamou quando Leila fez força para entrar. Lá dentro, o escuro era frio e o silêncio medonho. Ao ouvir passos se aproximando, Leila fechou a porta e saiu dali como quem não quer nada.
        No dia seguinte, numa tarde de vento e sol, quando até as escravas cochilavam enquanto espantavam as moscas da mulherada adormecida, ela voltou com um xale para o frio e, para o escuro, uma lamparina a óleo digna de confiança – isto é, cheia de óleo e não de gênio peludo. Para o medo, ela escolheu uma de suas canções preferidas e foi cantarolando enquanto subia os degraus, pois a porta dava diretamente numa escada, uma escada em caracol que não parava de subir. Leila já tinha cantado a música 33 vezes quando viu uma luz no fim da escada. Outra porta, pequena e oval. Leila encostou a mão. A porta era de uma madeira quentinha e não deu um pio quando a menina a empurrou.
        O pequeno aposento era uma concha, um ninho, uma caverna. Parecia pequeno, mas era infinito, parecia novo e muito antigo. As paredes, o teto e o chão eram de madeira trabalhada, muitas madeiras de várias cores, encaixadas umas nas outras, formando desenhos que mais tarde Leila soube serem os desenhos do mundo como ele é.
        As paredes côncavas estavam cobertas de livros e pergaminhos, desenhos, pincéis e tintas, mapas-múndi, objetos estranhos e instrumentos que ela logo reconheceu, porque eram os mesmos que seu pai usava quando namorava as estrelas. Tudo isso banhava numa luz, ora doce, ora forte, ora dourada, ora transparente, segundo o humor do dia e a forma das janelas e vitrais encravados entre as estantes. O quarto flutuava num permanente sussurro aquático que lhe dava ares de navio.
        Atrás de Leila a porta fechou-se devagar. A menina suspirou profundamente: aquele lugar provocava muitos sentimentos embolados dentro dela. Evocava um mar quentinho e escuro de um tempo antes da memória. Lembrou-lhe seu pai, com sua cabeça no lugar, fingindo não perceber que ela se escondia entre as mangas de suas largas vestes de astrônomo para tirar uma casquinha de seu namoro com as estrelas. E lembrou-lhe também lembranças futuras, que por serem futuras não podem ser descritas no tempo de agora.
        A pequena odalisca dirigiu-se para a janela maior, coroada de hera, onde os pássaros minúsculos, cujas asas batiam mais rápido que o coração de Leila, tinham feito seus ninhos. A janela abriu-se sozinha e Leila viu. Viu que o harém era um emaranhado de jardins, fontes, árvores, frutos, pássaros, mulheres, aconchegado no abraço dos muros do palácio. Que o palácio era protegido pelas muralhas da cidade onde cantavam mil minaretes e cujas cúpulas cintilavam sob o sol.
        Que a cidade estava num país azul de montanhas e lagos. E que, em toda parte, circundava o deserto, o móvel, absoluto, enigmático e ventoso deserto. E lá, no mais longe dos longes, Leila viu o verde mar com pontinhos dourados que são as cócegas que faz o sol brincando nele. Pela ogiva da janela da torre, Leila viu o mundo e, surpresa, adormeceu ao som fluido da luz do poente.
 ALPHEN, Pauline. A odalisca e o elefante. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 1998.

Entendendo o conto:
01 – Quando decidiu investigar o castelo onde era prisioneira, Leila deparou com uma porta que nunca tinha visto:
a)   O que havia do lado de lá dessa porta?
Um “escuro frio” e um “silêncio medonho”.

b)   Leila entrou por essa porta, depois de a abrir? Por quê?
Não, porque ouviu passos se aproximando.

02 – No dia seguinte, Leila retorna à exploração do castelo munida de algumas “armas”. Qual a finalidade de cada uma delas? Responda completando o esquema baixo:
ARMA                                     FINALIDADE
Xale                                        Combater o frio.
Lamparina cheia de óleo      Combater a escuridão.
Canção                                  Combater o medo provocado pelo
                                                   Silêncio.

03 – Releia a frase:
        “[...] Leila já tinha cantado a música 33 vezes quando viu uma luz no fim da escada. [...]”
Assinale com X a alternativa que você julga correta em relação a essa frase. O narrador quis mostrar que:
(   ) Leila gostava muito da canção que tinha escolhido para cantar enquanto subia a escada.
(X) Leila estava com muito medo.
(   ) Leila ficou enjoada de tanto cantar a mesma canção.

