Conto: A TORRE
Um dia entre os dias, numa manhã de sol
e vento, investigando o labiríntico harém, a odalisquinha descobriu uma porta
que nunca tinha visto. A porta era velha e reclamou quando Leila fez força para
entrar. Lá dentro, o escuro era frio e o silêncio medonho. Ao ouvir passos se
aproximando, Leila fechou a porta e saiu dali como quem não quer nada.
No dia seguinte, numa tarde de vento e
sol, quando até as escravas cochilavam enquanto espantavam as moscas da
mulherada adormecida, ela voltou com um xale para o frio e, para o escuro, uma
lamparina a óleo digna de confiança – isto é, cheia de óleo e não de gênio
peludo. Para o medo, ela escolheu uma de suas canções preferidas e foi
cantarolando enquanto subia os degraus, pois a porta dava diretamente numa
escada, uma escada em caracol que não parava de subir. Leila já tinha cantado a
música 33 vezes quando viu uma luz no fim da escada. Outra porta, pequena e
oval. Leila encostou a mão. A porta era de uma madeira quentinha e não deu um
pio quando a menina a empurrou.
O pequeno aposento era uma concha, um
ninho, uma caverna. Parecia pequeno, mas era infinito, parecia novo e muito
antigo. As paredes, o teto e o chão eram de madeira trabalhada, muitas madeiras
de várias cores, encaixadas umas nas outras, formando desenhos que mais tarde
Leila soube serem os desenhos do mundo como ele é.
As paredes côncavas estavam cobertas de
livros e pergaminhos, desenhos, pincéis e tintas, mapas-múndi, objetos
estranhos e instrumentos que ela logo reconheceu, porque eram os mesmos que seu
pai usava quando namorava as estrelas. Tudo isso banhava numa luz, ora doce,
ora forte, ora dourada, ora transparente, segundo o humor do dia e a forma das
janelas e vitrais encravados entre as estantes. O quarto flutuava num
permanente sussurro aquático que lhe dava ares de navio.
Atrás de Leila a porta fechou-se
devagar. A menina suspirou profundamente: aquele lugar provocava muitos
sentimentos embolados dentro dela. Evocava um mar quentinho e escuro de um
tempo antes da memória. Lembrou-lhe seu pai, com sua cabeça no lugar, fingindo
não perceber que ela se escondia entre as mangas de suas largas vestes de
astrônomo para tirar uma casquinha de seu namoro com as estrelas. E lembrou-lhe
também lembranças futuras, que por serem futuras não podem ser descritas no
tempo de agora.
A pequena odalisca dirigiu-se para a
janela maior, coroada de hera, onde os pássaros minúsculos, cujas asas batiam
mais rápido que o coração de Leila, tinham feito seus ninhos. A janela abriu-se
sozinha e Leila viu. Viu que o harém era um emaranhado de jardins, fontes,
árvores, frutos, pássaros, mulheres, aconchegado no abraço dos muros do
palácio. Que o palácio era protegido pelas muralhas da cidade onde cantavam mil
minaretes e cujas cúpulas cintilavam sob o sol.
Que a cidade estava num país azul de
montanhas e lagos. E que, em toda parte, circundava o deserto, o móvel,
absoluto, enigmático e ventoso deserto. E lá, no mais longe dos longes, Leila
viu o verde mar com pontinhos dourados que são as cócegas que faz o sol
brincando nele. Pela ogiva da janela da torre, Leila viu o mundo e, surpresa,
adormeceu ao som fluido da luz do poente.
ALPHEN, Pauline. A odalisca e o elefante. São
Paulo: Companhia das Letrinhas, 1998.
Entendendo o conto:
01 – Quando decidiu
investigar o castelo onde era prisioneira, Leila deparou com uma porta que
nunca tinha visto:
a)
O que havia do lado de lá dessa porta?
Um “escuro frio” e um “silêncio medonho”.
b)
Leila entrou por essa porta, depois de a
abrir? Por quê?
Não, porque ouviu passos se aproximando.
02 – No dia seguinte, Leila
retorna à exploração do castelo munida de algumas “armas”. Qual a finalidade de
cada uma delas? Responda completando o esquema baixo:
ARMA FINALIDADE
Xale – Combater o
frio.
Lamparina cheia de óleo – Combater a
escuridão.
Canção – Combater o medo provocado pelo
Silêncio.
03 – Releia a frase:
“[...] Leila já tinha cantado a música
33 vezes quando viu uma luz no fim da escada. [...]”
Assinale com X a alternativa
que você julga correta em relação a essa frase. O narrador quis mostrar que:
( ) Leila gostava muito da canção que tinha
escolhido para cantar enquanto subia a escada.
(X) Leila estava com muito medo.
( ) Leila ficou enjoada de tanto cantar a
mesma canção.
04 – O pequeno aposento em
que Leila chegou é descrito como se fosse um lugar que causava em quem o via
impressões diferentes e contraditórias. Assinale o trecho que pode ser usado
para comprovar tal afirmação:
( ) “As paredes côncavas estavam cobertas de
livros e pergaminhos. [...]”.
(X) “[...] Parecia pequeno, mas era
infinito, parecia novo e muito antigo. [...]”
( ) “As paredes, o teto e o chão eram de
madeira trabalhada. [...]”.
05 – No texto, há inúmeros
trechos que descrevem lugares. Relacione cada um dos trechos a seguir ao
sentido privilegiado pelo narrador para descrever como são esses lugares.
1 – visão. 2 – audição. 3 – tato.
a)
“[...] A porta era de uma madeira quentinha 1 – 3 e não
deu um pio 2 quando a menina a
empurrou.
b)
“[...] As paredes, o teto e o chão eram de
madeira trabalhada, muitas madeiras
de várias cores 1 [...]”.
06 – Assinale as
alternativas que completam corretamente o trecho a seguir:
“Dentro do pequeno aposento, Leila...”
(X) Recordou-se de seu pai, pois ali
havia os mesmos aparelhos que ele usava para estudar o céu.
(X) Sentiu-se navegando no mar, uma
vez que o local parecia flutuar.
( ) Ficou encantada com a sensação de paz do
local.
07 – Ao olhar pela janela da
torre, qual a descoberta de Leila? O que ela viu que tanto a impressionou?
Leila ficou
impressionada porque descobriu o mundo.