04 – O pequeno aposento em que Leila chegou é descrito como se fosse um lugar que causava em quem o via impressões diferentes e contraditórias. Assinale o trecho que pode ser usado para comprovar tal afirmação:
(   ) “As paredes côncavas estavam cobertas de livros e pergaminhos. [...]”.
(X) “[...] Parecia pequeno, mas era infinito, parecia novo e muito antigo. [...]”
(   ) “As paredes, o teto e o chão eram de madeira trabalhada. [...]”.

05 – No texto, há inúmeros trechos que descrevem lugares. Relacione cada um dos trechos a seguir ao sentido privilegiado pelo narrador para descrever como são esses lugares.
1 – visão.                        2 – audição.                3 – tato.
a)   “[...] A porta era de uma madeira quentinha 1 – 3 e não deu um pio 2 quando a menina a empurrou.
b)   “[...] As paredes, o teto e o chão eram de madeira trabalhada, muitas madeiras de várias cores 1 [...]”.

06 – Assinale as alternativas que completam corretamente o trecho a seguir:
        “Dentro do pequeno aposento, Leila...”
(X) Recordou-se de seu pai, pois ali havia os mesmos aparelhos que ele usava para estudar o céu.
(X) Sentiu-se navegando no mar, uma vez que o local parecia flutuar.
(   ) Ficou encantada com a sensação de paz do local.

07 – Ao olhar pela janela da torre, qual a descoberta de Leila? O que ela viu que tanto a impressionou?
      Leila ficou impressionada porque descobriu o mundo.

CRÔNICA: NO PAÍS DO FUTEBOL - CARLOS EDUARDO NOVAES - COM GABARITO

Crônica: No país do futebol

      Carlos Eduardo Novaes

        Juvenal Ouriço aproximou-se de um vendedor parado à porta de uma loja de eletrodomésticos e perguntou:
        – Qual desses oito televisores os senhores vão ligar na hora do jogo?
    – Qualquer um – disse o vendedor desinteressado.
        – Qualquer um não. Eu cheguei com duas horas de antecedência e mereço uma certa consideração.

        – Para que o senhor quer saber?
        – Para já ir tomando posição diante dele.
        O vendedor apontou para um aparelho. Juvenal observou os ângulos, pegou a almofada que o acompanhava ao Maracanã e sentou-se no meio da calçada.
        – Ei, psiu – chamou-o um mendigo recostado na parede da loja – como é que é, meu irmão?
        – Quer me botar na miséria? Esse ponto aqui é meu.
        – Eu não vou pedir esmola.
        – Então senta aqui ao meu lado.
        – Aí não vai dar para eu ver o jogo.
        – Na hora do jogo nós vamos lá pra casa.
        – Você tem TV em cores?
        – Claro. Você acha que eu fico me matando aqui pra quê?
        Juvenal agradeceu. Disse que preferia ficar na loja, onde tinha marcado encontro com uns amigos que não via desde a final da Copa de 78. O mendigo entendeu. E como gostou de Juvenal, lhe deu o chapéu onde recolhia esmolas. Juvenal, distraído, enfiou-o na cabeça.
        -- Não, não. Na cabeça não.
        -- Por que não?
        -- Já viu mendigo usar chapéu na cabeça? deixe-o aí no chão. Sempre pinga qualquer coisa.
        Aos poucos o público foi aumentando, operários, vendedores, contínuos, vagabundos, e às 15h e 45min já não havia mais lugar diante das lojas de eletrodomésticos, os retardatários corriam de uma para a outra à procura de uma brecha. Alguns ficavam pulando atrás da multidão tentando enxergar a tela do aparelho.
        -- Quer que eu lhe ajude? – perguntou um cidadão já meio irritado com um contínuo pulando rente às suas costas.
        -- Quero.
        -- Então me diz onde é o seu controle da vertical.
        -- Controle da vertical, por quê?
        -- Pra ver se você para de pular aqui nas minhas costas.
        As lojas concentravam multidões. As calçadas da cidade, que já são poucas, desapareciam completamente. Em jogos da Seleção Brasileira, durante a semana, cresce bastante o número de atropelamentos porque o pedestre é obrigado a circular pelas ruas. Além disso, os motoristas ficam muito mais ligados no rádio do que no trânsito.
        Na porta da loja onde estava Juvenal havia umas 200 pessoas do lado de fora e somente uma do lado de dentro: o gerente. Até os vendedores da loja já tinham se bandeado afirmando que assistir a um jogo atrás da televisão não é a mesma coisa que vê-lo atrás do gol. Quando a bola saía entravam os comentários dos torcedores.
        No início do segundo tempo, um cidadão que não se interessava por futebol (um dos 18 que a cidade abriga) foi pedindo licença à galera e com muita dificuldade conseguiu entrar na loja. O gerente foi ao seu encontro: “O senhor deseja algo?”
        – Um aparelho de televisão.
        – Por que o senhor não leva aquele?
        – Qual?
        – Aquele que está ligado ali na porta.
        – É bom?
        – O senhor ainda pergunta? Acha que haveria 200 pessoas diante dele se não tivesse uma boa imagem?
        – Bem…
        – E não é só isso – completou o gerente aproveitando a euforia do público com um gol do Brasil – que outro aparelho transmite emoções tão fortes?
        -- Essa gritaria toda foi diante do aparelho?
        -- Lógico. Esse é o novo televisor AP-007 dotado de controle de emoção. Só este televisor pode leva-lo do choro convulsivo à completa euforia.
        -- É mesmo? E se eu desejar vê-lo sentado quietinho na poltrona?
        -- Também pode, mas é aconselhável desligar o botão da emoção, se não o senhor não vai conseguir ficar quietinho na poltrona.
        O cidadão convenceu-se. Disse que ia levá-lo. O gerente, precavido, pediu-lhe para ir à porta da loja apanhá-lo. O cidadão não teve dúvidas. Ignorando aquela massa toda diante do seu aparelho, foi lá tranquilamente e cleck. Desligou-o.
        O que aconteceu depois eu deixo por conta da imaginação de vocês.

      NOVAES, Carlos Eduardo e outros. Para gostar de ler. São Paulo: Ática, 1991. p. 67-70.

Entendendo a crônica:

01 – O início da crônica apresenta uma cena comum: um homem vai a uma loja de eletrodomésticos para assistir, da calçada, a um jogo de futebol em um dos televisores à venda. Depois disso, no entanto, já não podemos dizer que o que acontece é tão frequente assim. Responda: que situações incomuns ou inesperadas ocorrem desde o início do texto até o momento em que o homem se senta na calçada?
      Ele pergunta ao vendedor qual televisor vão ligar na hora do jogo e ainda cobra atenção especial. Além disso, senta-se no meio da calçada com uma almofada.

02 – Quando o personagem Juvenal Ouriço senta-se na calçada, um mendigo puxa conversa com ele. O que pode ser considerado incomum entre as coisas que o mendigo lhe diz?
      O mendigo revela que tem casa com TV em cores e considera que o que está fazendo é um trabalho difícil. Além disso, oferece o chapéu a Juvenal, para que ele também peça esmola.

03 – Situações incomuns ou inesperadas são utilizadas pelos escritores em diversos gêneros textuais, mas com objetivos diferentes. Por exemplo, em histórias de terror, o inesperado é usado para dar sustos e causar medo; em histórias de aventura, um acontecimento inesperado pode dar mais ação à narrativa e ajudar a prender a atenção de quem está lendo. No caso dessa crônica, com que finalidade você acha que as situações inesperadas foram utilizadas?
      Elas foram utilizadas para gerar humor.

04 – A crônica “No país do futebol” foi publicada na década de 1970 em um jornal do Rio de Janeiro. Como outras crônicas, ela está baseada em acontecimentos reais do dia-a-dia e, graças a isso, a narrativa nos permite conhecer características da época em que foi escrita. Levando isso em conta, responda às questões a seguir.
a)   Transcreva do texto trechos que mostrem que muita gente já gostava de futebol naquela época.
“Aos poucos o público foi aumentando [...] já não havia mais lugar diante das lojas de eletrodomésticos”; “As lojas concentravam multidões”; “Em jogos da Seleção [...] os motoristas ficam muito mais ligados no rádio do que no transito”; “Na porta da loja onde estava Juvenal havia umas 200 pessoas do lado de fora [...]”; “[...] um cidadão que não se interessava por futebol (um dos 18 que a cidade abriga)...”.

b)   Quando está falando com o mendigo, Juvenal se espanta de ele possuir um televisor em cores em sua casa. Levando em conta a situação dele, por que você acha que ele se espantou?
Provavelmente porque, além de ser inesperado para a época um mendigo ter televisor, os aparelhos em cores deviam ser muito caros, já que se tratava de uma novidade no país.

c)   Atualmente, é comum as pessoas se reunirem em praças públicas para assistir em telões, em clima de festa, aos jogos da Copa do Mundo. Levando em conta as informações anteriores, por que você acha que naquela época as pessoas iam assistir ao jogo na rua, diante de uma loja? O motivo seria o mesmo de hoje?
Provavelmente não. O motivo de as pessoas iam para as ruas para assistir ao jogo devia ser o de que o televisor era um artigo muito caro e inacessível para boa parte das pessoas, especialmente o televisor em cores.

d)   Que trecho do texto mostra que a cidade estava preparada para esse tipo de aglomeração durante os jogos?
O trecho no qual se diz que ocorriam muitos atropelamentos porque os pedestres eram obrigados a circular pelas ruas, já que muita gente assistindo aos jogos nas calçadas, diante das lojas.

05 – No final da crônica, um homem entra na loja para comprar um televisor. Que características do aparelho são apontadas pelo vendedor e o que ele utiliza para comprovar sua qualidade?
      O vendedor fala de características como a boa imagem e a existência de um “controle de emoção”. Para comprovar a qualidade disso, utiliza a multidão que está diante do aparelho vendo o jogo.



TEXTO: A CASA-CUBO - COM QUESTÕES GABARITADAS

Texto: A casa-cubo

   Na Alemanha, um arquiteto inventou uma casinha que tem dois quartos, uma sala, uma sala de jantar, uma cozinha e um banheiro em apenas 7 m2. A mobília, as instalações, os equipamentos de comunicação e o som já vêm incluídos.
        A micro casa é ecologicamente correta: construída apenas com material reciclável, com uma vida útil de 10 anos, aproximadamente.
      A equipe que desenvolveu o projeto considera que as micro casas são pequenas demais para uma pessoa viver permanentemente, mas podem proporcionar tudo o que uma pessoa precisa por alguns meses. Portanto, apesar de serem pequenos cubos, oferecem alta qualidade para curtas temporadas.
        Richard  Horden, responsável pelo projeto, sugere alguns usos para ela: alojamento para estudantes universitários ou casa de campo.

http:www.programade corhouse.com.br/noticias.php?1D=238.
Acesso em 26 dez. 2010. (Adaptado).
Entendendo o texto:
01 – O inventor diz que a casa pode ser usada como alojamento estudantil ou casa de campo. Discutam sobre o que são e por que essa construção é boa para esses casos.
      Alojamento estudantil é um lugar onde ficam pessoas que estudam fora de suas cidades; Casa de campo é uma morada só para férias e fins de semana. Como, nesses casos, as pessoas ficam durante pouco tempo, uma casinha é suficiente.

02 – Analisem esta afirmação e digam qual conclusão se pode tirar dela:
        “A micro casa é ecologicamente correta: construída apenas com material reciclável...”
      Houve uma preocupação com a preservação da natureza ao escolher o material com que as micro casas foram construídas; o material poderá ser reaproveitado.

03 – Reparem na imagem e confiram se a casa pode ser mesmo comparada a um cubo. Se você fosse sorteado e ganhasse uma casinha dessa, para que finalidade a usariam?
      A casa tem formato de cubo. Resposta pessoal do aluno.

04 – Proponha outro título para o texto.
      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Micro casas; Pequenas casas em forma de cubo; etc.

05 – Releia o texto procurando as frases em que foram empregados os dois-pontos (:). Depois, indique a alternativa que explica o motivo do uso desse sinal de pontuação.
(   ) Foram usados dois-pontos porque depois veio uma pergunta.
(X) Foram usados dois-pontos porque a seguir veio uma explicação para o que estava dito antes.

06 – O texto conta sobre a invenção de uma casa bem pequena, por isso o autor se refere a ela como casinha. Mas, para não repetir demais essa palavra, ele usa outras no seu lugar. Descubra quais são e escreva.
      Micro casa; ela; pequenos cubos.


terça-feira, 11 de dezembro de 2018

CONTO: À MARGEM DA LINHA - PAULO RODRIGUES - COM QUESTÕES GABARITADAS

Conto: À margem da linha
            

              Paulo Rodrigues

        Uma tempestade, mesmo à luz do dia, é sempre assustadora, mas só à noite ela assume seus aspectos mais tenebrosos. Entretanto, quando ela desabou, graças aos conhecimentos que o Mano tinha do clima da região, nós já estávamos abrigados debaixo de uma enorme pedra que, despontando de dentro da terra, lembrava uma marquise. Para maior conforto, o chão onde nos assentamos era uma pedra tão ampla e mais plana que a de cima.
        -- Parece que a gente tá num altar – o Mano falou meio sem jeito, mas eu entendi que não havia nenhuma falta de respeito no que disse, pois queria apenas comparar aquele abrigo natural com certos nichos que abrigam santos nas Igrejas, ou aquelas espécies de grutas visitadas por romeiros devotos.
        Mais tarde, analisando melhor a frase do Mano, percebi que havia sim certo misticismo embutido nela, pois revelava inda que aquele singular conjunto de arquitetura era obra da providência, e estava justamente ali, na passagem dos caminhantes, para abriga-los nas notes de tormenta. O calor do fogo, que tivemos tempo de acender do aguaceiro, me fez entender o gesto dele se persignando. Imitei-o como sempre, inclinando humildemente o meu corpo. Só podia ser uma mão divina aquela que socorria os desamparados nas horas de desespero. Sim o Mano estava coberto de razão, pois dali, sentados sobre aqueles três metros de pedra seca, podíamos ouvir o barulho da enxurrada rasgando as encostas e assistir, ao clarão dos relâmpagos, o fantástico espetáculo da fúria remodelando a natureza ao nosso redor.
        -- Se chover direto, daqui uns dias vai ser o diabo...
        O Mano sabia que eram comuns os deslizamentos quando a chuva caía braba naqueles trechos escarpados. E só quando o sol se abrisse a gente poderia ver as encostas rasgadas de sulcos, expondo raízes de árvores tombadas e as novas lombadas de pedras assomando como abrigos ou terríveis ameaças. Só então os homens lutariam com a lama amontoada sobre os trilhos, num triste modo de quebrar a rotina.

                         RODRIGUES, Paulo. À margem da linha. São Paulo: Cosac Naify, 2001.

Entendendo o conto:
01 – O conto “À margem da linha” é narrada em primeira pessoa, pelo irmão mais novo. Na sua opinião, é possível perceber, nesse trecho, que ele tem grande admiração por Mano, o irmão mais velho? Explique, baseando-se em passagens do texto.
      Todas as referências a Mano mostram que este tem grande ascendência sobre o narrador, seu irmão caçula. Trechos que revelam essa ascendência: as referências aos conhecimentos de Mano – “graças aos conhecimentos que o Mano tinha”; “o Mano estava coberto de razão” –; e o fato de que o narrador costuma seguir o exemplo do irmão – “Imitei-o como sempre”.

02 – Assinale a(s) alternativa(s) que diz(em) respeito ao texto.
(X) A cena se passa numa zona rural.
(X) A cena se passa próximo de uma estrada de ferro.
(   ) A cena se passa numa região deserta, sem nenhuma vegetação.
(   ) A cena se passa numa região completamente plana.
(   ) Não é possível saber se a cena se passa de dia ou de noite.

03 – Transcreva do texto passagens que justifiquem as questões dadas abaixo:
a)   Algumas das passagens que deixam claro que a cena se passa na zona rural:
“Abrigo natural”; “Remodelando a natureza a nosso redor”.

b)   Resultado da tempestade:
“[...] Só então os homens lutariam com a lama amontoada sobre os trilhos, num triste modo de quebrar a rotina.”

c)   A região não é deserta:
“[...] E só quando o sol se abrisse a gente poderia ver as encostas rasgadas de sulcos, expondo raízes de árvores tombadas. [...]”

d)   A região não é plana:
“[...] a gente poderia ver as encostas rasgadas [...]”; “O Mano sabia que eram comuns os deslizamentos quando a chuva caía braba naqueles trechos escarpados. [...]”

e)   A cena se passa à noite:
“Uma tempestade [...] é sempre assustadora, mas só à noite [...]”; “[...] E só quando o sol se abrisse a gente poderia ver as encostas [...]”.

04 – A cena descreve uma tempestade que cai subitamente sobre os dois irmãos. Que outras palavras com significado semelhante ao de tempestade o autor emprega em seu texto?
      Tormenta, aguaceiro, enxurrada, chuva braba.

05 – No segundo e no terceiro parágrafo, o narrador descreve as impressões que a situação vivida por ele e seu irmão lhe desperta.
a)   Mano diz: “Parece que a gente tá num altar”. Como o narrador interpreta, no segundo parágrafo, esse comentário de seu irmão?
Segundo o narrador, Mano disse isso porque a forma das pedras lembra nichos que abrigam santos em Igrejas e grutas visitadas por romeiros.

b)   No terceiro parágrafo, o narrador muda um pouco essa interpretação, e diz que o comentário de Mano contém “certo misticismo”. Explique, com suas palavras, o que ele quis dizer com isso.
Ele passa acreditar que as pedras nas quais estão abrigados não estão ali por acaso, mas foram colocadas ali “pela providência”, para acolher caminhantes em noites de tormenta.

06 – No quarto parágrafo, Mano diz: “Se chover direto, daqui uns dias vai ser o diabo...”. No parágrafo seguinte a esse comentário de Mano, o narrador continua a descrever a situação que estão vivendo com “certo misticismo”? Explique.
      Não. No último parágrafo, o narrador como que “volta à realidade”: passa a descrever aquele cenário mais objetivamente.


CRÔNICA: PÂNICO - LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO - COM GABARITO

Crônica: Pânico         

      Luís Fernando Veríssimo

        O pai do aniversariante foi abrir a porta. Era outro pai.
        — Vim buscar o Edmundo.
        — Ah, o Edmundo.
        — Acho que a turma chama ele de Bocó.
        — O Bocó. Certo. Não quer entrar?
        — Obrigado. Espero aqui.
        O pai do aniversariante entrou na sala e anunciou: — Vieram buscar o Bocó!
        Só conseguiu ser ouvido na terceira vez, porque a algazarra era grande.
        — Bocó! Seu pai está aí.
        Ninguém se apresentou.
        — Edmundo? Tem algum Edmundo?
        Ninguém. O aniversariante não sabia do Bocó. Nem se lembrava de tê-lo visto na festa. Pensando bem, não conhecia nenhum Bocó.
        — Como não conhece? Ele está aqui. O pai dele veio buscar.
        O pai e a mãe do aniversariante saíram pelo apartamento atrás do Bocó. Bateram na porta do banheiro, ocupado por oito meninas ao mesmo tempo. O Bocó não estava entre elas. Procuraram pelos quartos. No quarto do aniversariante tinha se instalado uma dissidência literária. Um grupo espalhado pelo chão lia as revistinhas do aniversariante. Nenhum deles era o Bocó. Mas um se chamava Edmundo.
        — Tem certeza que seu apelido não é Bocó?
        — Não. É Palito.
        O pai e a mãe do aniversariante se entreolharam. E agora? Não podiam simplesmente dizer ao pai do Bocó que seu filho desaparecera. Decidiram reunir todos os convidados na sala. As meninas foram corridas do banheiro, os quartos foram esvaziados, todos para a sala.
        — Quem é que se chama Edmundo? Você não, Palito.
        Ninguém, além do Palito, se chamava Edmundo. E Bocó? Tinha algum Bocó no grupo? Nenhum. Alguém sabia que fim levara o Bocó?
        Loreta, uma gordinha de cor-de-rosa, levantou a mão. — Acho que o pai dele já veio buscar.
        — Ai, meu Deus — disse a mãe do aniversariante, baixinho.
        — Você viu o Bocó sair com alguém?
        — Acho que vi. Com um homem.
        — Como era o homem?
        — Tinha uma barba preta.
        — Ai, meu Deus — repetiu a mãe do aniversariante.
        Precisavam dizer alguma coisa para o pai do Bocó. Mas o quê? Oferecer outra criança em lugar do Bocó? O Palito? "Ele é um pouco magro, mas olhe: damos esta gordinha de brinde". A responsabilidade era deles. Precisavam evitar o escândalo. Precisavam, antes de mais nada, ganhar tempo.
        Foram até a porta.
        — O senhor tem certeza que não quer entrar?
        — Obrigado.
        — Não nos leve a mal, mas o senhor pode provar que é pai do Bocó?
        — Provar? Como, provar?
        — Hoje em dia, todo cuidado é pouco.
        — Mas é só trazer o Bocó aqui. Ele vai me reconhecer.
        — Sei não. Criança é muito sugestionável.
        — Mas isto é um absurdo! Eu não tenho nenhum documento que diga "Pai do Bocó”.
        — Uma foto
        — Tenho!
        O pai do Bocó produziu uma foto. Ele, a mulher, o Bocó e outra criança, de colo. O pai do aniversariante pegou a foto, disse "Um momentinho", e levou a foto para a sala. A Loreta examinou a foto. Confirmou que fora aquele Bocó que vira sendo levado pelo homem de barba preta. "Ai, meu Deus!", disse a mãe do aniversariante. O pai do aniversariante levou a foto de volta ao pai do Bocó.
        — Ele não o reconheceu.
        — O quê?!
        O pai do Bocó tentou entrar no apartamento, mas foi contido pelo pai do aniversariante.
        — Epa. Epa! Aqui o senhor não entra. Aliás, nem sei como entrou no prédio.
        — Eu disse ao porteiro que vinha buscar uma criança na festa do 410.
        — Vou falar com esse porteiro. Que segurança é essa? Deixam entrar qualquer um. Homem de barba preta...
        — Homem de barba preta? — perguntou o pai do Bocó.
        — 410? — perguntou o pai do aniversariante, dando-se conta.
        — Que homem de barba preta?
        — Este não é o 410. É o 510.
        — Que homem de barba pre... Este é o 510?
        --- Você bateu no apartamento errado.
        — Aqui não é a festa de aniversário do Piolho?
        — Não. É a festa de aniversário do Felipe. Foi por isso que seu filho não o reconheceu!
        — Está explicado!
        Os dois apertaram-se as mãos, e o pai do Bocó foi buscar o filho no apartamento de baixo, aliviado. A história só não acabou bem para a Loreta, que levou tanto safanão que chegou em casa sem o top do vestido.

            VERISSIMO, Luís Fernando. Festa de criança. São Paulo: Ática, 2002. p. 45-8.

Entendendo a crônica:
01 – Levando em conta os acontecimentos narrados na crônica, como você poderia explicar o título Pânico?
      O título justifica porque está ligado à preocupação dos pais com o suposto sumiço da criança na festa.

02 – Entre as situações relacionadas a seguir, marque todas as que você, por algum motivo, achou engraçadas.
(   ) O apelido do menino ser Bocó.
(   ) Os pais procurarem o menino por todo o apartamento.
(   ) O banheiro ter oito meninas ao mesmo tempo.
(   ) O pai do Bocó dizer que não tem um documento escrito: “Pai do Bocó”.
(   ) Os pais do aniversariante pensarem em oferecer ao pai de Bocó uma criança mais magra no lugar de seu filho e, para compensar, entregar uma menina gordinha como brinde.
(   ) O pai do aniversariante pedir ao outro pai para provar que era o pai de Bocó.
(   ) A mãe do aniversariante ficar dizendo “Ai, meu Deus!”
(   ) O pai de Bocó ter errado de apartamento.
(   ) A menina Loreta ter levado safanões.
      Resposta pessoal do aluno.

03 – Com relação às personagens da crônica, você deve ter percebido que poucas delas recebem algum nome ou apelido. Responda:
a)   Quais são os únicos nomes ou apelidos que aparecem?
Edmundo (Bocó), Edmundo (Palito), Loreta, Felipe e Piolho.

b)   Observe agora as personagens que não têm nomes. Como o narrador se refere a elas?
“Pai do aniversariante”; “Mãe do aniversariante”; “Pai do Bocó” e “homem de barba preta”.

c)   Levando em conta que as crônicas fala, geralmente, de situações cotidianas que poderiam ter acontecidos com qualquer pessoa e em qualquer lugar, por que você acha que nem todas as personagens receberam nomes?
Resposta pessoal do aluno. Sugestão: porque as personagens praticamente não sã caracterizadas.

04 – É apenas no final da narrativa que ficamos sabendo os nomes dos aniversariantes. Escreva uma fala que o pai de Edmundo poderia ter dito no início do texto e que teria evitado toda a confusão.
      “Esta é a festa de aniversário do Piolho?”

05 – No final, também descobrimos que toda confusão ocorreu porque o pai de Bocó havia errado de apartamento. O que deve ter acontecido para que a personagem cometesse esse erro?
      Como se trata não apenas de um erro de apartamento, mas também de andar, provavelmente o pai já havia apertado o botão errado do andar no elevador.    

06 – Quem deu uma informação que gerou pânico nos pais do aniversariante? Qual foi a informação?
      Quem deu a informação foi Loreta, uma das convidadas. A informação era a de que Bocó tinha sido levado por um homem de barba preta.